Resenha
Suicídio e Psicoterapia – Uma visão Gestáltica
Suicide and Psychoterapy: a gestalt approach
Hugo Ramón Barbosa Oddone
Este livro é
extremamente paradoxal. Já no prefácio, Lílian Meyer Frazão nos diz “no meu
entender, o suicídio, mais do que um gesto que cala, é um gesto que fala...”
e a autora dá voz e estilo à fala do suicídio, apresentando-nos uma notável e –
repito – paradoxal figura literária, uma provocação para o debate, um convite
para o diálogo.
Na esteira do livro sobre luto1, Karina
Fukumitsu nos comove e nos desperta com este novo texto, exibindo-nos uma
realidade cujos dados geralmente são escondidos, proibidos, rigidamente
controlados ou manipulados. Há uma idéia generalizada de que não se devem
publicar dados referentes a estatísticas e motivações para o suicídio, pois
geraria na sociedade uma reação, geometricamente crescente, de aumento dos
casos. Talvez por esse motivo, há na literatura especializada,
sociológica, médica ou psicológica, um grande vazio a este respeito. A referida obra vem preencher esse espaço.
A abordagem fenomenológico-existencial, na qual os juízos
de valor são colocados entre parênteses (epoché) e onde todo e qualquer a
priori são descartados, na tentativa de contatar o que é (o fato em si), do modo que
ele se apresenta, campeia nesta descrição experiencial, quando nos deparamos,
já no início do livro, com a valente e corajosa confissão da autora sobre suas
motivações pessoais para pesquisar e escrever sobre tão espinhoso tema. A
fenomenologia, apesar de já ser uma abordagem metodológica centenária, continua
ainda chocando pessoas e instituições e sofre ainda certa resistência por
tratar-se de uma ciência de rigor inovadora e que propõe mudanças de paradigmas
para a investigação de conhecimento. Mais uma
vez, repete-se a história dialética e
reacionária, que através de suas forças conservadoras ceifam toda nova
possibilidade existencial...
O livro consta
de três partes, a primeira descrevendo os estudos sobre o suicídio em si e uma
discussão que circunda a experiência da autora; a segunda parte refere-se à
abordagem gestalt-terapêutica – baseada na Fenomenologia, na teoria do campo,
no humanismo e no existencialismo –, apresentando a visão do homem, suas
influências históricas, compreendendo uma observação sucinta, inteligentemente
resumida, dos seus conceitos-chaves; e, na parte final, a autora faz uma vívida
correlação entre suicídio e Gestalt-Terapia.
A autora, detalhista
e cuidadosa, apresenta-nos uma Gestalt-Terapia mais moderna, integrando ao bojo
teórico e metodológico da abordagem todas as suas contribuições mais
atualizadas. A Gestalt da autora é ágil, moderna e basicamente brasileira, pois
consegue integrar, prolixa e sabiamente, todos os conhecimentos adquiridos,
através de pesquisas acadêmicas dos mais renomados teóricos do país e das
experiências vividas pelos mesmos.
Segundo Fukumitsu, o suicida não procura a morte, mas a vida. O ato suicida trata-se de um derradeiro grito de confirmação da sua própria existência, embora ele aparente extremo desespero e desistência. Assim, a autora instiga-nos a procurar, por trás da tenebrosa aparência da tentativa suicida, a mensagem que não pode ser comunicada, o gesto não acenado, a expressão que não emergiu, a resistência que não pode ser desdobrada em seus dois sentidos, o de contato, mudança e o de conservação. Isto implica, quase sempre, em intencionalidade, nem sempre em ato consciente ou compreendido pelo próprio suicida ou pelos outros. Desvelada esta realidade, podemos partir à caça da paradoxal intencionalidade vital do suicida e, ao mesmo tempo, buscar o sentido de vida (ou até da falta dele), cujo resgate e apropriação é o que, no fim do processo, redirecionará e atualizará a qualidade existencial do cliente e do terapeuta.
A inclusão dos conceitos básicos na busca de familiarizar o leitor com a abordagem gestáltica parece ser necessária, por dois motivos: primeiro, exatamente porque ainda é pouco conhecida da grande maioria das pessoas, inclusive nas faculdades de psicologia; segundo, a Gestalt-Terapia é basicamente uma filosofia de vida, que preconiza um mínimo de interferência na auto-regulação organísmica (Barry Stevens dizia “não apresse o rio, ele corre sozinho”). Neste sentido, o malogro na nossa sociedade atual caracteriza-se exatamente pela priorização ou hipertrofia da tendência entrópica. Já a tendência anatrópica é uma força pujante em todos os organismos vivos, que nos leva, sempre, a uma maior organização e reticulação da consciência, a mais vida. Pois, se nos concentrarmos absolutamente no aqui-e-agora, alcançamos uma profunda e poderosa convicção: num organismo vivo, o desejo imperante é viver. Thanatos não existe, organismicamente. A autora demonstra vividamente esta realidade no segundo e terceiro capítulos.
Afirma Fukumitsu no terceiro capítulo “... nossas vidas não voltam e não podemos experienciar o futuro, ou seja, nossas vidas são inéditas”, e, com certeza, devemos vivê-las ineditamente... Este fato não justifica o suicídio martiriológico por causas religiosas ou sóciopolíticas, tão terrivelmente em voga na atualidade como arma de luta do terrorismo político (homens-bomba), raro ainda na nossa jovem democracia latino-americana. Neste sentido, prefiro destacar o ineditismo deste livro, que nos conduz com sabedoria e coragem em direção às nossas encruzilhadas e decisões existenciais. Com certeza, uma leitura iluminadora.
Notas
[1]FUKUMITSU, K.O. Uma visão fenomenológica do luto: um estudo sobre as perdas no desenvolvimento humano. Campinas: Livro Pleno, 2004.
* Psicólogo, gestalt-terapeuta. Coordenador da Série
Gestalt-terapia da Editora Livro Pleno, Campinas –SP. Coordenador do
GESTALT-Núcleo Riopretense de Psicologia e Psicoterapia. São José do Rio Preto
– SP.
Referências
Bibliográficas
Fukumitsu, K.O. Suicídio
e Psicoterapia – Uma visão gestáltica. Série Gestalt-Terapia. Campinas: Livro Pleno, 2005.
Recebido em: 29/08/2005
Aceito para publicação em: 15/09/2005
E-mail: hugodone@terra.com.br