Questões Contemporâneas

CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
E CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS INFORMAIS:
ESTUDO DE CASO EM CAMPINA GRANDE/PB

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LÍVIA POLIANA SANTANA CAVALCANTE
Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual da Paraíba/UEPB; Especialista em Gestão Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pela UNINTER; Mestranda no Programa de Pós-graduação em Recursos Naturais pela Universidade Federal de Campina Grande/UFCG.

LAYANA DANTAS DE ALENCAR
Graduada em Direito pela Universidade Federal de Campina Grande/UFCG; Mestranda no Programa de Pós-graduação em Recursos Naturais pela Universidade de Campina Grande/UFCG.

ERIVALDO MOREIRA BARBOSA
Graduado em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba/UEPB), Especialista em Economia Rural pela UFP), Mestre em Ciências Jurídicas pela UFPB, Doutor em Recursos Naturais pela UFCG, Pós-Doutor em Educação pela UFPB. PROFESSOR/ORIENTADOR.
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Resumo: Esta pesquisa teve como objetivo principal avaliar os conflitos socioambientais envolvendo os catadores de materiais recicláveis, que atuam na informalidade, no Bairro do Catolé, em Campina Grande/ PB. O trabalho consta de uma pesquisa exploratória observacional, sendo a população de estudo constituída pelo conjunto de pessoas envolvidas com a catação de resíduos sólidos, residentes no bairro do Catolé, Campina Grande/PB. Como instrumentos de coleta de dados, utilizaram-se entrevistas semiestruturadas e registros fotográficos. Os dados quantitativos foram distribuídos em categorias e, posteriormente, avaliados em métodos estatísticos e proporcionais em planilhas do Excel. As principais variáveis observadas, diretamente associadas aos conflitos socioambientais gerados na Comunidade Nossa Senhora Aparecida, são: os locais onde são acondicionados os resíduos sólidos coletados diariamente pelos catadores; a falta de higienização dos materiais coletados pelos catadores; a periodicidade com que estes materiais são vendidos; e o destino dos materiais que não são comercializados, ou seja, o rejeito. Analisando a área de estudo, pôde-se concluir pela existência de vários conflitos ambientais, como a contaminação do solo pela produção de chorume e do ar pela emissão de gases, a exemplo do gás metano. Apesar da presença de alguns representantes locais, os mesmos não demonstraram iniciativas concretas quanto à melhoria de vida dos catadores e do restante da Comunidade. Esse é o mesmo caso do Poder Público local, nada de animador, como um galpão para armazenamento dos materiais recicláveis, é oferecido a essa parcela tão sofrida e tão importante de trabalhadores, os catadores de materiais recicláveis.
Palavras-chave: Acondicionamento. Catadores de Materiais Recicláveis. Conflitos Socioambientais. Informalidade. Resíduos Sólidos.



ENVIRONMENTAL CONFLICTS
AND INFORMAL COLLECTORS OF RECYCLABLE MATERIALS: A CASE STUDY IN CAMPINA GRANDE – PB

Abstract: This research aimed to evaluate the environmental conflicts involving recyclable material collectors who work informally in the neighborhood of Catolé in Campina Grande - PB. The work consists of an exploratory qualitative and quantitative observational nature, and the study population comprised all persons involved in scavenging of waste residing in the neighborhood of Catolé, Campina Grande - PB. With instruments of data collection, we used semistructured interviews and photographic records. Quantitative data were divided into categories and subsequently evaluated in statistical methods and proportionate in Excel spreadsheets. The main variables that were found directly associated with environmental conflicts generated in the Community Nossa Senhora Aparecida are the places are packed solid waste collected daily by the pickers, the lack of hygiene materials collected by scavengers, the frequency that these materials are sold, materials and destiny of which no commercialization, ie the reject. Analyzing the study area, it was concluded that there were several environmental conflicts, such as soil contamination by leachate production and the emission of air gases, such as methane gas. Despite the presence of some local representatives, they have not shown concrete initiatives in improving the lives of the scavengers and the rest of the Community. This is the same as the Local government, nothing exciting, like a shed for storage of recyclable materials, is offered to this segment and so suffered so important to workers, pickers of recyclable materials.
Keywords: Pack. Recyclable Material Collectors. Social and Environmental Conflicts. Informality. Solid Waste.

Introdução
A humanidade vem, atualmente, enfrentando uma crise socioambiental de grandes proporções, isso devido ao desenfreado uso irracional dos recursos naturais ainda existentes no planeta. O que está intimamente relacionado ao poder de consumo do ser humano, que tem agido de forma a degradar cada vez mais o ambiente em que está inserido.

A sociedade contemporânea é regida pela obrigatoriedade de aquisição de bens materiais para satisfação das exigências individuais e coletivas, visando à adequação dos imperativos ditados pelo sistema capitalista vigente (RIOS, 2008).

Diante do elevado grau de consumo, consequentemente, ocorre a produção de materiais de diversas naturezas, o que nas cidades comumente conhecemos como o inevitável fenômeno da produção de lixo, que acontece todos os dias, e que varia quantitativamente a depender do desenvolvimento econômico e demográfico de determinada localidade.

A problemática dos resíduos pode ser associada ao aumento da produção tecnológica e ao sistema econômico vigente. Esta questão vem se agravando, em decorrência do crescimento populacional, do desenvolvimento industrial, do consumo exagerado e da falta de educação relacionada ao meio, ou seja, de um padrão de produção de lixo em quantidades maiores que a capacidade de suporte da natureza (RIBEIRO; SILVA; LEITE; SILVA, 2011).

Em meio aos problemas decorrentes da produção de lixo, surge a atividade do catador de materiais recicláveis, uma parcela da população que excluída socialmente, encontra nos resíduos sólidos a sua única alternativa de sobrevivência.

Os catadores de materiais recicláveis, em sua maioria, vivem em lixões, ou pelas ruas, em condições desumanas e precárias, disputando com ratos, porcos, urubus, insetos e outros animais, sua fonte para obter renda ou até mesmo o próprio alimento. Os lixões, por vezes, acabam por se tornar o abrigo de famílias inteiras, homens, mulheres e crianças que, literalmente, vivem dos resíduos sólidos (JACOBI, 2006).

Em virtude das diversas atividades elaboradas pelos catadores de materiais recicláveis, desde o recolhimento na fonte geradora até a venda do material reciclável, surgem então vários conflitos ambientais. Os conflitos socioambientais, segundo Little (2001) podem ser entendidos como disputas entre grupos sociais derivadas dos distintos tipos de relações por eles mantidas com seu meio natural. Entende-se ainda por conflito ambiental quando da existência de confronto de interesses representados em torno da gestão ambiental (CARVALHO; SCOTTO, 1995).

 A consequência da geração desenfreada dos resíduos sólidos, sem o correto gerenciamento dos mesmos, ocasiona uma série de impactos socioambientais. No que diz respeito aos impactos ambientais e seus conflitos têm-se a contaminação das águas, do solo e dos lençóis freáticos e, ainda, a poluição atmosférica e a disseminação de doenças pela proliferação de vetores (RIBEIRO et al., 2011).

Esta pesquisa teve como objetivo principal avaliar os conflitos socioambientais que envolvem os catadores de materiais recicláveis que atuam na informalidade, no Bairro do Catolé, em Campina Grande/PB.

Legislação
O Direito ambiental brasileiro é uma das normas mais completas, quando comparado a leis estrangeiras. E no que se refere aos resíduos sólidos e à situação dos catadores de materiais recicláveis tem-se instituída a Política Nacional de Resíduos Sólidos, a Lei 12.305 de 2010.

A referida Lei faz alusão a mecanismos de inserção de organização de catadores de materiais recicláveis nos sistemas municipais de coleta seletiva. Ela salienta, ainda, o conceito de gerenciamento e gestão dos resíduos sólidos, meios eficazes para minimizar a problemática das ações exercidas quando das etapas de coleta, transporte, transbordo, tratamento e destinação final ambientalmente adequada dos resíduos sólidos e disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos do lixo (BRASIL, 2010).

A Política Nacional de Resíduos Sólidos, objetivando a melhoria de vida dos catadores, bem como a sua inclusão social, estabelece dentro dos instrumentos de aplicação da lei o incentivo á criação e ao desenvolvimento de cooperativas ou outras formas de associação de catadores de materiais recicláveis (BRASIL, 2010).

Outras normas legais estão associadas à Lei supracitada, devendo por este motivo serem aplicadas de forma integrada, quando o assunto for referente à gestão dos resíduos sólidos. Este é o caso da Política Nacional de Meio Ambiente (Lei 6.938 de 1981), da Política Nacional de Educação Ambiental (Lei 9.795 de 1999) e da Política Nacional de Saneamento Básico (Lei 11.445 de 2007). Todas estas normas legais, de maneira direta ou indireta, fazem referência ao manejo dos resíduos sólidos e a sua destinação final, em conjunto com a Política Nacional de Resíduos Sólidos.

Método
O trabalho consta de uma pesquisa exploratória observacional, sendo a população de estudo constituída pelo conjunto de pessoas envolvidas com a catação de resíduos sólidos, residentes no bairro do Catolé, Campina Grande/PB.

Gil (1999) destaca que a pesquisa exploratória é desenvolvida no sentido de proporcionar uma visão geral acerca de determinado fato. Raupp e Beuren (2006) afirmam que uma característica interessante da pesquisa exploratória consiste no aprofundamento de conceitos preliminares sobre determinada temática não contemplada de modo satisfatório anteriormente.

Segundo Viera (2005), a pesquisa exploratória visa proporcionar ao pesquisador uma maior familiaridade com o problema em estudo. Este esforço tem como meta tornar um problema complexo mais explícito ou mesmo construir hipóteses mais adequadas.

O estudo observacional avalia se existe associação entre um determinado fator e um desfecho, sem intervir diretamente na relação analisada (REIS; CARVALHO; ARAÚJO; PORTO; SILVANY NETO, 2005; TURA, 2002).

Com instrumentos de coleta de dados, foram utilizadas entrevistas semiestruturadas e registros fotográficos. Os dados quantitativos foram distribuídos em categorias e, posteriormente, avaliados estatisticamente.

Mapeamento dos Conflitos Socioambientais
Foram entrevistados seis catadores de materiais recicláveis que atuam na informalidade, ou seja, não vinculados a nenhuma cooperativa ou associação, sem horários fixos de trabalho, catando resíduos sólidos nas ruas de porta em porta, rasgando as sacolas dispostas em frente às residências em busca dos materiais passíveis de reciclagem e comercialização. Essas coletas geralmente ocorrem no mesmo dia da coleta municipal de Campina Grande/PB. Os resíduos sólidos e/ou resíduos orgânicos coletados por esses profissionais são acondicionados em suas residências, gerando vários conflitos socioambientais. Esse acondicionamento é o ponto crítico do trabalho, visto que estes resíduos são coletados nas sacolas misturados a diferentes resíduos, como os sanitários, orgânicos, perfuro-cortantes, potencializando os riscos inerentes a esta profissão, desde a coleta desses materiais até seu acondicionamento.

Visando discutir o assunto amplamente, também foram entrevistados os líderes comunitários, como o Presidente da Associação de Moradores do Bairro, a Presidente do Clube de Mães e uma Agente Comunitária de Saúde, a fim de delinear os conflitos existentes no bairro do Catolé, na Comunidade Nossa Senhora Aparecida.

Localização do Conflito
Especificamente, para o presente trabalho, o foco foram os catadores de materiais recicláveis que trabalham de maneira informal e que residem na Comunidade Nossa Senhora Aparecida, localizada no Bairro do Catolé, na cidade de Campina Grande, Paraíba, Brasil (Figura 01).

A comunidade está situada em um bairro nobre da cidade de Campina Grande e se originou por meio de uma invasão a terrenos baldios pertencentes à Prefeitura, segundo relatos dos primeiros moradores da comunidade. Os invasores eram, já naquela época, catadores de materiais recicláveis que atuavam em um lixão localizado nas proximidades.

Os moradores da Comunidade Nossa Senhora Aparecida, em sua maioria, vêm exercendo, desde a invasão aos dias de hoje, a atividade de catação. São famílias inteiras vivendo praticamente dos resíduos sólidos. E daí que surgem os conflitos socioambientais em meio à comunidade.

Figura 1. Mapeamento das ruas onde residem os catadores de materiais recicláveis que foram entrevistados na referida pesquisa. Campina Grande – PB, 2012.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A partir das entrevistas e questionários aplicados com seis catadores de materiais recicláveis que atuam na informalidade foi realizado um diagnóstico socioambiental desses profissionais.

O diagnóstico socioambiental dos catadores e catadoras de materiais recicláveis reflete a sua qualidade de vida, enquanto ambiente de trabalho, familiar e pessoal (CAVALCANTE, 2011).

A atuação feminina na atividade de catação de materiais recicláveis é cada vez mais efetiva, representando 67% do grupo estudado (67,0%) (Figura 02). Estes dados refletem uma característica importante e marcante da sociedade contemporânea, que enfatiza a ocupação das mulheres em diversas atividades, anteriormente atribuídas ao gênero masculino.

Trabalhos realizados em outros estados do país reforçam a participação das mulheres na atividade de catação (ALEXANDRINO; FERREIRA; LIMA; MAKKAI, 2009; KIRCHNER; SAIDELLES; STUMM, 2009; ALBIZU; LIMA; PIASKOWY, 2008; PUECH, 2008; CAVALCANTI NETO; RÊGO; LIRA; ARCANJO; OLIVEIRA, 2007, CARMO; OLIVEIRA, 2010; BRINGHENTIA; ZANDONADE; GÜNTHERC, 2011).

Sobral, Santiago e Costa (2009) afirmam que para as mulheres as dificuldades no exercício da catação são ainda mais intensas, uma vez que, como são responsáveis pela realização de funções estabelecidas socialmente como do sexo feminino, são obrigadas, muitas vezes a exercerem a atividade de catação levando seus filhos e a adaptar sua jornada de trabalho nas ruas à jornada de trabalhos no âmbito familiar.


Figura 2. Predominância de gênero entre catadores e catadoras de materiais recicláveis informais que atuam no bairro do Catolé, em Campina Grande-PB. 2012.

De acordo com a pesquisa executada, observamos entre os catadores de materiais recicláveis informais a prevalência de idades entre 51 e 55 anos (32,0 %), embora a faixa etária seja ampla, variando entre 40 e 65 anos de idade, de acordo com a Figura 03.

Kirchner, Saidelles, Stumm (2009) observam que a idade é um dos fatores que afetam a forma de participação no mercado de trabalho formal, mas não afeta diretamente a atividade de catação, pois não existem critérios de seleção para realizar esta atividade. É evidente, entretanto, que a idade avançada impõe um limite à eficiência na execução do trabalho por, predominando catadores e catadoras com idades até quarenta anos (OLVEIRA, 2010).

Conforme Miura (2004), parte dos trabalhadores da catação é oriundo da população desempregada que, atingidos por idade, condição social e baixa escolaridade, não encontram espaço no mercado formal de trabalho.

Detectamos que os catadores de materiais recicláveis informais não apresentam carga horária definida, ultrapassando as oito horas diárias determinadas pelo artigo 7° da Constituição Federal (BRASIL, 1988) e pelo artigo 58 da Consolidação das Leis do Trabalho-CLT (BRASIL, 1943).


Figura 3.
Faixa etária de catadores e catadoras de materiais que atuam no bairro do Catolé, em Campina Grande – PB. 2012.

Os catadores de materiais recicláveis informais possuem baixa escolaridade, sendo que 67,0% são analfabetos e 33,0% possuem o ensino fundamental incompleto (Figura 04). Este fato concorre para reduzir a possibilidade de reversão do cenário investigado: baixa renda, condições de extrema pobreza, falta de higiene, qualificação mínima para a atividade profissional, desconhecimento dos seus direitos, dificuldade de organização e mobilização, baixa autoestima, dentre outros.

Figura 4. Nível de escolaridade predominante entre os catadores e catadoras de materiais recicláveis informais que atuam no bairro do Catolé, em Campina Grande-PB. 2012.

Dentre os entrevistados, 49,0% atuam enquanto profissional da catação de resíduos sólidos entre 5 a 10 anos, sendo que 17,0% são catadores de materiais recicláveis há mais de 26 anos (Figura 05). Kirchner, Saidelles, Stumm (2009) apontam o desemprego, a idade, a condição social e a baixa escolaridade, como as razões da escolha da catação de materiais recicláveis como atividade profissional. Os catadores e catadoras informais não se reconhecem como profissionais, conforme prevê a nova Classificação Brasileira de Ocupações (BRASIL, 2002), uma vez que a grande maioria tem a atividade como temporária.

Figura 5. Tempo de trabalho entre os catadores e catadoras de materiais recicláveis informais que atuam no bairro do Catolé, em Campina Grande-PB. 2012.

Observamos que 100% dos catadores de materiais recicláveis informais não conseguem atingir uma renda mensal familiar que ultrapasse a um salário mínimo, sendo que 66,0% dos entrevistados conseguem sobreviver com uma renda mensal que varia entre R$ 51,00 a R$ 100,00 (Figura 06). Essa baixa renda mensal individual também é atribuída ao fato de que os materiais coletados por esses profissionais são vendidos a intermediários e não diretamente à indústria. Os intermediários são conhecidos no município como “atravessadores” ou “sucateiros” que compram a baixo custo os materiais recicláveis dos catadores e repassam os resíduos em toneladas a grandes indústrias, já com o preço diferenciado e convertido em dólar.


 
Figura 6. Renda individual mensal dos catadores e catadoras de materiais recicláveis informais que atuam no bairro do Catolé, em Campina Grande-PB. 2012.

As principais variáveis que observamos diretamente associadas aos conflitos socioambientais gerados na Comunidade Nossa Senhora Aparecida são: os locais onde são acondicionados os resíduos sólidos coletados diariamente pelos catadores; se os materiais recebidos na fonte geradora estão higienizados ou contaminados; como também a periodicidade em que estes materiais são vendidos; e o destino dos materiais que não são comercializados, ou seja, o rejeito.

Em relação ao local de acondicionamento, verificou-se que os resíduos coletados nas residências sem nenhuma seleção ou higienização prévia, como afirmam 87,0% dos catadores de materiais recicláveis informais (Figura 08), são acondicionados em diversos locais. Cinquenta por cento dos entrevistados afirmaram que acondicionam os resíduos no quintal de sua residência, 33,0% acondicionam na calçada e 17,0% acondicionam no interior da sua residência, fato que ocorre, geralmente, dentro dos cômodos da mesma (Figura 07 e 09).

As principais variáveis que observamos diretamente associadas aos conflitos socioambientais gerados na Comunidade Nossa Senhora Aparecida são: os locais onde são acondicionados os resíduos sólidos coletados diariamente pelos catadores; se os materiais recebidos na fonte geradora estão higienizados ou contaminados; como também a periodicidade em que estes materiais são vendidos; e o destino dos materiais que não são comercializados, ou seja, o rejeito.

Em relação ao local de acondicionamento, verificou-se que os resíduos coletados nas residências sem nenhuma seleção ou higienização prévia, como afirmam 87,0% dos catadores de materiais recicláveis informais (Figura 08), são acondicionados em diversos locais. Cinquenta por cento dos entrevistados afirmaram que acondicionam os resíduos no quintal de sua residência, 33,0% acondicionam na calçada e 17,0% acondicionam no interior da sua residência, fato que ocorre, geralmente, dentro dos cômodos da mesma (Figura 07 e 09).

Figura 7. Local de acondicionamento dos resíduos sólidos entre os catadores e catadoras de materiais recicláveis informais que atuam no bairro do Catolé, em Campina Grande-PB. 2012.

Figura 8. Segregação dos resíduos sólidos na fonte geradora segundo os catadores e catadoras de materiais recicláveis informais que atuam no bairro do Catolé, em Campina Grande-PB. 2012.

Ao serem questionados se haveria algum incomodo por parte da vizinhança em relação ao acondicionamento dos resíduos sólidos nos quintais, calçadas e ruas, os catadores(as) afirmaram:

“Não reclamam, mas já encontrei escorpião embaixo do papel, junta bicho, já matei piolho de cobra”. (M.L.D.C., 48 anos)
“A maioria também cata”. (E.A., 53 anos)
“Nunca reclamaram, não falam nada, pois guardo dentro do meu quintal e vivo disso”. (J.F.S., 41 anos)
“Já são acostumados com o resíduo na rua, mas junta muito bicho, escorpião, por isso não junto dentro de casa, só na rua”. (J.V.S., 64 anos)

Os resíduos sólidos urbanos, quando acondicionados de forma desordenada, podem trazer sérios riscos ao ser humano e ao meio ambiente, tais como: formação de ácidos orgânicos, chorume e gases tóxicos, poluição do solo, do ar e das águas, proliferação de vetores e veiculação de microrganismos patogênicos (PEREIRA NETO, 1998).  Além dos resíduos propriamente ditos, a migração de chorume no solo e na água pode levar ao comprometimento destes pela contaminação por compostos orgânicos e íons metálicos (FARIAS; FONTES, 2003).

Em relação à saúde pública, os resíduos sólidos urbanos ocupam papel estratégico na estrutura epidemiológica de uma comunidade. Como componente indireto, destaca-se na linha de transmissão de doenças provocadas pela ação dos vetores que encontram condições adequadas para a sua proliferação (SIQUEIRA; MORAIS, 2009).


Figura 9.
Local de acondicionamento dos materiais recicláveis dos catadores e catadoras informais que atuam e residem no Bairro do Catolé, Campina Grande – PB, 2012.

Em uma das residências dos catadores de materiais recicláveis informais foi observado que os resíduos sólidos eram acondicionados junto com animais domésticos, como galinhas, galos, cachorros, bodes, coelhos, o que potencializa a contaminação dos resíduos, pois com a falta de higienização dos materiais coletados na fonte geradora, misturados às excretas e fezes dos animais, as chances de haver disseminação de doenças são potencialmente elevadas (CAVALCANTE, 2011).

Outro conflito socioambiental observado é a prática de armazenar o resíduo orgânico em tonéis, baldes ou sacolas nas calçadas das residências, esse tipo de resíduo também é coletado pelos catadores de materiais recicláveis e possuem como destino final a alimentação animal, a exemplo, os cavalos, que são utilizados nos carros de tração animal para realização da coleta diária (Figura 10).

Figura 10. Conflitos Socioambientais ocorridos na Comunidade Nossa Senhora Aparecida, no Bairro do Catolé, Campina Grande – PB, 2012.

Silva, Soares, Ribeiro, Oliveira e Oliveira (2011) afirmam que a maioria dos resíduos provenientes das atividades humanas apresenta potencial poluente e contaminante, embora os resíduos sólidos orgânicos sejam os mais preocupantes, quando não gerenciados, pois possuem alta concentração de matéria orgânica e organismos patógenos, contribuindo para a contaminação do ambiente, de resíduos sólidos passíveis de serem reaproveitados ou reciclados, e favorece a proliferação de vetores que transmitem doenças ao ser humano. Além de ser uma fonte de emissão do gás metano (CH4), resultante da decomposição da matéria orgânica (LOPES, 2007).

Diante, dos conflitos socioambientais já mencionados e de grande relevância, quando observados os impactos negativos oriundos dos mesmos, o conflito mais citado entre os entrevistados, principalmente, entre os líderes comunitários, é o descarte do rejeito em terrenos baldios (Figura 10). Disto tratam os depoimentos a seguir:

“Eu moro no centro das desorganizações, pois com essas sujeiras, os materiais podem trazer doenças, como diarreia, infecção de pele e aumentam principalmente no inverno, os esgotos retornam da rua pra dentro das casas”. (L.S.M., 49 anos – Agente Comunitária de Saúde).

“Os próprios catadores jogam nos terrenos baldios, a prefeitura já mandou limpar umas dez vezes esse ano, com três dias está tudo sujo”. (L.S.M., 49 anos – Agente Comunitária de Saúde).

“Com certeza incomoda, somos a favor do trabalho deles, só que os que estão soltos não têm organização, trazendo o lixo pra dentro da Comunidade, com risco de incêndio, e o que incomoda mais são as carroças de burro com lixo, até a coleta municipal não passa mais na rua”. (L.R.S., 43 anos – Presidente da SAB).

“Os vizinhos se incomodam sim, pois junta rato, barata, entulho na frente, com muita mosca, os insetos passam para as casas vizinhas, não ficam só nas casas dos catadores”. (M.L., 51 anos – Presidente Clube de Mães).

Todos os problemas e conflitos socioambientais supracitados são oriundos, principalmente, do longo período de acondicionamento dos resíduos sólidos coletados, visto que 87,0% dos catadores de materiais recicláveis informais vendem seus resíduos mensalmente e 17,0%, anualmente (Figura 11). O problema em acondicionar esses materiais por longos períodos são vários, desde a proliferação de vetores, ocasionando transmissão de diferentes doenças, como também originando problemas com animais peçonhentos que buscam esses resíduos como abrigo, além de causar contaminação do solo, do ar e ocasionar poluição visual. A problemática se agrava, quando se trata dos resíduos sólidos orgânicos, que são altamente contaminantes, causando inúmeros impactos negativos, como a produção de chorume, contaminando o solo e, também, a emissão de gases poluentes, a exemplo, o metano que é 25 vezes mais poluente do que o dióxido de carbono.



Figura 11.
Periodicidade da venda dos resíduos sólidos segundo os catadores e catadoras de materiais recicláveis informais que atuam no bairro do Catolé, em Campina Grande-PB. 2012.

Segundo Miura (2004), atualmente, o problema está em reconhecer o direito do catador às condições dignas de trabalho e de vida, para além da sobrevivência.
De acordo com Medeiros e Macêdo (2006), o catador de material reciclável é exposto a riscos à saúde, a preconceitos sociais e à desregulamentação dos direitos trabalhistas, condições que são extremamente precárias, tanto na informalidade de trabalho, quanto na remuneração.

Conclusão
Analisando a área de estudo, pôde-se concluir pela existência de vários conflitos ambientais, como a contaminação do solo pela produção de chorume e do ar pela emissão de gases, a exemplo do metano.

Sem alternativas para a obtenção de renda, os catadores de materiais recicláveis informais saem de porta em porta, sem condições de saúde e de segurança necessárias, abrindo as sacolas em busca de materiais recicláveis que, muitas vezes, encontram-se misturados a outros materiais orgânicos e sanitários.
Os materiais não são recolhidos limpos e são levados para as próprias residências dos moradores, sem um tratamento prévio, sendo acondicionados nas calçadas, quintais e, ainda, no interior das casas. Esses fatores colaboram com a proliferação de doenças para toda a família como para a população do entorno, em função da presença de vetores como ratos, baratas, escorpiões, dentre outros. O forte mau cheiro advindo de resíduos orgânicos e a poluição visual dentro da comunidade Nossa Senhora Aparecida também são reclamações freqüentes, segundo depoimentos dos vizinhos.

Persiste no local o problema dos materiais que não podem ser vendidos ou que não possuem comprador específico, ou seja, o rejeito, que acabam por ser descartados em um terreno baldio localizado dentro da comunidade. Apesar do Órgão Público por diversas vezes realizar a limpeza do local, os catadores voltam a depositar os seus rejeitos.

O incentivo à participação em cooperativas de catadores se faz presente dentro da Comunidade Nossa Senhora Aparecida, no entanto, uma minoria persiste imbatível em não se associar por receio de receber menos do que já recebe, trabalhando informalmente.

Apesar da presença de alguns representantes locais, os mesmos não demonstraram iniciativas concretas quanto à melhoria de vida dos catadores e do restante da Comunidade. O que também vale para o Poder Público local, nada de animador, como um galpão para armazenamento dos materiais recicláveis, é oferecido a essa parcela tão sofrida e tão importante de trabalhadores, os catadores de materiais recicláveis.

 

Referências

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ALEXANDRINO, D. F. L, FERREIRA, M. E. C., LIMA, C. L. e MAKKAI, L. F. C. Proposta de inclusão social e melhoria da qualidade de vida e saúde dos catadores e catadoras de materiais recicláveis de Viçosa - MG através da atividade física. Fit Perf J. v. 8, n. 2, p. 115-22, mar–abr, 2009.

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Recebido em
: 25/06/2013
Aceito em: 07/01/2014

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