Estudos e Pesquisas em Psicologia
2021, Vol. 03. doi:10.12957/epp.2021.62691
ISSN 1808-4281 (online version)

 

PSICOLOGIA SOCIAL

 

Intersetorialidade nas Políticas Públicas sobre Drogas: Relações entre Saúde e Assistência Social

 

Christian Eduardo Andrade Resende Santos*, I; Marcelo Dalla Vecchia**, I; Fernando Santana de Paiva***, II
I Universidade Federal de São João del-Rei - UFSJ, São João del-Rei, MG, Brasil
II Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF, Juiz de Fora, MG, Brasil
Endereço para correspondência

 

RESUMO

As políticas, programas e serviços no campo de álcool e outras drogas devem ocorrer a partir dos princípios da integralidade e intersetorialidade, assegurando a participação social. Nessa direção, o objetivo do presente trabalho foi compreender como se dão as relações entre as redes de saúde e assistência social, com vistas a assegurar ações orientadas pela intersetorialidade no cuidado aos usuários de substâncias psicoativas em um município de Minas Gerais, Brasil. Foram realizadas entrevistas individuais com os gestores destes setores, além de um grupo focal com profissionais que atuam no Sistema Único de Saúde e Sistema Único de Assistência Social.  Os resultados foram organizados nos seguintes eixos de análise: (1) (des)articulação da rede: impasse para o trabalho intersetorial; (2) redes em movimento: práticas profissionais no cotidiano de cuidado; (3) tensões entre diferentes atores na rede de cuidado em álcool e drogas. Tais resultados expressam a realidade de grande parte dos municípios brasileiros, em que as ações no âmbito das políticas públicas ocorrem de maneira desarticulada, sendo ainda o princípio da intersetorialidade um horizonte a ser construído.

Palavras-chave: intersetorialidade, drogas, redes de atenção, atenção psicossocial.


 

Intersectoriality in Drug Public Policies: Relations between Healthcare and Welfare Resources

 

ABSTRACT

Policies, programs and services in the field of alcohol and other drugs (AOD) must be based upon the principles of integrality and intersectoriality, ensuring social participation. These aspects might guide Brazilian psychosocial care network. In this direction, the present study aimed to understand the relationship between health networks and social assistance regarding the health care of psychoactive substances users in a city at Minas Gerais, Brazil. Individual interviews were conducted with the managers of these sectors, as well as a focus group with professionals working in Brazilian National Systems of Healthcare and Social Services. The results were organized in the following axes of analysis: (1) (dis)articulation of the network: challenge for intersectoral work; (2) networks in movement: professional practices in daily care; (3) tensions between different actors in the alcohol and other drugs (AOD) network. These results express the reality of most Brazilian municipalities, in which public policies occur in a disjointed way, and the principle of intersectoriality is a horizon to be constructed.

Keywords: intersectoriality, drugs, healthcare networks, psychosocial care.


 

Intersectorialidad en las Políticas Públicas sobre Drogas: Relaciones entre Salud y Asistencia Social

 

RESUMEN

Las políticas, programas y servicios en el campo de alcohol y otras drogas deben ocurrir a partir de los principios de la integralidad e intersectorialidad, asegurando la participación social. En esta dirección, el objetivo del presente trabajo fue comprender la relación entre las redes de salud y asistencia social en cuanto a la atención a los usuarios de sustancias psicoactivas en un municipio de Minas Gerais, Brasil. Se realizaron entrevistas individuales con los gestores de estos sectores, además de un grupo focal con profesionales que actúan en el Sistema Único de Salud y Sistema Único de Asistencia Social. Los resultados se organizaron en los siguientes ejes analíticos: (1) (des)articulación de la red: impasse para el trabajo intersectorial; (2) redes en movimiento: prácticas profesionales en el cotidiano de cuidado; (3) tensiones entre los diferentes actores de la red de atención de alcohol y drogas. Tales resultados expresan la realidad de gran parte de los municipios brasileños, en los que las acciones en el ámbito de las políticas públicas ocurren de manera desarticulada, siendo aún el principio de la intersectorialidad un horizonte a ser construido.

Palabras clave: intersectorialidad, drogas, redes de atención, atención psicosocial.


 

 

No Brasil, a reforma psiquiátrica iniciada nos anos 1970 contribuiu para projetar novas perspectivas de cuidado, pautado na autonomia, nos direitos humanos e na cidadania das pessoas em sofrimento mental, o que gerou impacto posterior nas ações de cuidado pensadas para os usuários de drogas. Novos serviços e modalidades de tratamento foram criados, com destaque aos hospitais-dias, Centros e Núcleos de Atendimento Psicossociais (CAPS e NAPS) em diversas regiões do país (Amarante, 2001).

A Política do Ministério da Saúde para a Atenção Integral a Usuários de Álcool e outras Drogas – PAIUAD (Ministério da Saúde, 2003) contribuiu para o fortalecimento de serviços que acolham as necessidades dos usuários de drogas no Brasil (Machado & Miranda, 2007). Essa concepção se contrapõe às noções moralizantes e/ou reducionistas vigentes com relação ao uso de drogas, pautando-se em uma compreensão do fenômeno que busca considerar os determinantes sociais do uso prejudicial de álcool e outras drogas e os diferentes contextos sociais nos quais as pessoas estão inseridas (Costa, Colugnati, & Ronzani, 2015).

Em relação às redes de atenção e cuidado, o processo de descentralização dos serviços teve impacto direto nos demais setores das políticas públicas, como assistência social, educação, segurança pública dentre outros (Pinheiro & Mattos, 2006). Esse processo, em construção a partir da Lei Orgânica da Saúde, busca estruturar a rede de serviços a partir da adoção de diretrizes como a integralidade e a intersetorialidade, articulando suas ações à participação popular por meio de um modelo democrático de tomada de decisão (Macedo, Abreu, & Dimenstein, 2018). Tais princípios também passaram a orientar a rede de atenção aos usuários de drogas, norteada por ações de prevenção, promoção, reabilitação e reinserção social de seus usuários, pautadas em serviços extra-hospitalares de tratamento, com vistas a fortalecer a já mencionada direção democrática do cuidado (Decreto n. 4.345, 2002).

Neste processo de reforma do sistema de saúde, entende-se a integralidade como um conjunto de práticas que visam assegurar a promoção, proteção, prevenção e a reabilitação em saúde, contemplando os diversos aspectos do processo saúde-doença em âmbito individual ou coletivo (Vasconcelos & Pasche, 2006). A integralidade pode ser considerada um princípio que vai além de uma diretriz constitucional, pois ela representa a luta por um conjunto de valores em prol de uma sociedade mais justa e solidária e que busca superar um modelo reducionista de atenção calcado na queixa-conduta (Pinheiro & Mattos, 2006).

Essa abordagem integral, ao se constituir como um objeto comum aos diversos setores emerge como uma nova possibilidade de se fazer política pública, indo em direção oposta às ações exclusivamente setoriais. Ganha relevo, portanto, a discussão sobre a intersetorialidade, que se apresenta como um propósito complexo e desafiador (Batista, 2015). A intersetorialidade pode ser considerada um elemento norteador, ou mesmo um artifício, para a viabilização das políticas públicas sobre drogas, ao contribuir para a promoção de uma visão ampliada desse fenômeno e provocar transformações no modelo assistencial, priorizando a integralidade do cuidado.

O conceito de intersetorialidade, assim, abrange tanto a complementaridade de setores, bem como uma diretriz para a atuação em rede. No âmbito da saúde pública, a intersetorialidade pode ser considerada um elemento para fortalecer a consolidação do SUS, ao atuar na perspectiva de construção de redes, exercendo integração com outras políticas (Batista, 2015). A operacionalização dessa diretriz encontra-se em estágio de desenvolvimento, expressando-se de modo ainda incipiente, com poucas avaliações de impacto e é realizada de maneira descontínua em grande parte das experiências publicadas na literatura nacional (Garcia, Maio, Santos, Folha, & Watanabe, 2014).

Nesta perspectiva, as ações no campo de álcool e outras drogas, como em qualquer área das políticas públicas, devem ocorrer de maneira integral, intersetorial, contando com a participação social. Busca-se, assim, assegurar a concretização de políticas públicas em constante diálogo e realmente articuladas com as demandas da sociedade (Ministério da Saúde, 2003).

Para além do setor saúde, destacam-se as ações desenvolvidas no âmbito das políticas de assistência social a partir da implantação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), abarcando atribuições relacionadas ao cuidado de pessoas com problemas decorrentes do uso de álcool e outras drogas. A Lei Orgânica da Assistência Social, de 1993, é regida pelos princípios do predomínio do atendimento às demandas sociais sobre as exigências de rentabilidade econômica; universalização dos direitos sociais; respeito à dignidade e autonomia do cidadão e ao direito a benefícios e serviços de qualidade; direito de acesso a um atendimento igualitário; e divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos assistenciais (Lei Orgânica da Assistência Social n. 8742, 1993).

A política de assistência social se organiza sob a forma de um Sistema Único a partir de 2004, com a Resolução nº 145 do Conselho Nacional de Assistência Social, que destaca a busca pela ampliação dos direitos sociais, sendo a proteção social expressão fundamental na sua efetivação. A implantação do SUAS referenda os pressupostos constitucionais de descentralização, universalização e participação social das políticas públicas, bem como o movimento da sociedade civil na busca pela maximização de seus direitos sociais e melhoria das condições de vida. A instituição do SUAS propiciou um novo sistema de gestão visando superar a desarticulação e a fragmentação das práticas em todos os níveis de gestão desta política (Rizzotti, 2010).

Em face do exposto, o presente estudo objetivou compreender como se dão as relações entre as redes de saúde e assistência social, com vistas a assegurar ações orientadas pela intersetorialidade no cuidado aos usuários de álcool e outras drogas.

 

Método

A pesquisa ancora-se na abordagem qualitativa de construção e análise da realidade social, apropriada para tratar do problema e dos objetivos desta investigação (Minayo, 2007). O estudo foi realizado com trabalhadores e gestores de equipes do SUS e SUAS que desenvolviam ações de cuidado e reinserção social de usuários de álcool e outras drogas em um município mineiro de médio porte, com aproximadamente 90 mil habitantes.

Foi realizado um grupo focal (Gil, 2008) com a participação de seis profissionais de Psicologia e Serviço Social atuantes nos seguintes serviços: Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) e equipes da Estratégia de Saúde da Família (ESF), pertencentes às políticas de saúde; Centro de Referência Especializada em Assistência Social (CREAS) e Centro de Referência em Assistência Social (CRAS), pertencentes às políticas de assistência social. O município não contava com equipe de Consultório de/na Rua. Além disso, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com os gestores destes setores das políticas públicas, que atuavam como secretários municipais, identificados como G1 (gestor da saúde) e G2 (gestor da assistência social). Foram incluídos profissionais da rede de saúde ou assistência social que participaram regularmente de um curso oferecido pelo Centro Regional de Referência para Formação em Políticas Sobre Drogas (CRR) ou que contavam com uma experiência profissional mínima de dois anos na rede de atendimento.

Os seguintes tópicos foram explorados tanto nas entrevistas quanto nos grupos focais: (a) como os participantes percebem e lidam com a questão das drogas em seu cotidiano profissional; (b) o que entendem por redes de atenção aos usuários de álcool e outras drogas; (c) quais as estratégias para a realização de ações intersetoriais, seus limites e desafios; (d) como seria o funcionamento ideal dessa rede; e (e) qual o tipo de participação da população nas ações na área de álcool e outras drogas.

Para a análise dos dados coletados foi utilizada a análise de conteúdo temática (Braun & Clarke, 2006), em que as informações obtidas foram transcritas e sistematizadas seguindo as seguintes etapas: pré-análise, exploração do material e, por fim, a interpretação dos dados coletados (Gomes & Minayo, 2007). A partir da análise dos relatos obtidos foram evidenciados os seguintes eixos de análise: (1) (des)articulação da rede: impasse para o trabalho intersetorial; (2) redes em movimento: práticas profissionais no cotidiano de cuidado; (3) tensões entre diferentes atores na rede de cuidado em álcool e drogas. A fim de assegurar o anonimato e a confidencialidade dos relatos e falas ilustrativas das análises realizadas, apresentadas na seção a seguir, os participantes da pesquisa serão designados por iniciais. A pesquisa foi aprovada no Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos das Unidades Educacionais de São João del-Rei (CEPSJ) e recebeu o CAAE número 12487119.6.0000.5151.

 

Resultados e Discussão

(Des)articulação da rede: impasse para o trabalho intersetorial

Percebe-se nos relatos dos profissionais tanto a falta de comunicação entre os serviços de ambos os setores quanto a ausência de registros formais e informais no que diz respeito ao percurso do usuário ao longo dos dispositivos. O desconhecimento sobre a atuação dos demais serviços, bem como o percurso entendido como mais apropriado do usuário nos dispositivos de atendimento existentes foram questões que emergiram:

O que eu vejo claramente, assim, que a gente precisa construir a sistematização dessa rede socioassistencial. Isso não é burocratizar, mas acho que a gente precisa criar protocolos, a gente já falou disso em outras reuniões de rede que a gente participa e é uma coisa que eu sempre levanto, porque eu vejo que falta, que falta conhecer o serviço do outro, falta conhecer a função do outro (profissional A, assistência social).

Ainda no que se refere à discussão sobre a falta de articulação entre os serviços, foi destacado pelos entrevistados a ausência de um planejamento do trabalho em rede, tanto por parte dos gestores, como dos próprios profissionais. As ações intersetoriais são realizadas majoritariamente sob a forma de procedimentos pontuais e/ou informais:

Sempre que há necessidade há um diálogo, sempre que há necessidade! Mas volto a dizer, as necessidades são criadas pelas pessoas, as pessoas que estão nos serviços e não ser uma necessidade da máquina pública, "olha, gente. Vamos fazer uma reunião mensal para discutir a questão da assistência social com a saúde? Vamos fazer uma pesquisa? Um levantamento?" Não existe, até existe um protocolo, mas este protocolo nunca é feito automaticamente, ele tem que ser sempre provocado (entrevistado G1, saúde).

Os profissionais de ambos os setores relataram as dificuldades decorrentes do cotidiano de trabalho como impedimentos à implementação de ações intersetoriais. As principais barreiras relatadas pelos entrevistados são, sobretudo, a escassez de recursos e limitações estruturais:

Ela fala que a rede não funciona, mas aí não funciona por quê? Você tem que pensar que aquele serviço tem uma série de dificuldades, limitações, pessoal, humano, infraestrutura para dar um bom atendimento, necessário e adequado. Então, falta muito ainda amadurecer essa questão do trabalho intersetorial, fazer mais estudos de casos, a rede se envolver mais com os casos, discutir os casos. Mas aí que eu falo do fluxo, criar esse fluxo, rodas de conversa, isso não é uma rotina (profissional W, saúde).

Outros impasses para a realização de um trabalho em rede, presentes nos relatos dos participantes, foram as ações insuficientes de referência e contra referência e demais formas de continuidade do tratamento dos usuários, contribuindo para práticas estanques em cada serviço, tanto na saúde quanto na assistência social.

A nossa dificuldade é fazer esse link da continuidade fora, entendeu? Por quê? Como? Aonde? E então, um impasse é isso da continuidade porque eles não vão ficar eternamente no CAPS, o CAPS não tem essa finalidade e esse trabalho não é a curto prazo, aqueles sinais de intoxicação você tira, mas a compulsão, trabalhar a compulsão é uma coisa mais complexa (profissional L, saúde).

Dimenstein e Liberato (2011), a esse respeito, ressaltam que a escassez de serviços públicos para atender às demandas nos dispositivos da rede, somadas ao comprometimento da integralidade e intersetorialidade, gera consequências como a sobrecarga dos funcionários, burocratização e um funcionamento restrito gerando a estagnação do fluxo de pacientes. Esta limitação conduz a um cenário de práticas pouco propositivas, críticas e criativas para a compreensão dos determinantes envolvidos no uso, abuso e dependência de drogas.

Guerra e Costa (2017) apontam como principais fatores limitantes para a concretização das ações intersetoriais as dificuldades nos processos de trabalho, principalmente em equipe, a ênfase em ações imediatistas ou emergenciais e a não efetividade do acompanhamento e contrarreferência dos usuários na rede de atenção. Concomitantemente, o atual contexto é marcado pela flexibilização das relações trabalhistas, gerando inseguranças e precarização. As diversas estratégias de privatização, que se manifestam na terceirização e mercantilização da saúde, refletem em mudanças na forma como os serviços são organizados, pautando-se em procedimentos individuais e fragmentados.

A precarização das condições de trabalho nos serviços de saúde e assistência social se constitui como limitação de ordem prática. Tais comprometimentos poderiam ser sanados com planejamento, capacitação e formas de atuação articuladas com os demais dispositivos da rede de atenção a usuários de álcool e outras drogas, sendo indispensável também o suporte governamental via financiamento adequado.

Redes em movimento: práticas profissionais no cotidiano de cuidado

A prática de encaminhamentos foi algo presente nas falas dos servidores entrevistados ao dizerem de suas ações cotidianas de tratamento aos usuários de álcool e outras drogas. Ações pontuais e informais como contatos telefônicos foram considerados como formas de se trabalhar em rede: "lá no CAPS, por exemplo, a gente liga muito, faz o contato telefônico, é uma forma de contato que a gente não considera, mas um telefonema resolve muita coisa" (profissional L, saúde). Nos depoimentos abaixo fica evidente que o CAPS AD é tido como dispositivo estratégico no atendimento desses sujeitos no município estudado. No entanto, tem sido utilizado como espaço de encaminhamento por muitos dos outros serviços da rede pública:

O G, que é o psicólogo, faz a entrevista dessa população, tem uma triagem, que é utilizada um formulário específico e aí, a partir dessa entrevista, a gente encaminha pro CAPS AD, foi até um indicativo do CAPS AD pra gente direcionar assim, e aí a gente vem trabalhando com a população nesse sentido (profissional N, assistência social).

O CRAS diante dessa demanda não tem outra forma se não encaminhar pra rede, fazer o contato com o profissional do serviço, ver como tá a situação, encaminhar e fazer as intervenções pra ajudar a família, essa é nossa atuação, é mais nesse sentido (profissional W, saúde).

Eu trabalho com o familiar, se esse familiar tá adoecido por conta de toda aquela situação, às vezes encaminho muito pros grupos de mútua ajuda porque eu não posso fazer um atendimento clínico. A demanda é enorme, nós atendemos nove bairros assim, muita gente mesmo, eu encaminho pros grupos e faço essa orientação, que gente tem grupo e tal (profissional D, saúde).

A partir desses relatos, cumpre salientar que é fundamental que os gestores e profissionais discutam os critérios adotados e, consequentemente, o número de encaminhamentos realizados em cada serviço e setor, avaliando eventuais excessos e suas implicações. A função reguladora da gestão deve ser realizada por meio da constante comunicação entre os dispositivos da rede, com base em protocolos de fluxo e critérios previamente acordados, levando em conta a missão e função específica de cada um destes dispositivos (Ministério da Saúde, 2013).

Outra questão que influencia o trabalho cotidiano dos profissionais é a forte demanda por internações em entidades como Comunidades Terapêuticas (CT) e afins por parte dos familiares de pessoas que fazem uso problemático de álcool e outras drogas. Desse modo, uma proposta asilar de tratamento acaba, muitas vezes, se sobrepondo à proposta de redução de danos, referendada pela PAIUAD (Ministério da Saúde, 2003).

Essa cultura de internações influencia as redes de atenção ao direcionar o usuário para serviços da rede privada ou complementar: "é isso, a sociedade, a família ela pede a internação como forma de tratamento" (profissional S, assistência social). Há pouco conhecimento (ou mesmo desconhecimento) da população sobre outras abordagens, o que consiste em um dos desafios de se trabalhar com a perspectiva de redução de danos:

Trabalhar com redução de danos não é fácil porque às vezes o profissional ele fica meio frustrado, "nossa o negócio não tá andando", porque a exigência da sociedade, a exigência da família em cima do profissional é muito grande. A gente aguenta uma barra, tipo assim "vocês têm que dar um jeito", como se eu tivesse que curar o filho, o parente, o amigo. Você tem que curar ele como se curasse, por exemplo, se arrancasse uma apendicite e tomasse um antibiótico (profissional A, assistência social).

Vale salientar que, no campo das políticas sobre drogas, coexistem de maneira conflitante diferentes modelos de análise e intervenção sobre a temática. No âmbito da saúde e assistência social, especificamente a abordagem asilar, de carácter organicista e individualista, tem forte presença no imaginário e nas práticas de profissionais da área, bem como da população assistida (Teixeira, Ramôa, Engstrom, & Ribeiro, 2017). Tal visão se retroalimenta no paradigma proibicionista, calcado na ótica criminalizante e na abstinência como desfecho único no processo de cuidado.

A partir deste cenário, a adesão a um novo paradigma, ou seja, uma nova maneira de se compreender e atuar sobre a relação entre sujeitos e drogas, pode encontrar dificuldades e barreiras de caráter ideológico, tendo em vista que a adoção de uma perspectiva de cuidado perpassa pelo imaginário social. Dessa forma, o cuidado aos usuários de álcool e outras drogas ainda é permeado por concepções biomédicas com a finalidade de se alcançar a abstinência como perspectiva de ‘cura' para uma enfermidade. É necessário, assim, promover o conhecimento das famílias e demais atores sociais sobre a proposta dos serviços substitutivos que compõem a rede de serviços de atenção (Silva & Oliveira, 2018).

O paradigma da redução de danos se constitui como uma forma de legitimação do cuidado integral, propondo, para tal, um trabalho intersetorial com os demais dispositivos de cuidado (Dias, Passos & Silva, 2016). A redução de danos é uma política pública que se articula a um conjunto de ações e princípios comprometidos com o consumo de substâncias psicoativas de forma menos danosa para o usuário, seus pares e seu ambiente (Gomes & Vecchia, 2018). Trata-se do cuidado à saúde do usuário, respeitando sua cidadania, autonomia, liberdade e singularidades. Essa perspectiva se ancora em não se adotar a abstinência como condição única para o tratamento, no direito à participação política, no autocuidado, no acesso a serviços de saúde de qualidade e na abordagem territorial das práticas.

A despeito das dificuldades encontradas em se realizar um trabalho na área de drogas a partir da redução de danos e pela integração entre diferentes políticas públicas, vale destacar o Programa de Braços Abertos (PBA), que fora implementado na cidade de São Paulo na última década. Trata-se de uma proposta calcada em uma perspectiva considerada progressista no campo das drogas, que se pauta na intersetorialidade entre as políticas de saúde, assistência e segurança pública. Segundo Teixeira, Lacerda e Ribeiro (2018), o referido programa logrou êxitos, mesmo imerso em muitos desafios, no tocante à redução do uso prejudicial de crack, à inserção via trabalho e no cuidado em saúde aos usuários. Apostar em modelos desta monta pode abrir novos horizontes de práticas no âmbito das políticas públicas sobre drogas, sendo apenas necessário que se contextualizem tais ações às diferentes realidades sociais.

O personalismo na realização do trabalho em rede, com ênfase nas ações individuais dos profissionais, foi outra questão recorrente. Dessa forma, os participantes da pesquisa, ao relatarem sobre o que fazem de trabalho em rede, em suas ações no cotidiano de trabalho, apontaram para formas de contato pontuais e muitas vezes informais. Essas formas de contato ocorrem em âmbito individual, dependentes da iniciativa e do interesse de cada profissional, não havendo uma formalização dessas ações ou um planejamento, conforme relatam um dos gestores e os profissionais no grupo focal: "você não tem um sistema, até tem, mas que funcione e você consiga fazer política com mais atenção, mais previsão, com mais determinação com relação a isso, todas as dificuldades elas são maiores que as soluções" (entrevistado G1, saúde). O participante afirmou também que as ações intersetoriais são feitas pelos profissionais dos serviços, não sendo planejadas e executada como iniciativas de gestão: "depende muito do profissional fazer esse fluxo, se interessar, se comprometer em levar pro outro, explicar pro outro pra ele também fazer o mesmo, é assim, ‘eu faço isso aqui e pronto'" (entrevistado G1, saúde).

Muitos municípios de pequeno e médio porte são marcados por uma complexa dinâmica sociopolítica de funcionamento e organização, ao se caracterizarem pelo tradicionalismo, o personalismo e o clientelismo. Rotta, Rossini e Tobias (2015) discutem que nesses locais encontram-se vigentes um conjunto de valores, crenças e representações calcados em relações caracterizadas pela pessoalidade e informalidade, sobrepondo-se vínculos de parentesco e amizades no âmbito das relações profissionais e políticas. Logo, os ideais modernos de racionalidade, objetividade e impessoalidade se configuram de maneira peculiar nestes locais, sendo um desafio para o funcionamento da ‘máquina pública', ao se contrapor aos ideais republicanos que regem o Estado. As estratégias usadas pelos profissionais fazem de algum modo a rede mover-se/acontecer, no entanto, ao tornarem a rede muito dependente da iniciativa individual do trabalhador, fragilizam a coordenação e a continuidade das ações intersetoriais.

Diante de tais práticas, é importante considerar que para a rede de atenção funcionar de forma integrada é preciso romper com as atuações fragmentadas, tais como a ausência de comunicação entre os diferentes pontos de atenção e os setores que a compõem ou práticas de centralização dos serviços pautadas em um modelo tradicional de internação. Vale salientar que as práticas preconizadas para os serviços de assistência social, tais como CRAS e CREAS, bem como os serviços de saúde, estão baseadas em estratégias que buscam a ampliação e fortalecimento do funcionamento da rede de atenção socioassistencial (Batista, 2015).

O modelo setorial que atravessa as políticas públicas perpassa a formação profissional dos servidores da rede de serviços com maior notoriedade na saúde, ancorando-se em uma perspectiva cartesiana, centrada na verticalidade, hierarquização e fragmentação das ações (Guerra & Costa, 2017). Para a superação desse modelo curativista, ambulatorial e departamentalizado na formação em saúde, é preciso não apenas focar nos profissionais dos serviços, mas também repensar a formação dos cursos de graduação em saúde. Ultrapassar o paradigma reducionista centrado na doença requer dos profissionais uma formação mais humanista, orientados por uma concepção ampliada de saúde e pelas diretrizes que regem o SUS, atuando de modo intersetorial e multiprofissional na integralidade da atenção (Batista, Carmona, & Fonseca, 2017).

Em suma, observa-se que as práticas profissionais e institucionais têm um papel central na consolidação da operacionalização do trabalho de referência e contrarreferência, sendo fundamentais para a implementação do princípio de integralidade e, nesse sentido, consequentemente, da intersetorialidade. Além do mais, estes processos se dão como uma das principais bases de mudanças para o setor de saúde, todavia, ainda é necessário maior desenvolvimento nos seus sentidos tanto teórico, quanto na veiculação de experiências positivas ou negativas. As experiências práticas em tais ações, no Brasil, ainda passam por grandes desafios, tais como a dificuldade de generalização ao nível de políticas públicas municipais, ocorrendo frequentemente de maneira frágil e isolada (Frantini, Saupe, & Massaroli, 2008).

As tensões em relação às comunidades terapêuticas

A existência e o recurso a uma rede complementar para o tratamento de pessoas com problemas decorrentes do uso de álcool e outras drogas, composta por comunidades terapêuticas e serviços afins, de natureza privada e filantrópica, assume um protagonismo no atendimento a esses sujeitos se comparados à rede pública. Evidenciam-se parcerias entre o poder público e essas entidades, com repasses de recursos do governo municipal:

Existe uma verba que vem do governo federal para uma clínica, mas que não é regulada pelo CAPS, então a gente não sabe como que é regulado essa internação, mas na clínica que hoje é do pastor S recebe um recurso do governo federal, mas eu não sei como que é regulado essas internações (profissional L, saúde).

Isso é inédito no município, a parceria com várias entidades de tratamento de álcool e drogas e que é repassado recursos, semestrais, a elas para tratar dessa demanda no município. Conseguimos também organizar parte dessa rede fazendo o link com a SENAD, onde além do recurso municipal, algumas destas entidades ainda têm o cofinanciamento deste órgão para trabalhar o tratamento dos dependentes químicos (entrevistado G2, assistência social).

A partir dos depoimentos acima, cumpre ressaltar que, desde ao menos o lançamento do Programa ‘Crack, é Possível Vencer', o governo federal realizou investimentos relevantes em propostas de expansão dos serviços de atenção a saúde para os usuários de álcool e outras drogas, incorporando novos dispositivos à rede de atenção, até então inexistentes. Inicialmente, as comunidades terapêuticas não eram tidas como serviços de saúde. Sua regulamentação como serviços para usuários de álcool e outras drogas ocorreu em 2001, sendo conveniadas pelo SUS em 2013 e passaram a compor a rede de saúde fazendo jus, assim, ao financiamento estatal (Fossi & Guareschi, 2015). Nos últimos anos, é crescente a oferta de ações de agentes privados ou externos aos serviços próprios das políticas públicas, tais como ONG's, grupos de orientação religiosa, organizações privadas com fins lucrativos, clínicas e centros de reabilitação, para atender pessoas com problemas decorrentes do uso de drogas (Teixeira, Ramôa, Engstrom, & Ribeiro, 2017)

O viés religioso nas formas de tratamento é algo recorrente no cotidiano de atendimento das comunidades terapêuticas, um elemento que exerce grande influência nas concepções locais sobre a forma mais apropriada de tratamento. Isso é relatado como inapropriado em vários aspectos pelos entrevistados:

Me incomoda muito é a questão religiosa, parece que se sobrepõe ao serviço, ao profissional, porque a gente houve as famílias chegarem e dizerem assim "ele foi pra uma clínica aí religiosa e tal" e a gente vê que a clínica não tem estrutura pra trabalhar aquela questão da compulsão, não tem nem uma equipe mínima de profissional pra fazer um trabalho com aquele indivíduo, mas aquela família ali acredita que aquilo ali vai dar resultado em detrimento de um serviço já estruturado (profissional W, saúde).

Eu vejo também que existem muitos atravessamentos ideológicos, advogados que orientam a família a internar. Umas coisas assim meio complicadas, internação compulsória, mal sabe que isso não vai resolver nada, então depois vai bater na nossa porta de novo, do mesmo jeito que chegou, porque o sucesso que a gente vê no tratamento da abstinência, na minha experiência de oito anos é muito pouco (profissional L, saúde).

A concepção de que o uso problemático de álcool e outras drogas reduz-se a uma doença ainda perpassa saberes e práticas de muitos profissionais e de grande parte dos demais agentes envolvidos nesta realidade. Ao preconizar a abstinência como objetivo do tratamento, comumente não se pensa em outras alternativas diante dos riscos e agravos à saúde do usuário. Ademais, verifica-se que a rigorosa disciplina da abstinência é inatingível para muitos usuários, sendo as ‘recaídas' consideradas como manifestações de fraqueza e fracasso. Assim, a perspectiva de cura pela via da abstinência se associa à visão de que a reinserção social do usuário se dá por um modo de vida isento de drogas (Vasconcelos, Paiva, & Vecchia, 2018).

Nessa busca por soluções imediatas ancoradas na lógica da abstinência, as concepções dos diversos atores sociais envolvidos neste processo repercutem no modo de se desenvolver o cuidado. Tais concepções de cuidado são socialmente construídas e atravessadas por diversas instituições, que majoritariamente abordam a questão das drogas pela via do paradigma proibicionista (Vasconcelos, Paiva, & Vecchia, 2018; Teixeira et.al, 2017). As consequências da ‘guerra às drogas', leia-se às pessoas, para a saúde pública perpassam um debate ético, legal e social ao amparar a suposta necessidade de internações compulsórias. Ao invés disso, torna-se fundamental a ruptura com ações pautadas em isolamento, exclusão, coerção, tutela e uso da violência (Azevedo & Souza, 2017), buscando a legitimação dos princípios da reforma psiquiátrica e das diretrizes do SUS.

Percebe-se que há um consenso entre os participantes de ambos os setores no que se refere a uma demanda de resolução imediatista por parte da sociedade e dos próprios usuários quanto ao tratamento. Este é um dos fatores que contribuem para a relevante adesão a modalidades de tratamento baseadas em asilamento e segregação, sobrepostas aos serviços públicos de saúde e assistência social, em detrimento da redução de danos:

É claro que existe uma pressão muito forte pra internação, as famílias e até mesmo nós, os serviços vêm de um histórico, de uma trajetória tão desgastada, que eles veem como única possibilidade a questão da internação, e aí resignificar isso acho que é um desafio muito grande de todos os serviços (profissional N, assistência social).

Ademais, o repasse de recursos públicos para a iniciativa privada e filantrópica tem ocorrido de maneira crescente, culminando no fortalecimento das chamadas redes complementares de atenção; no caso do município estudado, apreende-se pelos relatos a primazia dos serviços ofertados por comunidades terapêuticas e entidades afins (Fossi & Guareschi, 2015). Essas entidades atuam em parceria com o poder público através de repasses de recursos, subvenções e financiamento indireto por isenções fiscais ou tributárias para seu funcionamento, atendendo à população que recorre aos serviços públicos de saúde e assistência social. Após a regulamentação do SUAS buscou-se a reordenação e adequação desses dispositivos a determinados parâmetros normativos, levando em conta os pressupostos socioassistenciais que regem esta política. Todavia, ao se tratar de um campo de disputas, conflitos e contradições, ganha força o projeto neoliberal de se beneficiar os interesses privados e mercadológicos em detrimento do fortalecimento do serviço público, repercutindo em sua fragmentação e sucateamento (Gonçalves & Paiva, 2017).

Comunidades terapêuticas e entidades afins historicamente recorrem a uma articulação de práticas e saberes do campo psicológico e psiquiátrico ao esquema religioso de moralização dos sujeitos.  Grande parte de tais serviços utilizam o modelo asilar de internação prolongada, a religião é muitas vezes imposta como principal recurso de tratamento, possuem regras rígidas, atividades obrigatórias e restringem o contato com a família e demais relações com o ambiente externo do sujeito (Fossi & Guareschi, 2015).

Costa, Colugnati e Ronzani (2015) verificam no Brasil a primazia por uma abordagem tradicional pautada no modelo de internação em caráter asilar em contraposição aos pressupostos psicossociais de atendimento. Por esse histórico, tais concepções e práticas ainda são comumente observadas no cotidiano de muitos serviços de atenção aos usuários de álcool e drogas no Brasil. Apesar dos esforços empreendidos, há que se questionar o papel do Estado em ofertar condições e investimentos para a atenção psicossocial aos usuários de drogas no setor público. Os resultados encontrados evidenciam entraves concretos para a efetivação de ações, políticas e programas orientados pela integralidade e intersetorialidade.

 

Considerações Finais

Em face dos diversos aspectos acima elencados, depreende-se a complexidade da questão das drogas, não cabendo a um único ator ou setor conduzir ações relativas ao seu manejo. Logo, é fundamental o trabalho articulado entre os poderes legislativos, judiciário e executivo, bem como a atuação da sociedade civil e demais atores políticos, não havendo menções sobre a presença desses outros atores por parte dos profissionais do setor saúde e assistência social entrevistados. As ações integradas entre os setores não implicam na exclusão da existência de cada um destes segmentos, no entanto, é preciso superar uma atuação fragmentada, isolada e desarticulada com a integralidade dos sujeitos. A construção de arranjos organizativos com vistas à implementação da intersetorialidade pode ser buscada no âmbito das decisões políticas e institucionais, sendo fundamental o planejamento e avaliação de políticas públicas neste aspecto.

O presente estudo evidenciou dificuldades e potencialidades do trabalho em rede na área de álcool e drogas em um município do interior mineiro. A dinâmica de funcionamento das redes de atenção nesse município ocorre de maneira peculiar quando se leva em conta o funcionamento normatizado dos serviços que a compõem. No entanto, os resultados encontrados, em consonância com outros estudos na área, expressam uma realidade de desarticulação das políticas públicas presente em grande parte dos municípios brasileiros. Assim, os aspectos evidenciados pelos eixos temáticos identificados não ocorrem de maneira dissociada, sendo tal divisão elaborada para sustentar a análise realizada e viabilizar a discussão das questões que emergiram dos dados construídos no decorrer do trabalho de campo.

Embora não se constitua como foco deste estudo, evidenciou-se a ausência de qualquer consideração no discurso dos interlocutores da pesquisa sobre a participação da população local e dos próprios usuários na proposição de ações no campo de álcool e outras drogas, emergindo apenas a questão das demandas, diretamente ligadas a internações ou anseio por modelos mais tradicionais de tratamento. A questão da participação popular no campo de álcool e outras drogas deve ser mais bem explorada em futuros estudos.

Observa-se assim, que a dinâmica de funcionamento das redes de atenção aos sujeitos que fazem uso problemático de álcool e outras drogas no município estudado perpassa diversos aspectos que muitas vezes dificultam um trabalho compartilhado, tais como a cultura de internações e demanda pela população pelos modelos tradicionais de tratamento, bem como a força dos serviços complementares no atendimento destas demandas. Outros elementos desafiadores de um trabalho intersetorial se dão pela necessidade de planejamento e discussão sobre o fluxo dos usuários ao longo dos serviços, de modo a garantir um melhor diálogo entre os diversos dispositivos de atenção, destacando a função de cada serviço e seu papel na promoção de um atendimento integral aos usuários.

Para tal, verifica-se a necessidade de capacitação dos gestores e servidores dos dispositivos das redes de atenção, de modo a repensarem as práticas de cuidado e a maneira como os serviços são organizados. O campo de álcool e outras drogas abarca uma questão eminentemente social, sendo necessário o engajamento mais participativo dos diversos atores sociais afetados, de modo a garantir práticas que sustentem a integralidade do atendimento, bem como um trabalho intersetorial. Assim, é preciso romper com as práticas unilaterais e compartimentadas no cotidiano dos serviços e também em termos de gestão dos setores das políticas públicas envolvidas.

Tendo em vista os desafios encontrados, apontamos a necessidade de se criarem espaços para o planejamento coletivo do trabalho no âmbito das políticas públicas. Consideramos ainda fundamental fortalecer mecanismos de articulação com os atores e organizações sócio-comunitárias, visando a participação popular. Advogamos, também, a necessidade de se assegurar o financiamento adequado para a execução das políticas públicas na área de drogas, em que se pese a importância dos setores da saúde e da assistência social. Tais sugestões podem se configurar a curto e médio prazo, como alternativas para solucionarmos tais impedimentos ao trabalho intersetorial e de maior qualidade nesse campo.

 

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Recebido em: 17/01/2020
Reformulado em: 29/05/2020
Aceito em: 31/05/2020

 

 

Notas

* Psicólogo (a), graduado (a) pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), Mestre em Psicologia pela UFSJ.
** Psicólogo, Mestre e Doutor em Saúde Coletiva e Professor do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ).
*** Psicólogo, Mestre em Saúde Coletiva, Doutor em Psicologia e Professor do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

 

Financiamento: Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD).

 

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