Estudos e Pesquisas em Psicologia
2025, Vol. 25. e83945, doi:10.12957/epp.2025.83945
ISSN 1808-4281 (online version)
PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO
Sentimentos e Estratégias de Enfrentamento de Pessoas Idosas frente à Pandemia da Covid-19 no Brasil
Feelings and Coping Strategies of Elderly People in the Covid-19 Pandemic in Brazil
Sentimientos y Estrategias de Afrontamiento de Adultos Mayores ante la Pandemia de Covid-19 en Brasil
Heloísa Gonçalves Ferreira a, Luana Campos Silva a
a Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
Endereço para correspondência
RESUMO
O presente estudo teve como objetivo investigar qualitativamente os sentimentos e estratégias de enfrentamento de pessoas idosas diante da pandemia da Covid-19, com ênfase nos impactos causados pelo isolamento domiciliar durante o primeiro ano de pandemia. Participaram do estudo 20 pessoas com 60 anos ou mais usuárias da Internet. Entrevistas semiestruturadas foram realizadas através de plataformas online, e a análise dos dados empregou a análise temática de Braun e Clarke. Os resultados são apresentados dentro de dois eixos temáticos: Sentimentos e Estratégias de Enfrentamento, estas compreendidas conforme o modelo proposto por Folkman e Lazarus. Predominaram sentimentos como medo, insegurança e tristeza. As estratégias de enfrentamento centradas nas emoções foram frequentes, com destaque para práticas voltadas para religiosidade e espiritualidade, atividades prazerosas, e o uso da tecnologia. Majoritariamente, foram adotadas estratégias de enfrentamento adaptativas e, apesar de menos frequentes, sentimentos agradáveis após o uso de estratégias de enfrentamento foram relatados. Conclui-se que os participantes demonstraram possuir recursos e habilidades para enfrentar o cenário de crise. Este estudo contribui para compreender as experiências emocionais e estratégias de enfrentamento adotadas pelas pessoas idosas, sendo relevante para o planejamento de intervenções que minimizem os impactos psicológicos em cenários de crise.
Palavras-chave: pessoas idosas, estratégias de enfrentamento, pandemia, saúde mental.
ABSTRACT
This current research aims to qualitatively investigate the feelings and coping strategies of elderly people facing the Covid-19 pandemic, especially regarding the impacts caused by home isolation in the first year of the pandemic. Twenty internet users of age sixty or above took part in the study. Semi-structured interviews were conducted through online platforms, and the data was analyzed using Braun and Clarke's thematic analysis. The results are presented in two thematic axes: Feelings and Coping Strategies, the latter understood according to the model proposed by Folkman and Lazarus. Feelings such as fear, insecurity and sadness were predominant. Coping strategies focused on emotions were frequent, with emphasis on religious and spiritual practices, pleasant activities, and the use of technology. For the most part, adaptive coping strategies were adopted and, although less frequent, positive feelings after using coping strategies were reported. It is concluded that the participants demonstrated that they had resources and skills to cope with the crisis scenario. This study contributes to the understanding of emotional experiences and coping strategies adopted by older adults, and is relevant for planning interventions to minimize psychological impacts in crisis scenarios.
Keywords: elderly people, coping strategies, pandemic, mental health.
RESUMEN
El objetivo de este estudio fue investigar cualitativamente los sentimientos y las estrategias de afrontamiento de adultos mayores frente a la pandemia de Covid-19, con énfasis en los impactos del aislamiento domiciliario durante el primer año de la pandemia. Participaron 20 personas mayores de 60 años usuarias de Internet. Se realizaron entrevistas semiestructuradas en plataformas online y los datos se analizaron mediante el análisis temático de Braun y Clarke. Los resultados se agrupan en dos ejes: Sentimientos y Estrategias de afrontamiento, según el modelo de Folkman y Lazarus. Predominaron sentimientos como miedo, inseguridad y tristeza. Fueron frecuentes las estrategias de afrontamiento centradas en las emociones, destacando prácticas religiosas, actividades placenteras y el uso de la tecnología. En su mayoría, se adoptaron estrategias adaptativas y, aunque menos frecuentes, se informaron sentimientos positivos post-estrategias. Se concluye que los participantes demostraron recursos y habilidades para enfrentar la crisis. Este estudio contribuye a comprender las experiencias emocionales y estrategias de afrontamiento de adultos mayores, siendo relevante para planificar intervenciones que minimicen el impacto psicológico en situaciones de crisis.
Palabras clave: adultos mayores, estrategias de afrontamiento, pandemia, salud mental.
Em dezembro de 2019, foram documentados os primeiros casos de quadros de pneumonia causados pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2) na China (Deng & Peng, 2020). A nova doença, nomeada Covid-19 pela Organização Mundial da Saúde, espalhou-se rapidamente pelo mundo, levando à sua caracterização como uma pandemia (Organização Mundial da Saúde [OMS], 2020). Pessoas idosas foram identificadas como um dos grupos de risco, por apresentarem maiores chances de comprometimento da função imunológica (Liu et al., 2020).
Em situações de pandemia, como no caso da Covid-19, e na ausência de vacinas para todos e tratamentos específicos disponíveis para lidar com o vírus, ações tradicionais não farmacológicas de saúde pública foram empregadas com o objetivo de conter a propagação do vírus e evitar novos casos de contaminação e mortes. O isolamento domiciliar foi uma das principais medidas adotadas para evitar a infecção de novos casos e a sobrecarga do sistema de saúde (Wilder-Smith & Freedman, 2020). Apesar da importância dessas ações, elas implicaram em impactos psicológicos e sociais para a população.
Os impactos psicológicos foram distintos para indivíduos e grupos de pessoas, dependendo de características sociodemográficas, como renda e idade, e de fatores como a disponibilidade de redes de suporte social e histórico pessoal e familiar de transtornos mentais (Melo et al., 2021; Romero et al., 2021; Vahia et al., 2020). Foram observados reações e sentimentos como desorientação, insegurança, sobrecarga, medo, angústia, raiva, negação, catastrofização, sintomas de depressão e ansiedade, ou até mesmo indiferença ou anestesiamento diante da situação (Melo et al., 2021; OMS, 2020).
No Brasil, a crise sanitária foi agravada por fatores além da própria pandemia, criando uma "crise dentro da crise". A ausência de um plano nacional unificado, a politização das medidas de combate à Covid-19 e a disseminação de informações falsas geraram confusão, desconfiança nas instituições e dificultaram a adesão às medidas de prevenção. A situação se tornou ainda mais crítica devido à fragilidade do sistema de saúde, que já enfrentava subfinanciamento e desigualdades regionais, e à ausência de apoio social adequado para grupos vulneráveis, o que dificultou o cumprimento do isolamento social (Henriques & Vasconcelos, 2020).
Para as pessoas idosas, os desafios foram ainda maiores. Além de pertencerem ao grupo de risco para a infecção por coronavírus (Liu et al., 2020), estavam particularmente vulneráveis aos efeitos negativos das medidas de restrição social, por já serem mais suscetíveis a experimentar sentimentos de solidão e depressão, tendo o isolamento social como importante fator de risco para esses desfechos (Armitage & Nellums, 2020). No cenário pandêmico brasileiro, os idosos sofreram impactos desiguais na saúde, renda e cuidados, e muitos relataram sentimento frequente de solidão, um importante preditor de mortalidade e risco clínico na velhice (Romero et al., 2021).
Nesse contexto, faz-se relevante investigar as estratégias de enfrentamento utilizadas por pessoas idosas. De acordo com o modelo de Folkman e Lazarus (1980), as estratégias de enfrentamento, também chamadas de coping, são um conjunto de esforços cognitivos e comportamentais que os indivíduos utilizam para manejar situações consideradas estressantes, ou seja, situações avaliadas como significativas e que inicialmente excedem os recursos pessoais. Essas estratégias podem ser focadas no problema ou na emoção, sendo desenvolvidas e utilizadas para reduzir, minimizar ou tolerar tanto as demandas internas quanto externas (Antoniazzi et al., 1998; Dias & Pais-Ribeiro, 2019). Ressalta-se que são esforços intencionais, portanto são ações escolhidas pelos indivíduos, podendo ser aprendidas, usadas e descartadas. Assim, as estratégias de enfrentamento representam qualquer tentativa de lidar com o evento estressor, sendo bem-sucedidas ou não, e podendo ter impactos positivos ou negativos na saúde e bem-estar do indivíduo (Antoniazzi et al., 1998).
Compreender como as pessoas idosas vivenciaram a crise e as estratégias de enfrentamento que adotaram pode possibilitar o desenvolvimento de intervenções eficazes para promover seu bem-estar físico e psicológico em tempos de crise. Dessa forma, o objetivo do presente estudo foi compreender o impacto da pandemia na saúde mental de pessoas idosas, investigando qualitativamente os sentimentos e as estratégias de enfrentamento desse público no contexto da pandemia de Covid-19, com ênfase nos impactos causados pelo isolamento domiciliar durante a primeira onda da doença.
Método
O estudo é descritivo, exploratório e de corte transversal, amparado por metodologias qualitativas de pesquisa. Foram consideradas pessoas idosas aquelas com 60 anos ou mais, conforme estabelecido pelo Estatuto da Pessoa Idosa (Senado Federal, 2022). Os participantes são pessoas idosas usuárias da internet, que participaram anteriormente de uma pesquisa survey online divulgada por meios de comunicação na internet, dadas as dificuldades e limitações de contato presencial que o momento histórico impôs. A pesquisa survey investigou indicadores de saúde mental e questionou os participantes sobre sua disponibilidade para uma entrevista semiestruturada via plataformas online. Trezentos e oitenta e quatro pessoas idosas responderam à survey online, sendo que 223 participantes responderam que gostariam de ser entrevistados. Os participantes que demonstraram interesse em ser entrevistados foram contatados, através do e-mail, para confirmar seu interesse na entrevista.
Um total de 20 participantes retornaram o e-mail confirmando o interesse e foram entrevistados. Não houve restrições de sexo, cor, escolaridade, renda ou outras variáveis sociodemográficas (com exceção da idade) para estruturação da amostra. Foi utilizado um roteiro de entrevista semiestruturada composto por três seções: (1) caracterização sociodemográfica; (2) crenças, atitudes e sentimentos com relação à pandemia da Covid-19; (3) crenças, atitudes e sentimentos com relação ao isolamento domiciliar imposto pela pandemia da Covid-19. O participante pôde escolher a plataforma de sua preferência para a entrevista, podendo ser Skype, Zoom, Google Meet ou WhatsApp, desde que fossem plataformas gratuitas. Os participantes já haviam concordado em participar da pesquisa quando responderam à pesquisa survey online, com a concordância online do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Antes do início da entrevista, foram retomados os termos e conteúdos do TCLE e foi questionado ao participante se havia alguma dúvida ou esclarecimento a ser feito. As entrevistas, realizadas no segundo semestre de 2020, foram audiogravadas e transcritas na íntegra e literalmente.
O estudo está amparado nas resoluções nº 466, de 12/12/2012, e nº 510, de 07/04/2016, do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Pedro Ernesto vinculado à Universidade do Estado do Rio de Janeiro, CAAE n. 30915820.2.0000.5259.
A análise dos dados foi realizada por meio do método de análise temática, de Braun e Clarke, que identifica, analisa e relata padrões - os temas - dentro dos dados, seguindo seis etapas: (1) familiarização com os dados; (2) geração dos códigos; (3) busca de temas; (4) revisão dos temas; (5) definição e nomeação dos temas; e (6) produção do relatório (Braun & Clarke, 2006). Ambas as autoras participaram do processo de análise. A segunda autora, após receber treinamento para a aplicação do método, conduziu as seis etapas do processo, e a primeira autora participou ativamente na revisão, validação e refinamento dos temas gerados.
Objetivando abranger os sentimentos e formas de enfrentamento das pessoas idosas frente à pandemia de Covid-19, foram estabelecidos dois eixos temáticos: Sentimentos e Estratégias de Enfrentamento. Dessa forma, por meio da análise temática, foram gerados temas dentro de ambos os eixos temáticos. Os dados foram interpretados à luz da literatura da área, com foco em estudos que abordavam os impactos da pandemia na saúde mental de pessoas idosas e as estratégias de enfrentamento adotadas por esse grupo.
Resultados e Discussão
A partir dos dados sociodemográficos coletados no início das entrevistas, observou-se que a maioria dos participantes era do sexo feminino (n = 14; 70%), estava na faixa etária entre 60 e 70 anos (n = 10; 50%), com idade média de 69,4 anos (dp = 6,48) e escolaridade de nível superior (n = 16; 80%). Quanto ao estado civil, a maioria era divorciada, desquitada ou separada (n = 9; 45%).
No eixo temático Sentimentos, foram definidos três temas: (1) sentimentos relacionados ao panorama da pandemia no país; (2) sentimentos relacionados às mudanças e medidas impostas pela pandemia; e (3) sentimentos após a utilização de estratégias de enfrentamento. Já no eixo temático Estratégias de Enfrentamento, foram definidos seis temas: (1) controle do consumo de informações; (2) manejo de riscos; (3) comportamentos de excesso; (4) estratégias cognitivas; (5) práticas voltadas para religiosidade e espiritualidade; e (6) atividades prazerosas.
Sentimentos
A temática sentimentos relacionados ao panorama da pandemia no país abrange tanto os sentimentos dos participantes sobre a situação política e social quanto sobre a atuação da mídia durante o primeiro ano de pandemia. Também inclui os sentimentos em relação ao próprio vírus e ao que ele representava para essas pessoas.
Tratando-se da possibilidade de contaminação e da ameaça representada pelo vírus, os participantes relataram preocupação e medo: "sempre preocupada, com medo que aconteça contigo, você vive no esquema de se desinfetar, de se cuidar, porque o medo paira, né?" (Participante 13).
Também houve relatos de insegurança e confusão com as diferentes informações veiculadas nas mídias: "Eu vejo um canal de televisão que fala uma coisa e vejo um outro que fala outra, estão brigando para defender uma ideologia deles, seja ideologia política, filosófica, sei lá o quê, mas não dá para confiar na mídia" (Participante 6), "Você vê também que, às vezes, existem, assim, posições bastante contraditórias, né?"(Participante 14). Além disso, foram relatados sentimentos de incerteza e insegurança sobre a possibilidade de contaminação e transmissão do vírus:
Gera muita incerteza porque você não sabe o momento que você está ou não seguro […] você não sabe se você vai adoecer de novo, você não sabe se você ainda está transmitindo. E isso me gerou assim uma angústia de você não saber, né, o quanto você pode estar se contaminando, o quanto você pode tá contaminando o outro e isso significava ficar em casa novamente. O fato de você ter tido e sobrevivido não te dá nenhum privilégio, né. Então é um momento assim muito incerto (Participante 3).
Apesar dos efeitos negativos da pandemia nas atividades econômicas e na renda familiar de muitas pessoas idosas brasileiras (Romero et al., 2021), a maioria dos participantes não relatou preocupações significativas com dificuldades econômicas durante a pandemia. No entanto, surgiram manifestações de preocupação com as pessoas mais desfavorecidas socioeconomicamente: "Sem contar a questão assim global mesmo, né, das pessoas que tão aí sem ter condições de sobreviver nem de comer, né, muita gente. Isso mexe muito com a estrutura emocional da gente"(Participante 2); "Eu fiquei muito apreensiva, muito preocupada com pessoas mais humildes que eu convivo muito, que moram em comunidade, que pegam trem, uma série de coisas; e que custaram a parar, porque o governo não pagava nunca o auxílio" (Participante 20).
A pesquisa de Romero et al. (2021) acerca dos efeitos do contexto pandêmico nas condições de saúde, renda e trabalho de pessoas idosas brasileiras aponta para a diminuição da renda em quase metade dos domicílios de sua amostra, sendo os mais afetados aqueles de baixo nível socioeconômico - com renda per capita domiciliar menor que um salário-mínimo. Considerando que a amostra da presente pesquisa é majoritariamente composta por pessoas idosas com alta escolaridade e melhores condições socioeconômicas, é possível que estas não tenham sido impactadas de forma tão significativa. No entanto, seus sentimentos de preocupação com as condições de outras pessoas sugerem um impacto socioeconômico mais grave em outros grupos, assim como a presença de empatia no relato dos participantes.
Relatos de compaixão por aqueles que sofriam com a doença ou pelo isolamento, e de tristeza pelas mortes em decorrência do vírus, foram constantes: "A tristeza invade a gente, ver pessoas falecendo, pessoas sendo hospitalizadas, outras em casa sem poder ter contato com ninguém, é muito difícil" (Participante 9), "eu chorei muito de ver amigos meus, na mesma rua que eu moro, que perderam a vida pela COVID" (Participante 11). Esses dados corroboram com as descobertas do estudo de Melo et al. (2021), que observaram, no início da pandemia, que, mesmo em meio à crise, sentimentos de solidariedade e empatia estiveram presentes, levando a ações de cuidado mútuo e a um senso de coletividade.
O segundo tema do eixo temático Sentimentos, nomeado "sentimentos relacionados às mudanças e medidas impostas pela pandemia", compreende os sentimentos ligados às medidas impostas para conter a pandemia e às mudanças consequentes nas vidas das pessoas idosas.
Observou-se um estado reflexivo entre os participantes, de reavaliação de sua vida e ações: "Começo a fazer uma reavaliação das coisas, organizar, analisar, já partindo do seguinte princípio: posso estar aqui e amanhã posso não estar" (Participante 4).
A maioria (n = 19; 95%) relatou seguir as principais medidas de enfrentamento estabelecidas naquele momento da pandemia, sendo elas o isolamento domiciliar, o uso de máscaras e o aumento de práticas de higienização. Percebeu-se em diversos relatos que sentiam satisfação em "fazer sua parte" e se proteger: "Eu me sinto bem e me sinto fazendo a minha parte como cidadã" (Participante 19). No entanto, também surgiram sentimento de tristeza pela perda de liberdade, ansiedade e incômodo com as práticas de higiene e prevenção: "tinha momentos que eu me entristecia porque tirou minha liberdade" (Participante 11), "Toda compra, tudo, tudo tem que ser passado álcool setenta, meu Deus do céu" (Participante 18).
Com a restrição de contato social, houve saudade de estar com a família e amigos, destacando-se a saudade dos filhos e netos: "O meu desconforto é só em relação a isso, não ter contato com meus filhos e netos, essa questão de estar junto das pessoas que você ama" (Participante 10), "Eu gosto de conviver com as pessoas, sinto falta de me encontrar com as amigas, né?" (Participante 12).
A família também surgiu como alvo de preocupação dos participantes, que expressaram preocupação com o impacto da pandemia sobre seus familiares e o risco de contaminação:
Eu estou enclausurada, confinada mesmo, morrendo de medo, porque graças a Deus eu tenho uma mãe de 98 anos, ela está ótima, sem problema, e fico preocupada com uma família grande; tenho neto, tenho filho, e aí fica mais complicado (Participante 5).
Por outro lado, o isolamento ocasionou uma intensificação da convivência entre as pessoas que moravam juntas, aumentando o estresse para alguns: "Teve alguns momentos de estresse, conflito com a pessoa com quem eu vivo e a filha também'' (Participante 8).
Outro importante sentimento relatado, associado a essas mudanças, foi a saudade da rotina e das atividades de lazer:
Não poder fazer as coisas que te dão muito prazer, sair, ouvir música […], se eu tenho um buraquinho, eu me enfio no cinema, e chega uma hora que o streaming, nem nada que você acesse não é a mesma coisa (Participante 20).
Gomes et al. (2021) relataram experiências semelhantes em pessoas idosas no Ceará, como sentimento de saudade da rotina extradomiciliar, das atividades realizadas antes da pandemia e do convívio familiar, angústia frente às incertezas, preocupação com medidas preventivas e tristeza pela perda de liberdade. Ao avaliarem sua qualidade de vida durante esse período, as pessoas idosas consideraram principalmente os domínios das relações sociais e o domínio psicológico.
O incômodo por não poder cuidar do corpo e da aparência como desejavam foi mencionado algumas vezes, sempre por mulheres: "Acho que fisicamente tá bem difícil de manter assim […] dentro de um apartamento isso é bem limitado e eu gosto de correr na rua e, pra mim, tá terrível" (Participante 2), "A raiz [do cabelo] já tava assim: branca! Eu tava angustiada de ver aquilo" (Participante 12).
Em um desses relatos, apareceu uma associação entre a dificuldade de realizar determinados cuidados - como tingir os cabelos - e o aumento do julgamento e policiamento por parte de outras pessoas. Isso sugere contextos idadistas propagados durante a pandemia, nos quais a heterogeneidade da velhice foi apagada e as pessoas idosas foram vistas como frágeis, sem consideração por sua autonomia (Silva et al., 2021).
O terceiro e último tema do eixo sentimentos foi nomeado "sentimentos após a utilização de estratégias de enfrentamento". Esse tema aborda as formas como os participantes se sentiram após desenvolverem e utilizarem estratégias de enfrentamento no contexto de alguns meses de pandemia no Brasil. Um dos principais sentimentos relatados foi tranquilidade após conseguir se adaptar ao novo contexto: "Eu tenho passado pela pandemia com muita facilidade. A princípio, foi muito difícil a gente se acostumar a ficar dentro de casa. Mas, depois, com esse envolvimento que eu tive aqui com as atividades da internet, estudo…" (Participante 17).
Alguns participantes relataram satisfação por conseguirem realizar atividades que antes não faziam devido à falta de tempo ou que não faziam parte de suas antigas rotinas. Isso se relaciona com o destaque dado às atividades prazerosas como estratégias de enfrentamento: "Então, vejo um saldo positivo em tudo isso, apesar de não ser a minha primeira escolha, existem muitas coisas boas a se fazer confinada" (Participante 2).
Também surgiram relatos de bem-estar associados ao contato com a natureza, que ocorreu principalmente ao se isolarem em casas no interior ou ao visitarem familiares em locais mais afastados, após certa flexibilização das medidas de prevenção:
Então, foi assim, nós saímos daqui, fomos para o interior, mas foi pra um lugar onde o contato era grande mesmo com a natureza e foi muito bom! Me fez muito bem! […] Foi uma semana assim de recomposição. Eu me senti assim, sabe, refeita em muitas coisas (Participante 14).
Embora os sentimentos agradáveis não tenham sido os mais frequentes durante as entrevistas, eles sugerem que as estratégias de enfrentamento utilizadas foram esforços bem-sucedidos no manejo de estressores e na adaptação à crise, auxiliando na regulação emocional. Vahia et al. (2020) afirmam que estudos realizados meses após o início da pandemia indicaram que as pessoas idosas poderiam ser menos afetadas do que outros grupos etários em relação aos problemas de saúde mental - como ansiedade, depressão e estresse. Essa resiliência pode estar associada a fatores internos (por exemplo, a capacidade cognitiva e a personalidade) e externos (por exemplo, o status social e a estabilidade financeira), assim como o uso de estratégias de enfrentamento, que podem ter combatido a influência negativa da solidão nas pessoas idosas. Os achados da presente pesquisa corroboram esses dados, mas é importante destacar que não representam toda a população idosa brasileira.
Estratégias de Enfrentamento
As estratégias de enfrentamento, ou coping, foram compreendidas conforme o modelo proposto por Folkman e Lazarus (1980). Como mencionado anteriormente, essas estratégias podem ser focalizadas no problema ou na emoção. As estratégias de coping centradas no problema referem-se a esforços direcionados à situação considerada estressante, com o objetivo de mudar o problema causador do estresse, podendo ser estratégias direcionadas interna ou externamente. Quando direcionadas internamente, costumam envolver processos de reestruturação cognitiva, como a redefinição da situação estressora. Já quando as estratégias focadas no problema são direcionadas externamente, envolvem formas de resolução do problema, como solicitar ajuda de outras pessoas (Antoniazzi et al., 1998).
As estratégias de coping focalizadas na emoção, por sua vez, são definidas como aquelas em que os esforços são voltados para a regulação do estado emocional, tendo como objetivo reduzir as sensações desagradáveis causadas pelo estado de estresse. Os exemplos incluem assistir a uma comédia na TV, sair para correr e tomar um tranquilizante diante de um evento estressor. As estratégias utilizadas e a própria avaliação de uma situação como estressora dependem dos recursos pessoais e socioecológicos que o indivíduo possui (Antoniazzi et al., 1998).
É relevante destacar que as duas formas de coping podem ser utilizadas de forma simultânea ou associada, por exemplo, quando o indivíduo primeiro busca regular seu estado emocional para, em seguida, elaborar uma forma de mudar a situação estressora (Dias & Pais-Ribeiro, 2019).
No segundo eixo temático, foram criados seis temas a partir das estratégias de enfrentamento identificadas nas entrevistas. Considerando o contexto da pandemia, muitos dos eventos estressores, que representavam um risco potencial, não podiam ser alterados pelos indivíduos. Esse fator pode ter contribuído para que estratégias focalizadas na emoção fossem as mais relatadas, estando presentes em quatro dos seis temas gerados e citadas por 90% dos participantes (n = 18). Em seguida, as estratégias centradas no problema e direcionadas internamente apareceram em dois temas e foram mencionadas por 80% dos participantes (n = 16). Já as estratégias centradas no problema e direcionadas externamente foram as menos citadas, aparecendo em apenas um tema e mencionadas por 65% dos participantes (n = 13).
Ressalta-se o papel da tecnologia no emprego das estratégias de enfrentamento pelas pessoas idosas. O uso de dispositivos tecnológicos foi um fator importante para manter a interação social, realizar atividades de entretenimento e aprendizagem, e mesmo para acessar serviços de saúde mental (Diniz et al., 2020; Vahia et al., 2020).
O tema "controle do consumo de informações" inclui estratégias focadas na emoção. Foram observadas as estratégias para diminuir o consumo de notícias e filtrar as informações que recebiam, que surgiram com o objetivo de reduzir o contato e evitar fontes de sentimentos desagradáveis. Enfocaram, especialmente, evitar as fake news divulgadas por redes sociais, as informações conflitantes encontradas nas mídias e reduzir o contato com as notícias constantes sobre a piora da pandemia: "Tendo cuidado, tendo angústias, mas tentando diminuir acesso à informação. Parei um pouco. O acesso a informações só aquelas mais criteriosas, né? Fundamentadas, não queria ficar ouvindo qualquer noticiário, tá?" (Participante 3),
Tem informes de médicos, informes da OMS, informes de curiosos, informes de falsas notícias, de gente desinformada que passa boato, mas a gente percebe que não é nada disso… tem informe de todo o tipo, não falta informe! (risos) Eu tô sempre seguindo os conselhos dos mais experientes, mais sábios, dos médicos mais conceituados, enfim (Participante 17).
Tais estratégias ganharam especial relevância diante do alto fluxo de informações, verdadeiras e falsas, disseminadas durante a pandemia de Covid-19 por diversos meios, podendo-se dizer que ocorreu o fenômeno de infodemia. Esse excesso de informações dificultou o acesso a fontes e orientações confiáveis, resultando em comportamentos e opiniões que representaram riscos à saúde, contribuindo para possíveis impactos na saúde física e mental, assim como nas relações sociais das pessoas idosas - observando-se maior impacto nas pessoas idosas com menor nível de escolaridade e renda (Kitamura et al., 2022). Dessa forma, controlar o consumo de informações, utilizando estratégias de seleção das informações consumidas e diminuição da frequência de consumo, pode ter sido importante para mitigar os possíveis impactos negativos da infodemia nos participantes.
O segundo tema, nomeado "manejo de riscos", abrange as estratégias focadas no problema e dirigidas externamente, sendo esforços para lidar com as situações de risco que o contexto pandêmico apresentou. As estratégias incluíram seguir rigorosamente as medidas de prevenção, aumentar as práticas de cuidado com a própria saúde, buscar suporte para realizar tarefas que demandam exposição e utilizar a internet para realizar compras: "fui me adequando na questão de comprar tudo pela internet pra conseguir viver dentro de casa com segurança. Lavando tudo, limpando tudo, cuidando muito dessa parte e é isso" (Participante 2), "Todas as recomendações do Ministério da Saúde, da OMS, uso de máscara, sair somente quando necessário" (Participante 10).
Além disso, relataram buscar se manter informados sobre o vírus e a situação pandêmica como forma de lidar com a insegurança e para obter informações para se planejar de forma adequada. Essa estratégia apareceu como complementar às apresentadas no tema "controle do consumo de informações", pois os participantes buscavam fontes de informação específicas, que consideravam confiáveis - como amigos ou familiares médicos, autoridades no assunto e noticiários específicos: "Eu vi muitas entrevistas de médicos, acompanhei, li muito os noticiários no jornal" (Participante 11).
Gomes et al. (2021) encontraram vivências similares a esse tema, identificando estratégias preventivas adotadas por pessoas idosas durante a pandemia, como práticas de higienização, uso de máscaras e distanciamento social. Assim como no presente estudo, essas pessoas idosas também adequaram suas rotinas para adotar as estratégias de prevenção e diminuir os riscos de contaminação. Destaca-se a relevância dessas estratégias, não apenas para evitar a infecção pelo vírus, mas também para o bem-estar - tanto subjetivo, quanto psicológico - das pessoas idosas.
Galiana et al. (2020) apontam que a utilização de estratégias focadas no problema apresentou um efeito preditivo positivo sobre o bem-estar, ao passo que o uso de estratégias focadas nas emoções apresentou um efeito negativo. Apesar de, no presente estudo, estratégias focadas na emoção terem sido relatadas como importantes para reduzir sentimentos desagradáveis, haja vista que o contexto pandêmico trouxe diversos problemas que não podiam ser modificados pelos indivíduos de forma direta, as estratégias de manejo dos riscos desse momento podem ser consideradas uma forma possível encontrada para alterar como o problema se apresentava, controlando a ocorrência de eventos de maior risco em seu dia a dia.
O terceiro tema do eixo temático estratégias de enfrentamento foi nomeado "comportamentos de excesso", sendo o menos frequente nas entrevistas, mencionado por apenas 15% dos participantes (n = 3). Compreendendo estratégias focadas na emoção, esse tema é composto por comportamentos de excesso que foram relatados como ocorrendo a partir da emergência da pandemia e que podem ter como função reduzir sentimentos desagradáveis; no entanto, podem causar consequências negativas para a saúde do indivíduo. As três estratégias relatadas foram: grande consumo de bebidas alcóolicas, consumo excessivo de alimentos em comparação com o período anterior à pandemia e comportamentos de limpeza e organização em excesso.
A pouca menção dessa temática pelos participantes corrobora achados de pesquisas anteriores, que apontam que, durante a pandemia, adultos mais velhos mantiveram a tendência já observada de preocupar-se menos, adotar mais estratégias de enfrentamento adaptativas e menos estratégias de enfrentamento desadaptativas em comparação com os mais jovens (Cummings et al., 2021). Em sua pesquisa, conduzida durante o início da pandemia no Brasil, Malta et al. (2020) constataram um aumento no consumo de bebidas alcoólicas por 17,6% dos participantes. No entanto, esse aumento foi mais pronunciado entre adultos mais jovens, com 21,4% dos indivíduos de 18 a 39 anos relatando aumento no consumo, enquanto 11,2% dos adultos com 60 anos ou mais apresentaram esse aumento. De maneira similar, um estudo realizado nos Estados Unidos identificou que a relação entre o estresse causado pela pandemia de COVID-19 e a estratégia de comer para enfrentar a situação não apresentou diferenças com base na idade; contudo, as associações entre esse estresse e sintomas de dependência alimentar, consumo de álcool como forma de enfrentamento, e frequência de consumo de álcool foram menos acentuadas em pessoas idosas (Cummings et al., 2021).
O tema "estratégias cognitivas" compreende estratégias focadas no problema e direcionadas internamente, consistindo em esforços para alterar a perspectiva sobre a situação pandêmica, tornando possível lidar com a pandemia de forma menos incômoda. As estratégias identificadas foram: buscar referências em experiências próprias que apresentassem semelhanças com as vivências da pandemia; buscar referências em repertório sociocultural e eventos históricos; utilizar uma perspectiva coletiva; racionalizar a pandemia; procurar ter uma visão positiva; e buscar alternativas e novas perspectivas para a situação. As falas a seguir ilustram algumas dessas estratégias: "Mas isso a gente não vê só na pandemia. A gente vê nas aposentadorias, a gente vê quando a pessoa adoece" (Participante 3), "Vai passar. Nós até tivemos outras pandemias. Eu não passei pela Espanhola, como ouvi dizer, mas eu vi que também foi bem crítico" (Participante 11).
A busca por referências em experiências próprias relacionadas às vivências da pandemia é uma estratégia que pode ser compreendida como uma forma de reminiscência instrumental. Essa estratégia consiste em recordar situações desafiadoras em que utilizaram estratégias de enfrentamento bem-sucedidas, avaliar essas estratégias e adaptá-las às situações atuais, para favorecer o desenvolvimento de resiliência (Carvalho et al., 2021), como também foi ilustrado nos dados do presente estudo.
Outro tema identificado foi o emprego de "práticas voltadas para religiosidade e espiritualidade", que revela duas formas de estratégias de coping: as focadas na emoção e as focadas no problema. As estratégias focadas na emoção observadas incluíram meditação, rezar ou orar e assistir programas religiosos: "A gente em família rezou bastante que nós somos religiosos" (Participante 2), "Eu me trabalho muito internamente, espiritualmente, eu faço meditação, oração" (Participante 12).
As estratégias focadas no problema e direcionadas internamente foram descritas como esforços para ressignificar as vivências da pandemia e buscar apoio em crenças religiosas e espirituais:
Então, eu vejo, não na questão religiosa, mas na questão espiritual, que Deus deu um freio para que a gente repensasse o modo de ver da criatura humana […] Vejo que veio para um momento de reflexão da humanidade, para repensar seus princípios e valores (Participante 4).
Diante de um contexto complexo como o pandêmico, a religiosidade e a espiritualidade podem oferecer conforto, amparo e auxiliar na elaboração de aspectos de difícil compreensão, podendo ser uma estratégia para lidar com o sofrimento (Scorsolini-Comin et al., 2020). A pesquisa de Mathiazen et al. (2021) aponta espiritualidade e religiosidade como importantes para pessoas idosas durante a pandemia, auxiliando na aceitação do cenário pandêmico e estando relacionadas a um senso de segurança, suporte emocional e proteção. As autoras identificaram que esses aspectos auxiliaram no enfrentamento do distanciamento social, estimulando pensamentos e sentimentos positivos, como fé, esperança, confiança, resiliência, superação e compaixão.
O último tema de estratégias de enfrentamento foi nomeado "atividades prazerosas", composto por estratégias focadas na emoção e subdividido em quatro tipos de atividades, conforme proposta de Ferreira e Barham (2017): atividades práticas, sociais e de competência, intelectuais e contemplativas. Essas atividades surgiram nas entrevistas como parte de esforços dos participantes para estabelecer rotinas agradáveis e saudáveis, mesmo em isolamento, buscando manter ou retomar atividades que proporcionavam prazer em realizar.
De acordo com Ferreira e Barham (2017), as atividades práticas podem ser definidas como atividades de envolvimento com a comunidade e atividades que fazem parte da rotina doméstica, sendo consideradas pela pessoa idosa como relevantes para si e que repercutem em sua comunidade. As atividades práticas relatadas pelos participantes foram artes manuais, bordar, realizar afazeres domésticos (como pequenos consertos, cozinhar e faxinar) e praticar exercícios físicos: "Até os móveis da casa eu já consertei! Até polimento de móveis já teve, arranhão, essas coisas, eu já tirei tudo, porque eu sou muito habilidosa com essas coisas" (Participante 1), "Eu controlei o máximo a minha mente me ocupando e fazendo os exercícios também online da academia" (Participante 11),
Tenho usado meu tempo livre para fazer uma série de coisas que sempre gostei de fazer, mas que deixava de lado pois gastava pouco tempo em casa. Por exemplo, adoro cozinhar, fazer pães, bolos, biscoitos, fazer crochê, bordar, costurar etc (Participante 2).
Já as atividades sociais e de competência são aquelas de interações com o ambiente e outros indivíduos, sendo marcadas pela função de socializar e por um senso de competência, utilidade, autoconfiança e autonomia (Ferreira & Barham, 2017). Nesse âmbito, os participantes relataram manter contato com amigos e familiares por ligação ou através de redes sociais online, prestar cuidado a familiares, ajudar e aconselhar amigos ou familiares, jogar com familiares, realizar cursos online e buscar manter suas atividades e contato social dentro do possível, quando viável, continuando com suas atividades no modelo online/remoto: "Eu estou fazendo curso de línguas pela internet, curso de pão, eu vou me ocupando" (Participante 1), "Faço chamada de Zoom com a minha filha uma vez na semana, com um grupo de quatro amigos. Todo domingo a gente almoça junto em frente ao computador... Assim, usando os recursos da tecnologia" (Participante 20).
Já as atividades intelectuais são aquelas em que se utilizam habilidades de leitura e escrita (Ferreira & Barham, 2017). Os participantes relataram hábitos de leitura, escrita e estudar temas e áreas em que possuíam interesse: "Eu aproveitei esse tempo; eu gosto muito de ler, eu gosto muito de estudar, então aproveitar o tempo para ler, estudar, reler coisas, rever coisas que eu não via há muito tempo" (Participante 6).
Há ainda as atividades contemplativas, isto é, atividades de introspecção, de contato com a natureza e expressão de sentimentos positivos (Ferreira & Barham, 2017). As atividades contemplativas relatadas pelos participantes foram ouvir música, cantar, assistir programas (filmes, documentários, séries e shows) em casa, tomar sol, fazer jardinagem e buscar contato com a natureza, indo a lugares mais afastados: "Eu procurava fazer coisas que me equilibrassem, ouvir uma música legal, ouvir uma ‘live' de música, que eu adoro" (Participante 12), "É um isolamento privilegiado, porque eu mexo nas minhas flores, nas minhas plantas, eu planto as coisinhas que eu quero plantar" (Participante 15).
O uso da tecnologia emergiu em diversos temas, especialmente nas atividades prazerosas. A internet foi utilizada para assistir aulas online, participar de reuniões, manter atividades diárias, receber orientações para praticar exercícios físicos e manter contato com amigos e familiares. Mesmo antes da pandemia, evidências já apontavam a inclusão digital entre pessoas idosas como um recurso para aprimorar sua autonomia e qualidade de vida (Diniz et al., 2020). Neste estudo, a internet revelou-se uma ferramenta essencial durante a crise, proporcionando comunicação, aprendizado, atividades prazerosas e interações sociais.
Os achados do presente estudo corroboram os resultados de outras investigações realizadas durante os estágios iniciais da pandemia de Covid-19, indicando que, nesse período, as pessoas idosas demonstraram resiliência ao adotar estratégias de enfrentamento adaptativas e ao relatar que estavam lidando bem com o contexto (Cummings et al., 2021; Finlay et al., 2021; Fuller & Huseth-Zosel, 2021). Dessa forma, os resultados deste estudo reforçam a perspectiva de que as pessoas idosas constituíram um grupo resiliente durante a pandemia. Além disso, outras pesquisas com adultos mais velhos no início da pandemia identificaram estratégias semelhantes às apresentadas neste estudo, como: manter-se ocupado com atividades como exercícios, hobbies e tarefas domésticas; buscar apoio social e manter conexões sociais; limitar o consumo de notícias ou o uso de redes sociais; assistir ou ler notícias para se manter informado; realizar atividades ao ar livre; praticar atividades religiosas; seguir medidas de precaução contra o vírus; e manter uma mentalidade positiva (Finlay et al., 2021; Fuller & Huseth-Zosel, 2021). Fuller e Huseth-Zosel (2021) também destacaram a importância do coping focado na emoção em sua amostra, o que está em consonância com os achados da presente pesquisa.
Considerações Finais
Os resultados evidenciam aspectos importantes das experiências de pessoas idosas brasileiras com acesso à internet e maior escolaridade durante o primeiro ano da pandemia, possibilitando uma compreensão do impacto da crise em sua saúde mental. O estudo indicou que esse grupo demonstrou possuir recursos e habilidades para enfrentar situações desafiadoras no contexto de crise, sendo notável que a maioria dos entrevistados seguiu as medidas de prevenção.
Os sentimentos mais frequentemente relatados incluíram medo, preocupação, insegurança, tristeza e saudade, direcionados a elementos do panorama da pandemia no país e a situações geradas pelas mudanças e medidas impostas pela pandemia, enfatizando os impactos das medidas de restrição social. Estratégias de enfrentamento focadas na emoção foram as mais frequentes, enquanto as centradas no problema e direcionadas externamente foram menos frequentes, o que pode ter ocorrido devido às poucas possibilidades de atuar sobre os problemas trazidos pela emergência da pandemia. Esse achado também é consistente com as tendências identificadas na literatura sobre as estratégias de enfrentamento utilizadas por pessoas idosas.
A utilização da tecnologia mostrou-se importante, especialmente no que se refere à prática de atividades prazerosas. Práticas voltadas para religiosidade e espiritualidade também se mostraram relevantes para os participantes, o que pode ter contribuído para o desenvolvimento de uma perspectiva mais esperançosa e compassiva (Mathiazen et al., 2021).
Embora não tenham sido os mais frequentes, a menção de sentimentos agradáveis após a utilização de estratégias de enfrentamento sugere que estas podem ter sido bem-sucedidas para lidar com os estressores e se adaptar ao cenário de crise. Esses resultados sugerem a presença de resiliência e recursos internos significativos em pessoas idosas.
A presente pesquisa possibilita a compreensão dos sentimentos e das estratégias de enfrentamento desenvolvidas por pessoas idosas diante de uma crise e os possíveis efeitos dessas estratégias. Os resultados podem ser úteis para o planejamento de intervenções que visem amenizar os impactos psicológicos na população idosa em cenários de crise, como o da pandemia. Destaca-se a presença de sentimentos agradáveis após a adoção de estratégias de enfrentamento e o uso predominante de estratégias centradas na emoção. Sugere-se que pesquisas futuras explorem intervenções que fortaleçam essas estratégias.
Há algumas limitações a considerar. Ressalta-se que a amostra utilizada não é representativa de toda a população de pessoas idosas do país. Os dados apresentados não abrangem as vivências de todas as pessoas idosas no contexto pandêmico, uma vez que as situações e percepções podem variar amplamente entre os indivíduos e grupos sociais. Outro aspecto relevante é que a pesquisa foi realizada durante o primeiro ano de pandemia, os resultados refletem a realidade e os sentimentos das pessoas idosas entrevistadas nesse período específico, sendo importante considerar que o contexto e os efeitos da pandemia mudaram com o passar do tempo. Dessa forma, sugere-se que novas pesquisas sejam conduzidas, investigando o impacto da pandemia na população idosa a longo prazo.
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Endereço para correspondência
Heloísa Gonçalves Ferreira - helogf@gmail.com
Recebido em: 29/04/2024
Aceito em: 28/11/2024
Financiamento: A pesquisa relatada no manuscrito foi financiada pela bolsa de iniciação científica da segunda autora (FAPERJ, No. do processo E-26/203.608/221(270511).
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