RESENHA
O caracol e sua concha: ensaios sobre a nova morfologia do trabalho
The snail and its shell: essays on the new morphology of the work
Carla Vaz dos Santos Ribeiro*
Universidade Federal do Maranhão
O caracol e
sua concha: ensaios sobre a nova morfologia do trabalho.
Ricardo Antunes O sugestivo título
do livro se refere a uma passagem de “O Capital”, onde Karl Marx
afirma que a manufatura separou o trabalhador dos meios de produção,
assim como quem aparta o caracol de sua concha. Assim, o grande desafio da sociedade
moderna é recuperar, em bases totalmente novas, a indissolúvel
unidade entre o caracol e sua concha, já que tal molusco não consegue
sobreviver sem sua proteção natural. “O caracol
e sua concha” resulta de um articulado e integrado conjunto de doze ensaios
escritos por Ricardo Antunes entre os anos de 2000 e 2005. Todos esses trabalhos
compõem um projeto de pesquisa que se iniciou em 1992, financiado pelo
CNPq, intitulado ‘Para onde vai mundo do trabalho?’. A tese central
apresentada na obra aborda a relevância do trabalho na atualidade e a
não desaparição e perecimento do mesmo, como defende a
corrente eurocêntrica, pautada na repercussão do progresso científico-tecnológico
no capitalismo contemporâneo. Contrário à questão
da finitude do trabalho, o autor lança o desafio de se compreender o
mosaico de formas que configura a classe trabalhadora atual, considerando o
seu caráter polissêmico e multifacetado. Antunes evoca uma
noção de classe trabalhadora mais abrangente, não restrita,
como em meados do século passado, ao proletariado industrial ou ainda
a idéia que reduz o trabalho produtivo exclusivamente ao universo fabril.
Congrega, por conseguinte, todos aqueles que vendem sua força em troca
de salário e são desprovidos dos meios de produção.
Incorpora, além do proletariado industrial e rural, os assalariados do
setor de serviços, os trabalhadores terceirizados, subcontratados, temporários,
os trabalhadores de telemarketing e call center, os motoboys, além de
incluir a totalidade dos desempregados. A conformação
da classe-que-vive-do-trabalho hoje é mais complexa, heterogênea
e fragmentada, diferente da que predominou nos anos de apogeu do taylorismo
e do fordismo. Tem-se, de um lado, uma minoria de trabalhadores qualificados,
polivalentes e multifuncionais, com maior possibilidade de exercitar a sua dimensão
“intelectual”. E, de outro lado, há um enorme incremento
do subproletariado fabril e de serviços, o que tem sido denominado mundialmente
de trabalho precarizado. É notório o aumento dos assalariados
médios, a crescente feminização do trabalho, a expansão
do terceiro setor e do trabalho em domicílio. Constata, portanto,
significativas mudanças na constituição da classe trabalhadora,
sinalizadoras de um processo de metamorfose e não de dissipação
e eliminação da mesma. Ricardo Antunes defende, então,
que as transformações atuais implicam, na verdade, uma nova morfologia
e polissemia do trabalho, opondo-se às tão propagadas teses da
corrente eurocêntrica, que advogam a perda da centralidade do trabalho,
a sua desconstrução como categoria sociológica-chave e
o seu fim determinado pelos avanços tecnológicos e científicos
dos meios de produção. Critica a limitada e equivocada visão
dos teóricos da referida corrente, apontando que a análise de
mundo do trabalho realizada por esses estudiosos desconsidera que mais de 2/3
da humanidade que trabalha se encontra no Terceiro Mundo, em um contexto bem
distinto da realidade européia. Uma importante
sinalização diz respeito a uma crescente imbricação
entre o trabalho material e imaterial, fato que se presencia, por exemplo, nas
atividades industriais mais informatizadas. É apontada também
a necessidade de entendermos as formas contemporâneas da agregação
do valor-trabalho, já que “atualmente, a mais-valia não
é extraída apenas do plano material do trabalho, mas também
do imaterial”. Contudo, o autor ressalva que o trabalho material ainda
é predominante, em relação ao imaterial, especialmente,
quando se analisa o capitalismo em escala global. Em síntese,
o ponto crucial discutido na obra refere-se à centralidade do trabalho
na sociedade atual. Distante das teorias que tentam desconstruir ou relativizar
a importância desta categoria na contemporaneidade, Antunes entende o
trabalho como elemento ontologicamente essencial e fundante, como condição
para a existência do homem. Entretanto, não faz um culto acrítico
ao trabalho e argumenta sobre a necessidade de recusa de um trabalho fetichizado
e estranhado gerador de uma subjetividade inautêntica. Nesse aspecto,
alerta: “uma vida desprovida de sentido no trabalho é incompatível
com uma vida cheia de sentido fora do trabalho”. Finalizando, o
autor aborda que o processo de emancipação da classe trabalhadora
não pode ficar restrito aos âmbitos institucional e político.
Indica conseqüentemente a necessidade de um movimento de massas radical
e extraparlamentar, que possa criar e inventar novas formas de atuação
autônomas, capazes de articular lutas sociais, possibilitando o resgate
em bases inteiramente novas da inseparável unidade entre o caracol e
sua concha. Este, portanto,
é um livro que, pela riqueza de sua abordagem, se constitui como referência
indispensável para todos aqueles interessados nos estudos sobre as transformações
ocorridas no mundo do trabalho e suas possíveis repercussões. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANTUNES, Ricardo L. Adeus ao trabalho? São Paulo: Cortez;
Campinas: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1995. ______ . Os sentidos do trabalho. São Paulo: Boitempo,
1999. Recebido em: 05/072006 NOTAS
São
Paulo: Boitempo, 2005
O livro “O caracol e sua concha - ensaios sobre a nova morfologia do trabalho”
é a mais recente obra do professor e sociólogo Ricardo Antunes,
lançado em setembro de 2005 no Brasil pela Editora Boitempo. O autor
dá continuidade à defesa de suas teses acerca da centralidade
do trabalho no mundo, registradas em outros dois livros “Adeus ao Trabalho?”
(1995) e “Os Sentidos do Trabalho” (1999). Apesar de, na introdução,
o autor tratar a obra como “uma coletânea absolutamente despretensiosa,
desdobramento livre de algumas das teses apresentadas anteriormente”,
na verdade, ele atualiza e reforça argumentos sobre as transformações
ocorridas nesse universo e as conseqüentes implicações nos
planos social e político.
Aceito para publicação em: 04/08/2006
Endereço: carlavazribeiro@uol.com.br
* Professora da Universidade Federal do Maranhão. Mestre em Psicologia Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.