Estudos e Pesquisas em Psicologia
2024, Vol. 24. e82068, doi:10.12957/epp.2024.82068
ISSN 1808-4281 (online version)
DOSSIÊ PRÁTICAS PSI EM ESPAÇOS DE PRIVAÇÃO E RESTRIÇÃO DE LIBERDADE
Práticas Psicológicas em Instituições Prisionais Mistas: Um Relato de Experiência
Psychological Practices in Mixed Prisons: An Experience Report
Prácticas Psicológicas en Instituciones Penitenciarias Mixtas: Un Relato de Experiencia
Ana Cristina Costa Figueiredo a
a Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil
Endereço para correspondência
RESUMO
Este relato de experiência objetiva apresentar as minhas vivências, a partir da atuação como psicóloga em dois presídios mistos mineiros, trazendo reflexões sobre as práticas psicológicas no contexto prisional. Por meio da articulação entre as minhas experiências e os aspectos teóricos baseados na criminologia crítica, foram descritos os seguintes desafios para a Psicologia enquanto ciência e profissão nas instituições prisionais: a confrontação com a realidade do ambiente carcerário; o conhecimento profundo e complexificado das vidas encarceradas; as carências na formação profissional dos(as) psicólogos(as) e a ausência de treinamentos nas instituições prisionais; o posicionamento dos(as) psicólogos(as) perante as díspares expectativas para o seu trabalho; a gestão do trabalho. A despeito das limitações inerentes ao cárcere, apresentaram-se as possibilidades e os efeitos potencializadores da Psicologia nos espaços de privação de liberdade a partir das ações desenvolvidas. Salienta-se o papel dos(as) psicólogos(as) na amenização do sofrimento psíquico e dos efeitos deteriorantes do encarceramento, alicerçado na oferta de estratégias vivificadoras que abranjam a capacidade de criação e resistência, visando a promoção dos direitos e a saúde das pessoas privadas de liberdade. O relato de experiência mostrou-se uma importante ferramenta para as ponderações realizadas, pois abarcou a realidade que atravessa as relações sociais no cárcere.
Palavras-chave: Psicologia, relato de experiência, privação de liberdade, sistema prisional.
ABSTRACT
This experience report aims to present my experiences, from the work as a psychologist in two mixed prisons in Minas Gerais, raising reflections on psychological practices in the prison context. Through the articulation between my experiences and the theoretical aspects based on critical criminology, the following challenges for Psychology as science and profession in prisons were described: the confrontation with the reality of the prison environment; the deep and complex knowledge of incarcerated lives; the shortcomings in Psychology graduation courses and the lack of training in prisons; the position of psychologists in the face of the disparate expectations for their work; work management. In spite of the limitations inherent to the prison, the possibilities and potentiating effects of Psychology in prison institutions were presented, based on the actions developed. The role of psychologists in alleviating psychic suffering and the deteriorating effects of incarceration has been highlighted, based on the offer of vivifying strategies that encompass the capacity for creation and resistance, aiming at promoting the rights and health of incarcerated people. The experience report demonstrated to be an important tool for the reflections carried out, as it encompassed the reality that crosses the social relations in prisons.
Keywords: Psychology, experience report, deprivation of liberty, prison system.
RESUMEN
Este relato de experiencia tiene como objetivo presentar mis experiencias, a partir del trabajo como psicóloga en dos prisiones mixtas de Minas Gerais, aportando reflexiones sobre las prácticas psicológicas en el contexto carcelario. A través de la articulación entre mis experiencias y los aspectos teóricos basados en la criminología crítica, se describieron los siguientes desafíos para la Psicología como ciencia y profesión en las instituciones penitenciarias: la confrontación con la realidad del entorno carcelario; el conocimiento profundo y complejo de la vida de los encarcelados; las deficiencias en la formación profesional de los psicólogos y la falta de formación en las prisiones; la posición de los psicólogos frente a las expectativas dispares de su trabajo; gestión del trabajo. A pesar de las limitaciones inherentes al encarcelamiento, se presentaron las posibilidades y efectos potenciadores de la Psicología en espacios de privación de libertad, en base a las acciones desarrolladas. Se destaca el papel de los psicólogos en el alivio del sufrimiento psíquico y de los efectos de deterioro del encarcelamiento, a partir de la oferta de estrategias vivificantes que abarcan la capacidad de creación y resistencia, con el objetivo de promover los derechos y la salud de las personas privadas de libertad. El relato de experiencia ha demostrado ser una herramienta importante para las reflexiones realizadas, ya que abarcó la realidad que atraviesa las relaciones sociales en prisión.
Palabras clave: Psicología, relato de experiencia, privación de libertad, sistema penitenciario.
No Brasil, 649.592 pessoas encontram-se em privação de liberdade (Ministério da Justiça e Segurança Pública, 2023), pena que atualmente atua sobre a alma, o coração, o intelecto e a vontade, sem deixar de permanecer atrelada aos dispositivos punitivos que se referem ao corpo (Foucault, 1987). No cárcere, múltiplas perdas são arrostadas, já que a pena privativa da liberdade suscita a perda do controle sobre o próprio corpo, da intimidade sexual, do contato com a família e outras pessoas queridas, com reflexos até mesmo na própria identidade, tendo em vista a despersonalização engendrada pelo encarceramento (Figueiredo & Stengel, 2022). Trata-se de um ambiente punitivo e mortificante (Goffman, 1988; Rauter, 2007), marcado pela constante violação dos direitos humanos, sendo oferecidas condições deletérias para o cumprimento da pena (Figueiredo et al, 2022b), o que gera implicações para os processos de subjetivação.
A insalubridade que assinala as prisões brasileiras (Figueiredo et al., 2022b; Pimentel, 2016), interseccionada às reais funções dos espaços pertencentes ao sistema prisional, ou seja, o controle social por meio da oficialização da exclusão daqueles que sempre foram segregados socialmente (Miyamoto & Krohling, 2012; Tavares & Menandro, 2004), trazem diversos impasses e desafios para a atuação profissional dos(as) psicólogos(as) neste contexto. Ao mesmo tempo, essa prática apresenta efeitos potencializadores, já que o(a) profissional da Psicologia pode apresentar um papel catalisador e inserir-se entre as estratégias de resistência, trazendo implicações vivificadoras neste contexto (Rauter, 2007).
Segundo Lemgruber (1999, p. 13): "É impossível passar por uma prisão e sair sem marcas e feridas. Acontece com todos: com os que para lá são mandados para cumprir uma pena; com funcionários e visitantes. E, por que não, com pesquisadores?".Assim, o sofrimento e o sabor amargo do cárcere são experienciados por diversos atores que ali adentram, como os(as) familiares das pessoas privadas de liberdade, e, inclusive, os(as) pesquisadores(as) e as pessoas que ali trabalham, como os(as) psicólogos(as).
Ainda que as práticas psicológicas potencialmente apresentem um importante papel para a redução dos danos referentes às decorrências do encarceramento (Nascimento & Bandeira, 2018), são escassos os artigos científicos que se debruçam sobre as possibilidades da Psicologia enquanto ciência e profissão em instituições penais (eg., Karam, 2011; Nascimento & Bandeira, 2018; Rauter, 2007). Trabalhos que ressoem as vozes dos(as) psicólogos(as) que possuem na pele as marcas do aprisionamento e apresentem reflexões a partir de experiências reais nos contextos prisionais são ainda mais parcos, o que destaca a necessidade de que essa lacuna seja colmatada pelas produções científicas.
Considerando o relato de experiência como uma construção teórico-prática relevante na contemporaneidade, que apresenta o potencial de refinar os saberes sobre a experiência em si, a partir das reflexões sobre a própria prática em um determinado contexto e momento histórico (Daltro & Faria, 2019), este relato de experiência tem como objetivo compartilhar as minhas vivências como psicóloga em instituições prisionais mistas, no período de 2014 a 2017, trazendo reflexões sobre as práticas psicológicas neste cenário. Nomeadamente, serão apresentadas considerações sobre os impasses, os desafios, as possibilidades e os efeitos potencializadores da psicologia enquanto ciência e profissão nas instituições prisionais.
Percursos Metodológicos
Locais da Experiência e Forma de Ingresso
Em 2014, após ter sido aprovada em um concurso público para atuar como psicóloga da Secretaria de Estado de Defesa Social (SEDS) 1, exerci a minha prática profissional em dois presídios mistos de pequeno porte do interior do estado de Minas Gerais, nos quais cerca de 300 pessoas encontravam-se aprisionadas.
A minha experiência como psicóloga nessas instituições proporcionou-me momentos de investigação da minha própria prática, possibilitando a sua reconstrução constante e o emergir de novas compreensões acerca do trabalho desenvolvido. Além das reflexões e reformulações dessa atuação profissional ao longo do curto período - profundamente transformador - em que ela transcorreu, novas ponderações sobre as práticas psicológicas nos estabelecimentos penais têm sido por mim realizadas, a partir da realização de pesquisas neste contexto, ampliando o meu olhar sobre as práticas psicológicas nesses espaços e ancorando as revisões sobre o trabalho por mim executado.
O Relato de Experiência
A fim de contemplar o objetivo de compartilhar as minhas vivências como psicóloga em instituições prisionais mistas, a abordagem qualitativa foi escolhida e, especificamente, o relato de experiência, o qual pode ser concebido como uma narrativa que valida a experiência enquanto fenômeno científico (Daltro & Faria, 2019). A sua construção resulta de uma vivência que atravessa o corpo do(a) relator(a), transpassada por fatores afetivos, (inter)subjetivos e significações histórico-sociais (Daltro & Faria, 2019). Esse percurso metodológico implica a memória incorporada, já que o corpo que cria é, concomitantemente, habitado pela experiência e as suas impressões (Macedo, 2016). Trata-se de um importante produto científico que considera complexidade das experiências, a partir do olhar do(a) pesquisador(a) (Daltro & Faria, 2019; Taborda et al., 2023).
Alicerçado nesta escolha metodológica, este relato de experiência apresenta reflexões sobre as práticas psicológicas em instituições prisionais - seus impasses, desafios, possibilidades e efeitos potencializadores -, a partir da construção de um saber pautado em minhas vivências articuladas aos aspectos teóricos sobre a temática, considerando fatores sociais, culturais e históricos que os permeiam.
Para a escrita do artigo, foi realizada a rememoração das minhas experiências, que foram anotadas e transformadas em texto. Nesse sentido, o tempo que separa a minha experiência no cárcere e o processo de escrita desse artigo possibilitou a reconstrução mental das minhas vivências, analisando-as retrospectivamente. A partir das rememorações, construiu-se um diálogo teórico-prático para a produção do saber (Taborda et al., 2023), articulando as minhas experiências às produções científicas sobre o tema. Para a escolha do referencial teórico, realizou-se uma revisão da literatura sobre as práticas psicológicas no contexto prisional, assim como a leitura de textos baseados na criminologia crítica, que abarca os fatores sócio-históricos, culturais, econômicos e políticos presentes nos processos de criminalização (Espinoza, 2002).
Esse processo foi realizado de forma não sistemática no período de dezembro de 2023 a março de 2024. Além de textos relevantes indicados por especialistas na área, foram selecionados estudos que possibilitaram condições explicativas e discussões pertinentes acerca da temática em livros de referência e nas bases virtuais subsequentes: Portal de Periódicos Capes, Portal de Periódicos Eletrônicos de Psicologia (PePSIC) e Scientific Electronic Library Online (SciELO). Os materiais foram lidos na íntegra, analisados criticamente e apreciados de forma acurada visando ao avanço do conhecimento sobre as práticas dos(as) psicólogos(as) nas prisões.
Intentei relatar as minhas lembranças e impressões decorrentes da experiência profissional com a maior clareza possível, baseando-me em uma interpretação particularizada dos acontecimentos. Considerando que a vivência no cárcere é visceral, a linguagem escrita dificilmente conseguiria transmitir o que afligiu o meu corpo e alma em cada encontro que ali aconteceu. Assim, certamente, muito se escapou em minha narrativa; contudo, procurei transpassar a riqueza do que foi vivenciado, bem como as marcas do cárcere em mim deixadas.
Resultados e Reflexões
Utilizaram-se os seguintes eixos temáticos: desafios para a Psicologia enquanto ciência e profissão nas instituições penais (a confrontação com a realidade do ambiente carcerário; o conhecimento profundo e complexificado das vidas encarceradas; as carências na formação profissional dos(as) psicólogos(as) e a ausência de treinamentos nas instituições penais; o posicionamento dos(as) psicólogos(as) perante as díspares expectativas para o seu trabalho nos estabelecimentos penais; a gestão do trabalho); as possibilidades e os efeitos potencializadores da Psicologia nas instituições penais, a partir das ações desenvolvidas. A organização foi realizada para facilitar a leitura do texto, mas seus aspectos são vistos de maneira transversal.
Desafios para a Psicologia enquanto Ciência e Profissão nas Instituições Penais
A Confrontação com a Realidade do Ambiente Carcerário
Recordo-me do primeiro dia em que adentrei na prisão: o barulho das grades sendo fechadas; as armas apontadas para as pessoas aprisionadas: uniformizadas, algemadas e com os seus olhares direcionados exclusivamente para o chão; o cheiro único 2 presente nas unidades prisionais brasileiras, que mistura o odor do mofo das roupas e colchões, o aroma dos vestígios de comida e aquele que exala dos dejetos dos banheiros improvisados. Em pouco tempo, constatei que se tratava de um ambiente despersonalizador e mortificante (Rauter, 2007), em situação de preocupante calamidade. O choque intensificou-se quando observei as celas, nas quais o número de pessoas ultrapassava sobremaneira o de colchões. A superlotação do presídio - com capacidade pouco superior a 100 pessoas e lotação que atingia cerca de 300 por cento dessa capacidade -, bem como as suas condições desumanas e insalubres (Figueiredo et al., 2022b) geraram reflexões sobre as implicações para a saúde mental das pessoas que ali cumpriam a pena, bem como acerca do papel do(a) psicólogos(a) naquela realidade.
Logo, a dominação dos homens na unidade prisional escancarou-se, inclusive, nas suas particularidades arquitetônicas. Além de preponderarem em número absoluto (eram cerca de 270 homens e 20 mulheres), eles usufruíam de espaços um pouco menos indignos. Enquanto o tamanho do pátio para o banho de sol masculino possibilitava-lhes a prática de esportes, por exemplo, o pátio feminino era minúsculo e o sol praticamente não incidia sobre o local. Até mesmo as parcas salas de aula eram gozadas apenas pelos homens. Assim, a ausência de estruturas mínimas que reconhecessem as mulheres como sujeitos, a desigualdade de gênero e a escassez das políticas públicas que tratam das especificidades de gênero ou da garantia dos direitos das mulheres no contexto prisional foram evidenciadas (Pimentel, 2016; Carvalho & Mayorga, 2017; Figueiredo et al., 2022a; Figueiredo et al., 2022b), bem como uma série de violações de direitos, tais como: as opressões e as revistas vexatórias às quais são submetidas; o isolamento (algumas mulheres eram impedidas de saírem da cela pelos companheiros, sendo supervisionadas por membros de facções criminosas); as condições sanitárias e de higiene desumanizantes; a violação do direito à educação e ao trabalho 3; as violências concernentes à maternidade 4 e ao exercício da sexualidade, com práticas discriminatórias em relação à orientação sexual e à identidade de gênero 5 (Conselho Federal de Psicologia [CFP], 2021; Figueiredo et al., 2022b; Pimentel, 2016).
Assim, constatei a violação dos dispositivos legais 6 voltados à promoção e à garantia dos direitos das pessoas privadas de liberdade e, especificamente, das mulheres aprisionadas, o que passou a me tocar profundamente. Como cuidar da saúde, de forma integral, em um ambiente deletério? Como a Psicologia como ciência e profissão pode contribuir para trazer vida diante de uma realidade lúgubre? Nesse sentido, a ineficácia do sistema prisional e o seu papel na produção da criminalidade (Rauter, 2007) devem ser salientados para que a atuação do(a) psicólogo(a) possa transpor os muros prisionais tendo como horizonte a abolição penal.
O segundo presídio em que trabalhei, especificamente, localizava-se ao lado de um cemitério. Entretanto, o "cemitério dos vivos", em alusão à obra de Lemgruber (1999), parecia compartilhar da mesma energia mórbida do cemitério dos mortos, exceto pela vida trazida pelos ratos e escorpiões que compunham o cenário. Para mais, a falta de infraestrutura do estabelecimento prisional refletia no trabalho dos profissionais da equipe de saúde, que também usufruíam de um espaço improvisado e precário. A sala de atendimento psicossocial também servia de biblioteca e era onde a revista vexatória acontecia. Ademais, cinco profissionais (duas psicólogas e três assistentes sociais) revezavam-se para utilizar a sala multifuncional. Quando não estávamos em atendimento, permanecíamos em outro espaço improvisado que ficava em frente a uma cela masculina, na qual cerca de 40 homens permaneciam aprisionados. Inalávamos a fumaça proveniente dos cigarros e outras substancias psicoativas consumidas, mesmo que, obviamente, fossem proibidas pela administração prisional. Enquanto as nossas narinas absorviam aquela fumaça, nossos ouvidos atentavam-se aos gritos oriundos das celas.
Os espaços de privação de liberdade brasileiros apresentam grande diversidade. A familiarização com a realidade desses ambientes talvez seja um dos primeiros passos a ser dado pelos(as) profissionais da Psicologia (Nascimento & Bandeira, 2018), tanto para a gestão do trabalho, a partir das condições oferecidas, quanto para que se possa denunciar a precariedade da infraestrutura, aprendendo a digerir o que ali é engolido até que as mudanças ocorram.
O Conhecimento Profundo e Complexificado das Vidas Encarceradas
Além do confronto com a infraestrutura dos estabelecimentos prisionais, o trabalho do(a) psicólogo(a) nesses espaços exige o conhecimento profundo acerca das vidas aprisionadas e dos problemas concretos que as atingem (Nascimento & Bandeira, 2018). Uma visão ampla, complexa e historicizada contribui para uma atuação profissional abrangente e realista, alcançando verdadeiramente cada pessoa aprisionada. Em minha prática neste contexto, perguntava-me recorrentemente: quem é a pessoa que está em privação de liberdade? Como a sua história de vida e própria história das prisões contribuiu para que ela aqui esteja? Como posso ajudá-la a se despir do crime possivelmente cometido e do estigma depositado sobre ela (Goffman, 1988) para que acesse verdadeiramente a si mesma?
Embora discursos midiáticos propaguem o perfil do(a) criminoso(a), marcado pela periculosidade, esse não é o perfil das pessoas reclusas nos presídios brasileiros. A maioria delas apresenta características específicas: são pobres, não-brancas e têm baixo nível de escolaridade. Tais dados são descritos pelo Sisdepen (Ministério da Justiça e Segurança Pública, 2023), constatando como o sistema de justiça criminal brasileiro afeta desigualmente essa população. As pessoas pardas e pretas, designadamente, totalizam 67,78% das pessoas aprisionadas (Sisdepen, jan/jul. 2023). O encarceramento em massa desta população pode ser compreendido a partir dos fatores culturais, socioeconômicos e históricos que perpassam o território brasileiro, onde a exploração e a opressão desses corpos engendram as relações de poder intrínsecas ao sistema econômico capitalista (Almeida, 2019; CFP, 2021), contribuindo para a perpetuação da seletividade penal (Pimentel, 2016). Assim, conhecer as pessoas aprisionadas, compreendendo os fatores de vulnerabilidade presentes em suas trajetórias, contribui para que as enxerguemos amplamente.
Outro fator com o qual me deparei foi a emaranhada conexão entre a criminalidade e o consumo abusivo de drogas, em consonância com estudos prévios (e.g., Carvalho & Mayorga, 2017; Figueiredo et al., 2022a). Muitas das pessoas encarceradas eram usuárias de substâncias psicoativas, sendo que algumas delas haviam cometido crimes como furto ou roubo visando à aquisição das drogas. A condenação por tráfico de drogas daqueles(as) que são usuários(as) e/ou se encontram em posições subalternas na atividade de comercialização das drogas, a partir da promulgação da Lei nº 11.343 (2006), conhecida como "Lei do Tráfico de Drogas" - alterada posteriormente pela Lei n° 13.840/2019 - tem contribuído para o célere aumento da população carcerária e a consequente superlotação dos estabelecimentos prisionais. A reincidência prisional relacionada à utilização de drogas salienta a necessidade de que a dependência química seja encarada como uma questão de saúde pública; afinal, a intenção de punição, intrínseca ao encarceramento, distancia-se substancialmente do tratamento realmente necessário para essas pessoas (Boiteux, 2014; Nascimento & Bandeira, 2018). A política de drogas no país deve ser repensada, investindo-se em medidas preventivas. Nos espaços prisionais, questões como a abstinência de drogas - em alguns casos - e o tráfico de drogas dentro desses espaços trazem implicações para os processos de subjetivação e a saúde no ambiente carcerário, as quais devem ser ponderadas pelos(as) psicólogos(as) em suas atuações.
Destarte, conhecer a história das pessoas aprisionadas e analisar os aspectos subjetivos e macrossociais que implicam as suas vivências torna-se essencial para uma prática profissional que considera o âmago de cada sujeito, ao mesmo tempo em que abarca criticamente os aspectos macrossociais que atravessam as suas aflições. Sem diluir as particularidades de cada vivência, os olhares dos(as) psicólogos(as) devem considerar as múltiplas violências, bem como os processos de exclusão e estigmatização que atravessam cada trajetória (Figueiredo et al., 2022a). Assim, as suas ações devem se pautar na transição permanente entre as diferentes camadas, abarcando o mais íntimo de cada ser, assim como as estruturas sociais, políticas e econômicas que compõem a complexidade de cada história de vida.
As Carências na Formação Profissional dos(as) Psicólogos(as) e a Ausência de Treinamentos nas Instituições Penais
Recorrentemente, o confronto com a realidade da infraestrutura oferecida pelos estabelecimentos prisionais, assim como a compreensão complexificada das vidas aprisionadas ocorrem sem qualquer preparação para esse enfrentamento. Os desafios para a atuação do(a) psicólogo(a) nas prisões iniciam-se perante a ausência ou escassez de disciplinas voltadas ao trabalho nestes espaços, nos cursos de graduação em Psicologia, nas instituições de ensino superior brasileiras. Em meu caso, especificamente, deparei-me com a realidade prisional sem ter tido qualquer disciplina ao longo da graduação em Psicologia que abordasse a atuação do(a) psicólogo(a) neste contexto, como a Psicologia (Social) Jurídica ou a Psicologia Criminal.
Nesse sentido, Moreira e Soares (2019) discutem a falta de obrigatoriedade do ensino da Psicologia Jurídica, especificamente, nos cursos de graduação em Psicologia, nos quais a disciplina é eletiva, enquanto, surpreendentemente, trata-se de uma disciplina obrigatória nos cursos de Direito. Segundo as autoras, a revisão das diretrizes curriculares nacionais para os cursos de graduação em Psicologia realizada pelo CFP (2018) aponta a meta da formação de profissionais que atuem em defesa da cidadania, dos direitos humanos, da dignidade e da saúde integral. Ainda que essa meta dialogue com os debates da Psicologia Jurídica, constata-se a sua inexistência nos cursos de graduação em Psicologia, o que deve ser questionado (Moreira & Soares, 2019). Em meu caso, estudos que embasassem a minha atuação profissional foram realizados gradualmente, possibilitando-me desenvolver ações no sistema prisional com maior embasamento teórico, a partir de reflexões críticas pautadas na luta pelos Direitos Humanos.
Destarte, é imprescindível que possamos romper com a cisão entre teoria e prática no que se refere à Psicologia Jurídica e Criminal. O compromisso da Psicologia com os Direitos Humanos deve ser salientado pelas instituições de ensino, sendo iminente a obrigatoriedade da inclusão de disciplinas, nos currículos das instituições de ensino superior, que subsidiem a prática profissional dos(as) psicólogos(os) nos espaços de privação de liberdade, possibilitando a transversalidade e a determinação social dos processos humanos.
Além de, ao longo do curso de graduação em Psicologia, a minha formação não ter comtemplado disciplinas que se debruçassem sobre a atuação no contexto prisional, não recebi do Estado nenhum curso ou treinamento para que iniciasse o meu trabalho, aumentando ainda mais os desafios para a prática. Isto posto, sugere-se que o Estado subsidie propostas de treinamento para os funcionários que atuam no contexto prisional, contribuindo para a construção das atribuições, competências, estratégias e possibilidades de atuação nestes espaços, visando à instauração de uma sociedade mais humana, empática e igualitária.
O Posicionamento dos(as) Psicólogos(as) perante as Díspares Expectativas para o seu Trabalho nos Estabelecimentos Penais
Logo no início da minha atuação profissional em presídios, constatei que a construção do fazer psicológico nas instituições prisionais desdobra-se a partir do confronto com as expectativas acerca dessa prática, seja das pessoas encarceradas, dos demais funcionários do estabelecimento prisional (equipe de segurança, equipe de saúde, direção prisional) ou das autoridades da execução penal e do judiciário. Assim, cabe ao psicólogo(a) construir os seus caminhos profissionais e compreender a sua real função com discernimento, conhecimento e ética, questionando o que lhe é solicitado em diferentes territórios.
Ressaltam-se alguns desafios que vivenciei, nomeadamente, durante as reuniões da Comissão Técnica de Classificação - CTC 7, e no tocante às discussões sobre a participação do(a) psicólogo(a) no Conselho Disciplinar - CD. Quanto à CTC, cabe a ela realizar a elaboração do Programa Individualizado de Ressocialização - PIR, ou seja, "classificar os presos segundo os seus antecedentes e personalidade para orientar a individualização da execução penal" (Secretaria de Estado de Defesa Social de Minas Gerais, 2016, p. 62). Uma das funções do(a) psicólogo(a) na CTC é a indicação da inserção ou retirada das pessoas aprisionadas das atividades laborativas e/ou educacionais, mediante a emissão de parecer. Diante disso, era notável a expectativa de alguns(as) funcionários(as) de que ocorresse a proliferação de diagnósticos por parte dos(as) profissionais da Psicologia, que impedissem a inclusão dos(as) apenados(as) nas raras atividades laborais e/ou educacionais existentes. Ora, se a prisão oficializa a exclusão daqueles já excluídos (Tavares & Menandro, 2004), por que contribuiríamos para a perpetuação desse processo dentro dos muros prisionais?
No que tange às reflexões sobre a participação dos(as) psicólogos(as) no CD, ele "destina-se ao processamento e julgamento das faltas disciplinares cometidas pelos presos, bem como à cominação das devidas sanções administrativas" (Secretaria de Estado de Defesa Social de Minas Gerais, 2016, p. 59), sendo que um representante da equipe de segurança e dois(uas) técnicos(as) ligados(as) à diretoria de atendimento deverão compor a comissão como membros votantes (Secretaria de Estado de Defesa Social de Minas Gerais, 2016). Em consonância com o Código de Ética Profissional do Psicólogo (CFP, 2005), a Resolução nº 12/2011 expedida pelo CFP, vedava a participação do(a) psicólogo(a) em decisões circundadas por práticas de caráter punitivo e disciplinar. Todavia, enquanto eu exercia as minhas atividades como psicóloga na prisão, uma sentença jurídica promulgada em abril de 2015, suspendeu a Resolução supracitada. Em abril de 2016, considerando que o sistema jurídico-legal havia extrapolado as suas funções, o CFP emitiu o "Parecer técnico sobre a atuação do psicólogo(a) no âmbito do sistema prisional e a suspensão da Resolução CFP nº 012/2011", reafirmando a importância dessa resolução e de uma atuação profissional voltada para a garantia dos direitos humanos dos(as) apenados(as). Nesse ínterim, cheguei a ser convocada para participar da CD; entretanto, recusei a participação, reafirmando o meu compromisso com a cidadania e a dignidade das pessoas aprisionadas, bem como o meu distanciamento das práticas que implicam castigo, opressão ou punição. Afinal, as sanções disciplinares "criam uma prisão dentro da prisão" (Karam, 2011, p. 7).
Destaca-se ainda a problematização acerca do exame criminológico, o qual se tornou dispensável, a partir de uma alteração da Lei de Execução Penal realizada em 2003 (Lei n.º 10.792/2003), que passou a exigir apenas o bom comportamento carcerário, além do decurso dos prazos cumpridos nos regimes mais rigorosos, para a progressão da pena. Apesar da sua prescindibilidade, o exame criminológico continua sendo requisitado por algumas autoridades do judiciário, sendo efetuado no sistema prisional. Em meu caso, especificamente, jamais fui convocada a realizá-lo, já que, no estado de Minas Gerais, ele é concretizado no Centro de Apoio Médico e Pericial de Ribeirão das Neves (CAMP), onde os profissionais devem "fazer previsões de comportamento através de laudos que instruem a concessão de benefícios e a progressão de regime, exercendo uma espécie de futurologia científica sem qualquer respaldo teórico sério" (Rauter, 2007, p. 43), a partir de um parco ou nenhum conhecimento prévio da pessoa em privação de liberdade. Logo, o fazer psicológico nas instituições prisionais contempla as ponderações acerca das implicações do exame criminológico, até mesmo porque ele baseia-se na ideia da presença ou ausência de periculosidade, abarcando a culpabilidade a partir da personalidade dos indivíduos (Reishoffer & Bicalho, 2017).
À vista dessas convocações direcionadas aos(às) psicólogos(as), reflexões sobre o papel a ser exercido nas instituições prisionais devem abarcar a história da criminologia, já que a noção de criminoso nato (Lombroso, 1876/2006) e a herança da criminologia positivista, em que o crime era moralizado e explicado unicamente por incapacidades individuais, ainda funciona como instrumento de controle social e contribui para os processos de segregação. Ademais, a própria relação histórica entre a Psicologia e o sistema penal assinala-se por uma aliança que inclui a subordinação às ideias de punição, disciplina, privação e exclusão, reforçando o controle dos comportamentos considerados desviantes, assim como os danos nos indivíduos (Karam, 2011). A Psicologia Jurídica, particularmente, sob a influência da visão positivista da ciência, construiu-se tradicionalmente como ferramenta de normatização, vigilância e controle, sendo que, no final do século XIX, a principal função do(a) psicólogo(a) era aferir a fidedignidade, ou não, dos testemunhos prestados na Justiça e determinar a periculosidade dos considerados criminosos (Moreira & Soares, 2019). Apenas na década de 90 emergiram discussões sobre a atuação profissional do(a) psicólogo(a) no contexto criminal que não implicavam a sua redução à realização de perícias ou estudo sobre a personalidade do criminoso (Brito, 2012). Assim, vertentes psicopatologizantes, psicometristas e economicistas ainda permeiam as expectativas depositadas sobre o trabalho dos(as) psicólogos(as) nas prisões.
Até os dias atuais, as práticas psicológicas nestes espaços podem gerar efeitos paradoxais, permeando a garantia de direitos, mas também a manutenção de desigualdades (Moreira & Soares, 2019). Cabe ao profissional da Psicologia adotar uma perspectiva crítica e optar por uma atuação ética que supere a perpetuação das práticas de colonização da Psicologia pelo Direito, bem como a lógica de julgamento e punição que ainda rege as dinâmicas nestes cenários, construindo estratégias de resistência (Rauter, 2007). Em meio às diferentes expectativas acerca do trabalho do(a) psicólogo(a), deve-se priorizar a redução do sofrimento psíquico e a promoção da saúde integral 8 das pessoas aprisionadas (Nascimento & Bandeira, 2018), a qual abarca não apenas o direito à assistência médica em caso de doença, mas também a manutenção da dignidade humana e da igualdade (CFP, 2021). Em um ambiente que propicia agravos à saúde, o papel do(a) psicólogo(a) circunscreve consolidar caminhos para a garantia dos direitos fundamentais, bem como a edificação de uma sociedade na qual a liberdade seja possibilitada a todos(as) (Karam, 2011). Afinal, a Psicologia não compactua com o sistema de segregação e tortura que impera nas prisões (CFP, 2021), sendo imprescindível a luta pela promoção da justiça social, tendo como perspectiva o desencarceramento.
A Gestão do Trabalho
Por fim, a altíssima demanda pelo trabalho dos(as) psicólogos(as) nas ações desenvolvidas no ambiente carcerário leva-nos à reflexão acerca de mais um dos desafios neste contexto: a gestão do trabalho. Além das demandas advindas da direção e da equipe profissional, como a participação nas reuniões e nas ações de saúde, realizavam-se atendimentos emergenciais aos(às) familiares e os seus devidos encaminhamentos, o acompanhamento das visitas assistidas, os trabalhos em grupo com os(as) apenados(as), os atendimentos individuais às pessoas aprisionadas, bem como os registros nos prontuários e nas bases de dados dos atendimentos prestados. Os pedidos pelos atendimentos psicológicos individuais, sobretudo, eram recorrentes nas prisões em que trabalhei, por meio dos bilhetes, chamados de "fale comigo", enviados pelas pessoas aprisionadas. Considerando que éramos dois profissionais para toda a população carcerária, atender a todas as demandas fazia-se impossível. Salienta-se, assim, a exigência de que os(as) psicólogos(as) saibam gerir seu tempo, a partir dos ínfimos recursos disponíveis, e das inúmeras requisições realizadas, priorizando o trabalho voltado efetivamente à saúde integral das pessoas aprisionadas. Ademais, é iminente a adoção de medidas estatais para que um maior número de psicólogos(as) possa exercer as suas funções no contexto prisional, garantindo um espaço para o acolhimento e o cuidado com a saúde dos(as) apenados(as), frente à mortificação carcerária, enquanto esse sistema perdurar.
As Possibilidades e os Efeitos Potencializadores da Psicologia nas Instituições Penais, a partir das Ações Desenvolvidas
Visando promover reflexões sobre as possibilidades da Psicologia enquanto ciência e profissão nas instituições penais, serão apresentadas, a seguir, algumas das ações propostas ao longo da minha prática profissional, a despeito das limitações presentes neste contexto.
Os atendimentos individuais, fortemente valorizados e requisitados pelas pessoas encarceradas, tratavam-se do único momento em que elas recebiam acolhimento, uma escuta atenta e livre de julgamento, conforme explicitado pelo CFP (2021). O espaço terapêutico propiciava que, por alguns instantes, aquelas pessoas pudessem ser verdadeiramente olhadas - e concebessem a si mesmas - como seres humanos, rompendo o estigma de criminoso(a). Ao reavivar o desejo de liberdade (Karam, 2011), processos vitais eram estimulados, opondo-se ao horizonte de extermínio engendrado cotidianamente pela máquina carcerária (Rauter, 2007).
As pessoas aprisionadas têm saudade delas mesmas. Em um contexto no qual não há espaço para o diálogo ou o contato real com a própria subjetividade, sendo reforçados constantemente estigmas e comportamentos de submissão, as ações dos(as) psicólogos(as) incluem o resgate de quem se é verdadeiramente e dos mais profundos anseios pessoais, incluindo-se a perspectiva da vida em liberdade. A ações psicológicas encerram tentativas de percepção do eu para além do desvio, a amenização do sofrimento psíquico e dos efeitos deteriorantes do encarceramento, visando o retorno ao convívio extramuros (CFP, 2021). Apenas as pessoas que já passaram pela experiência do aprisionamento conseguem descrever as sensações ali vivenciadas. Segundo Karam (2011, p. 5), "é preciso tentar compreender o significado da privação da liberdade. É preciso conduzir nosso olhar, nossa imaginação, nossos sentimentos, para dentro dos muros das prisões, esforçando-nos por imaginar a infinita dor das pessoas que sofrem a pena". Procurei escutar, nos atendimentos individuais, as angústias salientadas pelas pessoas aprisionadas. A falta de infraestrutura, a precariedade das condições sanitárias - desumanas e insalubres - suscitavam falas catárticas; a dor diante do rompimento das vinculações, e as feridas de abandono e rejeição eram assinaladas. As dores corporais amalgamavam-se às dores da alma.
Destaca-se que, além das diversas rupturas vinculares que envolviam perdas ambíguas, caracterizadas pela falta de clareza do que foi perdido (Figueiredo & Stengel, 2022), a perda concreta, decorrente da morte de um ente querido, também acontecia ao longo do aprisionamento de algumas pessoas, sendo que nem todas elas usufruíam do direito de comparecerem aos rituais de despedida. Além de arrebatar a possiblidade de trocas afetivas e de amor, a prisão recorrentemente despojava os(as) detentos(as) de presenciarem a morte das pessoas amadas ou despedirem-se adequadamente delas (Karam, 2011). Diante disso, uma das minhas atribuições era a comunicação do falecimento dos entes queridos às pessoas aprisionadas, o que exigia profunda sensibilidade e o oferecimento de informações precisas, de forma humanizada, sobre as circunstâncias da morte. A partir das minhas vivências, o papel do(a) psicólogo(a) mediante a elaboração das perdas e lutos mostrou-se essencial. Foi perceptível a necessidade de que as políticas prisionais considerem os efeitos do enlutamento, abarcando não apenas a comunicação da morte de maneira humanizada, mas também a possibilidade de comparecimento aos rituais de despedida, dignamente. Reflexões sobre as situações de humilhação e vergonha, decorrentes do uso despersonalizador e estigmatizante dos uniformes e das algemas nos funerais, em alguns casos, além da presença dos policiais penais, são urgentes, visando mudanças nestes momentos de vulnerabilidade. Oferecer acalento e cuidado seria o mínimo esperado nas situações de luto vivenciadas nas prisões.
Outrossim, considerando a ênfase dada ao desejo de manutenção das vinculações, uma das ações que desenvolvi foram os atendimentos aos casais, quando ambos se encontravam no mesmo estabelecimento prisional, o que era raro. Essa modalidade de atendimento opunha-se à ideia de afastamento, separação, distância do meio familiar e rompimento dos laços amorosos e sociais, presente na raiz do sistema penal (Karam, 2011). Embora tenham sido poucos os casais atendidos, tratou-se de uma ação que visou romper o isolamento dos casais na prisão.
O trabalho em grupo também se mostrou uma importante ferramenta ao longo da minha prática profissional em espaços de privação de liberdade. Ainda que a minha intenção inicial fosse desenvolvê-lo com todas as pessoas aprisionadas e que tenha lutado para isso nas reuniões com a direção prisional, obtive a autorização para a sua execução apenas com as mulheres, em ambos os presídios em que trabalhei, pelas questões de segurança supostamente envolvidas, bem como pela lógica patriarcal que impera nas instituições prisionais (Pimentel, 2016). Ou seja, devido ao meu sexo biológico e por ter que permanecer trancada no pátio, juntamente com as apenadas, durante os nossos encontros, fui impedida da concretização dos trabalhos em grupo com os homens, sendo que eles foram conduzidos pelo psicólogo, do sexo masculino, em uma das instituições prisionais. Nos grupos com as mulheres, os assuntos a serem trabalhados eram escolhidos a partir da livre demanda das participantes, as quais propunham, ao final de cada encontro, novos temas. Aspectos lúdicos, arte, música e cultura fizeram-se presentes; esporadicamente, filmes eram exibidos e discutidos, de acordo com os desejos manifestados pelas mulheres. Juntas, construímos relações de confiança e vinculações que traziam vida ao cárcere, indo ao encontro da seguinte afirmação de Rauter (2007, p. 45): "a construção de estratégias de resistência frente à mortificação passará frequentemente pela arte, pelo trabalho com grupos, ou por estratégias de atendimento individual que possam intensificar os processos vitais".
Outras ações foram desenvolvidas, tais como: a participação em reuniões interdisciplinares para a programação das ações de atenção básica em saúde - em consonância com a Portaria Interministerial MS/MJ nº 1 (2014), que institui a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) -; realização e atuação como educadora, em parceria com a equipe profissional, de campanhas e projetos visando à prevenção e promoção da saúde; ações integradas, em articulação com a rede de atenção à saúde mental do município, relacionadas à prevenção e promoção da saúde, intencionando-se o cuidado integral de cada apenado(a).
O trabalho interdisciplinar e humanizado mostrou-se imprescindível para a construção de saídas viáveis em prol da saúde das pessoas aprisionadas, bem como a intersetorialidade entre os campos da execução penal e do direito à saúde. Em todas as articulações e ações desenvolvidas, fez-se necessário o diálogo e a integração entre os diversos atores que conviviam no cárcere. Enfatiza-se a relevância do trabalho em articulação com a equipe de segurança, superando-se a divisão entre os setores de segurança e de saúde para que seja transcendida a visão de separatividade e os jogos de poder que caracterizam as relações no contexto prisional (Nascimento & Bandeira, 2018). Ressalta-se, assim, a importância da união entre diversos profissionais para a produção de efeitos potencializadores, sendo papel do(a) psicólogo(a) investir em movimentos que estimulem a solidariedade e a cooperação.
Ademais, o trabalho do(a) psicólogo(a) no sistema prisional deve transpor os muros carcerários. Reflexões sobre essa realidade devem ser levadas aos mais diversos espaços sociais, propiciando trocas entre o dentro e o fora das instituições penais (Nascimento & Bandeira, 2018). Assim, algumas das ações que engendrei contemplaram palestras, especialmente em universidades, bem como o engajamento na democratização desse saber, indo além do ambiente acadêmico. Alguns debates foram levados às redes sociais, ampliando o número de pessoas alcançadas pelas ponderações realizadas, além das discussões cotidianas, nas quais, como formiguinha, questionamentos sobre as reais funções do encarceramento eram levantados. Logo, procurei demonstrar como nós, enquanto sociedade, somos responsáveis pelos contrassensos que marcam vidas aquém e além dos muros prisionais, suplantando o reconhecimento individualizado de uma responsabilidade coletiva (Karam, 2011).
Por fim, saliento a relevância dos estudos a respeito do sistema prisional para uma prática fundamentada, os quais foram fulcrais para o meu trabalho. Sugere-se o desenvolvimento de pesquisas pelos(as) psicólogos(as) que atuam no ambiente carcerário, pois a escrita acerca da prática e das ações propostas colaborará para a reformulação de concepções, a produção de novas ações e caminhos de redirecionamento, bem como um olhar mais crítico e cuidadoso sobre o ser e o fazer psicológico nos espaços de privação de liberdade.
Considerações Finais
A partir das minhas vivências como psicóloga em instituições prisionais, construiu-se um diálogo teórico-prático para a produção de reflexões sobre a prática do(a) psicólogo(a) no contexto prisional. As ponderações apresentadas transpareceram como as demandas, os impasses, os desafios e as possibilidades da Psicologia enquanto ciência e profissão nesses espaços são vastos e circunscrevem-se em meio a paradoxos e tensões.
Enfatizou-se a necessidade de conhecimento profundo da realidade prisional e das vidas encarceradas, assim como da suplantação das fragmentações que ainda marcam a Psicologia, seja nos currículos dos cursos universitários, nas práticas profissionais ou nos próprios olhares incididos sobre o outro e o mundo. Perante as dessemelhantes expectativas para a atuação do(a) psicólogo(a) nos espaços de privação de liberdade, são exigidos discernimento, clareza e ética. À vista disso, mostrou-se imprescindível que as práticas psicológicas estejam em consonância com o Código de Ética Profissional do Psicólogo (CFP, 2005), comprometidas com a promoção da liberdade, dignidade, igualdade e integridade do ser humano, bem como com a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Alicerçadas em uma perspectiva na qual clínica e política mostraram-se indissociáveis, as reflexões apresentadas reforçaram os efeitos potencializadores do trabalho dos(as) psicólogos(as) nas prisões, permeando a oferta de estratégias vivificadoras perante os múltiplos efeitos deletérios do cárcere, a partir da fomentação das práticas de cuidado que podem reduzir os danos e as decorrências perversas do encarceramento. Por possibilitar o desenvolvimento de ações inventivas, abrangendo a criação e a resistência, o fazer psicológico nos espaços de privação de liberdade tem o potencial de contribuir para a promoção dos direitos e a saúde das pessoas encarceradas. Para isso, a apreciação dos fatores econômicos, políticos, sociais e históricos que envolvem os processos de subjetivação no cárcere mostra-se fundamental. Sugere-se que as práticas psicológicas continuem suscitando a superação da lógica binária na qual certas vidas são consideradas infames, construindo uma visão de unicidade acerca da humanidade, bem como uma sociedade na qual a justiça, o amor e a liberdade preponderem.
Mais do que lutar pala garantia de direitos e pela promoção da saúde no cárcere, é essencial que a Psicologia transpasse os muros carcerários, contribua para a redução das desigualdades sociais, o desenvolvimento e a implementação de políticas públicas que colaborem para a prevenção da criminalidade e para o fortalecimento dos mecanismos que privilegiam as penas alternativas, o desencarceramento e a abolição do sistema penal.
Por fim, ressalta-se que o relato de experiência se mostrou um relevante aparato para as reflexões realizadas, sobretudo, por ter abarcado a realidade de instituições tão fechadas como as prisões. Recomenda-se a realização de novas pesquisas sobre as práticas psicológicas em espaços de privação de liberdade, sendo que os relatos de experiência, nomeadamente, possivelmente contribuirão para ações contextualizadas, que abarquem as verdadeiras demandas das pessoas aprisionadas e a realidade que atravessa as relações sociais no cárcere.
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Endereço para correspondência
Ana Cristina Costa Figueiredo - draanacristinafigueiredo@gmail.com
Recebido em: 14/02/2024
Aceito em: 23/08/2024
Notas
1 Atualmente, Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp).
2 O cheiro da prisão é realmente único e permanece impregnado nas narinas das pessoas que ali adentram. Curiosamente, é consenso entre as pessoas que passam por diferentes estabelecimentos prisionais, o fato de que o mesmo cheiro é sentido, independentemente da localização geográfica da unidade prisional.
3 No primeiro presídio em que trabalhei, apenas alguns homens tinham acesso à educação, enquanto no segundo estabelecimento prisional, nem mesmo os homens usufruíam desse direito, pois não havia espaço para a escola. No que se refere à possibilidade de trabalho para as pessoas privadas de liberdade, as mulheres tinham a chance de exercer atividades laborais somente na faxina ou artesanato intracela. Tratavam-se de tarefas repetitivas e monótonas que reforçavam os papéis de gênero e não as preparavam para a atuação no mercado formal de trabalho.
4 As gestantes permaneciam na mesma cela que as demais reclusas. Quando a data do parto se aproximava, elas eram encaminhadas ao Centro de Referência à Gestante Privada de Liberdade, em Vespasiano-MG, que também abriga os(as) filhos(as) de até um ano de idade das mulheres aprisionadas, ou elas passavam a cumprir a prisão em regime domiciliar. A separação entre as mães e as crianças após o nascimento - tendo decorrido o período de um ano ou antes desse prazo por opção das mães que visavam evitar a dor da separação após a vinculação - causava um sofrimento indescritível.
5 Ao longo dos três anos em que atuei nos espaços de privação de liberdade, presenciei apenas uma mulher usufruir da visita íntima. Lamentavelmente, o direito à preservação dos laços afetivos e sexuais nas prisões, assegurado pelos Regulamentos e Normas de Procedimento do Sistema Prisional de Minas Gerais - ReNP (Secretaria de Estado de Defesa Social de Minas Gerais, 2016) , inclusive para casais homoafetivos, é frequentemente violado nos estabelecimentos prisionais, onde as visitas sociais e íntimas funcionam como instrumentos de controle, conforme demonstrado em estudos prévios (Carvalho & Mayorga, 2017; Figueiredo et al., 2022b). As dificuldades para que as mulheres usufruíam das visitas íntimas são notadas, pois raramente elas conseguem atender aos critérios impostos para essa modalidade de visitação, como a apresentação dos laudos médicos e a documentação comprobatória da união.
6 A legislação brasileira assegura um amplo rol de direitos às pessoas privadas de liberdade por meio do Código de Processo Penal (1941) e da Lei de Execução Penal (1984).
7 Conforme os Regulamentos e Normas de Procedimento do Sistema Prisional de Minas Gerais - ReNP (Secretaria de Estado de Defesa Social de Minas Gerais, 2016, p. 61), no art. 105, a CTC da unidade prisional será composta por: "I - Diretor Geral; II - Diretor de Segurança; III - Assessor de Informação e Inteligência; IV - Analista Técnico Jurídico; V - Psicólogo; VI - Assistente Social; VII - Enfermeiro ou Técnico/Auxiliar de Enfermagem; VIII - Médico-Psiquiatra; IX - Dentista, quando possível; X - Responsável pelo Núcleo de Ensino e Profissionalização; XI - Gerente de Produção (ou representante); XII - Gerente de CTC; XIII - Representante de obras sociais da comunidade; e XIV - Representante do Programa de Inclusão Social de Egressos do Sistema Prisional - PrEsp, quando possível".
8 O direito à saúde nas prisões brasileiras é assegurado pela L.E.P. (1984), pela Constituição Federal (1988) e pela "Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (P.N.A.I.S.P.)", instituída pela Portaria Interministerial n° 01/2014 (CFP, 2021).
Financiamento: A pesquisa relatada no manuscrito foi parcialmente financiada pela bolsa de pós-doutorado da autora (CNPq No. Processo 150548/2023-0).
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