ARTIGOS
Em tempo de globalização: a representação social de emprego, trabalho e profissão em adolescentes
Time of globalization: social representation of labor, job and profession in adolescents
Luiz Roberto Paiva de Faria*, I; Raquel Souza Lobo Guzzo **, II
I Mestre
em Psicologia Escolar pela PUC-Campinas
II
Professora Doutora da PUC-Campinas e orientadora deste trabalho
RESUMO
Este trabalho dedicou-se a explorar as representações sociais de Emprego Trabalho e Profissão dos estudantes do ensino meda um programa de orientação vocacional em abordagem qualitativa, um conjunto de seis entrevistas foi realizado, a fim de verificar quais eram os discursos referentes ao tema. A amostra foi composta de 20 sujeitos, sendo 10 de escola pública e 10 de escola particular, sendo as sessões todas em grupo, no intervalo de uma hora e meia cada. Depois de realizadas as entrevistas, foi feita uma análise do conteúdo discursivo originando um gráfico sobre o qual se baseou a interpretação dos resultados.
Os resultados sugerem que os adolescentes referenciam as categorias segundo o status que estas ocupam dentro da nossa cultura. Isso faz com que ignorem um pouco as condições objetivas do mercado de trabalho, e façam a sua escolha preferencialmente a partir de critérios subjetivo tais como satisfação com a atividade ou sucesso na carreira.
Palavras-Chave: Representações sociais, Trabalho, Emprego, Profissão, Orientação profissional.
ABSTRACT
This work dedicated to explore the social representation that students from middle school have about Job, Work and Profession. Through a vocational guidance program qualitative baded, a set of six interviews was carried to 20 students, 10 from public school and 10 from private. The interview was developed in group and for one hour each and was tape recorded and a content analysis was made constructing a graphic representation for the results interpretation. The results suggested that the adolescents referred the categories according to the position they occupy inside the society. In this sense, they disregard objective conditions of the job market and made their choices based on subjective criteria like satisfaction with the activity or success in their career.
Keywords: Social representation, Work, Job, Profession, Professional vocational guidance.
1. Introdução
O presente artigo apresenta concisamente os resultados e a discussão da pesquisa empreendida por este autor e sua orientadora na dissertação de mestrado “Em tempo de Globalização: a Representação Social de Emprego, Trabalho e Profissão”. A pesquisa, motivada pela prática em Orientação Vocacional (OV), parte da constatação de uma contradição: de um lado, as expectativas de carreira baseadas no “dom”, na “vocação”, naquilo que o aspirante “gosta de fazer”, intensamente reforçadas pelas práticas de O. V. atualmente adotadas, baseadas justamente na vocação, no “dom” como algo antecedente às condições concretas de desenvolvimento do sujeito (BOCK, 1995). Do outro, as exigências do mercado de trabalho, a oferta (ou a falta) de oportunidades de trabalho e em condições algumas vezes não satisfatórias, fatos cada vez mais comuns na nossa “aldeia global”.
Na raiz desta discussão, está o conceito de homem, fato definidor das práticas “psi” e das teorias que as embasam. De um lado, temos uma psicologia que trata e atribui aos “indivíduos” a origem e o destino dos fatos psíquicos, sendo deste modo determinista, positivista e liberal. Do outro, a que trata e atribui aos “sujeitos em relação” a origem e o destino dos fatos psicológicos, posicionando-se, por assim dizer, como uma psicologia marxista, sociológica, interacional.
1.1. Emprego, trabalho e profissão: aproximações teóricas
Na literatura consultada (TITTONI, 1994; RUIZ, 1999; BRIDGES, 1999; MINARELLI, 1999; BLASS, L. M. S.,1998; DEJOURS, C.,1993; DITTRICH, A.,1999; DOMINGUES, J. M., 2001; ROSAS, PAULO,1977; RUIZ, E. M.,1999) constataram-se duas evidências: A primeira é de que o significado dado ao conceito de trabalho é diverso e relativo ao meio cultural em que ele circula. Isto faz com que, por exemplo, ele seja tratado como sinônimo de emprego e profissão, ou que tenha um status científico maior do que as outras duas categorias. A segunda constatação é a de que o conceito de trabalho é numericamente mais explorado do que emprego e profissão. O conceito de emprego, no entanto, é mais explorado do que profissão por ser considerado ou como a aplicação do trabalho na execução de atividade fabril, comercial ou agrícola, ou como a própria atividade, seja ela qual for – ou seja, trabalho e emprego são a mesma coisa. Assim, a preocupação com a escassez desta atividade, do trabalho, conduz os pesquisadores a explicarem e descreverem as conseqüências do desemprego – a falta de trabalho. (TITTONI, 1994; RUIZ, 1999; ESTRAMIANA, 2001; POCHMANN, 1999; MOURA, 1998, BRIDGES, 1999; MINARELLI, 1999; SOUZA, 1981; SINGER, 1998).
No tocante ao conceito de trabalho, Tittoni (1994) é a autora que descreve o conceito de maneira abrangente, envolvendo as seguintes perspectivas:
a) a mitológica, segundo o qual o trabalho era considerado um castigo ou um ato de bravura como, respectivamente, no caso do Mito de Sísifo e na lenda dos doze trabalhos de Hércules.
b) a lexicográfica, em que a diversidade de sentidos adquire diferentes matizes, o trabalho implica uma relação do homem com a natureza nas diversas situações cotidianas
c) a marxista, em que, através do conceito de trabalho alienado, este adquire função vital que coloca ao mesmo tempo a transformação da natureza e do próprio ser humano enquanto ser genérico. Esta idéia de atividade vital é a base para a formulação do trabalho alienado, posto que este seja a separação da força de trabalho do produto do trabalho pelo capitalista.
d) a freudiana, segundo a qual o trabalho representa um meio de relação do indivíduo com a natureza, de forma a constituir-se através de um processo de busca de prazer e evitação do sofrimento.
Analisadas todas essas perspectivas, a autora toma como definição de trabalho “[...] Uma possibilidade de inscrição nas relações sociais e como meio através do qual o trabalhador sente-se útil e produzindo coisas, considerando-se também as limitações e características do processo de trabalho” (TITTONI, 1994, p. 25).
Quanto ao emprego, Singer (1998) pontua-o como a aplicação da força de trabalho. Para ele, tanto quanto para Souza (1981), emprego implica assalariamento, termo com que concorda Souza (1981), para o qual emprego consiste em perceber rendimentos conseqüentes da produção de bens e serviços.
A profissão é pouco definida na literatura consultada. Greenwood (apud ROSAS, 1977, p.75) apresenta como itens atribuídos à profissão um corpo sistemático de teoria e conhecimento do trabalho, uma autoridade profissional, uma outorga da comunidade no exercício daquele trabalho, um código de ética implícito ou explícito e uma cultura profissional.
1.2. Globalização e sujeito
Embora pareça algo bem distante da vida cotidiana, o processo de globalização produz reflexos em praticamente todos os setores da sociedade moderna. Por seu grau diferenciado de impacto na vida das pessoas, bem como pela qualidade de relações sociais que produz, o conceito de globalização não é consensual. Podemos falar de globalização como fenômeno econômico (BAUMANN, 1996), como fenômeno político, como fenômeno histórico (IANNI, 1999; 1998), como fenômeno comunicacional (MCLUHAN, 1989). O fato é que a globalização não é a mesma para todos os povos. Os vários aspectos da globalização acima se interligam num todo, definindo a vida social e impulsionando um novo modo de viver a subjetividade.
Mas afinal, o que é a globalização?
Do ponto de vista histórico, a globalização é o resultado de um processo de desenvolvimento do capitalismo. O capitalismo já nasceu com ideais globalizantes. É difícil sinalizar quaisquer comentários sobre a globalização sem falar na intenção de primeira hora dos pioneiros do capitalismo na era moderna: a história do capital é a história da tentativa do capital de vencer fronteiras (IANNI, 1999). São várias as teses que tratam da modernidade, na qual a globalização simboliza uma ruptura ou um movimento em processo com repercussões também diversas. Nascimento (1999) comenta o debate sobre os rumos da modernidade, que apontam a globalização e a exclusão social como “fenômenos que, para uns, aceleram o fim da modernidade, (e) para outros, aprofundam a sua crise, impulsionando a sua radicalidade” (NASCIMENTO, 1999, p.74).
O rápido desenvolvimento técnico leva também a uma subversão das noções de tempo e espaço. Nas relações de produção, um tênis pensado em um lado do planeta é consumado em outro e consumido em um terceiro lugar. Enfim, o desenvolvimento tecnológico criou um novo espaço, o espaço virtual, cenário no qual as transações financeiras hoje se efetuam. Dowbor (1998) chama atenção para o perigo da ingovernabilidade, diante da plasticidade com que essas transações são feitas:
Esta ausência de instrumentos de regulação da economia global agrava prodigiosamente a polarização mundial entre ricos e pobres. Hoje nenhuma pessoa em são consciência fala de “bolsões” de pobreza, quando os bolsões se referem à cerca de 3,2 bilhões de pessoas, 60% da humanidade, que sobrevivem com uma média de 350 dólares por ano, menos da metade do triste salário mínimo brasileiro. Isto quando o mundo produz 4.200 dólares por pessoa e por ano, portanto amplamente o suficiente para todos viverem com conforto e dignidade, caso houvesse um mínimo de lógica distributiva. Este problema é particularmente importante para nós, já que somos o país hoje que tem a distribuição de renda mais absurda do mundo: 1% das famílias mais ricas do Brasil aufere 17% da renda do país, enquanto os 50% mais pobres, cerca de 80 milhões de pessoas, auferem cerca de 12% ( p. 11).
A questão da urbanização, apontada pelo autor, também merece uma reflexão urgente. O processo de urbanização cada vez crescente solicita dos governos uma resposta imediata, à medida que a urbanização cria problemas de ordem estrutural:
A urbanização sem a correspondente descentralização das políticas e dos recursos, e na ausência de sistemas integrados de gestão participativa com prefeituras, empresas e organizações comunitárias para assegurar um mínimo de coerência no desenvolvimento e qualidade de vida do cidadão, constitui outro eixo explosivo que requer uma drástica revisão da própria lógica das nossas instituições (DOWBOR, 1998, p.13).
Uma outra importante reflexão proposta pelo autor refere-se às transformações na esfera da produção. Se, por um lado, aperfeiçoaram-se os processos, liberando o homem para atividades de auto-desenvolvimento, por outro, postos de trabalho deixaram de existir, criando o chamado desemprego estrutural. Superando a classificação da produção de bens e serviços em setores primário, secundário e terciário, subsistem setores diferenciados da economia que não se podem desconsiderar. Nestes incluem-se o setor informal e o ilegal. Em termos práticos, uma vaga gerada em um canto do mundo significa outra vaga desaparecendo em outro canto do planeta em razão direta:
Assim, enquanto por um lado se desenvolve, na ponta, a chamada democratização gerencial, aprovam-se as sucessivas ISO’s, e o mundo avança num processo de aparente modernização, por outro lado a sociedade vai sendo rapidamente desagregada pela base, pois não basta produzir muitas quinquilharias cada vez mais baratas, é preciso voltar a considerar que o processo de desenvolvimento se refere ao ser humano (DOWBOR, 1998, p.15).
Deste modo, para o âmbito do trabalho e das idéias que queremos desenvolver, o impacto da globalização sobre o indivíduo fica evidente, ainda que esse impacto não seja percebido pelo cidadão comum.
1.3. A teoria das Representações Sociais
A teoria de representações sociais tem se mostrado versátil por abranger diferentes formas de expressão no campo científico. Como salienta Doise & Palmorani (apud SANTOS, 2000, p.116) "a pluralidade de abordagens e de significações que ela veicula fazem dela um instrumento de trabalho difícil de manipular". Por isso é uma área de investigação que necessita intensificar sua produção no campo da ciência, a fim de melhor definir seus conhecimentos.
Moscovici (apud SÁ, 1994), ao propor o conceito de representações, abriu novas perspectivas de estudo no campo da psicologia social, quando reconheceu nos fenômenos psicossociais os aspectos sociodinâmicos dos mesmos. O autor rompeu, assim, com uma tradição da psicologia predominantemente norte-americana, que até então tratava os objetos de estudo psicossociológicos apenas do ponto de vista dos indivíduos. Sua proposta trouxe a perspectiva de investigar os mecanismos pelos quais um dado conhecimento é coletivizado, distribuído e assumido como válido e instrumental para um dado grupo, comunidade ou conjunto de pessoas.
O aspecto mais relevante desta ruptura é o de não se limitar à explicação da dinâmica e formação de uma representação, qual seja um dado conhecimento, que chega à comunidade apenas do ponto de vista da dinâmica interna do indivíduo. Ela se estende para a dinâmica do próprio grupo, levando em conta que a representação é de todos e não é de ninguém.
Há, contudo, como apresenta Sá (SÁ, 1994), certa dificuldade em dar às representações sociais um conceito exato, pois estas são
tanto um conjunto de fenômenos quanto o conceito que o engloba e a teoria construída para explicá-los, identificando com um vasto campo de estudos psicossociológicos (p.19).
Pode-se dizer que as representações sociais são objetos de conhecimento estruturados, que transitam de sujeito para sujeito, importando neles uma dada orientação compartilhada, revelando uma natureza aglutinadora e consensual dentro do grupo ou do conjunto de pessoas considerado (MOSCOVICI, S. 2003, p.210). Neste sentido, conforme Wagner (1998), pode ser concebida tanto como um processo social que envolve comunicação e discurso, quanto o mecanismo individual pelo qual os indivíduos reivindicam para si um sentido dos conhecimentos circulantes.
No estudo aqui proposto, interessa especificamente a relação da temática das representações sociais e trabalho na construção da identidade social sujeito. As representações utilizadas na pesquisa sobre relações sociais de produção, na qual o "trabalho" se apresenta como categoria fundamental de análise, podem fornecer pistas sobre como os sujeitos lidam com as exigências do processo de trabalho, revelando assim indicadores de ajustamentos e saúde mental. As relações entre o indivíduo e o seu contexto social podem ser representadas na figura 1.
Figura 1. Modelo
teórico da RS de emprego, trabalho e profissão.
No modelo de estudo apresentado, a representação social do trabalho propõe dois aspectos para investigação: para o subjetivo, ela contribui para uma identidade profissional e então o trabalho é identificado como uma profissão. Para o social, ela revela uma necessidade profissional, de sustento e de aprovação do meio e é tido como um “trabalho”. O emprego, em ambos os contextos, não aparece como representação, mas como pano de fundo, aplicação do fazer, seja ele um trabalho ou uma profissão. A partir deste modelo, fizemos o estudo.
1.4. Objetivos
O objetivo geral é explorar e caracterizar os conteúdos das representações sociais das categorias "trabalho", "emprego" e "profissão" no cenário ocupacional de alunos do ensino médio, com vistas a identificar seus conhecimentos sobre estas e compará-las para a construção de propostas de programas de orientação profissional num sentido preventivo, tendo como pano de fundo o contexto econômico-político atual e os ajustamentos psicológicos decorrentes deste na construção da subjetividade.
Constituem objetivos específicos da pesquisa
a) Caracterizar os conteúdos de representação social das categorias "trabalho", "emprego" e "profissão" da amostra de estudantes de ensino médio;
b) Identificar, pela análise de conteúdo, as relações estabelecidas pelos sujeitos entre as categorias pesquisadas e o modo a argumentar contra ou a favor de uma versão dos fatos;
c) Contribuir para a discussão sobre a identidade ocupacional dos indivíduos e as práticas psicológicas, promovendo referencial teórico para a intervenção em quaisquer níveis de inserção (terapêutico, promotor de saúde e preventivo).
2. Método
2.1. Participantes
A amostra foi constituída de dois grupos:
O primeiro grupo de sujeitos foi composto de 10 estudantes do penúltimo e último ano do ensino médio, especificamente pré-vestibulandos de uma escola de línguas da cidade de Campinas/SP. Informações complementares quanto às características sócio-econômicas podem ser observadas no Quadro I. Dos 10 estudantes, sete eram do sexo feminino e três do masculino. A faixa etária era de 16 a 18 anos, sendo a média de X= 15,18. A classe social predominante é classe média alta.
Quadro I - Características Socioeconômicas do Grupo da Escola Particular
O segundo grupo era de estudantes do último ano do ensino médio e do segundo período do supletivo do ensino médio de uma escola pública de Souzas, distrito de Campinas. Informações complementares sobre as características socioeconômicas podem ser observadas no Quadro II. Todos os componentes deste grupo são do sexo feminino. As idades variam de 16 a 27 anos. A média de idade é X= 17.91Todas trabalham. A faixa etária é classe média baixa a baixa.
Quadro
II** - Características Sócio-Econômicas do Grupo
da Escola Pública
**
Abreviaturas usadas: F= Feminino; M= Masculino; EM= Ensino Médio; PSEM=
Período do Supletivo do Ensino Médio; IND= Informação
não disponível.
2.2. Material
Foram utilizados, para este trabalho, dois gravadores de fita K-7, folhas brancas, cento e vinte cartões postais comerciais, dez fichas de emprego, dois CD’s de musica new age e vinte cadernos de emprego de um grande jornal da capital.
3. Resultados
3.1. Procedimento de busca das informações
Os grupos foram formados a partir de inscrição prévia para um processo de O.V. em abordagem qualitativa. Nesta abordagem, segundo Bohoslavsky (1985), o orientando é convidado a pensar nos determinantes da sua escolha profissional, identificando fatores facilitadores e impeditivos.
Foi planejado, para este fim, um processo em seis etapas, conforme se segue:
Os participantes da pesquisa, reunidos em grupos formados voluntariamente, foram entrevistados em seu local de estudo. Os participantes da escola privada foram entrevistados sempre em uma mesma sala de aula, sem interrupções durante a sessão, afastando-se as carteiras e formando-se uma roda, a fim de tornar a discussão mais descontraída e de oferecer a todos a oportunidade de interação. Essa conformação também auxilia a colher os depoimentos no gravador de modo mais eficaz. Sempre, no início de cada sessão, o aquecimento era feito por meio de perguntas sobre a semana e assuntos corriqueiros e se iniciava a sessão de entrevistas perguntando-se sobre a reflexão da anterior. Tal atitude servia para lembrar aos participantes de que os encontros faziam parte de um processo reflexivo sobre a profissão, o trabalho e o emprego e que, em cada um deles explorávamos um aspecto referente a este processo.
Na escola pública, os participantes tinham que se deslocar de sala, de acordo com as necessidades da escola, disponibilidade das salas e mesmo por causa de interrupções e ruídos externos. No entanto, o procedimento foi o mesmo, ou seja, os informantes ajudavam a afastar as carteiras e se dispunham em roda, com os mesmos objetivos do grupo da escola privada.
O grupo da escola particular e o da escola pública foram entrevistados em momentos distintos (o primeiro em Junho/Julho de 2002 e o segundo em Agosto/2002, respectivamente), por motivos de força maior, e o pesquisador se utilizou de anotações de diário de campo e das transcrições das sessões gravadas para reunir o material de análise deste artigo.
Preparação do material de análise
Procedendo-se à coleta de dados através das entrevistas não diretivas, para a análise de discursos colhidos na fase anterior, obedeci às seguintes etapas básicas:
a. Transcrição do material das entrevistas e organização das anotações de diário de campo. Desta análise, uma segunda transcrição foi realizada, a fim de colher apenas as frases que tinham relação direta com o objeto deste trabalho;
b. Leitura/escuta do material, a fim de identificar por meio do discurso verbal dos participantes os termos mais usados para abordar os objetos categorizados, os sentidos dados a estes e as relações estabelecidas entre os termos, e os termos e as práticas explicitadas, levando em conta as versões, por vezes contraditórias, que emergem do discurso, e a retórica, ou seja, a organização do discurso de modo a argumentar contra ou a favor de uma versão dos fatos;
c. Categorização e tabulação das frases, dando um significado a cada uma delas, constituindo esta tarefa já numa interpretação inicial dos dados. A categorização foi feita cruzando-se numa tabela as categorias de análise propostas (emprego, trabalho e profissão) com dimensões significativas do discurso, ou seja, a intenção e referência temática de cada frase, e escrevendo em cada célula o tipo de discurso ou frase que deu origem a cada dimensão x categoria. As dimensões encontradas foram as seguintes:
c.1. Identificação – toda frase que fizesse referência a características marcantes do indivíduo, que diante da tarefa a ser empreendida na profissão, pudessem ser aplicadas com êxito;
c.2. Oficio/execução – toda frase que fizesse referência aos atributos requeridos na tarefa empreendida pelo profissional;
c.3. Relações de mercado de trabalho/recursos humanos – Os aspectos da relação de produção, de compra e venda de força de trabalho, produtos, bens e serviços;
c.4. Relação de conceitos – A relação entre os conceitos de emprego, trabalho e profissão, tomando um deles como tema principal e o outro como tema comparativo;
c.5. Carreira – A atividade profissional continuada, num mesmo local de trabalho ou em locais diversos;
c.6. Conjuntura – Questões sociopolíticas que tinham conseqüência no mercado de trabalho/recursos humanos;
d. Representação Gráfica dos discursos colhidos na entrevista. Este gráfico representa já uma interpretação inicial dos dados colhidos, na medida em que os gráficos são organizados a partir dos significados e intenções do discurso dos informantes. Spink (1998, p.133) considera "as relações entre elementos cognitivos, as práticas e os investimentos afetivos".
4. A Representação Gráfica e os seus conteúdos
4.1. A escola particular.
Gráfico 1. Seqüência dos discursos dos informantes da escola particular
O gráfico 1 mostra a relação entre as categorias de análise e as elaborações feitas pelos informantes durante os encontros.
Para os adolescentes da escola particular, o conceito de trabalho é central na produção das outras duas categorias estudadas. O trabalho é a ação concreta, é o fazer cotidiano, produtor de riquezas e estruturador de uma identidade social. Sua estabilidade e desenvolvimento estruturam o conceito de carreira, no que se refere à ação de trabalhar. A profissão é um conceito correlato. Isto porque o trabalho e a profissão não são exatamente a mesma coisa para eles. Este último está relacionado às escolhas, a gostar, e se este consegue se estruturar e se desenvolver (ter sucesso) resultará numa carreira. A profissão se relaciona com o trabalho através de um atributo pessoal: a profissão é o trabalho escolhido. O emprego, por sua vez, é o trabalho oferecido. E se o jovem consegue estabelecer uma boa relação entre o trabalho escolhido e o oferecido, isto também implica uma carreira e sucesso. Nota-se nos depoimentos uma forte tendência à individualização dos comportamentos, ou seja, a colocação no mercado de trabalho depende quase que exclusivamente das ações e dos esforços individuais, sendo esta a representação conciliadora das contradições apresentadas entre “dons” e “vocações” e “necessidades do mercado de trabalho”.
4.2. A escola pública
Gráfico 2. Seqüência dos discursos dos informantes da escola pública
O Gráfico 2 apresenta a rede de relacionamento dos conceitos e seus significados para os informantes da escola pública.
Este grupo apresenta uma representação mais complexa das categorias estudadas. Também neste grupo o trabalho estrutura os demais conceitos. Todavia a relação de pessoalidade dada, por exemplo, à categoria profissão é mais sutil. O trabalho pode ser o emprego, mas não ser a profissão, ainda que tenha estabilidade e que a pessoa o execute por toda uma vida. Por outro lado, o emprego pode ser um modo de encontrar um trabalho e, de tabela, uma profissão. Ter sucesso, diferentemente do grupo anterior, significa ter um mundo melhor, uma rede de relações mais justa. No que se refere à profissão, de fato, permanece a idéia de “dom”, “vocação”, “fazer o que gosta”, embora desapareça a característica da pessoalidade. A profissão não é aquilo que eu escolho fazer, mas aquilo que me escolheu (destino). O trabalho dentro desta perspectiva é a ação concreta da atividade profissional.
Ambos os grupos transitaram dentro de conceitos formados a partir das fantasias que tinham sobre as profissões que escolheram, ou pretendiam escolher. Isto foi particularmente positivo aos propósitos da pesquisa, haja vista que suas representações constituíam-se genuinamente de cognições acerca das categorias investigadas.
Por fim, é necessário assinalar uma última característica presente nos dois grupos: o trabalho tem afetivamente uma conotação de desprazer. Enquanto que para o grupo da escola particular trabalho com prazer é sinônimo de profissão, porque é fruto de uma escolha, para o grupo da escola pública, o trabalho é uma “fase”, temporária, fugidia, uma parte inevitável da vida profissional, tenha prazer ou não.
5. Discussão e Conclusões
De modo geral, tanto no primeiro quanto no segundo grupo o conceito de trabalho estrutura os demais conceitos (emprego e profissão). Também é assim para os teóricos que estudam o tema e isso pode ser observado pelo número de trabalhos dedicados a estudar o Trabalho, o Emprego e a Profissão, tendo o Trabalho uma numerosa lista de dissertações descrevendo-o. Todavia, estão subentendidos valores sociais agregados a eles e é isso que os diferencia, para os informantes. Muito embora a literatura trate, via de regra, do emprego como a aplicação remunerada do trabalho, ou venda da força de trabalho, e a profissão como um trabalho que exija maior qualificação, ou conhecimento especifico da atividade, para os informantes, a profissão implica num certo prestígio, enquanto o trabalho e o emprego, não necessariamente. Uma atividade como, por exemplo, a de marceneiro, que exige conhecimento específico do trabalho, sem que haja necessariamente formação graduada para tal, pode não ser uma profissão - mas ser, necessariamente, um trabalho.
Um emprego é um trabalho. Mas este trabalho não caracteriza, necessariamente, uma profissão, sobretudo se este trabalho tem um prestígio menor - ainda que a pessoa trabalhe nele a vida inteira. Uma profissão, todavia, informa um aspecto da identidade do sujeito. Grosso modo, podemos dizer que ele é aquilo que ele faz. E se ele faz algo de menor prestígio, ele tem menos prestígio na comunidade de que participa.
Daí a busca de uma escolha profissional. A escolha implica seguir o caminho inverso, ou seja, fazer aquilo que se é. Por isso, mergulhar nas características, habilidades, dons, aquilo que diferencia um sujeito de outro, que o identifica, que o torna singular. Uma vez reconhecidos estes atributos, uma vez entendido o que eu sou, eu posso escolher a profissão em que esses recursos são mais exigidos, eu posso escolher o que eu faço.
Diversos autores têm advertido para uma mudança conceitual sobre emprego, profissão, e carreira (MINARELLI, 1999; RIFKIN, 1995; BRIDGES, 1994). Há dois aspectos a serem considerados, diante disso. O primeiro é a representação que as pessoas vêm tendo de emprego, trabalho e profissão, e essa foi uma tarefa a ser cumprida nesta pesquisa. O segundo aspecto é o que efetivamente os estudiosos do mundo do trabalho têm considerado a este respeito e a revisão temática procurou abordar um pouco do que existe nesta área. O que pudemos observar é uma contradição entre o que o mercado de trabalho exige do profissional e o que o profissional espera do mercado.
Podemos considerar o seguinte: o trabalho é aquilo que deve ser feito. O emprego é onde o trabalho (aquilo que deve ser feito) deve ser feito. A profissão é o status de quem faz o trabalho (aquilo que deve ser feito). Quem determina o trabalho não é o profissional, mas aquele que demanda o trabalho, o capitalista. De outro modo, poderíamos dizer que quem determina o que deve ser feito não é quem faz, mas quem manda fazer. Aquele a quem nos referimos como capitalista diante do que Kilimnik (1998) denominou de Terceira Revolução Industrial1 , se vê diante do fato de que o trabalho (aquilo que deve ser feito) precisa cada vez menos do profissional (quem faz) e, portanto, desaparece cada vez mais o emprego (onde é feito).
A conseqüência imediata desta premissa é a de que o mundo corporativo é cada vez mais competitivo. Se o Estado intervém pouco nas relações econômicas que se estabelecem, se a política adotada é uma política de mercado, o cidadão tem cada vez menos oportunidade de tornar-se "competitivo", uma vez que a distribuição de renda só se faz por meio do Estado, através de uma rede de proteção social: qualidade nas condições da saúde, da educação, da moradia, saneamento básico, da previdência social, da aposentaria, e outras funções previstas em lei. E quanto menos distribuição de renda o país produz, menos o cidadão se habilita ao jogo do mercado.
Ainda assim, como psicólogos, se insistimos em orientar profissionalmente, no sentido de reforçar as características do indivíduo e de considerar a conjuntura sócio-politica em que o orientando faz a escolha, apenas contingências do processo de escolha, tendemos a reforçar um paradoxo: de um lado as exigências do mercado, do outro as fantasias e os sonhos do sujeito. Esta é, também, uma opção política e não apenas uma diretriz técnica da orientação profissional.
De fato, é difícil ignorar que vivemos uma nova ordem social e econômica, que vem mudando a passos largos o conceito de trabalho e, como já foi referenciada neste artigo, a globalização modifica as formas de relacionamento humano e, por ele, as formas de relacionamento com a produção de bens e serviços. Aqui interessa-nos o impacto que tem essa transformação econômica no dia-a-dia das pessoas. Blass (1997) observa que essas mudanças e as crises por que passa o mundo do trabalho têm tido um impacto na subjetividade e identidade do trabalhador. A racionalidade e organização do trabalho, visando minimizar o fator humano, considerado vulnerável ao erro e à produtividade, tende a considerar o trabalho, enquanto categoria fundamental de identidade no cotidiano das pessoas, um mero capricho, um assunto, nas palavras da autora "entre outros" (BLASS, 1997, p. 152).
A realidade social que se nos impõe é dramática e os índices de desemprego têm demonstrado isso. Diante do quadro que se apresenta, o profissional poderia ter um papel esclarecedor também das relações de produção, fazendo uma opção pelo social e não pelo individual.
Pudemos concluir, com base nos achados, que trabalho, emprego e profissão têm funções parecidas na vida desses jovens e que não têm clareza sobre a diferenciação destes. Todavia, a profissão está ligada a um estilo de vida, portanto próximo do sujeito, enquanto que trabalho e emprego está ligado às questões mais conjunturais (oferta de emprego/trabalho, condições de execução, etc.). De certo modo, diferenciam trabalho como a ação concreta, seja no emprego, seja na profissão. Também classificam os conceitos segundo um status que tem cada categoria. Assim, se o trabalho tem um maior status é uma profissão; se tem menor status é um emprego; e ainda, se o trabalho é menos qualificado ainda, e é temporário, não é nem emprego, nem profissão.
Concluímos também que os jovens têm feito suas escolhas usando informações imprecisas sobre a carreira que desejam seguir. Resta-lhes mesmo escolher, usando suas fantasias de profissão, e só no exercício profissional construir uma imagem de profissão baseada na realidade.
No que tange a diferenças entre os grupos, estas ficam no âmbito do social X individual. O grupo da escola particular tem na produção de seus conceitos sobre as categorias estudadas uma preocupação em atender suas próprias expectativas e necessidades e suas preocupações giram em torno de si. O grupo da escola pública revelou-se interessado em ter um “mundo melhor”, onde o uso dos conceitos de trabalho, emprego e profissão têm um sentido solidário.
Todavia, nossas conclusões são provisórias, nossos achados são limitados e nossa contribuição ao estudo das representações sociais é modesta. As razões para tal observação referem-se tanto ao método de coleta e análise, quanto ao número de pessoas utilizadas nesta pesquisa, ao contexto específico em que vivem tais colaboradores, só para citar algumas variáveis intervenientes. Ainda assim, espero ter trazido alguma luz ao estudo do tema. Mesmo porque a vida de um pesquisador não se pauta por uma pesquisa ou duas, mas por uma trajetória, por seguir o seu objeto de estudo, como uma missão a ser cumprida.
Referências Bibliográficas
BOCK, S. Concepções de indivíduo e sociedade e as teorias em Orientação Profissional. In: BOCK, A. M. B.; Aguiar, W. M. J. A escolha profissional em questão. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1995, p.9-23.
BOHOSLAVSKY, R. Orientação vocacional: a estratégia clínica. São Paulo: Martins Fontes, 1985.
BAUMANN, R. Uma visão econômica da globalização. In: _____ (Org) O Brasil e a economia global. Rio de Janeiro: Campus, 1996. p. 33-51.
BLASS, L. M. S. Trabalho e suas metamorfoses. In: IANNI, O., DOWBOR, L.; RESENDE, P. A. Desafios da Globalização. Petrópolis: Vozes, 1998.
BRIDGES, W. Um mundo sem empregos. São Paulo: Makron Books, 1998.
CARVALHO, M. M. M. J. Orientação Profissional em Grupo. São Paulo: Editorial Psy II, 1995.
DOWBOR, L. Globalização e tendências institucionais. In: IANNI, O., DOWBOR, L.; RESENDE, P. A. Desafios da Globalização. Petrópolis: Vozes, 1998.
ESTRAMIANA, J. L. A. Desempleo y Bienestar Psicológico. México: Siglo Vinteuno,1998
FARR, R. M. As raízes da psicologia social moderna. Petrópolis: Vozes, 1998.
IANNI, O. A política mudou de lugar. In: IANNI, O., DOWBOR, L. & RESENDE, P. A. Desafios da Globalização. Petrópolis: Vozes, 1998.
IANNI, O. Teorias da Globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.
KILIMNIK. Z. M. Trabalhar em Tempos de "fim dos empregos": mudanças na trajetória de carreira de profissionais de recursos humanos. Psicologia Ciência e Profissão, Brasília, v.18, n.2, p. 34-45, 1998.
MCLUHAN, M.; POWERS, B. R. The global village: transformation in world life and media in the 21th century. New York: Oxford University Press,1989.
MINARELLI, J. A. Empregabilidade: como ter trabalho e remuneração sempre. São Paulo: Gente, 1999.
MOURA, P. C. A crise do emprego: uma visão além da economia. 3ª ed. São Paulo: Mauad, 1998.
MOSCOVICI, S. Representações Sociais: investigações em psicologia social. 4ª ed. Petrópolis:Vozes,2003.
NASCIMENTO, E. P. Globalização e exclusão social: fenômenos de uma nova crise da modernidade? In: IANNI, O.; DOWBOR, L.; RESENDE, P. A. Desafios da Globalização. Petrópolis: Vozes, 1998.
POCHMANN, M. O emprego na Globalização: a nova divisão internacional do trabalho e os caminhos que o Brasil escolheu. São Paulo: Boitempo, 1999.
SÁ, C. P. A construção do objeto em representações sociais. Rio de Janeiro: Eduerj, 1998.
_____. Representações sociais: o conceito e o estado atual da teoria. In: SPINK, M. J. (Org.). O conhecimento no cotidiano. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 19-45.
SANTOS, M. F. S. (Org.). Representações sociais: questões metodológicas. In: GUZZO, R. S. L. (Org.). Anais do VIII Simpósio Brasileiro de Pesquisa e Intercâmbio Científico. Serra Negra/SP: Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia (ANPEPP), 2000. p. 114-117.
SINGER, P. Globalização e Desemprego: diagnóstico e alternativas. São Paulo: Contexto, 1998.
SOUZA, P. R. O Que São Empregos e Salários. São Paulo: Brasiliense, 1981.
SPINK, M. J. Desvendando teorias implícitas: uma metodologia de análise das representações sociais. In: GUARESCHI, P. A.; JOVCHELOVITCH, S. (Org.). Textos em representações sociais. 4 ed. Petrópolis: Vozes, 1998. p. 117-145.
RIFKIN, J. O fim dos empregos: o declínio inevitável dos níveis dos empregos e a redução da força global de trabalho. São Paulo: Makron Books, 1995.
ROSAS, P. Vocação e Profissão. Petrópolis: Vozes, 1977.
RUIZ, E. M. (1999). Trabalho, Juventude e Educação: (re)pensando a interrelação escola-trabalho na produção da subjetividade. In: SAMPAIO, J.J.C.; RUIZ, E. M.; BORSOI, I.C. Trabalho, Saúde e Subjetividade. Fortaleza: Inesp/Eduece, 1999.
TITTONI, J. Subjetividade e Trabalho. Porto Alegre: Ortiz, 1994.
WAGNER. W. Descrição, explicação e método na pesquisa de representações sociais. In: GUARESCHI, P. A.; JOVCHELOVITCH, S. (Org.). Textos em representações sociais. 4 ed. Petrópolis: Vozes,1998. p. 149-186.
Endereço
para correspondência
Endereço eletrônico: luizroberto.psi@bol.com.br;
rguzzo@mpc.com.br
Recebido em: 13/07/2006
Aceito para
publicação em: 18/06/2007
Notas
* Psicólogo.
** Psicóloga Escolar, Pós-Doutora pela University of Rochester, EUA.
1 Kiliminik (1998, p.35) definiu a terceira revolução industrial como uma economia globalizada onde a comunicação se faz mais rápida, onde a tecnologia tende a renovar processos de trabalho e prescindir cada vez menos do trabalho humano, e onde o Estado intervém menos economia, cumprindo um papel apenas de procurador dos grandes capitais, negociando grandes blocos comerciais de livre comércio.