ARTIGO 4
PSICOTERAPIA FUNCIONA?
PSYCHOTHERAPY WORKS?


Helene Shinohara*



RESUMO
Este artigo pretende discutir a eficácia da psicoterapia. São abordados temas relativos à metodologia da pesquisa clínica, sua confiabilidade e dificuldades. Fatores que interferem com os resultados da psicoterapia também são discutidos. Ênfase é dada na conciliação dos papéis de terapeuta e de pesquisador.

PALAVRAS-CHAVE:
Psicoterapia; Eficácia; Pesquisa Clínica.


Se me perguntarem o que tenho observado em termos de eficácia terapêutica, com certeza eu direi que a grande maioria de clientes atendidos relatam benefícios pessoais, resultados positivos e satisfação com os objetivos alcançados. Esta, no entanto, não passa de uma constatação na minha prática clínica, sem dados rigorosamente analisados e sem segurança para qualquer generalização. Todos podem até concordar com esta afirmação, o que não a valida, nem lhe atribue status de verdade. Nós, cientistas, não ficamos satisfeitos em responder desta maneira às questões. A evidência empírica de estudos científicos garante um afastamento maior de nossos sistemas pessoais de crenças e das influências que a minha percepção tendenciosa possa estar determinando.

Para realmente respondermos à questão – psicoterapia funciona? –, teremos que elaborar estudos rigorosos dentro dos padrões determinados pela prática científica, que indicarão, com maior segurança e confiabilidade, a eficácia da prática psicoterápica. Várias pesquisas nesta área têm se baseado em métodos experimentais de pesquisa e, portanto, fornecido um verdadeiro suporte de dados. Eles mostram, por exemplo, que a terapia cognitiva é muito eficaz para transtorno do pânico, que exposição e clomipramina aliviam os sintomas obsessivo-compulsivos, que desensibilização sistemática funciona para fobias específicas, que terapia aversiva produz resultados mínimos para criminosos sexuais, etc (Seligman, 1995).

Os estudos sobre a eficácia de cada um destes procedimentos terapêuticos seguem uma metodologia experimental, onde determinados requisitos são exigidos. O controle das variáveis deve ser rigoroso, os pacientes devem ser alocados aleatoriamente nos grupos, o tratamento é manualizado, os objetivos obedecem a uma operacionalização, os pacientes preenchem critérios para um diagnóstico único, sem comorbidades, o número de sessões é fixo e um follow up é estabelecido. Este tem sido o modelo considerado mais sofisticado, mais científico e, portanto, mais confiável no fornecimento de respostas empiricamente validadas.

Um experimento é um estudo no qual uma ou mais variáveis independentes são manipuladas e a influência de outras não pertinentes ao estudo são minimizadas através do controle. A força básica da pesquisa experimental está neste controle e na possibilidade de manipulação das variáveis. A flexibilidade de testagem de vários aspectos da teoria e a replicabilidade dos experimentos também são pontos positivos. No entanto, as variáveis dos experimentos raramente se assemelham em força às variáveis “naturais” fora dos laboratórios. A artificialidade ou distância da realidade e a falta de generalidade são fraquezas apontadas por alguns. Quando Kerlinger (1980) afirma que o propósito dos experimentos está quase totalmente divorciado da vida real e que eles não pretendem melhorar as condições humanas e sociais, pergunto-me, então, o porquê de tantos estudos sofisticados e dispendiosos.Acho que porque acabam sendo úteis à humanidade mesmo que esta não tenha sido a preocupação central.

Infelizmente, os problemas começam a nos ocorrer quando tentamos aplicar estes procedimentos terapêuticos fora das condições controladas dos “laboratórios”. Será que o cliente que chega ao meu consultório irá se beneficiar exatamente como àqueles dos estudos? Em geral, a vida real é bastante diferente: o meu cliente não apresenta somente um tipo de transtorno, não relata queixas facilmente operacionalizáveis e objetivos específicos, o número de vezes que iremos nos encontrar não é fixado anteriormente e nem eu sigo estritamente determinado manual de tratamento. Como posso querer fazer ciência nestas condições ou, pelo menos, estar segura quanto aos benefícios terapêuticos?

O nosso trabalho na clínica é um exercício constante de autocorreção. Levantamos hipóteses a serem testadas, as refutamos ou confirmamos durante o processo, mudamos de técnica conforme os resultados, adaptamos os procedimentos para cada caso, estamos em total interação, em um trabalho colaborativo com aquele ser humano. Como avaliar tudo isto?

Estudos clínicos que atendam a esta realidade dos consultórios, com certeza, terão que seguir delineamentos diferentes e correrão o risco de serem desconsiderados dentro de uma perspectiva científica mais estrita. Estudos de caso único podem ser exemplo de estudos quase experimentais que utilizam delineamentos onde o sujeito é seu próprio controle. A comparação dele com ele mesmo em momentos diferentes, através de medidas objetivas e/ou relatos verbais subjetivos, pode fornecer uma base de dados importantes para afirmações a respeito da eficácia terapêutica. Na pesquisa clínica, esta parece ser uma escolha possível para um trabalho científico aplicado a uma situação complexa, apesar da menor confiabilidade das conclusões. É justamente na clínica, no exercício da nossa atividade, que se fazem necessárias nossas preocupações tanto com aquele cliente, quanto com os outros seres humanos que poderão se beneficiar dos conhecimentos ali produzidos. Os rigores metodológicos terão que ser atenuados, mas poderemos, mesmo assim, recolher material significativo para relacionar a “melhora” do cliente com o trabalho desenvolvido. O que não podemos perder de vista é a questão da relevância de tais estudos, apesar das limitações que cercam suas conclusões, em especial suas generalidades (Guilhardi,1987).

Quando o cliente chega ao nosso consultório, começa um verdadeiro processo interpessoal que determinará profundamente os resultados da terapia. Todos sabemos que aqueles que, às vezes por ingenuidade, outras por ignorância, querem ser somente técnicos em vez de pessoas acabam por limitar suas possibilidades terapêuticas. O julgamento clínico ainda é um procedimento mais subjetivo do que alguns gostariam. O desenvolvimento de avaliações padronizadas (questionários, inventários, listas de comportamentos, etc.) pretendem minimizar enganos ou interferências de julgamentos pessoais, o que, no entanto, não necessariamente garante neutralidade do terapeuta. Estar ciente destas variáveis, sim, ajuda-nos a analisar mais adequadamente cada caso.

Nas minhas observações, tenho encontrado vários tipos de problemas que interferem nos resultados da terapia:

1. O tipo de cliente, sua história e problemática. Apesar de termos hoje muito mais conhecimento de técnicas eficazes para cada tipo de transtorno, o cliente exige adaptação e flexibilização conforme a formulação específica do seu caso. Em terapia, existe necessidade de soluções individualizadas e qualquer tentativa de uniformidade acarretará dificuldades no processo.

2. O tipo de terapeuta, sua formação e suas habilidades pessoais. As influências recebidas do supervisor e a ênfase em certos aspectos de sua formação teórica servirão de base para interação com suas habilidades de ouvir, intervir e avaliar. Sua história pessoal poderá facilitar ou dificultar a relação terapêutica e a tomada de decisões. Saber se relacionar, ser caloroso, positivo, confiável, e ter uma formação rica e adequada ao exercício da profissão irão promover um verdadeiro encontro de duas pessoas.

3. A cultura do povo brasileiro, sua peculiaridade, sua condição econômica e escolaridade. Trabalhar em consultório particular e em clínica-escola enriquece nossa visão das diferenças de um mesmo povo, de uma mesma cidade. Ser capaz de adaptar nossos métodos a esta realidade é, por exemplo, coletar dados de quem não escreve ou entender quase que dialetos desconhecidos de um surpreendente português.

4. Os objetivos ideais e mágicos dos clientes, em contraposição aos possíveis. As expectativas com as quais os clientes chegam aos consultórios revelam demandas impossíveis de serem satisfeitas mesmo pelo mais competente dos terapeutas: “Deixar de sentir qualquer tipo de ansiedade, eliminar todos os sentimentos desprazerosos, ser uma pessoa completamente diferente, e isso tudo em curtíssimo prazo de tempo”. Muitos também desejam que se tome todas as decisões por eles, resolva seus problemas e garanta resultados fantásticos. Um certo trabalho é necessário para que os objetivos terapêuticos possam aterrisar em terreno mais firme.

5. As adaptações necessárias dos modelos importados. O que funciona em condições americanas, por exemplo, pode não ser adequado para os clientes e terapeutas brasileiros. Todos nós, com certeza, já fizemos uma série de adaptações aos manuais terapêuticos. Atendimentos com tempo limitado previamente, por exemplo, não fazem parte da cultura brasileira. O nosso cliente não é sempre cooperativo, não se molda com facilidade às recomendações. Os recursos de biblioterapia não estão disponíveis em português. Nossa criatividade acaba sendo nosso maior trunfo.

Outro ponto que merece discussão é o que quer dizer “funcionar”? Uns diriam que é promover mudanças, diminuir sofrimento, facilitar relacionamentos interpessoais, melhorar o funcionamento global, desenvolver o autoconhecimento, etc. Na verdade, funcionar é atingir objetivos acordados entre terapeuta e cliente, para aquele momento específico da vida daquele indivíduo, e que tenham relevância pessoal. A extensão destas mudanças, o impacto delas sobre sua vida diária e a manutenção dos ganhos terapêuticos serão exigências diferenciadas de um cliente para outro. Mas cabe ao terapeuta estar atento à complexidade de escolhas para cada caso, para poder caminhar junto com o cliente, dividindo com ele tanto as responsabilidades quanto os sucessos.

Então, para finalizar, voltemos à pergunta inicial: Psicoterapia funciona? Parece que sim, mas precisamos estar atentos ao nosso comportamento de terapeuta para conciliá-lo com o de pesquisador. Faz-se imperativo elaborar melhores estudos longitudinais que monitorem o progresso do indivíduo no curso do tratamento e que forneçam estas informações para o terapeuta (Howard et al, 1996). Além do que, já sabemos hoje, poderemos levantar que tipo de terapia é melhor para que tipo de cliente, que procedimentos produzem quais resultados, que variáveis, além das técnicas, interferem no processo. Isto e muito mais ainda terá que ser pesquisado para responder com maior credibilidade que psicoterapia funciona SIM, e promove o bem-estar das pessoas.

Notas
* Mestre em Psicologia Clínica, Professora e Supervisora do Departamento de Psicologia da PUC-Rio, Terapeuta Cognitivo-Comportamental.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
GUILHARDI, H.J. Método científico e prática clínica. In: LETTNER, H.W.; RANGÉ, B.P. (Ed.). Manual de psicoterapia comportamental. São Paulo: Manole, 1987.
HOWARD, K.I. et al. Evaluation of psychotherapy: Efficacy, effectiveness, and patient progress. American Psychologist, v. 51, p. 1059-1064, 1996.
KERLINGER, F.N. Metodologia da pesquisa em Ciências Sociais. São Paulo: EDUSP, 1980.
SELIGMAN, M.E.P. The effectiveness of psychotherapy: the consumer reports study. American Psychologist, v. 50, p. 965-974, 1995.

ABSTRACT
This article intends to discuss the efficacy of psychotherapy. Themes related to the methodology of clinical research, its reliability and difficulties are high lightened. Some factors that interfere in the results of psychotherapy are discussed with the emphasis in the conciliation of both psychotherapist and researcher roles.

KEYWORDS:
Psychotherapy; Efficacy; Clinical Research.