Estudos e Pesquisas em Psicologia
2025, Vol. 25. e83140, doi:10.12957/epp.2025.83140
ISSN 1808-4281 (online version)

 

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO

 

Formação Identitária e Projetos de Vida na Adolescência: Relato de Experiência

 

Identity Formation and Life Projects in Adolescence: Experience Report

 

Formación de Identidad y Proyectos de Vida en la Adolescencia: Relato de Experiencia

 

Giovanna Miyazaki Grigoletto a, Letícia dos Santos Kimura a, Paola Longo Mantovani a, Letícia Lovato Dellazzana-Zanon a

a Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas, SP, Brasil
Endereço para correspondência

 

RESUMO

Este estudo tem como objetivo apresentar uma intervenção para promover autoconhecimento e contribuir para a formação identitária e desenvolvimento de projetos de vida com adolescentes, no âmbito de um relato de experiência de estágio na área da psicologia escolar. A intervenção, implementada por três estagiárias de psicologia, foi composta por seis encontros e teve a participação de 23 estudantes, sendo 12 do sexo feminino, com média de idade de 14 anos, do 8º ano de uma escola pública, localizada numa cidade do Estado de São Paulo. Os resultados sugerem que a intervenção promoveu um espaço no qual comportamentos, sentimentos e potencialidades, antes não observados nos distintos ambientes da escola, floresceram, favorecendo a formação identitária e a construção do projeto de vida dos participantes. A intervenção mostrou que a crença na potência dos estudantes e a promoção de projetos de vida podem ser muito positivas para o desenvolvimento saudável dessa fase da vida. O fornecimento de exemplos e modelos e a construção de um vínculo respeitoso e de afeto com os estudantes foram fundamentais para o desenvolvimento satisfatório da intervenção.

Palavras-chave: projeto de vida, adolescência, identidade, psicologia escolar, intervenção psicossocial.


ABSTRACT

This study aims to present an intervention to promote self-knowledge and contribute to the formation of identity and development of life projects among adolescents within the scope of an internship experience report in school psychology. The intervention, implemented by three psychology interns, consisted of six meetings and was attended by 23 students, 12 of whom were female, with an average age of 14 years old, in the 8th grade of a public school in a city in the state of São Paulo. The results suggest that the intervention promoted a space in which behaviors, feelings, and potentialities, previously not observed in the different school environments, flourished, favoring the formation of identity and the construction of the participants' life project. The intervention showed that the belief in the student's potential and the promotion of life projects could be very positive for the healthy development of this phase of life. Providing examples and models and building a respectful and affectionate bond with the students was fundamental for the satisfactory development of the intervention.

Keywords: life project, adolescence, identity, school psychology, psycho social intervention.


RESUMEN

Este estudio tiene como objetivo presentar una intervención para promover el autoconocimiento y contribuir a la formación de identidad y desarrollo de proyectos de vida con adolescentes, en el ámbito de un relato de experiencia de prácticas en el área de la psicología escolar. La intervención, implementada por tres pasantes de psicología, constó de seis encuentros y tuvo la participación de 23 estudiantes, de los cuales 12 eran del sexo femenino, con una edad promedio de 14 años, del 8.º año de una escuela pública, ubicada en una ciudad del Estado de São Paulo. Los resultados sugieren que la intervención promovió un espacio en el cual comportamientos, sentimientos y potencialidades, antes no observados en los distintos ambientes de la escuela, florecieron, favoreciendo la formación de identidad y la construcción del proyecto de vida de los participantes. La intervención demostró que la creencia en el potencial de los estudiantes y la promoción de proyectos de vida pueden ser muy positivas para el desarrollo saludable de esta etapa de la vida. La provisión de ejemplos y modelos, así como la construcción de un vínculo respetuoso y afectuoso con los estudiantes, fueron fundamentales para el desarrollo satisfactorio de la intervención.

Palabras clave: proyecto de vida, adolescencia, identidad, psicología escolar, intervención psicosocial.


 

 

A adolescência é caracterizada pelo desenvolvimento de habilidades cognitivas mais avançadas, pela aquisição de competências essenciais para a vida adulta e pela transição de novos papéis sociais (Breinbauer & Maddaleno, 2008). Essa fase vida é marcada pelo desenvolvimento da identidade e pela construção de projetos de vida e, ainda que a formação identitária seja um processo presente ao longo de todo o ciclo vital, a adolescência é seu período mais fértil (Araújo & Verni, 2017).

A formação identitária está associada à construção da autoimagem. O processo de construção da autoimagem é relativo ao olhar que o adolescente possui sobre si, isto é, ao conjunto de percepções sobre ele mesmo, cujas referências são as relações familiares, as amizades e os contextos sociais (Bonato et al., 2012). A construção da identidade, por sua vez, é resultante de uma intersecção entre o social e o pessoal (Follmann, 2012) e é orientada por crenças, valores e emoções vivenciadas coletivamente no passado, presente e futuro (Bonato et al., 2012). A opinião de adultos mais próximos (e.g. familiares ou professores) e a convivência com os pares influenciam o desenvolvimento da autoimagem, da identidade e de projetos de vida de adolescentes (Damon et al., 2003).

O estabelecimento de projetos de vida está relacionado ao desenvolvimento da identidade e à busca de sentido para a sua vida atual e futura (Paradiso et al., 2012). A elaboração de projetos de vida parte da elucidação dos valores, características e habilidades individuais e da definição de um conjunto de metas para o futuro que sejam convergentes com tais valores (Riter et al., 2017). O projeto de vida diz respeito à projeção da subjetividade do sujeito relacionada a acontecimentos de sua biografia, o que indica uma relação entre o desenvolvimento do projeto de vida e a construção da própria subjetividade do sujeito, seus valores, memórias e habilidades (Arantes et al., 2017).

O projeto de vida poder ser analisado a partir de três dimensões: (a) dimensão espaço-temporal, relacionada a possibilidades sócio-materiais de realização das metas; (b) dimensão sócio-afetiva, referente a possibilidades psicossociais do indivíduo, como presença de redes de apoio; (c) dimensão sócio-cognitiva, que reflete as possibilidades de reelaborações, reflexões e críticas constantes do projeto (Catão, 2001). A proposta de compreensão de projetos de vida a partir dessas dimensões evidencia a necessidade de se considerar o contexto cultural e social em que o indivíduo está inserido, assim como uma hierarquização de possibilidades e valores. A construção de um projeto de vida tem sido considerada um fator de proteção e promoção para um desenvolvimento saudável. Intervenções com foco no desenvolvimento de projetos de vida podem contribuir para o aumento da resiliência, perseverança, experiências empáticas, promoção de engajamento, felicidade e criatividade (Pereira & Dellazzana-Zanon, 2021).

A adolescência é o principal período do desenvolvimento para a construção de projetos de vida (Damon et al., 2003), pois, durante essa fase, os adolescentes têm mais condições, do ponto de vista cognitivo, para o planejamento e a prospecção do futuro. Estar engajado no desenvolvimento de projetos de vida na adolescência, potencializa comportamentos pró-sociais, comprometimento moral, sentimentos de realização, satisfação pessoal e autoestima (Damon et al., 2003). O incentivo à construção de projetos de vida pode estar relacionado à promoção da diversidade e do respeito na escola, contribuindo para um clima escolar mais saudável (Macedo, 2022).

Deve-se ressaltar o papel protetivo e de promoção do projeto de vida da escola (Pereira & Dellazzana-Zanon, 2021). Ela deve contribuir para o desenvolvimento da formação identitária do sujeito e para sua criticidade e autonomia, fornecendo espaços de reflexão e promoção do projeto de vida (Bandeira & Hutz, 2016). Assim, para além de promover indivíduos mais conscientes sobre a sua identidade e seu futuro, a escola pode contribuir para o engajamento estudantil, pois quando o aluno tem maior clareza sobre suas metas, seu empenho na escola aumenta significativamente (Bronk, 2014).

Convém salientar que a identidade refere-se ao desenvolvimento de quem se é, enquanto o projeto de vida diz respeito ao desenvolvimento do que se espera realizar durante a vida (Bronk, 2012). Apesar de suas diferenças, esses construtos estão fortemente imbricados: a exploração de si e do mundo fazem parte da construção de projetos de vida, a qual, por sua vez, ajuda no processo de definição da identidade (Silva & Danza, 2022). Estudos nacionais realizados com adolescentes de nível socioeconômico baixo indicam que a elaboração de projeto de vida contribui para a formação identitária e para a promoção do autoconhecimento, especialmente para os estudantes de escolas públicas, que compõem uma população em situação de vulnerabilidade socioeconômica (Gomes et al., 2016; Paradiso et al., 2012). Este estudo tem como objetivo apresentar uma intervenção para promover autoconhecimento e contribuir para a formação identitária e desenvolvimento de projetos de vida com adolescentes, no âmbito de um relato de experiência de estágio na área da psicologia escolar.

 

Método

A intervenção foi realizada por três estagiárias do quarto ano do curso de graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, sob a supervisão da quarta autora do estudo, em uma escola estadual localizada em uma região socioeconomicamente vulnerável do município de Campinas, Estado de São Paulo. Participaram 23 alunos (sendo 12 do sexo feminino) de duas turmas de 8º ano do Ensino Fundamental II, com média de 14 anos de idade. A seleção dos participantes foi realizada por conveniência e a participação foi voluntária. Para fins de organização e melhor aproveitamento, os participantes foram divididos aleatoriamente em dois grupos, 1 e 2, compostos, em média, por 12 alunos cada. Todos os nomes apresentados ao longo deste estudo são fictícios.

Inicialmente, realizou-se um levantamento de necessidades, composto por observação das salas no horário das aulas e durante o intervalo, entrevista com amostras de alunos de cada sala de aula, de professores e da equipe gestora. Para cada grupo entrevistado, foram aplicados questionários, com o objetivo de investigar possíveis demandas para o trabalho do psicólogo escolar. Um dos resultados do levantamento de necessidades foi a falta de perspectiva dos estudantes em relação ao futuro. Com base nesse resultado, as estagiárias desenvolveram um projeto de intervenção com foco na formação identitária e na construção de projetos de vida. O projeto foi apresentado aos alunos a recolheu-se as inscrições dos interessados durante o recreio.

A intervenção foi composta por seis encontros com duração aproximada de 90 minutos, que ocorreram semanalmente entre setembro e novembro de 2022. Como a intervenção foi realizada no turno em que os alunos estavam matriculados, a estratégia utilizada para não prejudicar o acompanhamento das disciplinas coincidentes ao horário da intervenção foi a de alternar a ordem dos grupos semanalmente.

Foram utilizadas dinâmicas grupais e rodas de conversa, além de formulários e atividades estruturadas para trabalhar sobre o reconhecimento das habilidades, histórias de vida e experiências pessoais significativas dos participantes. Proporcionou-se também espaços para a reflexão acerca das metas futuras nas seguintes dimensões do projeto de vida: relacionamentos afetivos, estudos, trabalho, bens materiais e religião/espiritualidade. Todos os questionários e formulários utilizados foram elaborados para fins deste estudo. O registro da intervenção foi feito por meio do uso de diário de campo. No último encontro da intervenção os participantes preencheram a Ficha de Avaliação da intervenção. O detalhamento de cada um dos encontros é apresentado na Tabela 1.

 

Tabela 1

Descrição dos Encontros, Temas, Objetivos e Atividades da Intervenção

 

Encontro

Tema

Objetivo

Atividade

1

Quem sou eu?

Apresentar e integrar os presentes; Promover autoconhecimento e formação identitária; Contribuir para a autoestima e sentimento de autoeficácia. 

Apresentação dos presentes; Construção das regras de convivência; Realização dos formulários "Quem sou eu?", "Gostos e Interesses" e "Meu projeto de vida"; Formação de um grupo no WhatsApp

2

Eventos e Pessoas importantes para minha vida

Promover um resgate da memória dos eventos passados significativos, bem como das pessoas importantes; Favorecer a percepção de vivências passadas e suas consequências no presente.

Retomada dos temas trabalhados no primeiro encontro; Realização do formulário "Eventos e pessoas importantes da minha vida"; Convite para os participantes fotografarem, ao longo dos encontros, objetos, pessoas e lugares significativos. São orientados a enviar as fotos no grupo de WhatsApp.

3

Meu Futuro

Refletir sobre quais aspectos são importantes para pensar no futuro; Favorecer a compreensão de que pensar sobre o futuro pode trazer incertezas e inseguranças; Promover o reconhecimento da diversidade no grupo em relação aos projetos de vida e demais características dos participantes;

Apresentação e reflexão da definição de PV; Realização do formulário "Meu futuro"; Solicitação para os participantes buscarem por uma biografia de quem admiram para o próximo encontro.

4

Uma pessoa que admiro

Aumentar o conhecimento sobre referências e modelos positivos; Refletir sobre as características que contribuíram para a trajetória da pessoa apresentada.

Apresentação das biografias selecionadas; Convite para escrita de uma carta para o futuro.

5

Meu projeto de vida

Retomar a formação identitária e o autoconhecimento desenvolvidos nos encontros anteriores, bem como as metas e desejos para o futuro; Materializar o PV de cada um

Reaplicação do formulário "Meu projeto de vida"; Entrega e personalização dos Livretos "Meu Projeto de Vida"

6

Encerramento

Refletir sobre a trajetória dos participantes e oferecer o fechamento das atividades; Fazer a avaliação da intervenção.

Preenchimento da Ficha de Avaliação da intervenção; Finalização dos Livretos "Meu Projeto de Vida" e da intervenção.

 

Resultados e Discussão

Os resultados são apresentados de acordo com a ordem na qual os encontros foram realizados. Os resultados dos encontros são discutidos à luz da literatura pertinente.

Encontro 1: Quem Sou Eu?

Estavam presentes nesse encontro sete participantes do grupo 1 e oito do grupo 2. As estagiárias inicialmente se apresentaram, retomaram os objetivos da intervenção e convidaram os participantes a falarem o nome, a idade e o motivo de terem se inscrito na proposta. Em ambos os grupos, alguns participantes afirmaram não saber responder à pergunta, outros afirmaram que estavam ali por curiosidade ou mesmo para não permanecer na sala de aula. Carla, Vanessa e Luana responderam à pergunta explicando que gostariam de se entender melhor. A seguir, os participantes foram convidados a elaborar regras de convivência do grupo em conjunto com as estagiárias. Para o grupo 1, foram propostos os seguintes combinados: ter mais conhecimento; não falar palavrão; ter respeito; evitar bagunça; não gritar; não agredir física ou verbalmente o outro; não usar celular ou fone de ouvido e, manter o sigilo/evitar fofoca. O grupo 2 propôs os seguintes combinados: ter respeito; não falar palavrão; esperar o outro falar; ter empatia; não usar o celular ou fone de ouvido e, manter o sigilo/evitar fofoca.

Esclareceu-se que para pensar sobre o futuro seria preciso se conhecer melhor e inicialmente entender os atuais gostos e interesses de cada um. As estagiárias entregaram os formulários "Quem sou eu?" e "Gostos e Interesses", leram em voz alta as perguntas e ofereceram exemplos pessoais, a fim de servirem como modelo aos alunos. Ambos os formulários, elaborados para fins deste estudo, buscam incentivar os participantes a refletirem sobre temas como percepção de si, talentos, habilidades e limitações, atividades de interesse e desinteresse e as suas respectivas frequências.

As respostas ao formulário "Quem sou eu?" indicaram que os participantes identificam em si características majoritariamente positivas e discriminam características positivas atribuídas por terceiros. As características relatadas e as suas respectivas frequências foram: preguiçoso (5); cuidadoso (2); ciumento (2); carinhoso (2); calmo (2); estudioso (1); perfeccionista (1); paciente (1); atencioso (1); tímido (1); chorão (1); feliz (1); organizado (1) e inteligente (1). Quando Lucas afirmou desconhecer como os outros o viam, as estagiárias convidaram o grupo a compartilhar as qualidades positivas e preferências que conheciam sobre o participante.

Em relação à pergunta sobre talentos e habilidades dos participantes, as respostas versaram majoritariamente a atividades cotidianas e concretas, como dormir, trabalhar, cozinhar, usar o celular, jogar videogame ou limpar a casa. Em relação ao formulário "Gostos e Interesses", os participantes tiveram mais dificuldade em elencar atividades não prazerosas e não realizadas com frequência. Esses resultados ilustram a adolescência enquanto o período mais fértil para a construção da identidade (Erikson, 1976). Ressalta-se, no entanto, que os participantes estão no início do processo de construção da identidade (Breinbauer & Maddaleno, 2008) no qual é esperado que os interesses e habilidades relacionem-se a atividades mais concretas do cotidiano.

A seguir, os participantes responderam o formulário "Meu projeto de vida", um instrumento estruturado para a coleta de informações sobre as prospecções futuras dos participantes em relação ao principal sonho, à família, à religiosidade, à marca no futuro, à velhice e à nomeação do projeto de vida. O sonho de 8 dos 15 participantes estava relacionado ao âmbito profissional, como ilustram os exemplos a seguir: "ser advogada" (Lorena), "ser motoboy" (Pedro), "ser pediatra ou pedagoga" (Luana), "conseguir bom emprego" (Bianca), "ser biólogo" (Lucas), e "ser cozinheira" (Fernanda).

Ressalta-se a relação estabelecida entre os sonhos e as famílias de origem dos participantes, uma vez que o desejo profissional é visto como uma possibilidade de ofertar melhores condições socioeconômicas para a família, como exemplificado a seguir: "meu sonho é conseguir um bom emprego porque assim eu consigo dar um carro para minha mãe (Bianca) e "meu sonho é ser motoboy porque assim eu posso tentar ajudar minha mãe (Pedro). Somado a isso, o trecho do formulário "Quando penso na minha família no futuro, imagino que" foi completado com: "Consiga mudar a vida deles" (Fernanda) e "Quero dar uma boa vida para eles"(Lucas e Breno). Projetos de vida relacionados a ajudar a mãe e a família de origem têm sido encontrados em pesquisas sobre o tema com adolescentes de nível socioeconômico baixo (e.g., Dellazzana-Zanon et al., 2015). Essa preocupação em ajudar a família no futuro pode ser compreendida como uma manifestação da generosidade, virtude relacionada à alegria em agir em prol de outras pessoas e ao respeito aos outros (Dellazzana-Zanon et al., 2015; 2021).

Três participantes mencionaram o sonho de concluir o ensino superior e os demais afirmaram sonhar com a possibilidade de viajar ou casar. Esses resultados estão em consonância com outras pesquisas, as quais demonstram que há uma relação entre as dimensões trabalho, estudo e família de origem em adolescentes socioeconomicamente vulneráveis (Riter et al., 2017). Os resultados indicaram que as dimensões estudo e, principalmente, trabalho foram caracterizadas como possibilidade de ascensão social para si e para a família, o que pode ser reforçado pelos nomes escolhidos para o projeto de vida de quatro participantes: "Ter boa profissão" (Bianca), "Seguir minha melhor profissão" (Lucas), "Estudo em Relatividade" (Miguel), "Minha família" (Breno), "Meu evangelho, minha família e futebol" (Marcos).

Encontro 2: Eventos e Pessoas Importantes para Minha Vida

Estavam presentes nesse encontro 18 participantes, sete do grupo 1 e 11 do grupo 2. O encontro iniciou com a apresentação de duas nuvens de palavras produzidas a partir das respostas do encontro anterior, a fim de retomar as características e talentos de cada participante. Em seguida, solicitou-se aos participantes que preenchessem o formulário "Eventos e pessoas importantes da minha vida", em conjunto com as estagiárias, que serviram como modelos. O objetivo desse formulário é coletar informações sobre eventos significativos e investigar a presença de redes de apoio.

As respostas da questão 1, que solicitava que os participantes listassem os cinco eventos mais importantes da sua vida, indicaram que tanto eventos positivos como negativos foram considerados marcantes. Entretanto, houve um número maior de eventos negativos e experiências traumáticas, sobretudo relacionados à morte na família. Sabe-se que adolescentes possuem capacidade cognitiva similar a de adultos acerca da compreensão da morte como um fenômeno universal, irreversível e inevitável (Kovács, 2021). No entanto, é natural que, frente a situações de perdas, os adolescentes compreendam a morte a partir dos sentimentos de dor, tristeza e raiva (Barbosa et al., 2011). Sentimentos de raiva e tristeza foram identificados diversas vezes. Uma estudante escreveu que a consequência da morte de sua mãe quando ela tinha 8 anos de idade, foi: "Talvez ser um pouco revoltada"(Lorena).

A maioria dos eventos positivos foi relacionada à ida a algum lugar que nunca tinham visitado antes, como praia, shoppingou estádio de futebol; o nascimento de um irmão; conhecer novos amigos e parceiros românticos; e assistir o time de futebol preferido ganhar um título. Os eventos mencionados aconteceram no tempo livre e de lazer dos estudantes, o que ressalta a importância desses momentos para o desenvolvimento de autoconhecimento, construção da individualidade e da socialização, além do próprio projeto de vida (Paradiso et al., 2012).

As respostas à questão 2, na qual os participantes deveriam escolher dois dos cinco eventos listados na primeira questão e responderem sobre as pessoas, sentimentos e consequências experienciados nesses eventos, indicaram que a maior parte dos estudantes escolheu tanto eventos positivos quanto negativos para descrever. Foram citados familiares ou amigos e os sentimentos mais presentes foram alegria, felicidade, raiva e tristeza. Algumas das consequências dos eventos escolhidos para suas vidas atuais envolviam o fato de terem uma boa memória do momento descrito e mudança pessoal ou de valores pessoais, tais como: "Boas lembranças desse dia" (Gustavo), "Eu me tornei uma pessoa melhor" (Marcos), "Eu aprendi que estudar é a coisa mais importante da vida" (Thaina) e "Dar valor a muitas coisas que tenho (Vanessa). Foram citados também sentimento de tristeza e saudade, como ilustram os exemplos a seguir: "Apenas relembro daquele momento e fico triste" (Miguel) e "Muita saudade" (Julia).

Como resposta à questão 3, que solicitava a descrição das pessoas mais importantes em suas vidas, a maioria dos participantes mencionou a família e os amigos. Esses resultados evidenciam que a construção do autoconceito do adolescente engloba valores, crenças e emoções, que por sua vez, envolvem os familiares e as amizades do indivíduo, que são tidos como referências (Bonato et al., 2012). Durante a realização da atividade, as estagiárias observaram que os estudantes tiveram mais dificuldade em responder às questões 1 e 2 e mais facilidade em responder à questão 3. Alguns não elencaram cinco eventos, como proposto no formulário, outros citaram apenas um evento.

Observou-se que esta atividade mobilizou emocionalmente ambos os grupos. A maioria dos participantes pareceu se sentir confortável em ler suas respostas e expressar suas emoções. Duas estudantes choraram durante a discussão das questões. Acredita-se que, naquele momento, foi criado um ambiente seguro para que o encontro se desenvolvesse de forma satisfatória. No final do encontro, as estagiárias pediram que os participantes fotografassem objetos, pessoas e lugares importantes para suas vidas. Solicitou-se que as fotos fossem enviadas para o grupo do WhatsApp ou, em particular, para as estagiárias, até a data do penúltimo encontro.

Encontro 3: Meu Futuro

Estavam presentes 20 participantes, 11 do grupo 1 e nove do grupo 2. No início do encontro, uma das estagiárias explicou a definição de projeto de vida por meio de uma analogia de uma viagem. Logo após, foi entregue o formulário impresso "Meu futuro", que busca investigar projetos de vida para daqui a 5 e 20 anos, dos participantes em relação às seguintes dimensões: "Família e Relacionamentos Afetivos", "Estudo", "Trabalho", "Bens Materiais" e "Religião/Espiritualidade". Os participantes inicialmente não demonstraram necessidade de acrescentar outra dimensão. As respostas foram discutidas em grupo.

Com base nas respostas do formulário, observou-se que, em relação à dimensão "Família e Relacionamentos Afetivos", os participantes demonstraram interesse em continuar próximos de suas famílias e amigos, assim como estarem em um relacionamento romântico, seja um namoro ou um casamento. Essas respostas apareceram tanto na projeção de 5 anos, quanto na de 20 anos. Esses resultados estão em consonância com diferentes estudos sobre a temática, os quais indicam que a família de origem e/ou a construção de uma nova família são valores frequentes para adolescentes de nível socioeconômico baixo (Riter et al., 2017).

Na dimensão "Estudo", percebeu-se um interesse geral em continuar os estudos após o Ensino Médio a partir do ingresso no Ensino Superior. Tal interesse mostrou-se mais evidente na prospecção de 5 anos, período no qual os participantes estariam finalizando o Ensino Médio. Para 20 anos, muitos manifestaram o interesse em especializar-se na profissão de escolha. O interesse pela continuação dos estudos também foi observado na dimensão "Trabalho", no sentido de atualizarem-se profissionalmente. Destaca-se que a maioria dos participantes projeta uma conciliação entre os estudos e um emprego, associação comumente observada nas pesquisas sobre construção de projetos de vida de grupos socioeconomicamente vulneráveis (Ramos et al., 2022). Na projeção de 20 anos, alguns participantes afirmam desejo de atuarem nas seguintes profissões: "Advogada" (Lorena), "Streamer" (Guilherme), "Pediatra" (Luana) e "Médica ou atriz" (Bruna).

Sobre a dimensão "Bens Materiais", as respostas foram semelhantes e versaram sobre a aquisição de bens. Observou-se que as projeções de alguns participantes se mostraram pouco realistas se comparadas às idades e atividades desejadas para os próximos 5 anos, como pode ser visto nos seguintes exemplos: "Quero ter minha casa própria, meu carro e minhas coisas e ter o meu salão, um apartamento e uma moto" (Carla) e "Ter uma casa, um carro, e dar de tudo para os meus filhos"(Miguel). No entanto, essa dificuldade não é uma surpresa, uma vez que o projeto de vida de cada participante está em construção (Bronk, 2014; Breinbauer & Maddaleno, 2008;). A resposta de Lorena, pelo contrário, diverge das projeções supramencionadas: "Acho que ainda não teria saído de casa".

A dimensão "Religião/Espiritualidade" também apresentou respostas semelhantes. Alguns exemplos das projeções de 5 e 20 anos foram: "Quero aprender mais sobre minha religião e estar próxima de Deus" (Julia); "Acho que ainda serei católica" (Vanessa); "Quero estar próxima de Deus e frequentar mais a igreja" (Carla). Essas respostas sugerem que a dimensão "Religião/Espiritualidade" foi pouco refletida pelos participantes. Esse resultado pode ser explicado considerando-se o início do processo de construção da identidade no qual os participantes se encontram e a dificuldade de elaborarem temas como espiritualidade, um conceito abstrato que exige certo grau de maturidade teórico-experiencial. A pesquisa realizada por Pereira et al. (2021) sugere uma maior incidência da dimensão "Religião/ Espiritualidade" em adolescentes mais novos se comparado aos mais velhos, resultado que iria na contramão daqueles obtidos por essa pesquisa. Uma compreensão mais apurada dos dados será fornecida na discussão do próximo encontro.

Os participantes dos dois grupos responderam o formulário e a maioria teve dificuldade com as dimensões "Bens Materiais" e "Religiosidade/Espiritualidade". Além disso, poucos adolescentes quiseram compartilhar suas respostas com o grupo. A participante Márcia interessou-se sobre as projeções futuras das estagiárias e o participante Henrique, embora não tenha escrito no formulário, respondeu verbalmente as perguntas quando questionado sobre algumas dimensões.

Encontro 4: Uma pessoa que Admiro

Estavam presentes 20 participantes, 10 participantes de cada um dos grupos. Para esse encontro, os participantes foram incentivados a pesquisar a biografia de alguém que admiram ou se inspiram. Dado que a maioria não preparou previamente a atividade, solicitou-se que os participantes refletissem sobre alguém que admiram e compartilhassem o porquê dessa escolha durante o encontro. Para iniciar a discussão, as estagiárias selecionaram biografias de pessoas que admiram e incentivaram os estudantes a pensarem em familiares, amigos, vizinhos ou professores.

Apenas dois participantes trouxeram nomes de pessoas famosas como alguém que admiram, tal como um político e um youtuber brasileiros. Nenhum outro participante compartilhou uma biografia pesquisada ou refletida previamente para o encontro. Após serem incentivados a pensar sobre as pessoas que são referências e modelos em suas vidas, Júlia disse que admira e toma a avó como um exemplo, pois ela "Está sempre ajudando as pessoas" (Júlia).

Vanessa, Carla e Bruna citaram suas mães e destacaram que tal escolha derivava do reconhecimento das abdicações da mãe em prol das filhas. Breno e Gustavo afirmaram que seus pais são suas figuras de admiração e modelo. Destaca-se que Breno afirmou "Em um país onde ter pai é um privilégio, meu pai é o meu exemplo"(Breno). Por fim, Marcos compartilhou que tinha como exemplo o pastor da igreja que frequenta. A maioria dos participantes não mencionou biografias derivadas de um repertório educacional, cultural ou artístico, como era esperado. Compreende-se essa restrição de repertório a partir de dois aspectos. Primeiro, o fato de os participantes estarem apenas no início de suas construções identitárias e, por isso, não discriminarem bem quem os inspira e quem são seus modelos (Bronk, 2014; Pereira & Dellazzana-Zanon, 2021). O segundo aspecto refere-se à restrição de repertório educacional, uma vez que os participantes se encontram no final do Ensino Fundamental II. Reconhece-se, porém, que esse segundo aspecto pode ter sido agravado em decorrência da precariedade do ensino público atual e potencializado em função das consequências que a pandemia de Covid-19 trouxe para a educação básica pública (Guzzo et al., 2021).

Ainda que a maioria dos participantes tenha demonstrado restrito repertório em relação a ídolos ou modelos externos, destaca-se o reconhecimento de exemplos e inspirações nas relações mais próximas, principalmente no microssistema familiar. Observou-se que a grande maioria dos participantes admira e apresenta como modelos pessoas próximas e presentes em seu convívio. Tal resultado vai ao encontro daquele observado na questão 3 do formulário "Eventos e pessoas importantes na minha vida", aplicado no segundo encontro. Quando perguntados sobre as pessoas importantes em suas vidas, a maioria dos estudantes mencionou a família e os amigos: o processo de construção da identidade requer modelos e exemplos, os quais são usualmente os familiares e pessoas que compõem as relações mais próximas dos adolescentes, como vizinhos, amigos e professores (Bonato et al., 2012)

A seguir, foram entregues folhas pautadas para que os participantes escrevessem uma carta do seu eu do futuro para o eu do presente. Tal atividade teve por objetivo instigar uma prospecção quanto ao futuro, por meio de uma projeção baseada nas expectativas e desejos discriminados no presente. A partir da leitura e categorização dos conteúdos das cartas, pode-se perceber a presença das dimensões "Família e Relacionamentos Afetivos"; "Trabalho"; "Bens Materiais"; "Estudo" e "Religião/ Espiritualidade", bem como conteúdos relacionados à resiliência e perseverança.

Os resultados indicaram que a dimensão "Família e Relacionamentos Afetivos" está presente em todas as cartas produzidas e que os participantes se veem próximos da sua família de origem e de seus amigos atuais, como almejam construir sua própria família. Embora não tenham clareza sobre a sua configuração familiar no futuro, a maioria dos participantes prospecta o casamento e a criação de filhos (Riter et al., 2019). A dimensão "Trabalho" apareceu em segundo lugar nas cartas, 15 dos 19 (78,9%) participantes relatam a conquista do exercício da profissão desejada ou a admissão em um emprego. A incidência das dimensões "Família e Relacionamentos Afetivos" e "Trabalho" foi observada em outros estudos, os quais também associam tais dimensões, alegando que o desejo profissional é visto como uma possibilidade de ofertar melhores condições socioeconômicas para a família de origem ou ainda, que a estabilidade financeira conquistada a partir de um trabalho é condição propulsora para a construção da sua própria família (Riter et al., 2017).

A dimensão "Bens Materiais" está presente na carta de 11 dos 19 (57,8%) participantes. Foram mencionados aquisição de bens materiais, como casa, carro ou moto, e desejo de melhoria da condição financeira. Um estudo sobre a temática mostrou que há uma tendência de que, conforme os adolescentes crescem, diminuem os projetos de vida nessa dimensão, pois adolescentes mais novos tendem a apresentam um comportamento mais imediatista e estão mais preocupados com questões relacionadas a roupas, veículos e viagens (Pereira et al., 2021). Em 10 das 19 (52,6%) cartas, a dimensão "Estudo" esteve associada à conclusão do Ensino Médio, do Ensino Superior e de cursos de idiomas, como ilustram os exemplos a seguir: "A gente conseguiu terminar nossos estudos e, também, entrar na faculdade de direito (Lorena); "Eu estou estudando ultimamente italiano, já aprendi a falar fluentemente alemão, inglês, francês e russo(Miguel).

A dimensão "Religião/ Espiritualidade" foi a menos citada nas cartas, apenas 4 dos 19 (21%) participantes se referiram a essa dimensão a partir do interesse em manter uma conexão pessoal com Deus ou com algo que se considere absoluto. Por um lado, o estudo desenvolvido por Pereira et al. (2021) diverge dos resultados aqui encontrados, já que sugere um decréscimo dessa dimensão à medida do avanço dos anos escolares. Por outro lado, para Bronk (2014), a religião e a espiritualidade tendem a ser mais prevalentes e consistentes em jovens adultos, adultos e idosos. Camboim e Rique (2010) sugerem que, embora os adolescentes apresentem maior filiação e prática religiosas, eles possuem menor espiritualidade, se comparados aos jovens adultos. Assim sendo, sugere-se que a baixa incidência dessa dimensão no projeto de vida dos participantes deste estudo ou a sua pouca reflexão podem ser explicadas pela dificuldade de compreender o conceito de espiritualidade, uma noção abstrata que requer maior maturidade no que tange à construção da identidade.

Além dos conteúdos categorizados nas dimensões mencionadas, os participantes citaram realização de viagens, adoção de animais de estimação, conquista da carteira de motorista e de outras habilidades como desenhar e mudança de país. Dois participantes mencionaram o desejo de estabilizarem-se emocionalmente e construírem uma vida psíquica mais saudável. Alguns participantes mencionaram nas cartas conteúdos relacionados à resiliência e perseverança, como ilustrado a seguir: "Com muita luta nosso esforço valeu a pena, com muita garra e determinação, realizamos nosso tão almejado sonho, temos uma qualidade de vida boa" (Gustavo); "Às vezes parece difícil, mas a gente consegue, você é mais forte do que você imagina" (Lorena); "Eu me orgulho de tudo que você passou e superou cada obstáculo"(Carla). A presença da resiliência pode indicar contextos de exposição a perigos, estresse e vulnerabilidades de ordens distintas (Damon et al., 2003).

No Brasil, a escola pública é um marcador de diferença de nível socioeconômico, de desigualdade social e de segregação social (Guzzo & Euzébios, 2005). A maioria dos estudantes da escola pública está exposta a contextos de perigo, violência e vulnerabilidade. A associação entre resiliência e perseverança também foi observada em outro estudo sobre projetos de vida de estudantes de escola pública (Pereira & Dellazzana-Zanon, 2021). Três participantes mencionaram em suas cartas a importância de estarem participando da intervenção ‘Formação Identitária e Projetos de Vida na Adolescência', como ilustra o exemplo a seguir: "Lembro até da Giovanna, Letícia e Paola [estagiárias], elas fizeram eu pensar na minha vida, pensar e acreditar em mim" (Thaina).

Encontro 5: Meu Projeto de Vida

Estavam presentes 21 participantes, 11 do grupo 1 e 10 do grupo 2. O encontro iniciou com a entrega do formulário "Meu Projeto de Vida". Os participantes foram convidados a responderem novamente à atividade a fim de refletirem se as suas respostas haviam se alterado desde a aplicação no encontro 1 ou se eles estavam com mais ou menos dificuldades. O formulário foi respondido por 21 participantes, 6 a mais se comparado à primeira aplicação.

Observou-se que os exemplos fornecidos pelos estudantes para atividades que possuem facilidade e realizam atualmente e para características de pessoas que eles admiram foram mais abstratos comparados às atividades expressas na primeira aplicação. Enquanto no preenchimento do primeiro encontro foi possível observar atividades e características relacionadas majoritariamente ao cotidiano concreto, na aplicação deste encontro foram relatadas atividades como: "Tentando entender a vida" (Carla) e "Estou escrevendo meu projeto de vida" (Lorena). Em relação às características de pessoas que eles admiram destacam-se, "Pessoas que estão ao meu lado" (Bianca); "Pessoas que têm empatia" (Gustavo); "Pessoas que são carinhosas, respeitosas e cooperativas" (Fernanda). Esses resultados indicam que a participação na intervenção promoveu reflexões acerca dos interesses, habilidades e prospecções dos adolescentes. Resultados de estudos anteriores indicam que programas que promovem a construção de projetos de vida podem potencializar reflexões acerca da autoimagem e favorecer a formação da identidade (Gomes et al., 2016; Pereira & Dellazzana-Zanon, 2021).

Como observado na primeira aplicação, o sonho de 14 dos 21 participantes esteve relacionado a projeções no âmbito profissional. O mesmo ocorreu em relação ao que os participantes aspiram como marca para o futuro, como ilustram os exemplos a seguir: "Ter meu próprio negócio" (Julia); "Ser dublador" (Thiago); "Ter várias lojas pelo Brasil" (Vinícius); "Meu trabalho" (Lucas). Resultados de outros estudos sobre a temática indicam que os projeto de vida de adolescentes em situação de vulnerabilidade socioeconômica se relacionam prioritariamente com trabalho, estudos e família (Riter et al., 2017). Essas dimensões também foram mencionadas nos nomes que os participantes deram para seus projetos de vida: "Família e profissão" (Bianca); "Estudar relatividade" (Miguel) e "Minha família" (Ana e Júlia).

Quanto ao aspecto familiar, a maioria dos participantes, relatou que espera ter um bom relacionamento com sua família de origem no futuro. Em relação ao aspecto religião/ espiritualidade, a maioria dos participantes explicitou interesse em se aproximar ou entender melhor esse aspecto. Três participantes não responderam, dois afirmaram não terem certeza e um participante relatou que esse não é um aspecto importante em sua vida.

Depois, as estagiárias entregaram os livretos previamente organizados aos participantes. Foram disponibilizados lápis de cor, canetinhas coloridas, giz de cera, revistas para recorte, glitter, tesouras, cola e régua, para que customizassem a capa e as folhas do livro, em especial as legendas das fotos impressas. Os livretos foram organizados da seguinte forma: uma folha de capa para ser personalizada, uma folha de apresentação do material produzida pelas estagiárias, as atividades produzidas pelos estudantes até o momento, as fotos impressas de cada um deles, uma folha de finalização e agradecimento e as fotos produzidas com as estagiárias ao longo dos encontros. Cada participante ganhou um recado individual disponibilizado ao final do livreto. Embora três dos 23 participantes não tenham enviado as fotos, todos tiveram seu livreto produzido.

Encontro 6: Encerramento

Estavam presentes 20 participantes no total, 10 de cada um dos grupos. As estagiárias distribuíram a Ficha de Avaliação e a leram em conjunto com os participantes. Após a finalização da parte escrita, houve a discussão das respostas e solicitou-se aos estudantes que definissem a experiência no projeto em uma palavra. Depois, os livretos foram entregues para que os participantes continuassem a personalizá-los. O encontro foi encerrado com o agradecimento das estagiárias e uma foto com os grupos.

As respostas à Ficha de Avaliação indicaram que os encontros preferidos foram: Encontro 3 (Meu Futuro); Encontros 2 (Eventos e Pessoas Importantes para minha vida) e 5 (Meu Projeto de Vida); Encontro 4 (Uma pessoa que admiro); Encontro 1 (Quem sou eu?), e Encontro 6 (Encerramento e Entrega dos livretos). Três participantes indicaram que o Encontro 3 foi o que menos gostaram, "Porque a gente nunca sabe o que vai acontecer de fato no futuro" (Luana); "Não queria muito pensar no futuro" (Larissa); "Foi o que eu mais achei difícil para pensar"(Breno). Dois participantes indicaram que menos gostaram do Encontro 6, pois "Era o último encontro"(Lorena e Gustavo). Os demais participantes afirmaram terem gostado de todos os encontros. O Encontro 3 foi eleito como o preferido, ainda que a dificuldade de refletir sobre o futuro tenha mobilizado os participantes e despertado sentimentos de incerteza e resistência nos que afirmaram não terem gostado deste encontro. Em relação a isso, sugere-se que se amplie a discussão acerca de tal dificuldade em futuras aplicações.

As sugestões de mudança no programa foram: realizar a intervenção em um ambiente mais aberto, como a quadra da escola; maior participação verbal dos estudantes; e aumentar dinâmicas em detrimento de atividades escritas. Dez participantes mencionaram que ficaram satisfeitos e não mudariam nada. Quanto à participação na intervenção, 14 estudantes afirmaram ter se dedicado de maneira satisfatória e não identificaram nenhum aspecto a melhorar. Seis estudantes mostraram satisfação com a participação nos encontros, mas afirmaram que precisariam se dedicar mais, como ilustram os exemplos a seguir: "Eu acho que eu deveria ter falado mais. Mesmo conversando pouco, eu fiz todas as atividades e respeitei os combinados" (Bianca); "Acho que participei dos encontros, mas tive meus momentos de timidez"(Miguel).

A experiência de ter participado da intervenção foi considerada positiva para todos os participantes presentes no encontro. Os aspectos positivos relatados foram: aumento do autoconhecimento, do senso de identidade e reflexão sobre o projeto de vida, o presente e o futuro, como ilustrado a seguir: "O projeto me ajudou a pensar mais em quem eu sou e irei ser,e o que quero agora e para o meu futuro" (Bruna); e "Foi uma experiência muito legal, acho sim que me ajudou a ter mais autoconhecimento por eu ter falado coisas que não falava normalmente e consegui refletir e repensar sobre"(Gustavo). Esses resultados reforçam que a construção do projeto de vida se inicia no fortalecimento da identidade pessoal e da autoestima (Gomes et al., 2016). As palavras mencionadas pelos participantes como a que definiram sua experiência no projeto foram: futuro, simpatia, conhecimento, meu futuro, autodescoberta, respeito, empatia, diversão, satisfação, esperança, legal e perfeito.

Os dados da ficha de avaliação evidenciam que a promoção e o desenvolvimento de projetos de vida são fatores de proteção para os adolescentes e podem contribuir para o aumento de experiências empáticas, estreitamento de laços entre pares, promoção de engajamento e elucidação de valores e habilidades (Pereira & Dellazzana-Zanon, 2021). Os benefícios de tal intervenção mostram-se potencializados na medida que os espaços de reflexão e promoção da identidade foram identificados como deficitários no ambiente escolar.

Em relação à entrega e à personalização dos livretos, observou-se grande engajamento e dedicação dos estudantes. A maioria compartilhou com as estagiárias os eventos e pessoas retratados nas fotografias impressas e externou grande felicidade e empolgação com o livreto. Assim, evidencia-se que o recurso da impressão das fotos e a produção dos livretos contribuíram para a formação identitária, bem como para a materialização do projeto de vida e viabilizaram um espaço de afeto entre os participantes e as estagiárias, como ilustra a fala de Guilherme: "Quando eu vi as fotos quase chorei, pois quando me mudei para essa escola não conhecia quase ninguém".

 

Considerações Finais

Este estudo tem como objetivo apresentar uma intervenção para promover autoconhecimento e contribuir para a formação identitária e desenvolvimento de projetos de vida com adolescentes, no âmbito de um relato de experiência de estágio na área da psicologia escolar. Os resultados da intervenção e a avaliação dos participantes indicaram que os objetivos da intervenção foram alcançados. A intervenção foi o primeiro espaço que os estudantes relataram ter tido para refletir sobre si mesmos, sobre si mesmos no futuro e sobre como dar conta dos seus planos para os próximos anos.

Os encontros da intervenção promoveram um espaço de reflexão acerca das habilidades, sonhos e metas para o futuro dos estudantes, bem como oportunizaram uma maior autoestima dos participantes. Os resultados positivos obtidos derivam do ambiente facilitador estabelecido ao longo de todos os encontros da intervenção, o que possibilitou reflexão e construção conjunta sobre temas pouco ou nada familiares aos participantes. O estabelecimento de regras de convivência no primeiro encontro, incluindo a regra de sigilo, e a divisão do total de participantes em dois grupos menores possibilitaram o manejo adequado de cada grupo ao longo dos encontros e foram essenciais para o sucesso da intervenção. O fato de as estagiárias terem fornecido exemplos para as atividades propostas serviu como modelo e ajudou na construção de um vínculo respeitoso e afetivo entre elas e os participantes. Embora a participação espontânea verbal dos estudantes tenha sido inicialmente difícil, identificou-se um engajamento prático e emocional crescente no decorrer da intervenção.

A construção conjunta do Livreto "Meu Projeto de Vida" possibilitou a materialização do desenvolvimento dos projetos de vida dos participantes ao longo dos encontros, destacou a sua natureza processual e contribuiu diretamente no desenvolvimento de vínculos entre os presentes. A intervenção promoveu um espaço no qual comportamentos, sentimentos e potencialidades, antes não observados nos demais ambientes da escola, florescessem. Esses resultados se relacionam com o embasamento da intervenção no desenvolvimento positivo do jovem, o qual considera a adolescência como uma fase de possibilidades e potencialidades, e por isso, reconhece os benefícios da promoção de projetos de vida nessa etapa.

A adolescência é constantemente associada a uma fase turbulenta e problemática do desenvolvimento e os adolescentes, especialmente aqueles socioeconomicamente vulneráveis, são estigmatizados e inferiorizados. Os resultados da intervenção mostram que a crença na potência dos estudantes e a promoção de projetos de vida podem ser muito positivas para o desenvolvimento saudável dessa fase da vida. Projetos com o intuito de criar um ambiente de reflexão e construção de projetos de vida podem contribuir para a promoção de ambientes escolares que promovem proteção aos indivíduos.

Salienta-se que a intervenção relatada neste estudo foi um passo inicial rumo a construção dos projetos de vida de seus participantes. Assim, embora o trabalho aqui apresentado tenha sido importante, projetos de intervenção futuros sobre a temática devem buscar ajudar os adolescentes a refletir sobre como construir estratégias concretas para a realização de seus projetos vida. Recomenda-se que estudos aprofundem esse aspecto, bem como investiguem as diferenças de gênero na construção de projetos de vida de estudantes socioeconomicamente vulneráveis.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Giovanna Miyazaki Grigoletto - giovanna.m.grigol@gmail.com

Recebido em: 28/03/2024
Aceito em: 02/09/2024

 

 

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