Estudos e Pesquisas em Psicologia
2024, Vol. 24. e61266, doi:10.12957/epp.2024.61266
ISSN 1808-4281 (online version)

 

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO

 

Transição para o Ensino Superior: Uma Revisão Sistemática

 

Transition to Higher Education: A Systematic Review

 

Transición a la Educación Superior: Una Revisión Sistemática

 

Karen Cristina Rech Braun a, Fabiane Cristina Pereira Marcilio b, Ana Cristina Garcia Dias b

a Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, RS, Brasil
b Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil
Endereço para correspondência

 

RESUMO

O objetivo deste estudo foi identificar as características de pesquisas empíricas que se centram no processo de transição do Ensino Médio para universidade. Realizou-se uma revisão sistemática da literatura em bases de dados eletrônicas onde foram identificados 2.133 artigos. Após aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, a amostra final foi composta por 23 estudos que foram analisados por meio das categorias: conceito de transição à universidade, delineamento, objetivo do estudo, características dos participantes e principais resultados. Muitos dos artigos apenas descreveram as mudanças ou desafios enfrentados pelos estudantes, sem explicitar um modelo de transição. O delineamento mais utilizado foi o quantitativo e longitudinal, comparando as variáveis alvo ao longo do tempo. Na maioria dos estudos, os participantes foram jovens do primeiro ano da graduação, com idade, em média, entre 17 e 19 anos. De modo geral, identificou-se que há uma série de fatores individuais e contextuais que podem influenciar os estudantes em processo de transição, positivamente (bons hábitos de sono, suporte social e familiar) e negativamente (discriminação racial e baixos níveis de resiliência, entre outros). A escassez de estudos brasileiros denota a necessidade de desenvolver pesquisas com essa população, a fim de se viabilizar intervenções direcionadas a esses estudantes.

Palavras-chave: transição para universidade, adaptação acadêmica, ensino superior.


ABSTRACT

The aim of this study was to investigate characteristics of empirical research that focuses on transition from high school to college. We conducted a systematic literature review in databases. A total of 2.133 papers were identified. After applying inclusion and exclusion criteria, the final sample was composed by 23 papers, which were analyzed through the categories: transition to college definition, study design, study objective, participants' characteristics and main results. Most articles only described changes or challenges faced by students, without properly explaining a transition model. The most used study design was quantitative and longitudinal, comparing variables over time. In general, participants were young people in their first year as an undergraduate, with average age between 17 and 19 years old. In general, transition from high school to college is surrounded by individual and contextual factors that can influence students positively (good sleep habits, social and family support) or negatively (e.g. racial discrimination and low levels of resilience). The scarcity of Brazilian studies denotes the need to develop research with this population, in order to enable interventions aimed at these students.

Keywords: transition to college, academic adjustment, higher education.


RESUMEN

El objetivo de este estudio fue identificar las características de investigaciones empíricas centradas en el proceso de transición dela escuela secundaria a la universidad. Se realizó una revisión sistemática en bases de datos electrónicas donde se identificaron 2.133 artículos. Después de la aplicación de los criterios de inclusión y exclusión, la muestra final fue compuesta por 23 estudios que fueron analizados en categorías: concepto de transición a la universidad, delineamiento, objetivo del estudio, características de los participantes y principales resultados. Muchos artículos solo describen los cambios o desafíos que enfrentan los estudiantes, sin explicar adecuadamente un modelo de transición. El diseño más utilizado fue el cuantitativo y longitudinal, comparando las variables a lo largo del tiempo. En la mayoría de los estudios, los participantes fueron jóvenes desde el primer año de graduación, con una edad promedio entre 17 y 19 años. Se identificó que la transición está permeada por diversos factores que pueden influenciar positivamente (buenos hábitos de sueño, apoyo social y familiar) o negativamente (discriminación racial y bajos niveles de resiliencia, entre otros) a los estudiantes. La escasez de estudios brasileños denota la necesidad de desarrollar investigaciones con esa población, a fin de viabilizar intervenciones dirigidas a esos estudiantes.

Palabras clave: transición a la universidad, adaptación académica, educación superior.


 

 

O contexto do ensino superior (ES) expõe os estudantes a uma série de desafios que exigem um esforço adaptativo. O universitário precisa responder a demandas acadêmicas diferentes daquelas com as quais estava familiarizado no ensino médio (EM), esse deve enfrentar novos desafios e estabelecer novas relações sociais e afetivas no contexto da universidade, construindo novos sentidos para essas novas experiências (Ribeiro, 2019). O ambiente acadêmico configura-se, então, como um espaço de oportunidade para o desenvolvimento pessoal e profissional, sendo um momento de transição entre a vida escolar e o mundo do trabalho (Bardagi & Hutz, 2012). O processo de transição à universidade está ligado ao conceito de adaptação acadêmica, que na literatura também pode ser denominado como ajustamento ou integração acadêmica à universidade ou ao ES.

A adaptação acadêmica pode ser entendida como o sucesso em se ajustar às demandas universitárias, que envolvem mudanças pessoais, interpessoais, acadêmicas, institucionais e sociais (Baker & Siryk, 1984, Soares, Almeida, Diniz & Guisande, 2006). O estudante melhor adaptado consegue aproveitar mais as oportunidades oferecidas pela universidade, para sua formação profissional e desenvolvimento psicossocial. Quando a adaptação universitária é vivenciada de forma satisfatória, facilita a aprendizagem acadêmica, a permanência no curso escolhido e o manejo das relações interpessoais (Soares et al., 2016).

Estudos realizados com amostras de estudantes brasileiros encontraram que as principais dificuldades percebidas por universitários são: as diferenças entre o EM e o ES, as dificuldades pessoais e interpessoais enfrentadas e os problemas referentes à gestão do tempo (Oliveira, Dias & Piccoloto, 2013; Dias, Carlotto, Oliveira & Teixeira, 2019). As diferenças entre a escola e a universidade são marcadas por um maior nível de exigência acadêmica no ES, menor interesse e distanciamento dos professores, maior demanda por autonomia do estudante, na sua organização e gestão do tempo. Oliveira, Dias & Piccoloto (2013) observam que essas exigências, muitas vezes, não são acompanhadas pelo devido suporte familiar e institucional.

O processo de transição pode ser permeado por sentimentos ambíguos, que são, muitas vezes, alimentados pela falta de correspondência entre as expectativas iniciais e as experiências vividas no contexto universitário (Dias et al., 2019, Ribeiro, 2019). Por um lado, a entrada na universidade é percebida como uma oportunidade de desenvolvimento profissional, pessoal e interpessoal, no qual o indivíduo adquire maior liberdade e autonomia para realizar escolhas. Por outro, sentimentos de ansiedade e de insegurança podem emergir frente aos novos desafios acadêmicos e pessoais apresentados pela universidade e pelo ingresso na vida adulta (Almeida, 2007). Mudanças típicas desse momento como a saída de casa, distanciamento do ambiente familiar, alterações nas redes de amizade, exigências de maior autonomia, cobranças pelo bom desempenho acadêmico, necessidades de administrar o tempo e outras demandas impostas pelo ES podem repercutir negativamente na vida dos estudantes. Podendo, com isso, contribuir para o insucesso acadêmico, a evasão e o desenvolvimento de comportamentos de risco (Autor, 2019).

Outro fator que tem se mostrado relevante à promoção da integração no contexto universitário são as relações sociais estabelecidas pelo estudante. As redes de apoio, tanto de familiares como de pares, mostram-se fundamentais para o sucesso na adaptação acadêmica. Assim, quanto maior for o apoio recebido, melhor será a adaptação, pois os estudantes estarão mais amparados emocionalmente para enfrentar as dificuldades inerentes ao ingresso no ES (Bardagi & Hutz, 2012; Carlotto, Teixeira & Dias, 2015).

A literatura sobre adaptação à universidade enfatiza múltiplos fatores envolvidos nesse período de transição para o ES. Contudo, aspectos mais pontuais ainda merecem ser mais bem explorados, uma vez que as mudanças envolvidas nesse momento influenciam a adaptação. O objetivo deste estudo é identificar as características de pesquisas empíricas que se centram no processo de transição do EM para a universidade, mais especificamente, pretende-se conhecer quais são as principais variáveis enfocadas nessas pesquisas.

 

Método

Foi realizada uma revisão sistemática da literatura publicada entre 2012 e 2022 sobre a transição do ensino médio para o ES. A escolha por esse período foi feita com o objetivo de analisar as informações mais atuais sobre a temática. A busca foi realizada nas bases de dados PsycINFO, Scielo, Pepsic, Scopus e Web of Science. Optou-se por essas bases de dados devido a oferecerem acesso ao texto completo das publicações. Foram utilizados os seguintes descritores nos idiomas português, espanhol e inglês: "transição à universidade", "transição para universidade"; "transição universitária"; "transição do ensino médio"; "transição para o ensino superior"; "transición a la universidad"; "college transition"; "transition to college". Os achados iniciais identificaram um total de 2.133 artigos, no dia 10 de fevereiro de 2023. Utilizou-se como critério de inclusão: 1) ser artigo empírico, 2) tratar do tema da transição do EM para a universidade e 3) ter texto integral disponível online. Foram excluídos: 1) artigos duplicados, 2) artigos que não apresentavam o texto completo disponível, 3) artigos que utilizavam o método de revisão de literatura, 4) artigos que tratassem de populações específicas (por exemplo: veteranos do serviço militar, pessoas com transtornos mentais e doenças crônicas) e 5) artigos sobre transição à universidade durante o período da pandemia do coronavírus.

Em uma primeira análise foi realizada a leitura dos títulos dos trabalhos por dois avaliadores de forma independente, considerando os critérios de inclusão e de exclusão. Quando o título deixava dúvidas sobre a inclusão do trabalho, o resumo era lido para se tomar uma decisão. Em um primeiro momento, 331 trabalhos foram selecionados para a constituição da amostra de artigos a serem analisados. O índice de concordância entre os avaliadores nessa etapa foi de 92,25 %. Discordâncias foram julgadas por um terceiro avaliador. Em uma segunda fase, os títulos e os resumos de 177 artigos foram lidos pelos dois avaliadores, considerando novamente os critérios de inclusão e de exclusão. Nesta fase, foram selecionados 25 artigos que foram lidos na íntegra. Destes, dois foram excluídos por não apresentarem o foco em aspectos relacionados à transição para o ES. Por fim, a amostra final foi composta por 23 estudos. O diagrama da Figura 1, baseado no modelo PRISMA (Moher, Liberati, Tetzlaff, Altman & The PRISMA Group, 2009), mostra o processo de seleção dos estudos.

 

Figura 1

Diagrama de seleção dos artigos

 

 

Resultados e Discussão

Por meio da busca nas bases de dados, foram encontrados 2.133 artigos. Destes, inicialmente, 1.956 estudos foram descartados por não apresentarem uma relação com o objetivo do estudo, por serem revisões de literatura, encontrarem-se em duplicidade ou indisponíveis. Diversos artigos tinham universitários como participantes, mas não investigavam questões propriamente relacionadas ao processo de transição do EM para a universidade ou de adaptação do estudante a esse novo contexto. Após a leitura dos 177 resumos selecionados, 25 artigos foram lidos na íntegra. Destes, dois foram excluídos por não se enquadrarem no foco do estudo. A amostra final (23 trabalhos) foi analisada a partir das seguintes categorias: a) conceito de transição à universidade b) delineamento utilizado no estudo, c) características dos participantes, d) resultados principais (Tabela 1).

 

Tabela 1

Características dos artigos analisados

Estudo

País

Amostra

Resultados principais

Ari & Shulman (2012)

Israel

150 alunos,
(M = 23 anos)

Os grupos diferiram em quantidade e qualidade de sono, índices de estresse, humor e horas de estudos.

Azmitia et al. (2013)

Estados Unidos

167 jovens de diferentes etnias e NSE

Os grupos com melhor saúde mental tiveram maior síntese de identidade e maior apoio emocional de amigos

Berardi et al. (2020)

Estados Unidos

215 calouros,
(M = 18 anos)

Relacionamentos saudáveis com os pais associados a estratégias de busca de ajuda

Booker et al. (2022)

Estados Unidos

244 calouros
(M = 18 anos)
78% mulheres

Melhoras no sentimento de pertencer à faculdade e da saudade de casa estão associadas com novos relacionamentos e bem-estar subjetivo.

Carr et al. (2013)

Inglaterra

131 alunos,
(M = 19 anos)

Estilos de apego podem ser preditores para bem-estar psicossocial e saúde mental.

Conley et al. (2014)

Estados Unidos

2095 adultos
do 1º ano da universidade

Transição é caracterizada por declínios no bem-estar psicossocial e aumentos no sofrimento psicológico e vulnerabilidades

Hanna et al. (2014)

Inglaterra

Seis calouros,
4 mulheres

Os alunos parecem estar insuficientemente preparados para as demandas universitárias

Hernández & Kahn (2020)

Estados Unidos

325 calouros
(M = 17 anos)

Evitar o apego à mãe antes da faculdade associado a trajetórias de desajustes no primeiro semestre. 

Huynh & Fuligni (2012)

Estados Unidos

563 estudantes de diferentes etnias

Embora a discriminação percebida diminua ao longo do tempo, a depreciação percebida pela sociedade aumenta.

Kroshus et al. (2021)

Estados Unidos

5.509 calouros, diversas etnias
(M = 19 anos)

Autocompaixão como preditor mais forte e consistente de transições bem-sucedidas à universidade.

Larose et al. (2019)

Canadá

1405 estudantes

A ansiedade prediz problemas interpessoais e somáticos durante a transição e afeta negativamente o sucesso acadêmico.

Morton et al. (2014)

Austrália

84 calouros
(60 mulheres)

Altos níveis de otimismo e baixos níveis de depressão e ansiedade associados a uma melhor adaptação.

Pino et al. (2012)

Estados Unidos

104 alunos
latinos

Estudantes latinos consomem mais maconha e álcool, estudam menos e tem mais tempo ocioso na universidade do que as latinas.

Ranney & Troop-Gordon (2012)

Estados Unidos

242 calouros
18-19 anos

A comunicação por computador com amigos distantes previu níveis mais baixos de sofrimento emocional durante a adaptação à universidade.

Rogers et al. (2018)

Estados Unidos

146 calouros
(M = 17 anos)

Envolvimento com pais e amigos associado a mais afetos positivos e menos negativos.

Sasser et al. (2022)

Estados Unidos

207 latinos
(M = 18 anos)
65% mulheres

Maior apoio dos pais durante o primeiro semestre da faculdade foi relacionado a menor uso de álcool e menor incidência de sintomas depressivos

Shim & Ryan (2012)

Estados Unidos

276 calouros
várias etnias

Metas de evitação social prejudicaram a adaptação acadêmica.

Soares et al. (2014)

Brasil

182 estudantes brasileiros de diferentes NSE

Envolvimento com os colegas, no plano de carreira e nas atividades do curso associadas à boa adaptação.

Tan et al. (2019)

Estados Unidos

340 calouros, baixa renda e de 1ª geração

Apego seguro aos cuidadores relacionado a menos sintomas depressivos que levou a relacionamentos mais próximos com os colegas.

Taylor et al. (2014)

Estados Unidos

83 estudantes de diversas etnias (M = 18 anos)

Sintomas internalizantes negativamente associados ao apoio percebido pelos amigos. Resiliência do ego associada à percepção de apoio da família.

Terry et al. (2013)

Estados Unidos

119 calouros

Autocompaixão relacionada a melhor enfrentamento de dificuldades e maior satisfação com a universidade.

Wilkins (2014)

Estados Unidos

19 homens negros,
8 brancos

Homens brancos levaram suas estratégias de identidade para a faculdade, já para homens negros a transição foi mais difícil.

Wrench et al. (2013)

Austrália

132 estudantes de cursos da saúde

Mudança de cidade, envolvimento com a aprendizagem, senso de pertencimento e gestão do tempo afetam o bem-estar durante a transição.

 

Conceito de transição à universidade

A transição à universidade é entendida como uma etapa muito importante na vida dos jovens (Huynh & Fuligni, 2012; Shim & Ryan, 2012), que envolve diversas mudanças e desafios (Ari & Shulman, 2012; Larose, Duchesne, Litalien, Denault, & Boivin, 2019; Rogers et al., 2018; Terry, Leary, & Mehta, 2013), e sobrepõe-se à transição da adolescência para a adultez jovem (Conley, Kirsch, Dickson, & Bryant, 2014; Huynh & Fuligni, 2012; Taylor et al., 2012). É percebida como um período potencialmente estressante, uma vez que há uma reconfiguração de papéis e de responsabilidades (Terry et al., 2013) em que o jovem precisa elaborar suas questões identitárias, além das novas exigências acadêmicas (Huynh & Fuligni, 2012; Taylor, Doane, & Eisenberg, 2014).

Observa-se que a maior parte dos estudos trata dos desafios vivenciados pelos jovens, talvez isso decorra da ênfase em questões de integração ou de adaptação. Dentre os desafios que podem ser vividos em função do ES, destacam-se: a mudança de cidade (Terry et al., 2013), o afastamento da família (Ari & Shulman, 2012; Booker et al., 2022; Hernández & Kahn, 2020), a necessidade de lidar com um novo ambiente acadêmico e fazer novas amizades (Booker et al., 2022; Shim & Ryan, 2012; Taylor et al., 2014) e o fato de assumir responsabilidades acadêmicas maiores (Taylor et al., 2014).

Nessa amostra, somente 12 estudos apresentaram um conceito de transição à universidade, entretanto enfatizavam apenas as mudanças ou desafios enfrentados pelos estudantes, sem explicitar um modelo teórico de transição (ver Tabela 2). Nesse sentido, observa-se a necessidade de uma melhor conceitualização da transição para a universidade. Seria interessante ser apresentada uma definição que abordasse tanto aspectos de extensão temporal como elementos prototípicos dessa experiência, em termos de diferentes dimensões, facilitando que resultados de diferentes estudos pudessem ser comparados.

 

Tabela 2

Estudos que apresentaram um conceito de transição à universidade

Conceito de transição à universidade

Estudo

Período de mudanças e desafios, como mudança de residência, afastamento dos pais, lidar com um novo ambiente.

Ari & Shulman (2012)

Envolve dois principais desafios sociais: lidar com a distância da família e amigos e pressão para construir uma nova rede de relacionamentos na universidade

Booker et al. (2022)

Coincide com a transição para a idade adulta e pode ser estressante devido às mudanças nos papéis e nas expectativas.

Conley et al. (2014)

Evento importante da vida e, frequentemente, é a primeira grande separação de amigos e de familiares. 

Hernández & Kahn (2018)

Período demarcado pela conciliação da independência recém-descoberta com as novas demandas acadêmicas e sociais.

Huynh & Fuligni (2012)

Período de desafios e de maior vulnerabilidade a doenças mentais e de oportunidade de desenvolvimento psicossocial.

Kroshus et al. (2021)

Alunos experimentam grandes mudanças em várias esferas da vida, incluindo acadêmica, social e familiar.

Larose et al. (2019)

Desafiadora para muitos alunos do primeiro ano, envolvendo grandes mudanças de desenvolvimento e ecológicas.

Rogers et al. (2018)

Momento de mudanças no qual a família é uma importante fonte de apoio emocional.

Sasser et al. (2022)

Marco importante na vida, que traz novos desafios sociais.

Shim & Ryan (2012)

Pode ser um momento de maior vulnerabilidade, devido à entrada na vida adulta, novas responsabilidades e relações.

Taylor et al. (2014)

Processo que envolve mudanças no estilo de vida, rotinas e, muitas vezes, mudança de cidade.

Terry et al. (2013)

 

Delineamento dos estudos

Quanto ao método, 19 estudos apresentam delineamento quantitativo, dois possuem delineamento misto (Azmitia, Syed, & Radmacher, 2013; Hanna, Hall, Smyth, & Daly, 2014) e dois utilizaram delineamento qualitativo, sendo que um se tratava de estudo de casos múltiplos (Wilkins, 2014) e o outro utilizava entrevista (Wrench, Garrett, & King, 2013). Das pesquisas quantitativas, 15 estudos possuem um delineamento longitudinal (Ari & Shulman, 2012; Berardi, Sanchez, & Kuperminc, 2020; Booker et al., 2022; Conley et al., 2014; Hernández & Kahn, 2020; Huynh & Fuligni, 2012; Larose et al., 2019; Kroshus et al., 2021; Ranney & Troop-Gordon, 2012; Rogers et al., 2018; Sasser et al., 2022; Shim & Ryan, 2012; Tan, Hurd, & Albright, 2019; Taylor et al., 2014; Terry et al. 2013) e quatro são transversais (Carr, Colthurst, Coyle, & Elliott, 2013; Morton, Mergler, & Boman, 2014; Pino, Martinez-Ramos, & Smith, 2012; Soares et al., 2014). Estudos qualitativos e mistos apresentavam delineamentos transversais (Azmitia et al., 2013; Hanna et al., 2014; Wrench et al., 2013, Wilkins, 2014).

Destaca-se que a grande maioria dos estudos optou por analisar a transição do EM para o ES por meio de estudos quantitativos e longitudinais, comparando as variáveis alvo ao longo do tempo, principalmente durante o primeiro ano de ingresso no ES. Essa forma de delineamento mostra-se pertinente para a abordagem do fenômeno. No entanto, aspectos qualitativos do processo de transição podem não estar sendo investigados.

Características dos Participantes

Em relação aos participantes dos estudos, 16 pesquisas selecionaram estudantes que estavam cursando o primeiro ano da universidade (Ari & Shulman, 2012; Azmitia et al., 2013; Berardi et al., 2020; Booker et al., 2022; Carr et al., 2013; Hanna et al., 2014; Hernández & Kahn, 2020; Kroshus et al., 2021; Mortonet al., 2014; Ranney & Troop-Gordon, 2012; Rogers et al., 2018; Shim & Ryan, 2012; Soares et al., 2014; Tan et al., 2019; Terryet al., 2013; Wrenchet al., 2013). Em cinco estudos, além das informações serem coletadas com estudantes de primeiro ano da universidade, foram acessados estudantes no final do EM (Huynh & Fuligni, 2012; Larose et al., 2019; Taylor et al., 2014) ou pouco antes da entrada na universidade (Conley et al., 2014; Sasser et al., 2022), buscando documentar as mudanças ocorridas ao longo desse período. Em dois estudos (Pino et al., 2012; Wilkins, 2014), os participantes foram estudantes de diferentes anos da graduação. Considera-se que poderiam ser ampliados o número de estudos longitudinais que investigassem os aspectos da transição em participantes concluintes do EM e ingressantes na universidade, pois isso possibilitaria identificar mudanças em algumas variáveis importantes no processo de integração.

Observa-se que a maior parte das pesquisas foi realizada com estudantes considerados típicos, com idade média entre 17 e 19 anos. No entanto, os estudos poderiam detalhar melhor a sua população, a fim de delimitar a que tipo de estudantes se referem. Pereira (2012) propõe que sejam considerados universitários típicos aqueles que ingressam no ES logo após terem concluído o EM, com idades entre 17 e 20 anos. Já os nomeados atípicos são aqueles que interromperam os estudos durante alguns anos, ingressam no ES mais tardiamente e já desempenham alguma atividade profissional, o que lhes impossibilita um envolvimento em tempo integral com as atividades acadêmicas (Soares, Almeida & Ferreira, 2010).

No que se refere à variável sexo, a maioria das pesquisas teve amostras compostas por indivíduos majoritariamente do sexo feminino. Entretanto, apesar dessa variável ter sido utilizada para caracterizar a maior parte dos estudos, ela só foi analisada em seis pesquisas (Conley et al., 2014; Kroshus et al., 2021; Larose et al., 2019; Pinoet al., 2012; Ranney & Troop-Gordon, 2012; Sasser et al., 2022), sendo que quatro estudos (Conley et al., 2014; Kroshus et al., 2021; Larose et al., 2019; Sasser et al., 2022) encontraram diferenças entre homens e mulheres. Em um dos estudos, os níveis de ansiedade dos homens estabilizaram após início da transição enquanto em mulheres esses níveis continuaram a piorar no segundo semestre da graduação. Por outro lado, homens apresentaram piores escores de vulnerabilidade e de bem-estar social, uma vez que se mostraram mais propensos a fazer uso de estratégias desadaptativas para lidar com as dificuldades presentes no período de transição (Conley et al., 2014). Os resultados de um estudo identificaram que melhores experiências sociais prediziam, mais fortemente para as mulheres, as chances de conclusão do ensino universitário (Larose et al., 2019). Em outro estudo, foi identificado que, durante o período de transição, homens apresentavam maior apoio dos pais e comunicação familiar mais positiva, além de menos sintomas depressivos, em comparação às mulheres (Sasser et al., 2022). Por fim, um estudo constatou que mulheres, minorias sexuais e estudantes de primeira geração tinham maiores chances de experimentar estressores crônicos, o que estava associado a maiores declínios do bem-estar e dos recursos relacionais de apoio e de conexão social (Kroshus et al., 2021).

Em termos de etnia da amostra, observa-se que oito estudos contaram com diferentes etnias (negros, asiáticos, latinos, europeus) (Azmitia et al., 2013; Berardiet al., 2019; Huynh & Fuligni, 2012; Kroshus et al., 2021; Rogers et al., 2018; Shim & Ryan, 2012; Tan et al., 2019; Taylor et al., 2014), seis possuíam uma grande maioria de caucasianos (Carr et al., 2013; Conley et al., 2014; Booker et al., 2022; Hanna et al., 2014; Hernández & Kahn, 2020; Ranney & Troop-Gordon, 2012), dois estudos tiveram uma amostra apenas de participantes latinos (Pino et al., 2012; Sasser et al., 2022) e um com a maioria de participantes negros (Wilkins, 2014). Seis estudos não informaram a etnia dos participantes (Ari & Shulman, 2012; Larose et al., 2019; Mortonet al., 2014; Soares et al., 2014; Terry et al., 2013; Wrench et al., 2013). Observa-se que a variável etnia foi analisada em quatro dos 17 artigos identificados (Huynh & Fuligni, 2012; Pino et al., 2012; Tan et al., 2019; Wilkins, 2014).

Ao comparar homens negros e brancos descobriu-se que apenas os últimos conseguiram utilizar na universidade as estratégias identitárias utilizadas no EM. Os homens negros relataram ter dificuldades na transição ao ES, uma vez que as estratégias utilizadas no EM não funcionaram na universidade (Wilkins, 2014). Outro estudo com universitários de origem europeia, asiática, latina e outras minorias étnicas aponta que a percepção dos participantes sobre a discriminação de si e de seu grupo étnico estava associada a sintomas somáticos e depressivos (Huynh & Fuligni, 2012). Os resultados de outra pesquisa indicaram que estudantes de grupos de minorias étnicas, de baixa renda socioeconômica e de primeira geração tendem a perceber o ambiente universitário como pouco acolhedor, o que pode fazer com que levem mais tempo para estabelecer relações seguras e solidárias com os colegas (Tanet al., 2019). Por sua vez, outra pesquisa identificou que no EM estudantes latinos apresentam mais comportamentos de risco, estudam menos e praticam menos atividades voluntárias, enquanto as latinas se preparam mais para a universidade e reconhecem os pais e professores como importantes no processo de transição à universidade (Pino et al., 2012).

Principais resultados descritos nos estudos

Os estudos abordaram diversos temas e variáveis que foram divididos em dois grandes grupos, conforme a proposta de Soares et al. (2006). Esses autores consideram que na literatura sobre adaptação ou ajustamento à universidade há dois tipos de fatores: 1) aqueles que enfocam aspectos intrapessoais dos participantes e 2) aqueles que tratam de aspectos contextuais, que envolveriam questões institucionais e de relações interpessoais. Alguns estudos foram agrupados em um terceiro grupo por explorarem ambos os fatores.

No primeiro grupo, os estudos investigaram questões relacionadas, tais como: a associação entre o padrão de sono dos universitários, seus estados afetivos e níveis de estresse (Ari & Shulman, 2012); a percepção sobre a transição da escola para a universidade (Hanna et al., 2014); os efeitos de características pessoais e de sintomas internalizantes sobre os níveis de estresse e da adaptação à universidade (Morton et al., 2014); o impacto das expectativas sobre a adaptação acadêmica (Soares et al., 2014); o papel da autocompaixão no enfrentamento das dificuldades (Terry et al., 2013); e a relação entre os sintomas internalizantes, a percepção de apoio social e os níveis de resiliência do ego (Taylor et al., 2014).

No segundo grupo, as variáveis investigadas foram: relação entre apego e indicadores de bem-estar psicossocial (Carr et al., 2013); a influência de pais, colegas, professores e de outros fatores sobre a experiência de transição à universidade (Booker et al., 2022; Pino et al., 2012; Sasser et al., 2022); a comunicação com amigos distantes como compensador pela falta de amizade no campus (Ranney & Troop-Gordon, 2012); e as experiências de integração de homens negros e brancos (Wilkins, 2014).

Por fim, alguns estudos investigaram tanto variáveis individuais como relacionais: o papel da síntese de identidade e do apoio da família, amigos e professores na saúde mental de estudantes em transição para o ES (Azmitia et al., 2014); relação entre apego e sintomas depressivos (Tan et al., 2019), estados afetivos (Rogers et al., 2018) e ajuste social, emocional e acadêmico (Berardi et al., 2020; Hernández & Kahn, 2020); ajustamento psicossocial (Conley et al., 2014), acadêmico e emocional, ao longo da transição à universidade (Larose et al., 2019); a percepção de discriminação e o senso de desvalorização de seu grupo étnico, perante a sociedade (Huynh & Fuligni, 2012); associação entre objetivos de realização social e os comportamentos sociais (Shim & Ryan, 2012); percepções e fatores que influenciam a saúde e o bem-estar dos calouros (Kroshus et al., 2021; Wrench et al., 2013).

Ao investigar as relações entre os sintomas de depressão e de ansiedade, o apoio social percebido e a resiliência do ego, ao longo da transição à universidade, Taylor et al. (2014) identificaram que os estudantes que percebiam ter menos apoio social dos amigos apresentavam mais sintomas depressivos e de ansiedade. Já os estudantes que percebiam o apoio da família apresentaram maiores níveis de resiliência do ego. De fato, tanto o apoio emocional dos amigos quanto o sentimento de pertencimento mostraram-se importantes para a adaptação à universidade e influenciaram positivamente a saúde mental e o bem-estar dos estudantes (Azmitia et al., 2013; Booker et al., 2022; Tan et al., 2019; Wrench et al., 2013). Por sua vez, níveis elevados de ansiedade contribuem para o desenvolvimento de problemas interpessoais e somáticos durante a transição para o ES e afetam negativamente o sucesso acadêmico (Larose et al., 2019).

Alguns estudos analisaram o papel do apoio dos pais e de cuidadores durante o período de transição dos jovens à universidade (Berardi et al., 2020; Hernández & Kahn, 2020; Rogers et al., 2018; Sasser et al., 2022; Tan et al., 2019). Hernández e Kahn (2020) identificaram que estudantes com alta evasão de apego materno tendiam a aumentar os níveis de angústia durante o primeiro semestre da faculdade, apresentando maiores problemas de ajustamento emocional e social. Outros estudos constataram que um apego seguro aos cuidadores facilitava, na universidade, a formação de relacionamentos com colegas e esteve associado ao uso maior de estratégias de busca de ajuda, estados afetivos positivos e redução de sintomas depressivos durante a transição à universidade (Berardi et al., 2020; Rogers et al., 2018; Tan et al., 2019). Os resultados de outro estudo também evidenciaram a importância da família para promoção do bem-estar dos alunos, nesse período de transição, sendo que aspectos positivos da família foram associados a menos sintomas de depressão e de uso de álcool pelos participantes (Sasser et al., 2022). Assim, apesar da mudança para a faculdade representar um momento de maior autonomia, os pais continuam a desempenhar um papel de apoio significativo.

Os resultados do estudo de Soares et al. (2014) indicaram que a expectativa dos estudantes de se envolverem socialmente prediz o engajamento em relações sociais e de amizade, colaborando para uma melhor adaptação. Ademais, universitários que apresentam maiores índices nas expectativas acadêmicas relacionadas ao envolvimento com o curso e com a instituição têm maiores chances de se adaptar melhor ao novo contexto. Entretanto, Hanna et al. (2014) destacam que alguns alunos não parecem estar preparados para as demandas do ES. Muitos gostariam que aspectos de sua experiência universitária fossem similares aos que vivenciaram no EM, incluindo maior nível de atenção individual, maior proximidade com professores e maior clareza sobre as avaliações (Hanna et al., 2014).

A influência da autocompaixão mostrou-se um componente relevante na forma como os universitários reagem às dificuldades sociais e acadêmicas na transição para a universidade. O estudo de Kroshus et al. (2021) constatou que a autocompaixão foi o principal componente da promoção do bem-estar e da resiliência nesse período. Terry et al. (2013) identificaram também que estudantes que apresentam altos índices de autocompaixão conseguem lidar melhor com o enfrentamento às adversidades e situações estressantes, sentem menos saudades de casa e expressam maior satisfação com sua decisão de ingressar no ES. Otimismo e autoeficácia também são características pessoais que podem contribuir para uma boa experiência de transição. Morton et al. (2014) identificaram que universitários com altos níveis de otimismo e baixos níveis de depressão e ansiedade tendem a se adaptar melhor. Além disso, estudantes com altos níveis de autoeficácia apresentam menores níveis de estresse em seu primeiro ano na universidade.

Outro fator que parece influenciar o processo de transição é o padrão de sono dos universitários. Um estudo identificou que alunos com boa qualidade do sono e que dormiam mais de oito horas por noite lidaram bem com a transição e apresentaram baixos níveis de estresse e de afeto negativo. Assim, os hábitos de sono podem ser considerados como um fator importante, ao estudar a transição à universidade, por estarem relacionados ao melhor enfrentamento das adversidades e a menores níveis de estresse (Ari & Shulman, 2012).

Wrench et al. (2013) identificaram que a transição para a universidade foi considerada um fenômeno complexo, em que uma série de fatores impactam o bem-estar dos ingressantes. Para os participantes, a transição teve um impacto negativo nos hábitos alimentares e na qualidade do sono. Identificou-se, ainda, que os estudantes não se sentiam totalmente preparados para o novo ambiente de aprendizagem, para a exigência de maior autonomia e de responsabilidade. O apoio social e o sentimento de pertencimento mostraram-se significativos para uma boa transição.

Em relação às vivências sociais, Shim e Ryan (2012) observaram que estudantes que se propuseram a realizar tentativas de socialização tendem a se adaptar socialmente com mais facilidade. Já estudantes com comportamentos evitativos apresentaram baixa autoestima, comportamento ansioso e maior dificuldade para se ajustarem à universidade (Shim & Ryan, 2012). De modo similar, Carr et al. (2013) identificaram que estudantes inseguros possuem maior percepção de solidão e percepções negativas de integração com colegas e professores, o que afeta negativamente a adaptação ao contexto universitário.

Alguns estudantes podem apresentar dificuldades de fazer amizades, seja por características pessoais ou em função das diversas mudanças vivenciadas nesse período. Devido a isso, a comunicação com amigos distantes via computador mostra-se como uma forma de auxiliá-los a compensarem a ausência de relações de apoio na universidade. Por outro lado, deve-se atentar para a qualidade dessas relações à distância. Os participantes relataram dificuldades de adaptação e maior sofrimento emocional, mesmo mantendo os contatos à distância (Ranney & Troop-Gordon, 2012). Os estudos apresentaram diversas variáveis que podem influenciar de forma positiva ou negativa a experiência de transição à universidade, conforme apresentado na Tabela 3.

 

Tabela 3

Fatores analisados nos estudos que influenciam na transição à universidade

Fatores que auxiliam

Fatores que prejudicam

  • Sentimento de pertencimento.

  • Expectativas positivas de envolvimento social, acadêmico e com o curso.

  • Envolvimento com a aprendizagem.

  • Níveis elevados de resiliência, autocompaixão, otimismo e autoeficácia.

  • Níveis baixos de depressão e ansiedade.

  • Uso de estratégias de busca de ajuda.

  • Boa qualidade do sono.

  • Apoio social e emocional de amigos e familiares.

  • Sentimentos de não estar preparado para lidar com as demandas do ES.

  • Comportamento social evitativo.

  • Baixo suporte parental.

  • Percepções negativas de integração com colegas e professores.

  • Baixos níveis de resiliência.

  • Níveis elevados de depressão, ansiedade e estresse.

  • Dificuldades de lidar com eventos estressores.

  • Padrões ruins de sono.

  • Percepção de discriminação.

 

Considerações Finais

A transição do EM para a universidade é um processo complexo, que envolve diferentes dimensões que podem influenciar tanto positivamente como negativamente o processo de integração ao ES. A análise desenvolvida nesse estudo demonstra a necessidade de uma melhor elaboração do conceito de transição e de suas dimensões. Observou-se que os estudos focam, prioritariamente, o primeiro ano da universidade, assim informações sobre as características do estudante antes de ingressar no ES são pouco conhecidas. Seria interessante conhecer algumas características desses estudantes concluintes do EM para compreender melhor como o ingresso na universidade efetivamente afeta os mesmos nas diferentes dimensões desse processo de transição. Além disso, considera-se que o desenvolvimento de estudos longitudinais, com delineamentos qualitativos ou mistos, permitiria conhecer e compreender melhor o processo de transição, tanto no que se refere às mudanças como aos fatores facilitadores da integração.

Nos estudos investigados, identificou-se que alguns fatores podem ajudar no processo, tais como: bons hábitos de sono, sentimento de autocompaixão e o apoio de familiares e amigos, tanto presencialmente como à distância. O próprio momento de transição em si, por estar perpassado por uma série de mudanças desenvolvimentais, sociais e acadêmicas, pode vir a ser um estressor para esses estudantes. Ademais, outros fatores podem dificultar a capacidade adaptativa como ter padrões ruins de sono, a percepção de discriminação de si e do seu grupo étnico e a presença de baixos níveis de resiliência do ego. Considerando que o ingresso no ES é uma experiência comum a muitos jovens, caberia, ainda no EM, pensar em programas preventivos de preparo para esse momento, oferecendo aos estudantes e seus pais informações acerca do novo contexto acadêmico, da importância de uma boa rede de apoio, dos locais onde eles podem buscar ajuda na ou fora da universidade.

Os estudos analisados sugerem que sejam realizadas outras pesquisas a fim de investigar fatores que auxiliem os estudantes a enfrentar melhor as demandas universitárias e as variáveis negativas associadas ao processo de transição e adaptação ao ES (Huynh & Fuligni, 2012; Shim & Ryan, 2012). Autores também sugerem medir as variáveis em vários pontos no tempo para explorar de que forma elas se relacionam com as características pessoais e contextuais dos universitários (Azmitia et al., 2013; Terry et al., 2013). Considerando que questões étnicas são importantes para o desenvolvimento de políticas de acesso e manutenção do estudante na universidade (Fischmann, 2020), seria importante que essa variável pudesse ser mais bem explorada em pesquisas futuras.

Esse estudo possui algumas limitações, como o fato de apenas um dos artigos possuir amostra brasileira. Dentre as fontes encontradas, as amostras são predominantemente de universidades estadunidenses, o que dificulta a articulação de algumas discussões ao considerar o contexto brasileiro como comparação. Apesar de endereçar temáticas importantes relacionadas principalmente a questões étnico-raciais, culturais e de gênero, os estudos não contemplam outros potenciais dificultadores no processo de transição e até ao próprio acesso e permanência na universidade vivenciados por muitos estudantes brasileiros.

Diante da complexidade e dos aspectos relacionados à transição ao ES, faz-se necessário o desenvolvimento de pesquisas com estudantes brasileiros para explorar outras especificidades desse fenômeno, que vão para além de questões individuais, tais como: questões relacionadas à desigualdade econômica e social, políticas públicas e possíveis barreiras de acesso, de permanência e de conclusão. Seria igualmente interessante pensar sobre intervenções para esse público, buscando reforçar os aspectos que auxiliam os estudantes e intervir sobre os que prejudicam seu sucesso na transição à universidade.

 

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Endereço para correspondência
Karen Cristina Rech Braun - karenrech@gmail.com

Recebido em: 24/07/2021
Aceito em: 02/05/2023

 

Financiamento: A pesquisa relatada no manuscrito foi financiada pela bolsa de mestrado da primeira autora (CNPq, No. Processo 132499/2015-0)

 

 

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