Estudos e Pesquisas em Psicologia
2022, Vol. 03. doi:10.12957/epp.2022.69559
ISSN 1808-4281 (online version)

 

PSICOLOGIA SOCIAL

 

Entre Desafios e Afetações: Experiência em Tutoria da Psicologia na Residência Multiprofissional durante a Covid-19

 

Catheline Rubim Brandolt*; Franciéli Cavalheiro Viero**; Dorian Mônica Arpini***
Universidade Federal de Santa Maria - UFSM, Rio Grande do Sul, RS, Brasil
Endereço para correspondência

 

RESUMO

Este relato de experiência objetiva compartilhar a vivência de tutoria do núcleo de psicologia na ênfase da Atenção Básica/Estratégia Saúde da Família em seu processo de reinvenção durante a pandemia de Covid-19. Considerando o contexto vigente, fez-se necessário repensar o espaço da tutoria de maneira a dar continuidade às atividades pedagógicas, mesmo numa situação que exigia que elas fossem realizadas de modo remoto. Diante desse imperativo, foi preciso reorganizar nossa modalidade de trabalho, transpondo os encontros presenciais para o modo virtual, fazendo destes momentos de aprendizagens e trocas significativas das vivências atravessadas pela situação da pandemia. O caminho construído pelas residentes na circunstância da pandemia exigiu mudanças nas práticas da psicologia e nos processos de inserção e de trabalho no território. Entretanto, o maior desafio foi não se deixar paralisar. Assim, ancoradas em uma perspectiva da psicologia sócio-histórica, construímos uma prática pautada nos afetos, na ética e na ação coletiva. Assumindo o compromisso e o comprometimento com uma psicologia capaz de se reinventar, sendo criativa, inventiva e propositiva.

Palavras-chave: atenção primária à saúde, tutoria, psicologia.


 

Amidst Challenges and Affections: The Experience of Tutoring Psychologists in Multiprofessional Residencies during Covid-19 pandemic

 

ABSTRACT

This experience report aims to share a tutoring experience in the area of psychology with emphasis in Primary Healthcare/Estratégia de Saúde da Família (Brazilian Public Primary Healthcare Program) in its process of reinvention during the Covid-19 pandemic. Considering the current context, it was necessary to reevaluate the field of tutoring in order to keep with the pedagogical activities, even facing a situation that requires it to be conducted remotely. Therefore, we reorganized our work mode by transferring our present meetings to virtual ones, making these moments full of learning and significant exchanges of experiences crossed by the pandemic. The path built by the residents in this pandemic demanded changes on their practices in psychology and in the process of insertion and working in communities. However, the greatest challenge was to not paralyse. Thus, anchored on a social-historical psychology perspective, we built practices based on affections, ethics and collective actions. Committed and compromised with a psychology able to reinvent itself, being creative, inventive and propositive.

Keywords: primary healthcare, tutoring, psychology.


 

Entre Desafíos y Afectaciones: Experiencia en Tutoría de la Psicología en Residencia Multiprofesional durante el Covid-19

 

RESUMEN

Este informe de experiencia busca compartir la vivencia de la tutoría en psicología con énfasis en la Atención Primaria/EstratégiaSaúde da Família (Programa Brasileño Público de Atención Primaria de Salud) en un proceso de reinvención durante la pandemia del Covid-19. Teniendo en cuenta el contexto actual es necesario reflexionar acerca del espacio de la tutoría para mantener las actividades pedagógicas, aunque sea frente a una situación que necesite del trabajo remoto. Frente a eso, se reorganizó nuestro modo de trabajo, transponiendo los encuentros presenciales para los virtuales, haciendo de estos momentos de aprendizaje y cambios significativos de vivencias cruzadas por la pandemia. El camino construido por las residentes en ese momento exigió cambios en las prácticas de la psicología y en los procesos de inserción y trabajo en la comunidad. Sin embargo, el mayor desafío fue no permitir paralizarse. Así, ancladas en una perspectiva de la psicología socio-histórica, construimos una práctica basada en afectos, ética y acción colectiva. comprometidas con una psicología capaz de reinventarse, creativa, ingeniosa y propositivamente.

Palabras clave: atención primaria de salud, tutoría, psicología.


 

 

Inicialmente, as questões que mobilizaram a escrita deste relato de experiência, foram desencadeadas nos momentos iniciais da situação de pandemia causada pelo novo coronavírus. As primeiras inquietações e (des)acomodações estavam permeadas pelos seguintes questionamentos: como não paralisar, enquanto tudo parava? Como agir quando os parâmetros tradicionais de atuação não respondiam ao contexto atual? Que papel caberia à tutoria de núcleo nesse processo? Como mantê-la viva e ativa no cenário de incertezas vivenciado?

Tais questões se fizeram relevantes, uma vez que as ações da Residência Multiprofissional (RM) não teriam suas atividades práticas paralisadas, mas sim, repensadas e reorganizadas, a partir das orientações de isolamento e distanciamento social, visando a segurança diante do risco representado pela Covid-19. Sendo assim, compreendemos que manter o suporte teórico/reflexivo, que caracteriza o processo de tutoria de núcleo, era necessário, uma vez que demandas e ações não pensadas e/ou realizadas anteriormente certamente chegariam aos serviços de saúde.

Aliás, sendo a Atenção Básica (AB) ou, mais especificamente, a Estratégia Saúde da Família (ESF), considerada a porta de entrada no Sistema Único de Saúde (SUS) (Ministério da Saúde Portaria 2.436, 2017), tornou-se necessário possibilitar espaços para que as residentes que se encontravam inseridas nesses serviços pudessem (re)pensar estratégias de cuidado nesse contexto imposto pela Covid-19. Importante pontuar que estudos e pesquisas sobre as implicações na saúde mental em decorrência da pandemia ainda eram escassos no período em que este relato foi construído, assim como práticas psicológicas alinhadas aos desafios do momento, também ainda não se encontravam presentes (Schmidt et al., 2020).

De fato, o trabalho na AB, por si só, já representa um desafio, pois requer uma abertura para ressignificar a atuação neste contexto, uma vez que prevê uma ruptura em relação aos modelos tradicionalmente construídos, propiciando o desenvolvimento de práticas assistenciais que "transpõem espaços institucionais" e que transitam no território, sendo esse também entendido como espaço terapêutico (Alexandre & Romagnoli, 2017). Por isto, reafirma-se a importância da RM como potência para a formação profissional e práticas transformadoras em psicologia (Sawaia, 2009).

 A pandemia traçou uma linha divisória a partir da qual foi necessário construir novos modos de fazer, de se relacionar e de viver o cotidiano. O distanciamento social foi duramente imposto, mesmo para aqueles que estavam inseridos nos territórios da AB em saúde. Assim, partindo de uma perspectiva da psicologia social, mais especificamente da psicologia social sócio-histórica, fundamentamos nosso relato. Tal perspectiva entende que as experiências estão entrelaçadas ao contexto social no qual se encontram inseridas (Sawaia, 2009; 2018).Ou seja, são constituídas nas e pelas relações e tendem a ser mais potentes quanto mais conexões estabelecermos, fortalecendo assim nossa capacidade de ação (Vigotski, 2007).

Para Sawaia (2009;2018), a partir das relações que estabelecemos, construímos os sentidos e os significados das ações. Assim, a questão que se impôs naquele momento esteve atrelada ao compromisso ético-político na atuação profissional (Sawaia, 1999). Ou seja, ter um posicionamento político frente à situação e seus dilemas e dimensionar o quanto esta afetaria aqueles que já se encontravam em situação de vulnerabilidade e risco, resultado da desigualdade social que marca de forma crucial a realidade brasileira (Sawaia, 1999; 2009), foi certamente um aspecto relevante a ser considerado. A pandemia se coloca então, como um momento de refletir sobre o cotidiano, agir na superação das adversidades, do medo e das incertezas, com o compromisso de dar uma resposta, ou seja, fazer-se presente, ainda que sem a presença física, ancorando e sendo suporte para as residentes que estariam na linha de frente, no olho do furacão.

Aqui, tomamos as palavras de Dobles e Arroyo (2020), a fim de elucidar nosso entendimento:

Pero también, en este mundo de la desvinculación, es posible que se ponemos mucha atención encontremos otras formas de relación. Destellos de efectividad potencializadora que traspasan los teclados, que se miran a los ojos y as veces encuentran complicidades. (p. 145)

Estas talvez sejam as palavras que melhor expressam o nosso desafio de buscar, através de outras estratégias, sustentar a potencialidade a que se propõe a RM, mantendo a esperança de um agir transformador (Sawaia, 2009;2018) a partir dos encontros de tutoria de núcleo.

Uma Breve Apresentação do que Constitui a Residência Multiprofissional

A fim de contextualizar a proposta das Residências Multiprofissionais (RM), optamos por retratar um pouco do desenho a que elas se propõem. A RM apresenta-se como uma modalidade de pós-graduação latu sensu, regulamentada no ano de 2005 pelo Ministério da Saúde em parceria com o Ministério da Educação. Tem como proposta pedagógica capacitar profissionais para o exercício de práticas ancoradas nos preceitos do Sistema Único de Saúde (SUS), visando à integralidade, interdisciplinaridade e trabalho em equipe (Meneses et al., 2018).

Caracteriza-se por ser uma formação ensino-serviço, com duração mínima de dois anos, em regime de dedicação exclusiva, tendo carga horária semanal de 60 horas (Ministério da Educação Res. 2, 2012; Ministério da Educação Res. 5, 2014). Aliada a proposta de reorientar o modelo de formação, a RM objetiva que o residente possa desenvolver um novo perfil profissional, capaz de analisar criticamente o cotidiano do trabalho em saúde, bem como suas práticas, sendo capazes de atuar de maneira colaborativa, ressignificando as práticas do cuidado em saúde comprometido com o trabalho no SUS (Meneses et al., 2018).

Nos programas de residência multiprofissional que desenvolvem trabalhos na AB, geralmente psicólogas(os) recém-formadas(os) experienciam uma grande angústia ao se deparar com o trabalho em rede em que tem dificuldade de entender o lugar da Psicologia: "Para que serve o que eu faço, qual a minha função?". Essa angústia vai dando lugar a um sentido na construção do olhar psicológico no contato com a equipe, promovendo processos de desnaturalização e contribuição na direção da Psicologia, com a definição no fazer do trabalho (Conselho Federal de Psicologia, 2019, p. 45).

Nos programas de residência estão previstas duas modalidades de tutoria: tutoria de campo e tutoria de núcleo, sendo que esta última está direcionada às orientações teórico-práticas de núcleo profissional, enquanto a tutoria de campo se refere às orientações no âmbito do campo de conhecimento, de maneira a integrar e articular as diferentes profissões de cada programa (Ministério da Educação Res. n. 2, 2012). Consoante a isto, mostra-se fundamental a definição dos conceitos de campo e núcleo no que tange às práticas sustentadas por um viés institucional. De acordo com Campos (2000), o conceito de núcleo estaria relacionado à identidade profissional, ou seja, ações e práticas que marcam um determinado saber. Já o de campo, refere-se ao espaço de prática sustentado pela perspectiva interdisciplinar. Ainda conforme o autor, as fronteiras entre núcleo e campo não são nítidas, uma vez que ambos são "mutantes e se interinfluenciam" (Campos, 2000).

A seguir, trazemos uma breve descrição do Programa de Residência Multiprofissional da Universidade Federal de Santa Mariano, onde a experiência aqui relatada teve lócus. A Residência Multiprofissional Integrada (RMI) em Sistema Público de Saúde iniciou suas atividades no ano de 2009 e, desde então, vem aprimorando seu currículo pedagógico e o processo formativo dos residentes, a fim de formar profissionais para uma atuação em sintonia com as necessidades e pressupostos do SUS. O Programa abrange três áreas de concentração, Gestão e Atenção Hospitalar no Sistema Público de Saúde, Saúde Mental no Sistema Público de Saúde, e Gestão e Atenção de Sistema Público de Saúde, sendo que esta última envolve a ênfase em Atenção Básica em Saúde da Família, área na qual o presente relato de experiência se construiu. As atividades do programa estão divididas em práticas e teórico-práticas. Por se tratar de uma formação em serviço, momentos de discussão, reflexão e problematização do trabalho em saúde se fazem essenciais a fim de promover a transformação na prática.

A partir desta contextualização, que objetivou compartilhar o cenário onde este relato se insere, voltamos ao ponto de partida inicial de nossas inquietações. Eis a questão: como enfrentar o furacão desencadeado pela situação de pandemia? Assim, referenciados pela perspectiva sócio-histórica de Vigotski (1989, 2007), optamos por uma saída a partir da construção de bons encontros, que pudessem ser capazes de pensar num agir coletivo, criativo e imaginativo que nos permitisse não ficar paralisadas pelo medo, pelo não saber e pelas imensas incertezas. Assim, fomos avançando, tentando compreender como acolher as demandas, oferecer suporte, e manter a potência de agir, buscando formas de interagir.

Segundo Espinosa (1980), os afetos são da ordem do encontro. O afeto é, para o autor, a base da ética e da política, sendo que, a partir da afetividade, podemos ser criativos, mobilizar transformações e enfrentar o sofrimento, vencendo o medo que se constitui num sentimento que pode ser paralisante. Assim, o objetivo deste relato de experiência foi pensar a tutoria de núcleo de psicologia na ênfase da Atenção Básica/Estratégia Saúde da Família em seu processo de reinvenção durante os primeiros meses da pandemia de Covid-19.

 

Metodologia

Este trabalho apresenta um relato de experiência sobre a construção do espaço da tutoria de núcleo de psicologia nos momentos iniciais da pandemia de Covid-19, no qual todas as atividades presenciais foram submetidas ao regime remoto de trabalho. Salienta-se que na estrutura dos programas de Residência Multiprofissional (RM), considera-se a tutoria como uma estratégia educacional teórica (Ministério da Educação Res. 5, 2014), tendo seus encontros coordenados por um docente vinculado à universidade de referência da RM, com o enfoque de auxiliar no processo de aprendizagem das(os) residentes, oferecendo momentos de fundamentação teórica, reflexão e problematização, para que possam desenvolver melhor suas atividades nos campos de atuação (Cezar et al., 2015).

A fim de compartilhar os nossos desafios e como se deu o processo de transição e adaptação dos encontros de tutoria de núcleo da psicologia no atual modelo de distanciamento social, acreditamos ser plausível contextualizar como estes organizavam-se em tempos anteriores à pandemia.

A tutoria acontecia semanalmente, de forma presencial e nas dependências de um prédio da Universidade Federal de Santa Maria, com duração de cerca de 2 horas e participação das residentes de psicologia, da tutora - docente do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-graduação da instituição, e de duas cotutoras, (mestranda e doutoranda que já foram residentes anteriormente) vinculadas ao respectivo programa de Pós-graduação.

Assim, a proposta dos encontros objetivava prioritariamente o estudo do suporte teórico (baseados na leitura e discussão de temas pertinentes ao fazer das residentes), para dar sentido às práticas e à discussão de casos, buscando aliar os aportes teóricos à discussão e dando fundamentação e consistência às ações desenvolvidas pelas residentes. Cada encontro era construído em três momentos, sendo um momento inicial que permitia uma abertura para um acolhimento e escuta das residentes. Num segundo momento, eram relatados os acontecimentos da semana, compartilhando práticas e situações vivenciadas (positivas e/ou problemáticas). Por fim, um terceiro momento mais direcionado à perspectiva teórica-pedagógica com discussão de textos, artigos científicos vinculando-se a aspectos da prática profissional nos respectivos campos de atuação.

Além disso, uma vez por mês vinha sendo realizado um momento integrado entre tutoria e preceptoria de núcleo. Brandolt e Cezar (2018) relatam que tal integração foi uma conquista na trajetória da psicologia neste Programa de Residência, o qual tem contribuído para a qualificação do processo de trocas entre o núcleo. Tal participação foi possível por conta da presença de uma psicóloga concursada no município, atuante no Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica (NASF-AB).

Porém, diante da situação desencadeada pela pandemia, e decorrente das orientações publicadas pela reitoria da instituição a qual esta residência se encontra vinculada (https://www.ufsm.br/2020/03/16/ufsm-suspende-atividades-academicas-e-administrativas-presenciais-a-partir-do-dia-16-de-marco/), esse espaço, tal como se apresentava (assim como as demais atividades da universidade), precisara ser repensado. Diante disso, partindo da compreensão de que a tutoria, além de uma atividade pedagógica, também é um lugar de proximidade e trocas com as residentes, fez-se necessário reorganizar a continuidade do trabalho. Para isso, acredita-se ter lançado mão de algumas características presentes no próprio cotidiano das políticas públicas, como resiliência, flexibilidade e criatividade.

Desenvolvimento

Talvez o desafio central que se colocou para a tutoria de núcleo, diante da situação desencadeada pela pandemia da Covid-19, tenha sido evitar o distanciamento e a perda do vínculo. Para isso, foi preciso construir novos caminhos, uma vez que uma parada poderia levar a um distanciamento que certamente teria efeitos nas práticas desenvolvidas, na ansiedade e nos medos que a situação desencadeou. Sentimentos provocados pelas incertezas frente ao desconhecido e pela necessidade de rever as práticas psicológicas nesse contexto (Schmidt et al., 2020).

Assim sendo, impôs-se a necessidade de nos reinventarmos, repensando o modo como vinha sendo desenvolvida a tutoria de núcleo. Era preciso construir algo novo, pois a pandemia, como apontamos anteriormente, nos trazia para uma situação nunca antes vivenciada e, para a qual estratégias anteriormente utilizadas se apresentavam incabíveis. Foi preciso imaginar, ampliar a nossa experiência, dando lugar à criatividade. Aliás, permitir que os imperativos do real pudessem ser reinventados pela ação criativa, talvez tenha sido o nosso maior desafio. Isso nos provocou lançar mão de processos criativos incertos, mas com a esperança de que poderíamos vencer os obstáculos (Schmidt et al., 2020). Nesse sentido, compreendendo a importância dos afetos e, ao mesmo tempo, a aceitação de que estávamos todas (residentes e tutoras) sendo afetadas pela situação, dar atenção às relações interpessoais e às vivências era premente para manter nossa potência de agir. Reafirmamos aqui a importância das concepções dos autores que atravessam nosso relato como os estudos sobre a origem e a natureza dos afetos de Espinosa (1980) e o compromisso de um agir profissional ético-político, tal como proposto por Sawaia (1999).

Assim, partindo da concepção de uma psicologia que busca a transformação social (Sawaia, 2009), entendemos que não era hora de recuar e assim não podíamos prescindir dos encontros. Aliás, o cenário inicial, caracterizado pelo processo de transição do presencial para o virtual, foi permeado por certa ambivalência e desacomodação, pois nos convocou a sairmos de um campo seguro (conhecido) para desbravar um novo formato de trabalho. Para os encontros de tutoria de núcleo, tal situação emergiu do fato de que não havia nenhum modelo ou guia padrão a seguir, o que permitiu que essa experiência pudesse ser (re)construída a partir de novos modos de fazer. Sem perder de vista a construção do grupo, na medida em que entendemos que nos coletivos a força para agir politicamente aumenta (Sawaia, 2009; 2018). Ainda de acordo com Sawaia (2018), as emoções não são neutras e não pertencem exclusivamente à ordem individual e subjetiva, estando a ética presente nos afetos e na imaginação, sendo esse o nosso eixo condutor neste novo formato de trabalho.

Assim, podemos assumir que esta psicologia, comprometida ética e politicamente com a realidade, foi nossa âncora principal na reestruturação do trabalho, para pensar o processo que se desenvolveu do presencial ao virtual, de sair do lugar (agir) e colocar em cena algo real, inaugurando um novo modo de fazer e aprender. Obviamente, foi necessário criar instrumentos para mediar nossa ação, o meio virtual.

Primeiramente, o desafio foi pensar por onde nos conectar. Após algumas ponderações, optamos por uma plataforma digital (Skype) para realizar os encontros a partir de videochamadas. Eis outro grande desafio: ter enquanto interlocutor a tela de um computador. Retomamos aqui as contribuições de Dobles e Arroyo (2020), os quais nos instigam a buscar outras formas de nos conectarmos, brechas através das quais pudéssemos encontrar cumplicidade em nossos encontros. Outro elemento a ser descrito, que também intensificou a situação, foi o fato de que a maioria das residentes estavam iniciando seu percurso na residência e tínhamos tido poucos encontros presenciais para estabelecer uma aproximação que pudesse sustentar essa transposição para o modelo remoto. Salienta-se ainda, que o grupo era composto por quatro residentes que estavam no segundo ano da residência (R2), e três residentes que estavam no primeiro ano da residência (R1). Assim, participaram deste grupo sete psicólogas residentes.

Embora o grupo tivesse R2, algumas residentes estavam se inserindo nesse ano na tutoria de núcleo, em função da troca de campo de atuação, da Saúde Mental para a Atenção Básica (AB). Cabe destacar que, embora tenha uma particularidade em cada Programa de Residência com suas respectivas ênfases, a atuação estava voltada para o cuidado em saúde mental.

Conforme Faro et al. (2020), com o cenário da pandemia, questões envolvendo a saúde mental da população mostraram-se prioritárias no que se refere às ações de saúde pública. Desta forma, os investimentos em saúde mental deveriam ser tão importantes quanto os cuidados com a saúde de um modo geral. Isto porque, se por um lado o distanciamento social tem se mostrado o melhor método de controle da doença, por outro este também tem implicado na saúde mental das pessoas, além de todas as outras dimensões que esta "crise social" provoca no cotidiano da população. Retomando Vigotski (1989; 2007) e Sawaia (2009; 2018), os quais apontam que a potência se encontra nas relações e nas trocas estabelecidas, pôde-se pressupor que o isolamento certamente provocaria sentimentos que poderiam ser paralisantes, produzindo fragilidades, inibindo as trocas relacionais e afetivas.

Diante disso, percebeu-se o aumento de situações envolvendo questões de saúde mental, assim, dado o seu impacto, mostrou-se essencial o desenvolvimento de estratégias com vistas à promoção da saúde mental nos territórios a partir de outras formas de cuidado. Neste sentido, a aproximação dos profissionais das Estratégias Saúde da Família (ESFs) com a população neste momento foi fundamental, considerando que muitos serviços de saúde estavam distantes ou com o acesso limitado e outros se encontravam fechados, entre eles, a escola (considerada como uma rede de proteção, especialmente para o público infantil e adolescente). Portanto, ofertar e expandir os espaços de cuidado à população frente às ações em saúde pelas residentes no momento inicial da pandemia, mostrava-se crucial para se produzir um cuidado ampliado.

Aliás, as(os) profissionais de saúde também vivenciavam tais experiências nos serviços de saúde, o que tornava urgente o planejamento e o investimento de ações com vistas à promoção da saúde mental. Cabe elucidar ainda que a psicologia vem sendo cada vez mais convocada a ocupar estes espaços, a fim de promover cuidados psicológicos, necessitando para isto que os psicólogas(os), estejam capacitados e amparados para auxiliar nos diversos níveis de atenção à saúde (Faro et al., 2020).

Diante deste cenário, a proposta inicial, enquanto tutoria de núcleo, direcionou-se mais para acolher a demanda inicial, buscando novas formas de estabelecer o vínculo com as residentes, lançando mão do espaço virtual para construir um espaço confiável, seguro, ético e comprometido. Aliás, essa transição provocou um repensar sobre o papel desempenhado pela tutoria. Ceccim et. al. (2018) apontam que a separação entre o papel do tutor e preceptor tende a ser muito mais de um caráter burocrático e formal, pois, na ação, ambos acabam por oscilar em suas funções. Essa foi também a nossa percepção nesse momento, porque, diante do novo contexto que se instalava, foi necessário abrir espaços para o compartilhamento das ansiedades vivenciadas pelo novo normal que se impôs, entendendo que estávamos todas afetadas pela situação e se fazia necessário dar um lugar para essas vivências, transpondo sentimentos como medo, tristeza, desesperança, inerentes ao contexto. Espinosa (1980) nos diz que: "se a alma humana não fosse apta para pensar, o corpo seria inerte" (p.127). Para o autor, a tristeza diminui ou reprime a potência para agir, ou seja, reduz a capacidade que temos para perseverar. Assim, abrir um espaço para acolher tais emoções foi uma das estratégias adotadas pela tutoria.

Dito isto, somando-se a esses desafios para a prática da psicologia nesse âmbito, as residentes vivenciaram um momento novo, o qual também repercutiu para os demais profissionais das equipes, acabando por refletir no cotidiano e nos processos de trabalho. Neste sentido, no grupo de tutoria foram pensadas e compartilhadas propostas direcionadas para um cuidado aos profissionais das ESFs, uma vez que relatos envolvendo medo e insegurança sobre o agir durante a pandemia refletiram nas relações interpessoais das equipes. Desta maneira, foram promovidos espaços de saúde do trabalhador em cada unidade, respeitando as particularidades de cada uma. Para isso, organizaram-se momentos de conversas entre os trabalhadores, buscando mapear sentimentos e tensões vivenciadas no grupo de trabalho. Tal proposta almejava criar um ambiente de empatia, acolhimento e de valorização/reconhecimento sobre o que estavam conseguindo realizar naquele momento. Somando-se a esse processo, as residentes também fomentaram espaços para aproximação e integração entre os profissionais, recorrendo a atividades mais leves (como: oficinas, filmes, jogos), ou atividades propiciadas por outros profissionais das equipes, como técnicas de relaxamento, auriculoterapia, reiki, entre outras.

A partir disso, percebeu-se que a tutoria de núcleo se constituiu como um espaço de fortalecimento enquanto núcleo profissional para as residentes, diante dos movimentos de sustentação do trabalho em equipe, do diálogo com o suporte teórico que nos auxiliou a melhor entender o fenômeno, bem como no que se refere às possibilidades e aos limites do fazer cotidiano. Aliás, ressalta-se que nos encontros de tutoria procurou-se sempre enfatizar o caminho percorrido pelas residentes, dando ênfase às iniciativas propostas que, ao serem compartilhadas no grupo, eram fortalecidas, consolidando práticas agregadoras junto às equipes e à comunidade.

A propósito, é notória a importância da AB no que tange a contribuir para o enfrentamento da doença na população adscrita por meio de atividades desenvolvidas no território (Medina et al., 2020). Aliás, o mapeamento dos dispositivos territoriais para auxiliar na divulgação de informações sobre a doença, formas de contágio e sintomas foi um aspecto compartilhado pelas residentes durante as tutorias de núcleo. Assim, atividades como: percorrer as ruas do território com o auxílio de um "carro de som" disponibilizado pela prefeitura da cidade, acessar rádios comunitárias, construir folders com informações sobre a saúde mental e acionar os serviços municipais da rede disponíveis foram alguns exemplos nesse processo. Desta forma, os relatos dessa experiência vêm ao encontro do trabalho de Daumas et al. (2020) ao reforçar a importância da atenção primária quando esta assume não somente ações de caráter preventivo, mas também de cunho social, ao propor estratégias na tentativa de amenizar os efeitos desencadeados pela pandemia. A partir disso, as equipes de Saúde da Família podem utilizar-se de dispositivos comunitários de comunicação (mídias sociais e rádios comunitárias) como forma de repassar informações sobre a doença e os serviços que dispõem do teleatendimento.

Enquanto tutoras de núcleo, notamos que, apesar da necessidade de reconhecer aquele território, bem como a equipe de trabalho, em nenhum momento sentimos que as residentes paralisaram. Ao contrário, identificamos uma postura mais ativa e inventiva por parte delas, uma vez que esboçaram, de forma criativa, diferentes estratégias para manter cuidados em saúde mental diante dos desdobramentos ocasionados tanto na equipe profissional quanto nos territórios. Com isso, a maioria das experiências relatadas no grupo de tutoria, concentraram-se em ações extramuros das unidades, lançando mão de recursos terapêuticos como a escrita, a pintura e a música, como forma de compreender o sofrimento, a dor e os conflitos familiares ou intersubjetivos que a população demandava. Também foram desenvolvidas ações por meio de vídeos ou outros recursos disponibilizados nas redes sociais. Como, por exemplo, grupos com adolescentes através do WhatsApp e orientações e informações inseridas diretamente na página do Facebook do próprio serviço.

Logo, ao longo dos encontros de tutoria, a proatividade e a criatividade conduziram o processo de ressignificação das práticas, sem perder de vista a identidade profissional, mas permitindo-se vivenciar novas "experimentações" em seu fazer profissional, principalmente pelo viés da clínica ampliada. Somando-se a tais aspectos, viu-se ainda a acentuação das desigualdades sociais e econômicas e, em diversos momentos, as residentes buscaram articular e mobilizar ações com outras instâncias da rede intersetorial do município. Como, por exemplo: encaminhamentos para serviços especializados em saúde mental, interconsultas em ambiente aberto, matriciamento e reuniões de rede online com o intuito de discutir e traçar intervenções compartilhadas e pactuadas, solicitação de cadastro no Bolsa Família e demais auxílios eventuais ou permanentes, entre outros. Com isto, construiu-se um movimento importante de alianças e estratégias de cuidado. Como aponta Sundfeld (2010), a clínica ampliada é um recurso potente, ao propiciar a articulação entre os diferentes saberes no que tange os processos de saúde-doença, além de considerar a singularidade de cada usuário, bem como sua participação ativa na construção das propostas terapêuticas.

Acredita-se que as tutorias de núcleo tenham conseguido manter a escuta ativa e afetiva, que certamente se colocou como extremamente significativa num contexto desconcertante, onde as incertezas passaram a fazer parte do cotidiano. Conseguimos não aceitar essa situação com passividade, assujeitando-nos, ainda que as dificuldades fossem assustadoras. Nesse ensejo, partindo das referências de Vigostski (1989; 2007), que toma o afeto como a base da subjetividade, o subtexto de nossas ações e emoções. Assim, pela afetividade, pela imaginação e pelo desejo, podemos vencer o medo, com esperança.

Nesta redescoberta de novas formas de se fazer e pensar em psicologia, emergiram alguns desafios e também movimentos na busca da produção de saúde a partir da reinvenção das práticas assistenciais. Conforme Medina et al. (2020), o atendimento na modalidade online tem sido requisitado por diversos serviços de saúde, considerando que este recurso, quando bem desenvolvido e respaldado em protocolos, favorece a gestão do cuidado e a sua continuidade. Além disso, esse tipo de atendimento mostrou-se propício frente ao contexto da pandemia, reduzindo os efeitos psicossociais que o distanciamento social provoca. No entanto, embora tal modelo de atendimento esteja amparado legalmente em resoluções do Conselho Federal de Psicologia (CFP), segundo o documento produzido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) intitulado "Recomendações aos psicólogos para atendimento online" (2020), essa modalidade de atendimento requer alguns cuidados, dentre os quais a garantia da segurança das informações prestadas durante o atendimento, necessidade de um espaço que permita a privacidade e o sigilo, adaptação de técnicas de intervenção para a tecnologia da informação e comunicação, bem como uma boa conectividade com a rede de internet e telefonia, dentre outras orientações.

Vale ressaltar que, para prosseguir com tal modalidade de atendimento, foi necessário reconhecer as particularidades da população acompanhada pelas ESFs, uma vez que o acesso a recursos mediados pela tecnologia da informação e comunicação nem sempre se encontram disponíveis e facilitados para os usuários destes territórios. Para estas situações, outras alternativas foram sendo repensadas a fim de tentar suprir tais demandas, proporcionando um cuidado mais próximo e contínuo. Ao partilharem coletivamente suas ideias durante as tutorias de núcleo, as residentes encontraram diferentes meios para responder à situação. Em alguns casos, foram possíveis videochamadas, em outros, ligações telefônicas foram mais utilizadas. Contudo, para aquelas situações nas quais as famílias não tinham nem mesmo telefone, as visitas domiciliares sem entrar na moradia dos usuários e mantendo todos os cuidados de biossegurança, tais como o distanciamento social, a permanência em ambiente aberto e o uso de equipamentos de proteção individual, foram alternativas encontradas para manter o vínculo e o cuidado, principalmente nas situações envolvendo a saúde mental.

Desta forma, através de uma atuação sensível e ética frente às demandas expostas pelas famílias, pôde-se alcançar efeitos positivos, visto que, mesmo que as intervenções ocorressem em ambientes abertos, procurou-se estar comprometido de forma ética com as informações prestadas pelas famílias, atentando também para as múltiplas vulnerabilidades que se apresentavam. Em outros momentos, também se fez oportuno a abertura de espaços para acolhimento a essas famílias no ambiente da ESF, propiciando e intensificando o cuidado longitudinal, a corresponsabilização e a criação de vínculos entre profissionais e usuários.

Aliás, "A perspectiva de construção coletiva da abordagem da psicologia e em sintonia com as pessoas atendidas é fundamental para que possamos ser mais efetivos na prevenção e promoção à saúde" (CFP, 2019, p.36). Neste sentido, mostrou-se relevante esta abertura para uma "clínica de experimentações", com a finalidade de ampliar, construir e potencializar suas práticas consoantes às necessidades da população e às características do território. Assim, o espaço da tutoria de núcleo revelou-se importante ao proporcionar reflexões e trocas de aprendizado acerca deste fazer em saúde, considerando os aspectos éticos e técnicos da profissão.

Apesar dos diversos atravessamentos durante esses meses de pandemia, conseguimos visualizar algumas potencialidades, como resultado dos encontros de tutoria de núcleo. Talvez o primeiro e um dos mais importantes correspondeu a permanência desse espaço de encontro ativo na rotina semanal das residentes. Ao se optar por essa continuidade, além de ressignificar a forma de fazer essa atividade, outra estratégia anteriormente utilizada, como o grupo do WhatsApp (que integra residentes, preceptora e tutoras de núcleo), foi intensificado, sendo utilizado de forma mais ativa numa perspectiva de apoio, sugestão e compartilhamento de estratégias ou textos, cursos e videoconferências.

Somando-se a isso, percebemos um fortalecimento e estreitamento de vínculos afetivos. Assim, o espaço da tutoria de núcleo também demonstrou ser um lugar no qual as residentes tinham a oportunidade de compartilhar suas ansiedades perante a todos os desafios que a vivência no cotidiano exigia neste momento de pandemia. Com isto, o espaço da tutoria possibilitou uma coesão e integração entre as residentes, permitindo a construção de características próprias do grupo.

Identifica-se que a tutoria de núcleo passou a assumir um lugar também de suporte e cuidado psicossocial para as residentes, uma vez que, em função de toda situação que se desencadeou, elas encontram-se expostas a situações estressoras. Da mesma forma, os encontros entre residentes e tutoras resultaram em um fortalecimento profissional, refletido pelos movimentos do próprio grupo, como por exemplo: estratégias de práticas, compartilhamento e leituras com caráter crítico-reflexivo, e porque não, de "sobrevivência diante do caos".

O momento atual, talvez possamos caracterizá-lo como mais adaptativo, pois já nos encontramos em uma certa ambiência com o processo em si e, em certa medida, conseguimos transpor a tela e não ficarmos presos a ela. Enfim, a função docente tem o desafio de construir pontes entre o conhecimento e as práticas, entre o saber acadêmico e os desafios impostos pelo cotidiano. Entendemos que foi nessa direção que andamos, e parece ser esse o caminho que seguiremos percorrendo, ora sobre trilhas em pedregulho, ora deslizando de forma suave sobre o asfalto, mas sempre tendo presente que somos afetados pelos encontros, pelas experiências, pela produção do conhecimento, pelos territórios, enfim por tudo aquilo que constitui o desenho da residência e de seus desafios no Sistema Único de Saúde e deste sistema num momento de pandemia.

 

Considerações Finais

Fazer um fechamento desta experiência não nos parece tarefa fácil, é dar-se conta das renúncias, das situações-limite e das adaptações que foram se fazendo necessárias a cada dia vencido. Esta experiência retrata um momento de profundo impacto sobre todas as esferas que nos rodeiam. Assim, dentro desse ensejo de tantas mudanças, os maiores legados talvez sejam a aprendizagem e o crescimento alcançados. Sem dúvida, é desafiador ver construir-se uma psicologia com capacidade de se reinventar, lembrando que a residência constitui-se como um espaço potente para essa reinvenção (talvez essa seja sua função mais potente).

O processo exigiu muitas desacomodações, alterações de planos, superação de frustrações. Mas, viu-se nesse tempo/contexto, o delineamento de uma psicologia com cara nova, e com coragem para enfrentar os desafios que se apresentaram e seguem se apresentando para as tutoras, residentes, preceptoras, profissionais de saúde e a sociedade em geral. Parece ser importante lembrar que a experiência se deu no contexto da Atenção Básica, onde as vulnerabilidades (como o agravamento de casos de violações de direito e de violências, ensino remoto, aumento das condições de pobreza e extrema pobreza) e as dificuldades da situação econômica (elevação dos impostos e taxas, aumento do trabalho informal e do desemprego) são fatores presentes, e que, nesse momento, também se viram mais agravados. Assim, escolher seguir em frente, não parar, constituiu-se em um ato de resistência e, portanto, um ato político, aquele que retrata o nosso compromisso com uma psicologia social transformadora, sem perder de vista as singularidades psíquicas que nos conectam uns com os outros. Nesse momento, estamos fortalecidos com essas vivências, quiçá mais capazes de agir e reagir sempre que instados a um posicionamento, sendo presença viva e ativa, distantes da neutralidade e da instrumentalidade, que por muito tempo esteve nos rondando, por vezes de modo sedutor justificando nossa passividade.

Aliás, esperamos que este relato de experiência, a partir das múltiplas estratégias que foram desenvolvidas pelas residentes, possa contribuir para uma formação em psicologia cada vez mais comprometida com as práticas em saúde alinhadas ao contexto e à realidade dos usuários, ou seja, implicada coletivamente. Salienta-se também o espaço de tutoria de núcleo nos programas de residência como uma estratégia de acolhimento, fundamentação teórica e organização das práticas coletivas para enfrentar as adversidades, como as que se deram nesse momento de pandemia.

Por fim, cabe destacar que, ao concluir esse relato de experiência, a situação da pandemia segue em curso, de modo que os sentimentos de medo, incerteza e indefinição se fazem ainda presentes, sendo um desafio a ser enfrentado cotidianamente. Assim, tendo como pressuposto o fato de sermos e estarmos afetados pela situação, nosso compromisso é seguir buscando coletivamente a potência que pode nos auxiliar a seguir agindo, de modo a vencermos os limites cotidianos que toda situação pandêmica desencadeia.

 

Referências

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Recebido em: 26/10/2020
Reformulado em: 17/03/2021
Aceito em: 08/04/2021

 

 

Notas

* Psicóloga, graduada pela Universidade Franciscana, mestra e doutoranda pela Universidade Federal de Santa Maria.
** Psicóloga, graduada pela Universidade Franciscana, mestranda pela Universidade Federal de Santa Maria.
*** Doutora em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Docente do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria.

 

Agradecimentos: as autoras agradecem as psicólogas residentes: Maida Viviane Mazoy Carricio, Cibele dos Santos Witt, Letícia Fernandes Oliveira, Clarissa Dias Mazarro, Estefânia Correa Borela, Dheiny Hellen Venturini Pulgatti e Paula Schneider dos Santos, pela confiança e compartilhamento de suas experiências no grupo de tutoria da psicologia.

 

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