Estudos e Pesquisas em Psicologia
2025, Vol. 25. e82632, doi:10.12957/epp.2025.82632
ISSN 1808-4281 (online version)
PSICOLOGIA CLÍNICA E PSICANÁLISE
As Emoções no Bilinguismo: Enfoque na Identidade Bilíngue no Processo Terapêutico
Emotions in Bilingualism: Focus on Bilingual Identity in the Therapeutic Process
Las Emociones en el Bilingüismo: Enfoque en la Identidad Bilingüe en el Proceso Terapéutico
Sofia Tomaselli Maldaner a, Lara Beatriz Borcath de Andrade a
, Elisa Nemeth a
, Wallisten Passos Garcia a
a Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, PR, Brasil
Endereço para correspondência
RESUMO
No bilinguismo percebe-se diferenças nas dinâmicas que se estabelecem nas relações sociais e na própria identidade. Ao considerar que cada idioma falado pode produzir traços identitários diferentes, resultando em formas de expressão verbal diversas, verifica-se que há potencial psicoterapêutico no uso do bilinguismo como recurso. Este estudo tem como objetivo verificar como o bilinguismo e a experiência emocional vinculada a esse fenômeno se apresenta na vida das pessoas e como interfere tanto na identidade do sujeito quanto na forma de expressão de suas emoções. Utilizou-se um questionário respondido por 130 pessoas (f = 102; m = 28), com média de 24,67 anos (dp = 8,66). Foi feita uma análise de dados quantitativa descritiva e uma análise temática das respostas. A maioria dos participantes afirmou sentir modificações na sua identidade falando em outro idioma. Reconhecem o bilinguismo na terapia como sendo vantajoso, porque existem palavras em outro idioma que podem expressar melhor os sentimentos e possibilitam um distanciamento emocional que pode ajudar a falar de temas difíceis. Discute-se que o bilinguismo pode ser um importante recurso terapêutico, apesar de ser raramente explorado durante a psicoterapia pelo desconhecimento desse recurso por parte do psicoterapeuta e pacientes.
Palavras-chave: bilinguismo, identidade social, psicoterapia, emoções.
ABSTRACT
In bilingualism, differences in the dynamics of social relationships and personal identity become apparent. Considering that each spoken language can produce different identity traits, resulting in diverse forms of verbal expression, it is postulated that the use of bilingualism in psychotherapy can be a potentially relevant resource. This study aims to examine how bilingualism and the emotional experience associated with this phenomenon manifest in people's lives and how they interfere with the individual's identity and the expression of their emotions. It was used a questionnaire answered by 130 participants (f = 102; m = 28), with an average age of 24.67 years (SD = 8.66). Descriptive quantitative data analysis and thematic analysis of responses were conducted. Most participants reported feeling a change in their identity when speaking another language. They recognize the use of bilingualism in therapy as advantageous since there are words in another language that can better express feelings and allow for emotional distance that can help when talking about difficult topics. It is discussed that bilingualism can be an important therapeutic resource, despite being rarely explored in psychotherapy due to therapists' and patients' lack of awareness of this resource.
Keywords: bilingualism, social identity, psychotherapy, emotions.
RESUMEN
En el bilingüismo se perciben diferencias en las dinámicas que se establecen en las relaciones sociales y en la propia identidad. Al considerar que cada idioma hablado puede producir rasgos identitarios diferentes, lo que resulta en diversas formas de expresión verbal, se postula que el uso del bilingüismo en la psicoterapia puede ser un recurso terapéutico potencialmente relevante. Este estudio tiene como objetivo examinar cómo se manifiesta el bilingüismo y la experiencia emocional asociada con este fenómeno en la vida de las personas y cómo interfiere en la identidad del individuo y en la expresión de sus emociones. Se administró un cuestionario a 130 participantes (f = 102; m = 28), con una edad promedio de 24.67 años (DE = 8.66). Se realizó un análisis de datos cuantitativos descriptivos y un análisis temático de las respuestas. La mayoría de los participantes informaron sentir una modificación en su identidad al hablar otro idioma. Reconocen el uso del bilingüismo en la terapia como ventajoso porque existen palabras en otro idioma que pueden expresar mejor los sentimientos y permitir un distanciamiento emocional que puede ser útil para abordar temas difíciles. Se discute que el bilingüismo puede ser un recurso terapéutico importante, a pesar de ser raramente explorado en la psicoterapia debido a la falta de conciencia de este recurso por parte de los psicoterapeutas y los pacientes.
Palabras clave: bilingüismo, identidad social, psicoterapia, emociones.
O bilinguismo, em seu significado mais abrangente, é definido pela utilização de mais de um idioma pelo mesmo sujeito, caracterizado por uma aptidão linguística, mas também subjetiva, ao contemplar segmentos sociais e singulares (Lehmann, 2017). O uso de diferentes línguas é direcionado pelas relações que o sujeito assume com as outras pessoas, considerando a finalidade política e cultural relativa à motivação de quem fala e de quem escuta, além dos valores ideológicos e sociais que transpassam a aquisição de dois ou mais idiomas (David, 2007). A linguagem está, portanto, atrelada ao contexto social de sua produção e influencia o modo como o ser humano interpreta a sua realidade e a si mesmo, assim como vincula-se à expressão das emoções e sentimentos ao nutrir-se de aspectos linguísticos e subjetivos presentes nas situações comunicativas (Bakhtin, 2016).
Identifica-se que pessoas bilíngues percebem e expressam suas emoções diferentemente em cada língua, demonstrando preferência pelo idioma materno ao falar sobre sentimentos mais profundos, expressar raiva, descontentamento ou até mesmo xingar. Muitos bilíngues afirmam que se sentem mais genuínos ou naturais ao falarem em sua língua materna e relatam sentimentos de falsidade ou artificialidade quando usam uma língua estrangeira para externalizar o seu íntimo, agindo de forma diferente da usual, incluindo a sensação de que assumem uma outra personalidade (Dewaele, 2016). Da mesma forma, quando confrontadas por um dilema moral, essas pessoas afirmam que desenvolvem seus argumentos de forma mais ampla e consistente em sua língua materna. Quando utilizam de um idioma estrangeiro tendem a ser mais utilitárias e sistemáticas (Melo, 2021).
Contudo, também há situações em que a língua estrangeira é preferível à língua materna para se expressar. Um exemplo seria um caso relatado por Melo (2021), em que um falante nativo do Japão preferia expressar suas emoções em inglês, uma vez que na cultura japonesa as emoções são normalmente expressadas de forma não-verbal. Costa e Dewaele (2018) afirmam que pacientes com alexitimia - incapacidade de descrever e expressar suas emoções - podem superar essa dificuldade usando palavras em outro idioma aprendido depois do começo da infância. Román (2018) destaca que na cultura coreana há um senso de comunidade, então, em vez de falar "estou me sentindo mal", é falado "estamos nos sentindo mal". Dessa forma, um coreano ao usar outro idioma em que é fluente, que não o materno, pode sentir que expressa seus sentimentos de forma mais pessoal e intimista.
Na mesma direção, diferentes estudos evidenciam que a possibilidade de expressão em línguas estrangeiras permite estratégias de distanciamento de toda a carga emocional presente na língua materna, facilitando a expressão de sentimentos difíceis de se externalizar verbalmente (Rolland, Costa & Dewaele, 2020; Román, 2018; Costa & Dewaele, 2018; Laguzzi, 2014; Dewaele & Costa, 2013). Em um estudo realizado com refugiados em uma comunidade terapêutica do Reino Unido, Rolland et al. (2020) descobriram que essas pessoas tinham a preferência linguística estrangeira para o acesso e a retomada de conteúdos de experiências traumáticas, evidenciando que expressar as emoções em uma língua estrangeira pode auxiliar as pessoas no relato de sentimentos complexos de serem compartilhados.
Um fenômeno importante no bilinguismo é o code-switching (CS), que em português significa "alternância de código linguístico". Ele pode ser caracterizado como uma estratégia de comunicação ligada ao objetivo que o bilíngue busca alcançar em suas interações (Melo, 2021). O uso de CS é relevante, pois uma cultura atribui valores específicos do seu contexto às palavras e, por isso, o vocabulário de algumas culturas pode conter palavras que não são equivalentes em outros idiomas. O sujeito bilíngue, ao dominar os sentidos para as palavras em diferentes línguas, pode escolher utilizar uma palavra que esclareça mais o que ele está sentindo, auxiliando-o a expressar suas emoções de forma mais clara e objetiva (Kokaliari, Catanzarite & Berzoff, 2013).
Em decorrência da comunicação humana ser influenciada pelos valores culturais e emocionais atrelados ao contexto comunicativo da linguagem, a preferência pela língua materna ou estrangeira que os bilíngues utilizam para comunicar suas emoções em diferentes situações e contextos evidencia a diversidade de modos de apropriação e utilização de dois idiomas no repertório linguístico e nos processos comunicativos (Dewaele, 2022), sendo fundamental considerar que a pluralidade linguística é permeada por características culturais atreladas aos idiomas que influenciam a comunicação de seus falantes (Mór, 2014).
Sabe-se que o grau de apego com a cultura nativa interfere nas diferenças sentidas no momento de se expressar em um idioma estrangeiro. Indivíduos bilíngues sentem-se diferentes ao expressar suas emoções na língua materna ou estrangeira, pois, em conversas entre nativos de um mesmo idioma, não há tanta preocupação com a produção e a recepção da fala, visto que acontecem de forma mais automática. Em outra direção, ao se falar em uma língua estrangeira, passa-se por um processo mais controlado, decorrente da preocupação com a escolha de palavras e expressões adequadas, além das regras gramaticais e pragmáticas, o que pode tornar a compreensão e a expressão de emoções mais difícil em uma segunda língua (Melo, 2021). Nesse sentido, estudos têm indicado que, quanto mais tarde em suas vidas os sujeitos aprendem um outro idioma, menos sentimentais, lógicos e genuínos se sentem ao usá-lo. Por outro lado, as pessoas com maior abarcamento na cultura de língua estrangeira tendem a perceber menos diferenças na comunicação (Dewaele, 2016).
Ao considerar que a construção identitária ocorre por meio da cultura, sendo a língua um aspecto fundamental de expressão cultural, é válido considerar as possibilidades de identidades que podem ser construídas no sujeito bilíngue (Lehmann, 2017). O fenômeno de mudança de traços da identidade de acordo com a mudança do idioma falado é denominado "Comutação do Quadro Cultural" ou "Cultural Frame Switching", em inglês. O que se entende é que pessoas bilíngues não estabelecem personalidades inteiramente diferentes ao transitar pelos idiomas, mas apenas leves mudanças em traços identitários. As diferenças incluem desde a sua autopercepção à percepção que têm dos outros, por vezes tendo incongruências entre as duas. As variações podem ocorrer tanto em seu comportamento verbal quanto no não-verbal, por meio de mudanças no tom e intensidade de voz e na linguagem corporal, e na autopercepção, ao se sentirem menos engraçados ou mais taciturnos ao falar em outra língua, por exemplo (Dewaele, 2016).
Com o processo de globalização, percebe-se o aumento no fluxo de pessoas estrangeiras bilíngues no mundo todo, resultando em um intercâmbio constante de idiomas e culturas. O aprendizado de outros idiomas, diferentes de sua língua nativa, se torna cada vez mais acessível, requisitado e, de certa forma, necessário. Nesse cenário, muitas pessoas na contemporaneidade falam outros idiomas. Ao analisar que cada idioma falado pelas pessoas pode gerar traços identitários distintos e, consequentemente, formas de expressão verbal diversas, postula-se que o uso do bilinguismo na psicoterapia pode ser um recurso terapêutico relevante para o psicólogo, contribuindo com resultados positivos para o processo psicoterapêutico. Entretanto, as pesquisas no Brasil sobre esse assunto ainda são escassas, evidenciando a necessidade de explorar esse fenômeno na psicologia para proporcionar um melhor apoio aos pacientes que buscam psicoterapia.
Diante dessa problemática, o presente estudo tem como objetivo verificar como o bilinguismo e a experiência emocional vinculada a esse fenômeno se apresenta na vida das pessoas e como interfere tanto na identidade do sujeito quanto na forma de expressão de suas emoções.
Método
Participantes
A amostra foi composta por 130 pessoas que responderam a um questionário. A média de idade dos participantes foi 24,67 anos (dp = 8,66), variando de 18 a 58 anos. A maioria dos participantes, 78,5% (n = 102), foi do gênero feminino, seguido de 21,5% (n = 28) do gênero masculino. Todos os participantes seguiram os critérios de inclusão da pesquisa: eram brasileiros, com 18 anos ou mais, cuja língua nativa era o português, faziam ou fizeram psicoterapia em algum momento de suas vidas e consideravam que falavam fluentemente alguma língua estrangeira. Não foi exigida comprovação de fluência, pois os estudos atuais consideram que o bilinguismo não se limita à competência certificada de uma pessoa em falar dois idiomas. Ou seja, o bilinguismo está muito mais relacionado ao contexto que uma pessoa está inserida, considerando as suas habilidades, experiências e necessidades linguísticas individuais. Assim, entende-se que o bilinguismo está dentro de um espectro e não pode ser contemplado apenas a partir da fluência e competência igual a de um nativo (Grosjean & Li, 2013; Grosjean, 2022).
Conforme a Figura 1, o inglês foi o idioma estrangeiro mais falado entre os participantes (96,15%), seguido pelo espanhol (43,07%), francês (20%), alemão (8,46%), italiano (6,92%), coreano (3,07%), mandarim (1,53%), japonês (1,53%), esperanto (1,53%), libras (0,76%) e outros (3,84%). Salienta-se que 76 participantes (58,46%) falavam dois ou mais idiomas.
Figura 1
Número e Porcentagem de Pessoas que Falam cada Idioma Estrangeiro
Instrumento
Foi utilizado um questionário elaborado pelos autores da presente pesquisa, construído por meio do Google Forms, com 29 perguntas, sendo que 27 eram de resposta obrigatória, variando entre questões abertas (n = 2), fechadas (n = 18) e de múltipla escolha (n = 7). As outras 2 questões eram abertas, mas de resposta opcional. Do total das questões, 4 delas foram para a coleta de dados sociodemográficos, destinados a traçar o perfil dos participantes; outras 4 foram para a coleta de informações linguísticas, relativas a aquisição e a utilização dos idiomas estrangeiros; e as outras 21 questões restantes abordavam pontos sobre o idioma adquirido e a sua relação com a identidade pessoal, levantando informações sobre as possibilidades de expressão pelo uso do idioma estrangeiro em diferentes contextos sociais e como isso poderia se apresentar dentro do processo terapêutico. As duas questões abertas opcionais eram relativas a exemplos pessoais dos participantes.
Construído a partir das demandas e questionamentos apresentados na pesquisa, o instrumento utilizado teve fundamento nos conceitos desenvolvidos nas pesquisas de Dewaele e Costa (2013) e Dewaele (2022), que tratam das práticas e percepções linguísticas bilíngues, articulando o bilinguismo, as emoções e os seus segmentos no ambiente terapêutico; no questionário utilizado por Melo (2021), que engloba particularidades linguísticas em indivíduos que têm o português como primeira língua e o inglês como segunda língua; e na monografia de Kahn (2018), cujo conteúdo aborda o bilinguismo e a personalidade em indivíduos bilíngues, também destacando as pessoas que possuem o português como língua materna e o inglês como segunda língua.
Procedimentos para a Coleta de Dados
O presente trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CAAE: 58408522.5.0000.0020). Após aprovação, a divulgação da pesquisa ocorreu por meio do envio de um "Convite de Participação" em grupos de WhatsApp e divulgação nas redes sociais dos autores.
Ao acessar o link, o participante era direcionado para uma página do Google Forms contendo o Termo De Consentimento Livre e Esclarecido Online. Era necessário que o participante aceitasse as condições presentes no termo, que abrangia temáticas relativas à participação no estudo, riscos e benefícios de sua participação, sigilo e privacidade dos dados expostos, autonomia na resposta do questionário, ressarcimento de possíveis custos e indenização, bem como o contato dos pesquisadores e informações pertencentes ao Comitê de Ética.
Ao final, o participante declarava concordar ou não com as disposições para, em caso de concordância, ter acesso ao preenchimento do questionário. As orientações eram de que o preenchimento deveria ser feito de forma individual, com um tempo mínimo de 15 minutos, em um local privado. Foi delimitado um prazo de duas semanas para o preenchimento, a partir do início da divulgação do questionário.
Procedimentos para Análise de Dados
Ao ser encerrada a coleta, os dados foram tabulados em uma planilha do Excel, gerada de forma automática pelo Google Forms. Em seguida, com base nessa planilha, as perguntas fechadas e de múltipla escolha foram organizadas em gráficos e tabelas, a partir dos quais foi feita uma análise quantitativa descritiva. Ou seja, os dados foram resumidos, sumarizados e descritos a fim de obter aspectos importantes e de possível comparação entre si. As perguntas abertas também foram organizadas em tabelas, a partir da seleção das respostas que exemplificavam melhor os tópicos da pesquisa.
Os resultados foram divididos em três categorias temáticas, sendo eles: 1) repertório linguístico, 2) identidade bilíngue e 3) recurso terapêutico. Na categoria "repertório linguístico", as análises restringiram-se aos questionamentos sobre os idiomas falados pelos participantes e seu uso em diferentes contextos. Na categoria "identidade bilíngue", foram analisadas as mudanças nos traços identitários dos participantes ao utilizarem o idioma estrangeiro, assim como a expressão das emoções por meio desse idioma, a partir de suas relações interpessoais em diferentes contextos. Por último, na categoria "recurso terapêutico", a análise direcionou-se para a reflexão dos participantes sobre as práticas e possibilidades de utilização do idioma estrangeiro durante o processo psicoterapêutico.
Resultados
Repertório Linguístico
Ao responder se acreditavam que existiam palavras ou expressões em outros idiomas que se adequavam melhor para a expressão de suas emoções ou estados de humor, 66,2% (n = 86) dos participantes responderam que sim, 21,5% (n = 28) responderam que talvez e 12,3% (n = 16) responderam que não.
Para aprofundar esse dado, foi criada uma pergunta aberta opcional com o objetivo de identificar exemplos de palavras estrangeiras que os participantes utilizavam para expressar melhor suas emoções. A taxa de resposta foi de 36,2% (n = 47). Para a análise dessa questão, as respostas foram classificadas a partir de seu conteúdo, considerando que algumas respostas tinham palavras relativas a mais de um conteúdo, conforme Tabela 1.
Tabela 1
Conteúdo, Quantidade e Exemplos de Respostas Relativas a Exemplos de Palavras em um Idioma Estrangeiro que Expressam Melhor como os Participantes se Sentem
Tipos de respostas |
Quantidade de respostas com esse conteúdo |
Exemplos de palavras |
Palavras com prefixo "over" |
16 |
Overwhelming; Overthink |
Expressões idiomáticas |
11 |
Fake until you make it; Fa schifo |
Palavras de frustração |
4 |
Disappointed; Let down |
Expressões de prazer |
4 |
Wunderbar; Satisfaction |
Palavras de esgotamento |
4 |
Agotado; Burnout |
Palavras de estranheza |
3 |
Strange; Awkward |
Palavras globalizadas |
2 |
Friendzone; Coach |
Palavras afetivas |
2 |
Everlasting |
Palavras de surpresa |
1 |
Participante apenas informou que usa palavras desse tipo |
Expressões de descontentamento |
1 |
Participante apenas informou que usa palavras desse tipo |
Com o propósito de identificar as situações em que os participantes faziam uso de code-switching, foi realizada outra pergunta aberta opcional, na qual apenas 27,7% (n = 36) dos participantes responderam à questão. Para melhor compreensão, os conteúdos abordados pelos participantes foram classificados a partir de seu contexto de uso de code-switching, considerando que do total de 36 respostas, algumas respostas continham mais de um tema, vide Figura 2.
Figura 2
Situações em que os Participantes Fazem Uso do Code-Switching.
Desse modo, 38,9% (n = 14) das respostas foram relacionadas ao uso do CS como ferramenta de apoio linguístico, por exemplo, quando apresentavam uma palavra em outro idioma no meio de uma frase em português porque o significado da palavra era mais expressivo do que o equivalente em português; 25% (n = 9) das respostas foram relacionados ao uso como estratégia de distanciamento emocional, visto que vários participantes informaram utilizar o CS em situações em que tinham que tomar decisões importantes ou falar sobres traumas; 16,67% (n = 6) das respostas foram relacionadas ao uso espontâneo do CS, ou seja, situações em que a primeira forma pensada para se expressar é no idioma estrangeiro; 11,11% (n = 4) das respostas dizem respeito à expressão de situações afetivas, como o participante que informou usar CS para falar das suas relações familiares e amorosas; 8,33% (n = 3) das respostas utilizavam o CS para expressar termos técnicos no meio acadêmico e/ou profissional; e finalmente, 5,56% (n = 2) das respostas faziam uso do CS em contextos humorísticos, ao contar uma piada, por exemplo.
A segunda questão aberta opcional visava identificar exemplos concretos de como os participantes utilizavam o CS. Obteve-se um total de 63 respostas. Para maior objetividade, foram selecionadas, para a discussão dos dados, as respostas que melhor exemplificam os tópicos abordados neste trabalho. As respostas selecionadas podem ser vistas na Tabela 2.
Tabela 2
Exemplos de Experiências de Uso de Code-Switching e Palavras em Idiomas Estrangeiros que Expressam Melhor Formas de se Sentir
Participantes |
Respostas |
A |
"Pela própria complexidade e diferença das línguas, é impossível que existam todas as palavras em todas as línguas. Então palavras que não existem tradução, às vezes fica melhor de entender usando a palavra em outra língua do que tentar explicar o significado dela. Várias delas inclusive viram palavras utilizadas aqui, mesmo sendo inglês, por exemplo: coach, geek, friendzone, crush, spoiler, bullying" |
B |
"Usar o switching é confortável porque tira o peso da palavra em português, especialmente com sentimentos de vergonha, parece que mesmo sinônimos são suavizados pelo peso cultural da palavra em português" |
C |
"Pedindo desculpas por algo que eu fiz, compartilhando com a minha namorada sobre um trauma sexual e para explicar como me sentia durante ataques de ansiedade, explicar/contar sobre sentimentos depressivos e/ou pensamentos negativos" |
D |
"Esses dias utilizei uma palavra em páli pra expressar melhor como me sentia, no caso eu disse a palavra "dukkha", a tradução literal para o português seria "sofrimento" mas não significa exatamente isso, é como se fosse uma insatisfação, como se você sempre sentisse que tem algo faltando, como se a sensação de estar satisfeito fosse inalcançável, nesse momento eu utilizei essa palavra pra expressar um sentimento meio específico, um sentimento de que mesmo quando realizo alguns desejos básicos, percebo que isso não faz eu me sentir melhor, então acabo ficando preso em "dukkha" e me questionando se vale a pena realizar desejos mais significativos na minha vida, dado que isso sempre acaba na mesma sensação" |
E |
"Sempre que preciso tomar uma decisão ou resolver um problema gosto de falar comigo mesma em inglês, parece que me ajuda a resolver mais rápido e com mais facilidade." |
F |
"Me sinto mais confortável em admitir para mim mesma sentimentos complicados falando em inglês" |
Identidade Bilíngue
Sobre o sentimento de mudança de identidade frente a possibilidade de expressão em outro idioma, observa-se que 45,4% (n = 59) dos respondentes concordam com tal modificação, enquanto 36,9% (n = 48) certificam não sentir esta alteração e, por fim, apenas 17,7% (n = 23) afirmam não terem pensado sobre isso. Contudo, tendo em vista a compreensão do sentimento de mudança de identidade a partir da aprendizagem de outro idioma, foi objetivado que 39,2% (n = 51) da amostragem declararam que sua identidade foi transformada após a aprendizagem de outra língua, em contraste com 37,7% (n = 49) que informaram inalteração e 23,1% (n = 30) que alegaram nunca ter pensado sobre o assunto.
Ao considerar que a identidade é construída na relação com outras pessoas, ao responder sobre os âmbitos em que os participantes se expressavam em um idioma estrangeiro, 75,4% (n = 98) escolheram a alternativa "com amigos", 36,2% (n = 47) indicaram "no meio familiar", 35,4% (n = 46) "com seus colegas de universidade" e 33,1% (n = 43) "com colegas de trabalho". Além disso, 76,9% (n = 100) dos participantes responderam que se expressam no idioma estrangeiro "consigo mesmo". Um total de 6,2% (n = 8) alegou não se expressar em outro idioma.
Quanto ao que cabe à exteriorização de emoções complexas em outra língua, 53,1% (n = 69) afirmaram que abordam estas emoções "consigo mesmo", 51,5% (n = 67) "com seus amigos", 10% (n = 13) "com a família", outros 10% (n = 13) com "colegas do meio acadêmico" e 6,2% (n = 8) com "colegas de trabalho". Ainda, 28,5% (n = 37) dos participantes declararam não falar sobre emoções complexas em idiomas estrangeiros. Ao pontuar sobre a abordagem de traumas em idiomas estrangeiros, 43,1% (n = 56) dos participantes afirmaram abordar traumas "consigo mesmo", 37,7% (n = 49) "com amigos", 7,7% (n = 10) "com familiares", 4,6% (n = 6) "com colegas da universidade" e 3,1% (n = 4) "com colegas de trabalho". Além disso, 39,2% (n = 51) afirmaram não falar sobre traumas em outro idioma.
Após serem questionados se acreditavam que, ao falar outro idioma, havia um distanciamento afetivo das emoções, 46,2% (n = 60) dos respondentes concordaram com a afirmativa, enquanto 40,8% (n = 58) declararam não ser verdadeiro. O restante, totalizando 13,1% (n = 17), afirmaram nunca terem pensado sobre este assunto.
Recurso Terapêutico
Ao serem questionados se costumavam utilizar outro idioma na terapia, 43,1% (n = 56) dos participantes responderam nunca ter usado e 26,9% (n = 35) indicaram usar raramente, enquanto apenas um participante (0,8%) respondeu "sempre". Ao responder se achavam vantajoso o uso de code-switching ao longo da terapia, mesmo precisando traduzir para o psicoterapeuta, 69,2% (n = 90) dos participantes responderam que sim, enquanto 30,8% (n = 40) responderam que não achavam vantajoso. Para compreender o motivo do uso do code-switching durante o cotidiano, foram apresentadas algumas alternativas. Identificou-se que 41,5% (n = 54) dos participantes usavam o code-switching como apoio linguístico, 5,4% (n = 7) usavam por acharem difícil se expressar em português, 37,7% (n = 49) utilizavam por ambos os motivos e 15,4% (n = 20) afirmaram não fazer uso de code-switching.
Ao responderem se usavam outro idioma para falar sobre situações e emoções complexas, foi encontrado que 47,7% (n = 62) dos participantes consideram o idioma estrangeiro acessível para pensar em situações difíceis da vida. Porém, quanto à acessibilidade do uso de outro idioma na terapia, 40,8% (n = 53) não consideraram acessível, 31,2% (n = 51) responderam nunca ter pensado sobre isso e apenas 20% (n = 26) consideraram acessível no ambiente terapêutico.
Quanto às questões referentes a se o psicoterapeuta que realizava o atendimento dos participantes sabia que eles eram bilíngues e se os participantes consideravam importante que o psicoterapeuta soubesse dessa informação, 56,9% (n = 74) afirmaram que o psicoterapeuta sabe sobre o seu bilinguismo, mas, em contrapartida, 74,6% (n = 97) dos participantes não veem necessidade que seus psicoterapeutas sejam bilíngues e apenas 35,4% (n = 46) dos participantes creem que seja importante seu conhecimento quanto ao bilinguismo do paciente.
Discussão
A partir da diversidade linguística de uma pessoa bilíngue, é possível ter um maior acervo de palavras e sentidos culturais disponíveis para embasar a expressividade da fala. Com base na resposta dos participantes do estudo, 66,2% concordaram que existem palavras em outros idiomas que não possuem um equivalente em português e que podem melhor representar como se sentem, resultando nos 41,5% dos participantes que afirmaram utilizarem o code-switching como apoio linguístico. Frente ao fenômeno da precariedade da fala, que evidencia a limitação da língua, o code-switching torna-se uma estratégia possível para que o indivíduo traduza a sua expressão de forma mais precisa (Cristino, 2008). Como apresentado pelo Participante A (Tabela 2), várias palavras de origem inglesa sem tradução equivalente tornaram-se parte do vocabulário cotidiano na língua portuguesa, tal qual crush e geek.
Os estudos da linguagem vêm demonstrando empiricamente que associações diferentes surgem frente a palavras semanticamente idênticas dependendo do idioma utilizado (Laguzzi, 2014). Quando há a preferência do Participante D (Tabela 2) pelo uso da palavra "dukkha", cuja tradução literal do páli para o português é sofrimento, ao invés da própria palavra "sofrimento" em português, ele entende que a palavra de língua estrangeira é a associação mais representativa para a situação que está passando. Desse modo, Laguzzi (2014) afirma que ainda que palavras em idiomas diferentes tenham o mesmo significado, o sentido atribuído pelas pessoas pode ser diferente, fazendo com que elas utilizem palavras estrangeiras que correspondam melhor aos seus sentimentos. Segundo Dewaele (2022), ao se apropriar de palavras de determinado idioma, os sujeitos internalizam novos sentidos para as palavras, que modificam o seu modo de compreensão de si, dos outros e da realidade social, como no fenômeno da "Comutação do Quadro Cultural". De fato, 41,5% dos participantes alegaram usar o code-switching por sentir dificuldade de expressar de forma mais precisa alguns sentimentos na língua portuguesa.
O significado cultural e emocional vinculado ao contexto da comunicação influencia a maneira de expressar emoções e, consequentemente, a apresentação dos traços identitários dos sujeitos (Dewaele, 2022). Os dados obtidos na pesquisa estão em consonância com a afirmativa, visto que 45,4% da população estudada, maior porcentagem dentro das alternativas possíveis, afirmou que sentem modificações identitárias ao se expressar em outra língua. Além disso, 39,2% dos participantes afirmaram ter transformado sua identidade através da aprendizagem de outra língua. Diante da perspectiva de Hall (2006), a identidade é constituída por meio das relações que decorrem de diálogos inseridos em uma diversidade cultural. Considerando o complexo de significações e representações culturais ampliado, o indivíduo se depara com diversas possibilidades identitárias ao longo de sua história.
Pereira e Praxedes (2016) afirmam que quanto mais tardio o processo de aprendizagem de outra forma de comunicação (nesse caso outro idioma), mais limitado será o processo de significação do mundo por meio desse idioma, o que proporciona um distanciamento das características emocionais vinculadas ao vocabulário de um idioma estrangeiro. Costa e Dewaele (2018) explicam que o distanciamento da carga emocional facilita a expressão de sentimentos difíceis de se comunicar. Isso relaciona-se aos dados de que 46,2% dos participantes acreditavam que, ao falar outro idioma, havia um distanciamento afetivo das emoções. Conforme afirmou o Participante B (Tabela 2) em relação aos seus sentimentos de vergonha, em que relatou ter a impressão de suavizar o peso cultural das palavras do idioma materno ao utilizar sinônimos em línguas estrangeiras.
Ademais, também pode ser relacionado teoricamente o fato de que o distanciamento emocional foi a segunda estratégia mais frequente ao usar o code-switching (Figura 02). Analisando a Tabela 2, é possível identificar a descrição do Participante C, que traz uma série de situações complexas de serem faladas, mas que são passíveis de abordagem em outro idioma, como o caso do compartilhar com a namorada sobre um trauma sexual e a sua expressão verbal durante crises ansiosas. A fragmentação entre o "eu", os sentimentos e as experiências traumáticas proporciona um meio de defesa frente a dores e afetos negativos (Costa e Dewaele, 2013).
O distanciamento emocional por meio de palavras estrangeiras, atrelado às diferentes conotações linguísticas de cada idioma, tornam relevante o dado coletado de que 69,2% dos participantes acreditam que seria vantajoso o uso de code-switching no contexto terapêutico, mesmo que seja necessária a tradução ao psicoterapeuta. Contudo, caso o psicoterapeuta apresente uma identidade bilíngue, Dewaele e Costa (2013) atribuem que o conhecimento sobre esta identidade possibilita que os pacientes falem mais e de formas diferentes (uso de CS) sobre assuntos que talvez não falariam com um psicoterapeuta monolíngue. É preciso considerar também que, por mais que o psicoterapeuta seja bilíngue, é importante que haja fluência no idioma principal usado na terapia, para que o paciente não precise se concentrar na sua escolha de palavras ao invés de suas emoções (Dewaele & Costa, 2013).
Contrapondo a isso, Rolland et al. (2020) afirmam que pacientes bilíngues com psicoterapeutas monolíngues ou mesmo bilíngues, mas que não compartilham o idioma diferente, também possuem grande proveito da psicoterapia. A simples possibilidade de utilização do CS, mesmo com a necessidade de tradução subsequente, faz com que o paciente se sinta mais autêntico, senão conectado a si mesmo, ao falar sobre suas próprias emoções e problemas. Percebe-se que 74,6% dos participantes da pesquisa realizada, corroboram com os achados, visto que afirmaram não ver necessidade em seus psicoterapeutas serem bilíngues.
A psicoterapia bilíngue apresenta implicações importantes tanto para a dinâmica da relação entre paciente e psicoterapeuta quanto para os métodos terapêuticos aplicados. Ao discutir a avaliação dos processos psicoterapêuticos a partir de um modelo contextual, Schneider et al. (2022) indica que a eficácia terapêutica reside menos na abordagem específica e mais na construção de uma relação de reciprocidade entre psicoterapeuta e paciente, baseada em qualidades como empatia, autenticidade, honestidade e abertura. Essas características permitem ao psicoterapeuta assumir uma postura mediadora, facilitando transformações ao longo do processo de autoconhecimento de seu paciente.
O que se constatou das respostas obtidas na pesquisa realizada é congruente aos estudos de Dewaele e Costa (2013), em que se argumenta que o ponto central sobre a expressão bilíngue na terapia não é o psicoterapeuta entender, de fato, o que é falado na língua estrangeira, mas o exercício do paciente de ouvir-se falar frente a presença terapêutica. Essa questão pode ser exemplificada pela resposta do Participante F (Tabela 2), que disse se sentir mais confortável em admitir sentimentos complicados quando expressos na língua inglesa. Na perspectiva do psicólogo, ao possibilitar a manifestação bilíngue, é possível criar maneiras de interpretação clínica dos casos trabalhados, bem como outros entendimentos sobre as representações das palavras trazidas pelo paciente e, consequentemente, produzindo elementos de autoconhecimento a ele (Dewaele & Costa, 2013; Ayouch, 2015; Costa & Dewaele, 2018). Tal recurso torna-se de grande valia para os psicólogos clínicos, principalmente ao pensar na contribuição que o distanciamento afetivo pode proporcionar para a evocação de sentimentos e memórias difíceis.
Sendo assim, as implicações clínicas da psicoterapia bilíngue são amplas e influenciam tanto o paciente quanto o psicoterapeuta, promovendo uma maior autenticidade, liberdade e profundidade na expressão emocional. A alternância de idiomas permite que pacientes bilíngues explorem experiências de forma menos carregada emocionalmente, ampliando as possibilidades de autoconhecimento e integração identitária. Para psicoterapeutas, apoiar a expressão bilíngue significa proporcionar um ambiente terapêutico inclusivo e culturalmente sensível, maximizando os benefícios terapêuticos para pacientes que se expressam em mais de um idioma.
Com o presente estudo, observou-se a possibilidade positiva da atribuição do bilinguismo, por meio de processos como o do code-switching, ao contexto terapêutico de pacientes bilíngues, uso até então pouco explorado na psicoterapia. O uso do code-switching é mais frequentemente utilizado para a descrição e discussão de tópicos pessoais e emocionais do que tópicos neutros, segundo Dewaele e Costa (2013), devido ao uso da língua estrangeira ser articulada e processada racionalmente, contrapondo a tendência de fortes emoções buscarem ser verbalizadas de maneira rápida e espontânea na língua materna.
Conforme atestado pela experiência do Participante E (Tabela 2), que aborda a tomada de decisões e resolução de problemas pelo diálogo consigo mesmo, o uso da língua estrangeira pode ser aplicado para a melhor articulação de pensamentos. Segundo Marian e Kaushanskaya (2004), a linguagem influencia a autopercepção, o modo como cada sujeito se conecta com a realidade e com outros indivíduos, estruturando sua identidade e sua história. É relevante ressaltar que 76,9% dos participantes afirmaram que o contexto mais utilizado para se expressar em uma língua estrangeira é o intrapessoal, ou seja, os participantes mostraram preferência em "falar consigo mesmo" em outros idiomas. No mesmo sentido, quando os participantes responderam com quem eles expressam emoções complexas e também com quem eles falam sobre seus traumas em um idioma estrangeiro, 53,1% e 43,1%, respectivamente, escolheram a alternativa "consigo mesmo".
Considerações Finais
A maior parte dos participantes da pesquisa consideraram que algumas palavras ou expressões estrangeiras são mais adequadas para expressar suas emoções e estados de humor, assim como reconheceram o uso de outro idioma para falar sobre situações e emoções complexas. Do mesmo modo, recorrentemente falavam consigo mesmos em outra língua, pois afirmaram que isso lhes proporcionava uma maior autocompreensão. Essas declarações são congruentes com a literatura sobre os efeitos do bilinguismo no processo terapêutico e apontam o uso de um idioma estrangeiro como positivo nesse processo.
Apesar desse achado, poucos participantes relataram utilizar o bilinguismo no processo terapêutico, evidenciando que o uso de um idioma estrangeiro durante o processo terapêutico ainda é raramente explorado tanto pelos pacientes, quanto pelos psicoterapeutas. Muitos participantes afirmaram nunca terem pensado sobre essa possibilidade, mas, ao refletirem sobre esse aspecto, a maioria considerou o uso de outro idioma como uma opção benéfica no processo terapêutico.
A partir dessas perspectivas, torna-se evidente que o bilinguismo emerge como recurso para novas elaborações do paciente. A multiplicidade de sentidos da palavra ultrapassa barreiras linguísticas, dando vez a uma forma única do indivíduo se expressar. As associações proporcionadas pela capacidade bilíngue, facilitadas pelo espaço terapêutico criado ao longo dos atendimentos, proporcionam novos direcionamentos e conexões significativas para pensar os segmentos de uma psicoterapia. Ao ter em vista essa possibilidade, Ayouch (2015) destaca os limites que devem ser considerados na utilização de diferentes línguas em ambiente terapêutico, considerando a possibilidade do bilinguismo ser utilizado como uma alternativa de evitar as emoções desencadeadas durante a psicoterapia ou como justificativa para tolerar padrões comportamentais.
Reconhece-se que a pesquisa trouxe dados relevantes, embora iniciais sobre a temática, a qual necessita de maior aprofundamento e realização de outros estudo mais abrangentes, tanto em termos de participantes, quanto de procedimentos metodológicos, com foco no processo terapêutico e envolvendo não apenas os pacientes, mas também os psicoterapeutas. Ainda assim, os resultados da pesquisa apontam para a crescente relevância da utilização do bilinguismo como recurso no processo terapêutico, e, com isso, incentiva-se a expansão desta linha de pesquisa no Brasil, com intuito de aprofundar os entendimentos sobre os fenômenos do bilinguismo, os seus potenciais resultados e, acima de tudo, a sua importância na clínica.
Referências
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Endereço para correspondência
Sofia Tomaselli Maldaner - sofiatmsll@gmail.com
Recebido em: 08/03/2024
Aceito em: 11/11/2024
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