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COMUNICAÇÃO DE PESQUISA
SUBJETIVIDADE E TECNOLOGIA: IMPACTO DA REALIDADE
DIGITAL EM TRABALHADORES E USUÁRIOS DO INSTITUTO NACIONAL DE SEGURIDADE
SOCIAL
TECNOLOGY AND SUBJECTIVNESS: THE IMPACT OF DIGITAL REALITY IN WORKERS
AND USERS OF INSTITUTO NACIONAL DE SEGURIDADE SOCIAL (INSS)
Priscila Pires Alves*
Essa
pesquisa, desenvolvida no âmbito do meu doutoramento, tem por objetivo
analisar os impactos da tecnologia na configuração da subjetividade
contemporânea. Para tanto, parte da premissa de que os modos de
produção material e simbólica da sociedade, na atualidade,
são engendrados pelos avanços tecnológicos, notadamente
pela tecnologia da informação, gerando uma nova arquitetura
no tecido social, bem como no comportamento dos sujeitos envolvidos.
Fenômeno
contemporâneo, o advento da Information Technology penetra
as dobras sociais, influenciando cada vez mais as formas de relacionamento
dos homens, produzindo processos de subjetivação subsidiados
pela lógica digital. A criação de um novo espaço
de valores e representações dependentes dos recursos tecnológicos
respalda a disseminação de uma cultura digitalizada que
determina, por conseguinte, uma nova configuração das relações
do sujeito com o seu entorno.
O próprio
processo de globalização aparece fortemente articulado à
possibilidade tecnológica, utilizando-se das facilidades viabilizadas
pela realidade digital, de modo que o entrelaçamento entre tecnologia
e capital impulsiona uma aceleração nos processos de mudança
e estruturação social, hipertrofia o presente, gerando,
conforme análise de alguns autores, um mundo desenraizado, sem
fronteiras, desvinculado da grafia enunciativa do passado, portanto “a-histórico”.
Hobsbawm (1996, p. 562), por exemplo, contextualiza o que se vive no tempo
presente, da seguinte forma: “Vivemos num mundo conquistado, desenraizado
e transformado pelo titânico processo econômico e tecnocientífico
do desenvolvimento do capitalismo, que dominou os últimos três
séculos”.
Experiências
marcadas pela transitoriedade, rupturas, caos, descontinuidades e alteridades
constituem os registros característicos dos fluxos sociais contemporâneos,
não sendo poucos os autores que, dentre outros aspectos, destacam
o reforço do individualismo, a instituição de uma
sociedade de consumo exacerbada, bem como a consolidação
do mercado de forma imanente.
Diante desta
configuração, a investigação em curso pretende
desenvolver uma análise do impacto das tecnologias de informação
e comunicação na construção da subjetividade,
num campo específico: nos serviços de atendimento ao público
realizado pelo sistema previdenciário brasileiro.
O interesse em
estudar a Previdência Social partiu de uma experiência vivenciada
pela própria pesquisadora, ocasião na qual percebeu que
as relações estabelecidas entre o trabalhador e o usuário
encontravam-se absolutamente mediadas por um sistema automatizado, frio,
que distanciava esses dois pólos e, sobretudo, desumano em relação
aos envolvidos. Trata-se de um ambiente habitado por pessoas que passam
por momentos difíceis de suas vidas, que, após serem devidamente
cadastradas, recebem senhas, que doravante, se constituem em pré-condições
para suas relações com o todo o sistema. Olhares desconfortados
e passivos marcam a postura do usuário e, de certo modo, dos próprios
trabalhadores desse sistema. À revelia da introdução
de novas tecnologias (indicadores eletrônicos, processos informatizados,
informações on line), as filas e decorrentes esperas permanecem,
mas, em contrapartida, o atendimento pessoal fica reduzido ao tempo necessário
para uma consulta ao computador, que diz a “última palavra”,
mesmo que seja a não rara informação de que “o
sistema caiu, retorne amanhã”. Mesmo numa observação
ingênua, desconsolos e perplexidades são visíveis,
diante das informações precisas, agora exigidas para que
se possa participar desse novo ambiente. Uma certa passividade e distanciamento
também permeiam o dia-a-dia de usuários e trabalhadores,
diante da imaginária grandeza do sistema eletrônico. Por
fim, o uso da ferramenta tecnológica como recurso facilitador das
operações na previdência, parece gerar uma resposta
inversa, tendo em vista que, de um lado, verifica-se a dificuldade do
usuário lidar com o aporte tecnológico e, de outro, o trabalhador
da Previdência, que diante do teclado e atrás da tela, apresenta-se
sujeitado aos recursos da máquina.
Essas
experiências preliminares deram o tom da construção
da pesquisa que, em última instância, visa discutir os impactos
das revoluções tecnológicas no cotidiano das pessoas.
Além disso, o estudo ganhou premência, pois ao proceder a
um levantamento sobre estudos já realizados nesse campo, não
se puderam localizar publicações que problematizassem a
Previdência sob o viés eleito. Optou-se, assim, por investigar
os efeitos dos impactos tecnológicos sobre a produção
de subjetividade dos dois pólos relacionais envolvidos no sistema
previdenciário: usuários e trabalhadores.
A investigação
encontra-se organizada em duas grandes frentes: o aprofundamento de algumas
categorias teóricas centrais para a análise do problema
e a realização de uma pesquisa de campo sobre a realidade
digital no cotidiano dos usuários e funcionários da agência
da Previdência Social da cidade de Barra Mansa, localizada no Rio
de Janeiro.
A escolha
das categorias teóricas para análise do objeto recaiu sobre:
(1) o próprio conceito de revolução tecnológica
e de capitalismo tecnológico, consistindo em uma descrição
sobre a era tecnológica e a reformatação dos espaços
sociais no âmbito político, econômico, bem como das
relações humanas, a partir da globalização
e do impacto das tecnologias de comunicação e informação
sobre o capitalismo; (2) o trabalho e as mudanças de seu significado
na realidade digital; (3) as políticas sociais na contemporaneidade
e a realidade da Seguridade Social Brasileira nos serviços da Previdência
Social (BEHRING, 2002; BEHRING, 2003); por fim, (4) engendrando todo o
estudo, a problematização do conceito de subjetividade e
sua expressão na atualidade (MANCEBO, 2003).
A pesquisa
de campo está se desenvolvendo em três etapas, a saber: coleta
de dados, a observação do campo e aplicação
de entrevistas semidirigidas. A opção pela triangulação
metodológica foi feita, pois possibilita o agrupamento das informações
coletadas, de modo que o estudo, cuja natureza é qualitativa, possa
oferecer um contorno do universo dos serviços que incluem redes
telemáticas e suas repercussões no cotidiano das pessoas.
A primeira
etapa do estudo de campo, que consistirá na coleta de dados, tem
como objetivo o desenvolvimento de uma pesquisa documental acerca da entrada
da tecnologia na Previdência Social, o processo de informatização
e o modo pelo qual os sistemas foram implantados e desenvolvidos. A Dataprev,
é a Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência
Social e, como tal, desenvolve e mantém os sistemas de informática
para o Ministério da Previdência. Através do contato
com a gerência de comunicação da empresa, já
se encaminhou um questionário para que informações
preliminares possam ser coletadas e relacionadas ao processo de implementação
dos sistemas telemáticos nas agências.
A observação
do campo, que visa a uma maior aproximação entre o observador
e o objeto a ser estudado, prevê o levantamento do cotidiano da
agência de Previdência Social de Barra Mansa; uma descrição
analítica do local e do seu funcionamento, de forma a se compreenderem
os procedimentos operacionais do posto de serviços, bem como dos
registros de eventos e/ou ocorrências inusitadas que se desenrolam
nos setores de recepção e atendimento. Os registros serão
feitos através de diários de campo, com a transcrição
literal dos processos observados.
Com as entrevistas
semidirigidas, pretende-se contextualizar os reflexos da realidade tecnológica
nas relações de trabalho, nos serviços prestados
e nas próprias relações inter-humanas que se desenrolam
nesse campo de prestação de serviços. Pretende-se
apreender a variedade de expressões e representações
acerca do impacto da realidade tecnológica, tanto para o usuário,
como para o trabalhador. Importa-nos, por fim, tentar compreender o que
entendemos como sendo a conseqüência do impacto das tecnologias
no cotidiano das relações inter-humanas que apontam para
a invisibilidade social.
Tendo em vista
que já foi realizada uma aproximação preliminar no
campo de pesquisa, é possível se afirmar que o interesse
por essa investigação ratificou-se, pois se pôde levantar
uma série de questionamentos acerca dos serviços prestados
que, uma vez mediados pelas redes telemáticas, dão densidade
ao conceito de invisibilidade social, afetando inexoravelmente a subjetividade.
NOTAS
* Doutoranda do Curso de Pós-Graduação em Psicologia Social da
UERJ. Professora da Universidade Estácio de Sá.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BEHRING, Elaine Rossetti. Política social no capitalismo tardio.
São Paulo: Cortez, 2002.
______ . Brasil em contra-reforma: desestrutruação do Estado e
perda de direitos. São Paulo: Cortez, 2003.
HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos. São Paulo: Companhia
das Letras, 1996.
MANCEBO, Deise. Contemporaneidade e efeitos de subjetivação. In: BOCK,
Ana Mercês Bahia. (Org.). Psicologia e o compromisso social.
São Paulo: Cortez, 2003. p. 75-92.
Recebido em :13/10/04
Aceito para publicação em: 01/03/04
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