Estudos e Pesquisas em Psicologia
2025, Vol. 25. e74144, doi:10.12957/epp.2025.74144
ISSN 1808-4281 (online version)
PSICOLOGIA SOCIAL
A Cada Rua, uma História: Relações de Limoeiro/PE com a População em Situação de Rua
A Story on Every Street: Limoeiro/PE's Relations with Homeless Population
A Cada Calle, Una Historia: Relaciones de Limoeiro/PE con las Personas en Situación de Calle
Maria Letícia Pereira da Silva a, Suely Emilia de Barros Santos b
a Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira, Recife, PE, Brasil
b Universidade de Pernambuco, Garanhuns, PE, Brasil
Endereço para correspondência
RESUMO
O presente artigo objetiva compreender o sentido dado pelos habitantes de Limoeiro-PE ao lugar da população em situação de rua no viver cotidiano da cidade. Para isso, nos dirigimos a uma concepção de espaços urbanos enquanto lugares de produção de afetos, memórias, que se mostram através do cotidiano. O estudo é de caráter qualitativo, interventivo. Utilizamos o método da cartografia clínica para recolher e construir narrativas pela via das modalidades de intervenção/investigação: entrevista narrativa e diário de bordo. Os participantes colaboradores foram habitantes da cidade de Limoeiro-PE e a metodologia de análise do material recolhido foi a "Analítica do Sentido", proposta por Critelli. Através da ação cartográfica, foram desvelados fenômenos como a prática de diferentes formas de violência direcionadas à população em situação de rua, a coexistência de relações de visibilidade e invisibilidade social e os modos possíveis de cuidado diante das políticas e lutas já existentes. A partir disso, a ação clínica no viver cotidiano, em interface com o direito à saúde, é trazida enquanto possibilidade de intervenção, visualizando os contextos de vulnerabilidade e compreendendo que a concepção de saúde deve estar em interrelação com as reivindicações de ordem social, política e existencial.
Palavras-chave: população em situação de rua, cotidiano, direito à saúde.
ABSTRACT
This article aims to understand the meaning given by the inhabitants of Limoreiro-PE to the living place of the homeless population in the city's daily life. For this, we address a conception of urban spaces as the places producing affections, memories, visible in everyday life. The study has a qualitative and interventional character. We used the method of clinical cartography to collect and construct narratives through intervention/research modalities such as the narrative interview and the journal. The collaborating participants were inhabitants of Limoeiro-PE and the methodology for the analysis of the collected material was the "Analytic of Meaning", proposed by Critelli. Through cartographic action, phenomena such as the practice of different forms of violence directed to the homeless population, the coexistence of relations of social visibility and invisibility, and the possible ways of care to existing policies and struggles were found. From this, the clinical action in everyday life in interface with the right to health is brought as a possibility for intervention, allowing the visualization of vulnerability contexts and the understanding that the conception of health must be in interrelation with the demands of social, political and existential order.
Keywords: homeless population, daily life, right to health.
RESUMEN
El presente artículo pretende comprender el significado dado al lugar de la personas en situación de calle de Limoeiro-PE en la vida cotidiana de la ciudad. Para ello, abordamos una concepción de los espacios urbanos como lugares de producción de afectos, de memorias, que se manifiestan a través de la vida cotidiana. El estudio es cualitativo y de intervención. Utilizamos el método de la cartografía clínica para juntar y construir narrativas a través de las modalidades de intervención/investigación: entrevista narrativa y cuaderno de bitácora. Los participantes colaboradores fueron habitantes de Limoeiro-PE y la metodología de análisis del material recogido fue la "Analítica del Sentido", propuesta por Critelli. A través de la acción cartográfica, se desvelaron fenómenos como la práctica de diferentes formas de violencia dirigidas a las personas en situación de calle, la coexistencia de relaciones de visibilidad e invisibilidad social y las posibles formas de atención frente a las políticas y luchas existentes. A partir de esto, la acción clínica en la vida cotidiana, junto con el derecho a la salud, es traída como posibilidad de intervención, visualizando los contextos de vulnerabilidad y entendiendo que el concepto de salud debe estar en interrelación con las reivindicaciones a nivel social, político y existencial.
Palabras clave: personas en situación de calle, vida cotidiana, derecho a la salud.
Como ponto de partida para o presente artigo, compreendemos a necessidade de refletir acerca das relações produzidas entre cidade e população em situação de rua. Sobre os vínculos construídos no interior dos espaços urbanos, Rolnik (1994) faz uma comparação entre o processo de produção da cidade e da escrita. Para a autora, assim como o alfabeto em palavras, a cidade se monta e remonta, absorve novas configurações e sentidos, tendo como construção infindável a contação de uma história:
O desenho das ruas e das casas, das praças e dos templos, além de conter a experiência daqueles que os construíram, denota o seu mundo. É como se a cidade fosse um imenso alfabeto [...]. É esta dimensão que permite que o próprio espaço da cidade se encarregue de contar sua história. (Rolnik, 1994, p. 17).
Sobre a dimensão espacial e sua característica de constante construção através do cotidiano, Santos (2006) destaca que o Lugar tem em si a qualidade de entrelaçar tempos (externos e internos) e espaços, unir local e global, ações entrelaçadas a condições da cidade e paixões, tendo por efeito os aspectos de cooperação e conflito como base da vida comum. No mesmo caminho, como território onde as diferenças se fazem latentes, destacam-se as características urbanas de desigualdade, visualizadas a partir do contraste na ocupação espacial e, principalmente, sentidas durante o cotidiano daqueles que habitam o território (Valle, Farah & Junior, 2020). O espaço da cidade, assim, torna-se invariavelmente palco de oposições que se fazem visíveis no dia a dia de quem circula pelas ruas do ambiente urbano.
O cotidiano, nesse viés, se torna ponto de partida para compreensão das relações que se estabelecem no espaço das ruas. É através do cotidiano que são construídas as perspectivas sobre o espaço: narrativas de crimes que tornam um espaço antes seguro em ambiente a ser evitado, ou mesmo narrativas de festividades, encontros e celebrações que fazem com que lugares sejam relacionados à ideia de lazer e satisfação. Para Santos (2016), embora o viver cotidiano "muitas vezes, se mostre como ‘nada de novo', é marcado pelo inusitado do próprio viver que modifica as rotinas, dando outras direções ao modo de ser, existir" (p. 122). Assim, é o cotidiano que abre espaço para que as histórias de distintos grupos, que convivem numa mesma cidade, coexistam e sejam constantemente reconstruídas.
A população em situação de rua se insere, nesse contexto, como aquela que produz e ao mesmo tempo sofre as vicissitudes da produção de espaços num sistema socioeconômico desigual. Sob variadas circunstâncias e a partir de diferentes modos de habitar a cidade, a população em situação de rua estabelece formas de ocupação que se afastam da noção de público/privado e atravessam temáticas como a violação do direito à moradia e geração de vulnerabilidade, demandas de serviços de saúde mental, uso abusivo de álcool e outras drogas e escassez e privação de fontes de renda.
Assim, considerando as concepções sobre a cidade como espaço de constante produção de histórias e tomando as ruas como cenário de exposição e interpretação do que está sendo produzido, o presente artigo teve como objetivo compreender o sentido dado ao lugar da população em situação de rua de Limoeiro- PE no viver cotidiano da cidade. A partir disso, foi possível tematizar sobre a população em situação de rua, atentando para questões socioeconômicas e culturais, refletir sobre as narrativas de moradores de Limoeiro/PE acerca dos sentidos atribuídos à população em situação de rua nesta cidade e pensar modos da ação clínica no viver cotidiano, em interface com o direito à saúde, se mostrar como possibilidade de intervenção no cotidiano da população em situação de rua.
Rua... um Lugar de Histórias
Alves, Fernandes e Mesquita (2021) destacam que "Localizar geopoliticamente a construção do conhecimento é fazer emergir um olhar crítico que questiona a construção dos saberes em pressuposições hegemônicas, abstratas e pretensiosamente universais" (p. 13). Por esse viés, para a construção do artigo optamos por contextualizar, histórica e politicamente, o município de realização da pesquisa, tendo em vista que os conflitos presentes no decorrer da história do município se correlacionam com o contexto atual de ocupação do espaço urbano.
Limoeiro é uma cidade localizada na Mesorregião do Agreste Pernambucano, a 77 km da capital do estado, com população estimada em 56.149 habitantes, segundo o IBGE (2021). No século XIX, a partir da expansão das atividades agropecuárias, o distrito de Limoeiro passou por um processo de urbanização inspirado esteticamente por metrópoles como São Paulo, Rio de Janeiro e Recife. O processo de urbanização foi acompanhado por uma rede de clientelismo e nepotismo, sustentada pelo coronelismo local. Das figuras que marcaram a época, como personagem central destaque para Francisco Heráclio do Rêgo, último coronel em atividade do território nacional (Heráclio, 1979).
A forte influência do coronelismo estreitava os limites entre as questões públicas e privadas do distrito, uma vez que a dimensão política se tornava apenas um modo de influência dos interesses pessoais e familiares do coronel, que era chefe influente de mais de 30 municípios até a segunda metade do século XX (Vilela, 2014). O processo de urbanização da cidade, assim, foi acompanhado por constantes tentativas de controle da população, principalmente das camadas mais pobres, tendo em vista que a compra de votos em troca de favores era prática comum para a perpetuação da influência do coronel durante as eleições. A lógica assistencialista, nesse caminho, se configura como central na história do município, tendo em vista que o coronelismo exercia influência direta na política local até o fim da década de 60.
A história da cidade revela um contexto marcado por um processo de urbanização com impossibilidade de modificações socioeconômicas estruturais. Situando brevemente a conjuntura histórico-política, destacamos a importância da realização de pesquisas numa localidade do interior do estado que considerem a realidade social e as especificidades do município. Assim, o presente artigo é uma produção acadêmica construída a partir da experiência das pesquisadoras com um contexto singular e frequentemente vulnerabilizado. Os estudos decorrentes poderão contribuir de modo científico para uma práxis profissional que esteja em constante diálogo com um fazer ético-político, colaborando para o desenvolvimento de ações em saúde contextualizadas com as demandas da realidade social municipal.
Percurso Metodológico: Criar e Semear Histórias
A presente pesquisa dispõe de caráter qualitativo, cartográfico e interventivo. Segundo Minayo (2002), a pesquisa qualitativa se direciona a questões não quantificáveis, tentando, ao invés disso, compreender os sentidos e significados envoltos nas relações humanas. A escolha da metodologia qualitativa para a seguinte temática de pesquisa, assim, possibilitou uma compreensão sobre o assunto que se deu pela via de uma investigação compartilhada, construída em todo o decorrer do estudo entre pesquisadoras e coparticipantes.
O método cartográfico foi utilizado para recolher e construir narrativas pela via das modalidades de intervenção/investigação: entrevista narrativa e diário de bordo. A ação interventiva é utilizada como metodologia que se direciona à compreensão da temática, considerando o traço "intrusivo e modificador" (Andrade, Morato & Schmidt, 2007, p. 194) da presença do pesquisador no campo de relações em que é realizada a pesquisa.
Aun e Morato (2009) descrevem a cartografia como um modo de fazer pesquisa que acompanha a própria construção do território. Sendo as ruas, praças, becos e outros lugares públicos os principais espaços de inclinação durante o processo de pesquisa, o método cartográfico se insere com a pretensão de inclinar-se a esse território, criando linguagens e sentidos a partir das narrativas dos que compõem a pesquisa. Distancia-se da pretensão de estabelecer a verdade e se aproxima da construção de paisagens através da linguagem. Assim, "‘entender', para o cartógrafo, não tem nada a ver com explicar […] Vê-se que a linguagem, para o cartógrafo, não é um veículo de mensagens-e-salvação. Ela é, em si mesma, criação de mundos" (Rolnik, 2011, p. 66).
A linguagem, suscitada no processo cartográfico através das entrevistas narrativas e dos diários de bordo da autora principal, entrecruza, por meio da comunicação e escrita, a reflexão sobre o espaço, experiências e memórias sobre o território cartografado. As observações, sentimentos e afetações, comuns ao processo cartográfico (Aun & Morato, 2009) e registradas em diário de bordo, foram revisitadas durante a construção da pesquisa e auxiliaram posteriormente nas etapas de interpretação/compreensão dos fenômenos desvelados.
As entrevistas narrativas realizadas com os habitantes do município de Limoeiro-PE partiram da seguinte questão-bússola: "Qual o sentido dado ao lugar da população em situação de rua de Limoeiro-PE no viver cotidiano da cidade?", a qual possibilitou a contação de histórias, sob o ponto de vista dos entrevistados, acerca do modo como estes eram atravessados pela temática (Muylaert, Sarubbi, Gallo, Rollim & Reis, 2014).
O desenvolvimento da pesquisa contou com quatro entrevistados: duas mulheres e dois homens, com idades entre 22 e 52 anos. A amostra foi intencional; utilizamos uma estratégia de inclusão que uniu os participantes a partir de uma "[…] homogeneidade fundamental, isto é, pelo menos uma determinada característica ou variável comum a todos" (Turato, 2003, p. 365), sendo esta característica, na presente pesquisa, a residência fixa no município de Limoeiro-PE há pelo menos um ano. O critério foi escolhido levando em conta o objetivo da pesquisa e considerando a circulação, nos espaços públicos, tanto de pessoas em situação de rua, quanto dos demais habitantes, possibilitando assim a construção de narrativas a partir das interações no cotidiano da cidade. A partir do critério de inclusão e da escolha pela intencionalidade, priorizou-se a eleição dos 04 participantes com diversidade de faixa etária e de localização residencial no município de realização da pesquisa.
Os coparticipantes foram contatados através de redes pessoais e informados sobre os objetivos, metodologia e confidencialidade. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Multicampi Garanhuns da Universidade de Pernambuco, elaborada pelo CAAE 54325721.4.0000.0128 e aprovada através do parecer N° 5.197.785. Todos os nomes dos participantes são nomes fictícios e escolhidos pelos próprios entrevistados. Por questões éticas, os nomes das pessoas em situação de rua citadas durante as entrevistas também foram alterados.
Para diálogo com as questões suscitadas através das narrativas, foi realizado o Estado da Arte a partir das combinações entre os termos "população em situação de rua" + "cidades" e "população em situação de rua + cotidiano" nas plataformas Scielo 1, Pepsic 2 e BDTD 3. Como critérios de inclusão de trabalhos no presente estudo, definiu-se: pesquisas que abordassem a temática da população em situação de rua e suas relações com a cidade no título, resumo ou palavras-chave; que utilizassem metodologia qualitativa; que estivessem no período delimitado entre 2017 e 2021; e que fossem publicadas em português.
Através da pesquisa, foram encontrados, ao todo, 57 trabalhos. A partir dos critérios descritos, 6 deles foram utilizados: 5 artigos e 1 tese. Um dado que se sobressaiu durante a realização do Estado da Arte foi a concentração dos estudos sobre a população em situação de rua em grandes centros urbanos e/ou capitais. Dos trabalhos analisados que optavam por tratar da temática a partir de cidades específicas, nenhum deles foi realizado em municípios fora dos espaços das capitais, metrópoles, ou regiões metropolitanas dos estados.
Após o recolhimento das narrativas, o método de interpretação/compreensão dos fenômenos desvelados foi a Analítica do Sentido de Critelli (2006). Para a autora, a interpretação do real, acontece através de cinco possibilidades de mostração do "movimento de realização", apresentadas separadamente por uma questão didática, sendo elas:
- quando é tirado de seu ocultamento por alguém, desocultado - DESVELAMENTO; - quando desocultado, esse algo é acolhido e expresso através de uma linguagem - REVELAÇÃO; - quando linguageado, algo é visto e ouvido por outros- TESTEMUNHO; - quando testemunhado, algo é referendado como verdadeiro por sua relevância pública - VERACIZAÇÃO; - quando publicamente veracizado, algo é, por fim, efetivado em sua consistência através da vivência afetiva e singular dos indivíduos - AUTENTICAÇÃO (Critelli, 2006, p. 69, grifos da autora).
Resultados e Discussão: Entre Ruas e Narrativas
A partir dos cenários abrangidos durante a cartografia, foram escolhidas três temáticas centrais suscitadas durante as narrativas para a construção de tópicos de discussão, sendo elas: 1) Lugar de morada, lugar de histórias: relatos e memórias das ruas, 2) Das Praças aos Becos: hipervisibilidade e invisibilidade nas ruas, 3) Realidade e possibilidades de cuidado à população em situação de rua.
A escolha pelas temáticas de discussão se deu a partir do movimento cartográfico. Este possibilitou uma composição de três Constelações de Sentido por aproximação temática reveladas nas narrativas dos participantes-colaboradores e mobilizadas pela pesquisadora na escrita do diário de bordo. Para Szymanski (2004, p. 3), na composição de Constelações de Sentido, "há tão somente uma organização da compreensão do pesquisador, que pode assumir as mais diferentes formas, variando de analista para analista. À semelhança de um céu estrelado, várias constelações podem ser delineadas".
Lugar de Morada, Lugar de Histórias: Relatos e Memória das Ruas
[…] o fato de que a gente via moradores de rua ali na Rua da Alegria, Rua da Linha… por ali normalmente passava (Arthur).
[…] eu vim morar aqui em Limoeiro eu tinha 13, 14 anos. Aí eu morava lá na Pirauíra 4… na Pirauíra, por lá passava tudo, andarilho, né? (Maria de Lourdes).
A gente encontrava nas principais praças, na Praça da Bandeira, ali no Horto, alguns moradores que convivem ali, que moram, que passam o dia ali (Rafael).
O passado e as histórias sobre lugares nas cidades são considerados pontos-chave para a compreensão da época atual desses espaços. Nas narrativas dos entrevistados, a presença de pessoas em situação de rua foi constantemente associada a praças, bairros e lugares específicos. Halbwachs (2013), ao abordar a organização urbana em pequenas localidades, a exemplo das cidades interioranas, cita a ideia de memória coletiva como perspectiva que retém grande influência na produção de espaços. Segundo o autor, as memórias sobre lugares ultrapassam a concepção de repetição "pura" de acontecimentos do passado e se encaminham a uma constante reconstrução perpassada por novos eventos e práticas coletivas. Em narrativas dos entrevistados:
Quando eu era criança e diziam "lá vem Pato!" a gente corria pra dentro de casa com medo dele. Os adultos usavam como arma (Maria de Lourdes).
Fazia parte do dia a dia dos alunos, as pessoas paravam, cutucavam o outro, "sai de perto que Francisco tá vindo!" e pediam pros outros correrem (Etienne).
Quando eu tava com a minha irmã, com meus primos e passavam normalmente pedindo alguma coisa pra se alimentar, a gente corria. Então, o fato maior é esse, o medo que se tinha quando criança (Arthur).
Dentro dessa perspectiva, as narrativas sobre medo constroem diálogo com a organização social da cidade, na medida que é a partir das ordens de afastamento e de falas amedrontadoras que os entrevistados relatam ter tido contato, ainda na infância, com a população em situação de rua. Essas relações são refletidas na narrativa presente em diário de bordo:
As falas sobre medo me chamam atenção porque se direcionam a um medo "tatuado" desde a infância. Um medo que engloba em si todos os outros medos infantis e centraliza-os na figura vulnerabilizada do morador de rua […] A experiência aparente deixa de ser "coisa de criança" e passa a fazer parte do imaginário da cidade […]. Reflito sobre o fato de que, se a população adulta da cidade criava e semeava as histórias, fosse sobre esta que, na verdade, os ditos teriam certa parcela de veracidade (Diário de Bordo).
As relações construídas no cotidiano da cidade foram expressas nas memórias infantis e juvenis, revelando o quanto a população em situação de rua adentrava nas casas, no modo de educação infantil, na maneira muitas vezes perversa e maldosa de amedrontar crianças usando pessoas vulnerabilizadas pela situação socioeconômica.
Dantas (2021) reflete sobre as relações existentes entre espaço e memória quando se trata da população em situação de rua. Para o autor, as constantes produções dos territórios urbanos teriam como elemento básico o "relato", que funcionaria como leitura e, ao mesmo tempo, ressignificação de lugares pela via da oralidade. Assim, a população em situação de rua se insere nesse contexto indo além da ideia de uma produção do espaço que se dê apenas pela verbalização. A própria ocupação das ruas atua como um "relato" sobre a cidade: "É partindo da prerrogativa do ato de escrever com o corpo em movimento que a População em Situação de Rua faz da rua um lugar de histórias […]" (Dantas, 2021, p. 659).
Nessa compreensão da rua como espaço de contação de histórias, escutamos de Etienne:
[…] todo mundo conta histórias, mas são sempre assim: "ele tava em um lugar e bateu em não sei quem, armou confusão com não sei quem". Não sei até que ponto as histórias são verdadeiras e até que ponto são aumentadas.
[…] Eu já vi gente na rua gritando, eu já vi gente na rua xingando, então… sabe? É complicado. […] socialmente eu vejo o que ele passa, porque ele chega aqui reclamando que as pessoas tentaram bater nele, tentaram matar ele.
[…] Teve o caso do morador de rua que foi esfaqueado na rodoviária. Essas pessoas são invisíveis para a cidade. Foi um caso que todo mundo ficou muito chocado e no dia seguinte ninguém mais deu importância.
A participante destaca, inicialmente, que a vulnerabilização desta população engloba atitudes como o compartilhamento de informações questionáveis ou infundadas sobre atos de violência praticados pelos moradores em situação de rua. Etienne conta, também, que já presenciou em algumas ocasiões, agressões verbais a pessoas em situação de rua. Ainda sobre o cotidiano de violências direcionadas à população em situação de rua, a participante se refere ao descaso diante da violência vivida por esta população, destacando que "são pessoas invisíveis". O exposto desvela que, além dos ataques físicos e verbais, há ainda a indiferença diante das situações e omissão frente a possibilidades de cessar o ciclo de violências.
A invisibilidade, citada pela entrevistada, após a agressão direcionada à pessoa em situação de rua, pode ser observada como um outro modo de violência, baseado na indiferença, reificação e humilhação. O olhar da invisibilidade, construído por um viés social e psíquico, a partir de antagonismos de classe, impede a percepção do outro como ser de singularidades e se torna ainda mais comum quando inexistente o sentimento de comunidade entre os humanos (Jabur, Conceição & Souza, 2021). Assim, nos ambientes públicos urbanos, tratando-se de grupos sociais excluídos, é perceptível que a utilização dos espaços é perpassada por conflitos que constantemente resultam em atos de violência e fazem com que a ocupação da cidade, pela população em situação de rua, se dê pela via da necessidade de sobrevivência em meio às tentativas de segregação.
Os relatos dos entrevistados revelam um cotidiano marcado por variadas formas de violência direcionadas à população em situação de rua. A construção de uma cultura do medo, incitada por um imaginário que associa pobreza à violência é citada por Eckert (2002) como produto das desigualdades econômicas em cidades. O temor de determinadas estratificações da possibilidade de uma crise urbana, torna-se bastante próximo a um sistema de acusações que criminaliza as classes mais baixas, segundo a autora. O imaginário de medo que permeia a possibilidade de violências cometidas pela população pobre se torna, então, argumento para atos de violência concreta contra grupos já marginalizados.
Das Praças aos Becos: Hipervisibilidade e Invisibilidade nas Ruas
[…] pegou os elementos da cidade e inseriu Francisco, esse personagem que é tão folclórico. O nome do filme foi "Ajuntando o que não presta!". Então dentro desse ajuntando […] trouxe a caixa que Francisco carrega no dia a dia. Dentro dessa ideia, […] pegou essa caixa e colocou dentro tudo aquilo que a princípio a cidade rejeita e não queria, mas que Francisco carrega dentro da caixa dele toda essa história, toda essa vivência que ele tem (Arthur).
Francisco é um andarilho, todo mundo conhece. Quando chega sete de setembro é o primeiro a desfilar de cinco horas da manhã. Quando chega a festa de São Sebastião, é o primeiro. Ele é uma pessoa muito querida pela população (Maria de Lourdes).
Francisco todo mundo conhece, parece que tem um carisma na pessoa de Francisco por onde Francisco passa (Etienne).
A narrativa de Arthur descreve sua experiência a partir de um curta-metragem, que teve como objetivo a exposição de componentes culturais do município, tendo um morador em situação de rua como protagonista. As falas expõem uma associação entre o morador citado e aspectos de rejeição, revelando também, pela construção do roteiro, que a pessoa em situação de rua é personagem conhecido no cotidiano da cidade.
Tanto a escolha do protagonista quanto os trechos da fala dos outros entrevistados que citam o morador enquanto uma pessoa querida no município, integram um outro viés da relação entre cidade e população em situação de rua. Nessa direção, relembramos as seguintes narrativas:
O pessoal apelidou ele de Vintém porque ele tá sempre pedindo. A gente tava um dia brincando de mímica e minha prima pediu pra um primo imitar Vintém. Meu primo não conhecia, deitou tentando imitar uma moeda. Só que ela tava falando dele. Então tipo, é uma figura que tá na mente da gente, sabe? […]
O avô conhecia, o pai conhece, o filho conhece, aí começa a rodar essas histórias […] São pessoas que a cidade inteira conhece ou já ouviu história sobre, mas não é todo mundo que sabe as histórias verdadeiras dessas pessoas (Etienne).
As falas dos participantes sobre o convívio junto a Francisco e Vintém, pessoas em situação de rua bastante conhecidas na cidade, parecem, a princípio, se afastar da ideia de invisibilidade citada anteriormente. Filgueiras (2020) defende que visibilidade e invisibilidade social são perspectivas que não se excluem. A coexistência entre os dois fenômenos se justificaria, por exemplo, pelas constantes manifestações de violência direcionadas a populações pobres ao mesmo tempo em que suas demandas parecem ‘invisíveis' aos órgãos responsáveis. Tratando-se da população em situação de rua, a referida autora afirma ainda que a problemática deve ser observada pelo viés de uma hipervisibilidade, graças à constante exposição das pessoas em situação de rua em espaços públicos, políticos e midiáticos.
As narrativas de Etienne evidenciam a simultaneidade entre os fenômenos de visibilidade e invisibilidade, apontando que a existência e condições da população em situação de rua que habita a cidade faz parte dos diálogos cotidianos e compõe a relação entre habitantes e espaços públicos, tornando possível compreender a possibilidade de alguns moradores em situação de rua do município serem reconhecidos enquanto patrimônios ou figuras populares.
Os "conhecidos desconhecidos" da cidade, que aparecem em brincadeiras, desfilam em eventos e são citados como personagens folclóricos, tornam-se anônimos quando se buscam informações pessoais comuns em processos de vinculação social, como histórias de vida e narração de experiências:
Aparece como um "todos conhecem" e ao mesmo tempo um "ninguém conhece". […] conhecimento de uma cidade que vê diariamente, mas não a ponto de se tornar de interesse, não a ponto de se aprofundar, de dialogar […]. Uma invisibilidade que não está lá a princípio, mas que é diariamente produzida (Diário de Bordo).
Os episódios, que podem parecer a princípio uma forma de "valorização da cultura local", perdem o sentido por não serem acompanhados de uma real valorização dessa população enquanto cidadãos de direito. Assim, a participação em datas comemorativas municipais, por exemplo, torna-se apenas uma intervenção especulativa diante da possibilidade de modificações a partir de políticas públicas que legitimem a importância dessa população para a cidade.
Cunda e Silva (2020) defendem que o direito à cidade ultrapassa a ideia de propriedade e direito à moradia e engloba também a liberdade, individualização na socialização e o direito de participação política. Nesse viés, o direito à cidade surge como uma constante demanda de reivindicações estruturais que façam com que o espaço urbano seja produzido coletivamente, através de exigências plurais.
Assim, observando a população em situação de rua enquanto segmento integrante do cotidiano da cidade e, consequentemente, portadora de demandas sobre os espaços públicos, torna-se necessário levar em conta as organizações e trabalhos realizados junto à população em situação de rua do município, ou mesmo as ausências de ações que envolvam toda a sociedade diante dos fenômenos e problemáticas citados.
Realidade e Possibilidades de Cuidado à População em Situação de Rua
Minha família é espírita… e aí a missão do espiritismo é caridade. Minha avó é muito focada em trabalhos com pessoas mais pobres, população em situação de rua. A cidade em si eu não vejo nenhuma forma de atuação (Etienne).
Eu sei que tem uma professora que ajuda. Um morador passa na casa dessa professora e conversa com ela, assim, poucas palavras. Pede um almoço, um jantar, alguma coisa (Rafael).
Esse covid-19 acho que fez aumentar a questão da população de rua da cidade. Sem recursos, a vulnerabilidade social aumentou muito. Acho que a gente não via essa população em situação de rua tão forte quanto a gente vê agora (Rafael).
Sobre as iniciativas direcionadas aos cuidados à população em situação de rua do município, os entrevistados narram sobre doações, iniciativas filantrópicas e outras ações individuais realizadas, sendo também citado o aumento na quantidade de pessoas em situação de rua durante o contexto pandêmico.
Segundo relatório do Conselho Nacional de Saúde (CNS, 2021), a população em situação de rua se modificou em número e perfil a partir da eclosão da pandemia. O aumento na quantidade de pessoas e famílias em situação de rua acompanhou a remoção da moradia de integrantes da classe trabalhadora que não conseguiram arcar com os valores de manutenção da residência e serviços básicos no período pandêmico. As circunstâncias citadas tiveram por consequência o crescimento do risco à essa população, que ficou ainda mais exposta à contaminação por covid-19 devido à impossibilidade de isolamento social e proteção necessária.
Essa exposição de pessoas em situação de rua à problemáticas de saúde nos faz lembrar das seguintes narrativas:
Um senhor, ele vive em situação de rua, e assim… é por motivos de doença, ele não é uma pessoa "equilibrada mentalmente" (Etienne).
Tem um que é usuário de múltiplas substâncias, também morador de rua, vive discutindo, usa droga, álcool, maconha… (Rafael).
Existia um morador de rua que tava até pouco tempo aqui na praça, ele passava o dia ali no centro cultural, nessa situação… bebendo… inclusive, entregue à bebida (Arthur).
Para além da questão econômica agravada durante a pandemia, questões de saúde como uso abusivo de substâncias e alterações psiquiátricas e/ou neurológicas aparecem relacionadas à situação de rua no relato dos entrevistados. Tendo em vista os contextos de vulnerabilidade associados a problemáticas em saúde, se faz importante destacar que as conjunturas citadas apontam para situações em que o acesso à saúde se torna indissociável de uma série de outros direitos violados como: habitação, condições justas de trabalho e alimentação (Amorim, Nobre, Coutinho & Gomes, 2017).
Assim, considerando a importância de intervenções direcionadas à população em situação de rua que estejam atentas à necessidade de percepção conjunta de direitos básicos, em 2009, através do decreto nº 7053, foi instituída a Política Nacional para a População em Situação de Rua (PNPSR). A PNPSR aponta para medidas que pensem a situação de rua como uma questão político-social, atravessada por condições diversas, que tem como consequência comum "pobreza extrema, vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular." (Brasil, 2009, online). Entre os objetivos da Política está a sistematização e disseminação de dados e indicadores socioeconômicos e culturais, pretendendo a cobertura de políticas públicas direcionadas à população em situação de rua.
A partir da PNPSR se tornou possível a realização de intervenções que estejam de acordo com demandas próprias da população em situação de rua em serviços públicos de saúde. No município, é possível citar dois dispositivos públicos que apresentam atribuições específicas à população em situação de rua, sendo eles: o Centro de Referência Especializado em Assistência Social (CREAS) e o Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas III (CAPS AD III).
O CREAS atua em situações de risco pessoal e/ou social, tendo como objetivo o cuidado a pessoas que, de alguma forma, tiveram seus direitos violados. Nesse viés, o serviço realiza ações de proteção social, vinculação familiar e comunitária e incentivo da autonomia e participação social (Brasil, 2011). O CAPS apresenta um trabalho voltado às demandas de saúde mental, entendendo a importância de práticas de cuidado não encarceradas e ofertando acolhimento e escuta àqueles que estão em sofrimento psíquico (Brasil, 2015). Além disso, o CAPS subsidia serviços significativos à população em situação de rua, como a oferta de alimentação e condições básicas de higiene pessoal.
Tanto nas questões associadas a covid-19 quanto em outras problemáticas e lutas da população em situação de rua o Movimento Nacional da População de Rua (MNPR) se mostra à frente das exigências. O Movimento representa, desde a primeira metade dos anos 2000, a organização das lutas de pessoas em situação de rua, tendo comemorado conquistas como a realização de pesquisa de âmbito nacional de contagem da população em situação de rua nos anos 2007 e 2008, o próprio Decreto nº 7053 em 2009 e a ocupação de espaços em Ministérios nos anos 2009 e 2010 (MNPR, 2010).
Nesse viés, é possível visualizar que as associações entre condições econômicas, saúde e lutas políticas demonstram a necessidade de adoção de linhas de cuidado que se contextualizem histórica e socialmente:
Relembrando as narrativas, pensando em possíveis modos da saúde estar na rua, sendo atravessada pelas problemáticas das ruas e utilizando as possibilidades das ruas, parece que sobram questões e faltam alternativas. […] Na prática, me parece que a resposta está no cotidiano […]. Na forma como a população de rua se organiza, no trajeto que faz, nas histórias que se contam. A vulnerabilidade em saúde parece passar pelas "histórias de terror", brincadeiras e falas de "se afasta que lá vem…" e chegar às tantas questões em saúde citadas. […] me encaminho a pensar que se é na rua que essas relações se constroem, é na rua também que devem ser pensadas intervenções em saúde (Diário de Bordo).
Assim, pensando em possibilidades de cuidado que abranjam o cotidiano e o inesperado das ruas, a ação clínica, articulada ao direito à saúde, surge como possibilidade. A ação clínica, segundo Santos e Barreto (2016, p. 59), se mostra como "uma atitude de arriscar-se a desbravar outros contextos e outras intervenções". Um modo de acolhimento, interpretação e ação (Barreto, 2006) em meio a práticas inspiradas em um modelo de saúde que muitas vezes não acompanha as reais demandas dos usuários e familiares.
A ação clínica no viver cotidiano (Santos, 2016) aparece como práxis que se constrói num fazer conjunto, na medida em que acompanha a singularidade de pessoas e a pluralidade dos grupos a partir do modo como estes experienciam o cotidiano e problemáticas singulares. É possível observar, pelo viés da ação clínica no viver cotidiano, a possibilidade de usuários dos serviços de saúde se apropriarem do fato de que são coparticipantes dos processos de cuidado. O incentivo à autonomia, enquanto princípio central para a compreensão das intervenções junto a usuários, é visto, nesse contexto, também como ampliação do acesso ao conhecimento sobre os mecanismos e processos históricos, políticos e culturais que interferem nas condições de saúde.
Assim, pensando a ação clínica articulada ao direito à saúde no cotidiano das ruas da cidade, torna-se possível refletir que intervenções em saúde que incitem a produção de cuidado da população em situação de rua devam estar alinhadas às próprias demandas dessa população. Nesse sentido, o MNPR se mostra como importante movimento, com lutas e exigências que visualizem o acesso à direitos básicos como principal fator de bem-estar à população que se encontra em situação de rua. A partir disso, levando em consideração as singularidades do município, faz-se importante destacar a necessidade de ações em saúde que considerem as particularidades de uma população de rua que se relaciona com a cidade em um contexto perpassado por diferentes modos de violência.
Considerações Finais: (Des)fecho da Caminhada
A população em situação de rua é um grupo atravessado pela violação de direitos e condições de vulnerabilidade sob as quais muitas vezes se encontra. Através das narrativas que falam das relações estabelecidas entre a cidade e a população em situação de rua, foram revelados fenômenos como: uso da imagem dos moradores enquanto algo assustador para crianças, violências verbais e físicas e compartilhamento de informações questionáveis ou infundadas sobre atos de violência praticados por moradores em situação de rua específicos.
Os fenômenos suscitados revelam um modo de organização da cidade diante das pessoas em situação de rua que expõe seu fácil reconhecimento nos espaços públicos, ao mesmo tempo em que são socialmente invisibilizadas. A visibilidade simultânea à invisibilidade demonstra que as ruas são espaços de constante produção de sentidos, sendo a população em situação de rua aquela que, com o corpo, tatua cotidianamente os bairros, praças e lugares da cidade através de suas singularidades.
O presente artigo compreende as singularidades das relações com a população em situação de rua do município e propõe que a perspectiva sobre a temática acompanhe um olhar ampliado sobre as narrativas, que considere as condições que circundam a situação de rua e visualize a problemática, atentando-se às violações de direitos que resultam em distintas formas de violência. Ressalta-se, nesse caminho, a ação clínica no viver cotidiano, em interface com o direito à saúde, como possibilidade de intervenção no contexto citado, acompanhando os sofrimentos gerados por situações de vulnerabilidade e compreendendo que a concepção de saúde e de ação clínica devem estar unidas às reivindicações de ordem social, política e existencial.
Também, faz-se importante destacar que as violações de direitos e os obstáculos em relação ao acesso às políticas públicas pela população em situação de rua foram visualizados, inclusive, nas dificuldades de mapeamento e de encontro de dados sobre o contexto atual desse grupo, nos âmbitos da saúde e da assistência social, durante o processo de pesquisa no município. A ausência de informações atualizadas tornou difícil a articulação com as devidas instituições para a abrangência dos relatos da população em situação de rua sobre as relações sociais da cidade. Observamos esse traço como uma limitação do estudo, sendo possível a ampliação da temática a partir das narrativas das pessoas em situação de rua em pesquisas posteriores.
A realização de pesquisas sobre a população em situação de rua, considerando os aspectos históricos e culturais do município, bem como as singularidades e lutas daqueles que estão em situação de rua, contribui para a produção de conhecimento sobre as relações estabelecidas nos espaços urbanos, motivando debates que podem auxiliar na compreensão sobre a organização social do município de Limoeiro, no interior de Pernambuco.
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Endereço para correspondência
Maria Letícia Pereira da Silva - leticiapereirapsico@gmail.com
Recebido em: 13/03/2023
Aceito em: 19/12/2024
Notas
1 http://www.scielo.br/
2 http://pepsic.bvsalud.org/
3 http://bdtd.ibict.br/
4 Pirauíra: bairro da cidade Limoeiro-PE.
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