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EDITORIAL
FORMATO ELETRÔNICO E DEMOCRATIZAÇÃO
DO CONHECIMENTO
ELETRONIC FORMAT AND DEMOCRATIZATION OF THE KNOWLEDGE
Deise Mancebo *
Ariane P. Ewald
Anna Paula Uziel
Eleonôra Torres Prestrelo
Inauguramos
o quarto ano da revista Estudos e Pesquisas em Psicologia com
profundas modificações editoriais e um conjunto bem atraente
de trabalhos.
As inovações
editoriais e técnicas referem-se basicamente à mudança
da revista para o formato eletrônico. Essa forma alternativa de
publicação trouxe-nos soluções para alguns
problemas que a maior parte dos editores enfrenta com a publicação
em papel, tais como limitação de espaço, escassez
de recursos para manter uma periodicidade menor e constante, altos custos
de publicação, cobranças de assinatura, dentre outros.
Sem dúvida, a conversão para a forma eletrônica dos
artigos e demais seções reduziu-nos os custos associados
aos recursos físicos e energéticos, bem como de tempo e
espaço destinados à produção.
Todavia,
se esses aspectos mais pragmáticos da edição de um
periódico foram os que nos motivaram, em última instância,
à adoção do novo veículo para a revista, é
preciso destacar outras preocupações que nos moveram. Primeiramente,
a ciência de que os modos de produção material e simbólica
da sociedade são engendrados, hoje, notadamente por uma revolução
tecnológica, que gera novas arquiteturas no tecido social e, por
conseqüência, impacta o comportamento de diversos setores,
especialmente aqueles ligados à transmissão de conhecimentos.
O grau de sofisticação alcançado hoje pela ciência,
a complexidade das tecnologias geradas e a importância central desse
conhecimento no aparelho produtivo, na reprodução material
da sociedade e na vida cotidiana configuram um salto qualitativo na longuíssima
história da relação entre tecnologia, ciência
e sociedade, no qual a transmissão do conhecimento detém
um papel de destaque.
Do volumen
ao códex e do códex à tela do computador, o homem
percorreu uma longa história, na qual se pode registrar várias
mutações, tanto na forma de se veicular a informação
como na apropriação que o leitor faz dos diversos veículos,
impulsionadas, evidentemente, pelas transformações técnicas
e das próprias sociedades. Da Antigüidade até à
Idade Média, a figura do leitor praticamente não existia,
os progressos instrucionais eram lentos, mesmo entre as classes privilegiadas
e, dentre as finalidades das bibliotecas, não constava a difusão
dos saberes para uma coletividade mais ampla. Tal visão de inacessibilidade
mudou, de modo que hoje se espera justo o oposto: almeja-se que a transmissão
da informação seja o mais universal possível, constituindo-se
em instrumento de socialização, democratização
e laicização dos conhecimentos, da ciência e da cultura.
Todavia,
entre nossas intenções como editoras e as possibilidades
concretas de alcançá-las corre uma ampla distância.
Não há como deixar de demarcar os imensos hiatos sociais
e disparidades que permeiam as diversas regiões de nosso país,
onde se pode verificar áreas urbanas de excelência, internacionalizadas
e tecnologicamente mediadas e outras completamente desfavorecidas, marcadas
pela total ausência dos novos sistemas tecnológicos. Sobre
o tema, é ilustrativa a consulta ao "Mapa da Exclusão
Digital", estudo realizado pelo Centro de Políticas Sociais
da Fundação Getúlio Vargas (2003), a partir dos dados
do Censo 2000, da PNAD 2001 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios)
e do SAEB (Sistema Nacional de Avaliação da Educação
Básica), onde se chama atenção para o fato de que
somente 12,46% dos brasileiros têm computador em casa e só
8,30% dispõem do acesso doméstico à Internet.
Assim, estamos
cientes dos limites impostos às nossas intenções
de democratização das informações pelo meio
eletrônico, o que não difere em muito dos entraves que enfrentávamos
quando trabalhávamos com edições impressas, visto
que as estatísticas brasileiras em relação ao acesso
da população aos livros, às bibliotecas e aos nossos
periódicos especializados, infelizmente, também se apresentam
desalentadoras. Entre as dificuldades que os dois veículos apresentavam,
obstáculos que, por certo, transcendem nossas possibilidades concretas
de resolução, persistimos na idéia-esperança
de que a cultura da interface possa trazer em seu bojo um potencial de
ampliação do universo de leitores. Acreditamos que a publicação
seriada eletrônica, que estamos veiculando a partir desse ano, terá
chances maiores de circulação, se comparada à tiragem
de 500 exemplares que até então conseguíamos disponibilizar
pela via impressa. Além disso, estamos confiantes de que poderemos
oferecer uma forma mais rápida de divulgação dos
resultados de pesquisas realizadas por nossa comunidade acadêmica
e áreas afins.
Por fim, consideramos,
na nossa tomada de decisão, que as instituições responsáveis
pelo fornecimento de informações não podem passar
imunes frente às imensas mudanças tecnológicas observadas
em nossos dias. Novos rumos nos são exigidos e estamos assumindo
o desafio, obviamente, com novas dificuldades para nos adequarmos aos
padrões de qualidade exigidos para tanto, com novas preocupações
e uma boa dose de cautela.
Essa primeira edição
eletrônica da revista Estudos e Pesquisas em Psicologia
apresenta cinco artigos. Em “Família e violência na
ótica de crianças e adolescentes vitimizados” as autoras
Fabiola Perri Venturini, Marina Rezende Bazon e Zélia Maria Mendes
Biasoli-Alves expõem um estudo exploratório que teve por
objetivo analisar o fenômeno da violência doméstica
pela ótica de crianças e adolescentes vitimizados, investigando
suas concepções de família e violência, além
de compará-las com as de um grupo de jovens não-vitimizados.
O artigo “Masculino e feminino na família contemporânea”,
de Terezinha Féres-Carneiro e Teresa Creusa de Góes Monteiro
Negreiros, discute os papéis de gênero nas relações
familiares contemporâneas, a partir das contribuições
teóricas da psicologia social e da psicanálise. Ana Valéria
Marques Fortes Lustosa, Antonio Roazzi e Cleonice Camino contribuíram
com o texto “Maquiavelismo: um construto psicológico”,
onde apresentam os resultados de estudo sobre a “personalidade maquiavélica”,
realizado com meninos de rua, meninos trabalhadores e meninos de escola
particular. O quarto texto, “A abordagem ecológica de Urie
Bronfenbrenner em estudos com famílias”, de Edna Martins
e Heloisa Szymanski, apresenta uma contribuição da teoria
ecológica e sistêmica aos estudos com crianças e famílias,
ampliando os aspectos que necessitam ser verificados nesse campo de investigação.
No último artigo “Sociología de la Cultura de Masas",
Blanca Muñoz expõe o pensamento da Escola de Frankfurt,
com a segurança de uma especialista em Adorno, um dos principais
componentes dessa perspectiva. O artigo discute a cultura de massa, apresentando
antecedentes e a persperctiva frankfurtiana sobre a questão, apoiada
em dois dos autores mais familiares à Escola, Marx e Freud. O texto
põe em julgamento a sociedade tal como ela se apresenta, uma preocupação
central de todos os pensadores que compartilham das idéias da Escola
de Frankfurt, apresenta um pensamento que se propõe crítico
da realidade e nos impõe a reflexão e resistência.
Além
dos artigos, há mais duas seções: uma comunicação
da pesquisa “Subjetividade e tecnologia: impacto da realidade digital
em trabalhadores e usuários do Instituto Nacional de Seguridade
Social”, de Priscila Pires Alves e a resenha do livro “Les
temps hypermodernes” de Gilles Lipovetsky e Sébastien Charles,
realizada por Marília Antunes Dantas.
A pesquisa
em Psicologia ganha com as contribuições desses autores
e esperamos, como editoras, que o novo formato eletrônico da revista
Estudos e Pesquisas em Psicologia possa ajudar para que a transmissão
do conhecimento psicológico seja o mais universal possível,
constituindo-se em “instrumento de socialização e
democratização dos conhecimentos, da ciência e da
cultura”.
NOTAS
1O volumen era um livro em forma de rolo, que recebeu os primeiros registros
escritos. Composto por uma longa faixa de papiro ou de pergaminho, tinha
suas extremidades enroladas sobre suportes de madeira que demandava o
uso das duas mãos para seu manuseio. Sua estrutura, evidentemente,
oferecia todas as desvantagens para a apropriação do texto,
impondo uma leitura contínua e um movimento linear (para frente
e para trás), o que dificultava a procura de parágrafos
ou passagens de forma precisa (JACOB, 2000, p. 55).
2A partir da era medieval, a leitura passa a ter como suporte o livro,
cujo texto é organizado a partir de uma estrutura em cadernos,
folhas e páginas. Tratava-se do livro em forma de códex
ou códice. Esse formato, desde o manuscrito, já oferecia
uma estrutura mais flexível do que o volumen. De confecção
mais fácil, além de mais econômico do ponto de vista
material, visto que era escrito dos dois lados do papel, o códex,
pela sua própria forma, oferecia ao leitor maior liberdade às
mãos e abreviava o tempo, permitindo uma mais vasta circulação
do livro (BRAGA, 2002).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRAGA, Maria de Fátima Almeida. Práticas
informacionais e sociedade da informação na Biblioteca Pública
Benedito Leite. 2002. Dissertação (Programa de
Pós Graduação em Psicologia Social) - Universidade
do Estado do Rio de Janeiro.
CENTRO DE POLÍTICAS SOCIAIS DA FUNDAÇÃO GETÚLIO
VARGAS. Mapa da exclusão digital. Rio de Janeiro:
Editora da FGV, 2003.
JACOB, C. Ler para escrever: navegações alexandrinas. In:
BARATIN, M.; JACOB, C. (Dir.). O poder das bibliotecas:
a memória dos livros no ocidente. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2000.
p. 45-73.
* Professoras e pesquisadoras do Instituto de Psicologia
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
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