MATERIAL PERFURO-CORTANTE: UM DESCASO SOCIAL E UMA AMEAÇA À SAÚDE DOS CATADORES DE RESÍDUOS SÓLIDOS
José Adailton Lima Silva: Graduado em Geografia (UEPB), Especilista em Geoambiência e Recursos Hídricos do Semiárido (UEPB), Mestre e Doutorando em Recursos Naturais na Universidade Federal de Campina Grande. End. Rua Rosil Cavalcante, 855, Novo Bodocongó, Dona Lindu I, BL B, apt. 001, CEP. 58.100-000. Campina Grande, Tel. (83) 8707-4632. adailton_limasilva@hotmail.com
Ana Flávia Alves de Lima: Formada em Administração pela UFPB, Especialista em Análise Ambiental pela UEPB, e Especialista em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela FURNE-UNIPE. Atualmente cursando o Mestrando em Recursos Naturais na UFCG; anaflavia@ufcg.edu.br
Monalisa Cristina Silva Medeiros
Formada em Geografia (UEPB), Mestra e Doutoranda em Recursos Naturais na Universidade Federal de Campina Grande. Endereço; Rua José Zacarias da Costa, 337 A Bairro; Malvinas, Campina Grande - PB Cep. 58433-272 Telefone 87417464.
E-mail: monalisacristinasm@hotmail.com
Janierk Pereira de Freitas
Graduada em Geografia – UFCG, Especialista em geopolítica e História- FIP, Especialista em Ciências Ambientais – FIP, Mestra e Doutoranda em Recursos Naturais- UFCG. Endereço: Rua Manoel Leonardo Gomes 1180 apart. 204 Jardim Paulistano Campina Grande PB, CEP.: 58415-320. Tel.: (83) 91165671/ 88214724.
E-mail: janierk_pfreitas@hotmail.com
PhD. Erivaldo Moreira Barbosa: Doutor em Recursos Naturais pela Universidade Federal de Campina Grande - UFCG (2006), Pós-Doutor em Educação pela UFPB/PPGE (2010). Professor Titular – UFCG. erifat@terra.com.br
Resumo: Contemporaneamente, vivencia-se uma sociedade capitalista e excludente. Diante do desemprego estrutural, surgem várias estratégias de convivência e atividades como coletar, selecionar e vender resíduos sólidos, que têm sido desenvolvidas por muitas pessoas como principal fonte de trabalho e renda. Todavia, o “trabalhador do lixo” é, acima de tudo, espoliado duplamente pelo mercado e pelo Estado, que utilizam o catador como agente ambiental (contribuindo para limpeza urbana) e não pensa em verter qualidade de vida para este segmento social. Neste sentido, objetiva-se enfatizar os problemas sociais e de saúde pública frutos do descarte indevido de materiais perfuro-cortantes, os quais tem acometido a saúde de muitos catadores do “Lixão do Serrotão”, localizado no município de Campina Grande-PB. Para tanto, o presente estudo se constituiu, metodologicamente, de estudos de campo, registro icnográfico, e de entrevistas semiestruturadas com catadores. Em suma, este trabalho objetiva, a partir de uma pesquisa quali-quantitativa, ressalvar a “árdua” realidade dos catadores de resíduos sólidos frente ao descaso social e político, onde estes últimos têm fomentado muitos riscos à saúde de uma “sociedade pobre” que sobrevive do que é rejeitado (lixo) pelas classes mais favorecidas economicamente.
Palavras-Chave: exclusão social, saúde pública, e condições de trabalho.
DRILL-CURTTING EQUIPMENT:
A STARVATION AND A THREAT TO THE HEALTH OF WASTE HEALTH
Abstract: Contemporaneously, experience is a capitalist society and exclusionary. Given the structural unemployment, there are several strategies for coexistence. Activities such as collecting, selecting and selling solid waste have been developed by many people as the main source of employment and income. However, the "worker's garbage" is, above all, robbed twice by the market and the state, using the collector as an environmental agent (contributing to urban cleaning) and think nothing pouring quality of life for this segment of society. In this sense, the objective is to emphasize the social problems and public health fruits of improper disposal of sharps materials, which have affected the health of many collectors of the "Dump the Serrotão", located in Campina Grande-PB. Thus, the resent study is worth, methodologically, field studies, record icnográfico, and semistructured interviews with collectors. In summary, this study aims, from a qualitative and quantitative research, to safeguard the "hard" reality of the collectors of solid waste outside the social and political neglect, where the latter has encouraged many health risks of a "poor society" that survives the that is rejected (garbage) by classes economically favored.
Keywords: social exclusion, public health, and working conditions
Introdução
A noção de exclusão/inclusão social e as novas configurações que o trabalho ganhou ao longo do tempo, mostram-se temáticas relevantes na atual “sociedade moderna”. Neste sentido, o capitalismo enquanto “bom patrão” nos moldes trabalhistas, reproduz o desemprego estrutural e o subemprego como consequência.
Vivencia-se a cada dia, um cenário trabalhista onde a falta de instrução ou escolaridade faz do trabalhador um simples passivo das más condições de trabalho, onde a este são negados seus direitos trabalhistas e a proteção social. Neste universo, encontram-se os catadores de resíduos sólidos, que veem no lixo uma alternativa para atender as necessidades diárias.
A catação de resíduos sólidos para a reciclagem tem se tornado aviltante e desumano para os catadores, tendo em vista as más condições de trabalho e, principalmente, os vários riscos à saúde dos catadores pela presença de material perfuro-cortante. Neste sentido, objetiva-se contextualizar a árdua realidade trabalhista dos catadores de resíduos sólidos, a fim de ressalvar o conflito existente entre os catadores, as Empresas e o Poder Público, os quais além de prover uma exploração do trabalho dos catadores, também não asseguram direitos trabalhistas e condições seguras de trabalho.
Resíduos dos Serviços de Saúde
Os Resíduos dos Serviços de Saúde – RSS oferecem um preocupante risco sanitário e ambiental. Eles são definidos como aqueles resultantes de atividades exercidas por prestadores de assistência médica, odontológica, laboratorial, farmacêutica e instituições de ensino e pesquisa médica relacionados tanto à saúde humana quanto veterinária que, por suas características, necessitam de processos diferenciados em seu manejo, exigindo ou não tratamento prévio à sua disposição final (ANVISA, 2010).
Finalmente, sabe-se que os catadores de resíduos sólidos por viverem na informalidade e serem alheios aos direitos trabalhistas são expostos diariamente a muitos riscos construídos pela “falta de compromisso” ou descumprimento das premissas que regem nossa Legislação. Dessa forma, torna-se notório o fato de que “fazer o certo” – cumprir com nossos deveres – é o melhor caminho para obter-se o melhor: nossos direitos.
Material e métodos
Esta é uma pesquisa exploratória delineada com o método de observação e análise de natureza qualitativa, quantitativa, descritiva e interdisciplinar. Esta abordagem permite apreender e avaliar a dialética existente no espaço estudado (Lixão do Serrotão).
Utilizou-se, ainda, o estudo teórico-empírico junto aos catadores. Nesta ocasião, houve a ida a campo onde se realizaram entrevistas semiestruturadas, as quais puderam detalhar: um perfil socioeconômico, informações sobre os moldes de trabalho, sua renda, e, principalmente, um levantamento dos casos de acidentes com material perfuro-cortante (motivo principal de nossos estudos).
Caracterização da área de estudo
Os estudos foram realizados no “Lixão do Serrotão” (Figuras 01 e 02), que ocupa uma área de 30 hectares, e está situado no município de Campina Grande (7°13’50’’ Sul, e 35° 52’ 52” Oeste), na Mesorregião do Agreste Paraibano, com área territorial de 621 km² e uma população de 383.764 (IBGE, 2010).
O Lixão do Serrotão está localizado em um terreno bastante irregular, de difícil acesso, e recebe o lixo domiciliar dos bairros da cidade e de áreas circunvizinhas, bem como o lixo hospitalar e indústria (COSTA, 2010). A área é bastante precária, não existindo controle do fluxo de caminhões que descarregam resíduos no local e por esse motivo várias são as ocasiões em que os resíduos perfuro-cortantes hospitalares são depositados no local sem qualquer tipo de fiscalização. Neste sentido, buscar-se-á enfocar os catadores do Lixão do Serrotão enquanto personagens de um “cenário desumano” onde o Estado e as Empresas são os “escritores dos episódios” que afligem os catadores.
Resultados e discussão
Trabalho Desumano: conflito entre catadores, Empresas e Poder Público
Segundo MELO et al. (2010), os catadores, que surgem na sociedade de Campina Grande-PB a partir da década de 1980, desconhecem o significado e a importância da atividade de catação no contexto socioeconômico e ambiental, bem como não têm a dimensão do seu poder, enquanto grupo. Desse modo, os catadores são espoliados tanto pelas Empresas que compram os materiais coletados a baixo custo, quanto pelo Poder Público que além de se manter alheio à promoção de coleta e destino final adequado dos resíduos, principalmente os hospitalares, também se encontra insciente quanto às condições desumanas de vida a que estão submetidos os catadores.
Os catadores, apesar de não serem reconhecidos pela grande parte da sociedade vigente, compreendem suas atividades como um trabalho digno. No entanto, eles relatam que, em virtude da marginalização e das más condições impostas ao seu trabalho, estão exercendo esta atividade não por desejo, mas sim por necessidade. Nesta perspectiva, dona Maria ressalva: “O povo não dar valor ao que agente faz, nem ajuda com a separação do lixo. Agente trabalha catando lixo porque não tem outro trabalho, e porque precisamos dar de comer a nossos filhos”.
Os catadores do “Lixão do Serrotão” são trabalhadores informais. O trabalho na sociedade vigente tem sido uma categoria de inclusão social. O não acesso a este é a negação de direitos sociais garantidos na Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988). Neste sentido, o Poder Público tem se mostrado alheio, pois suas ações não tem promovido melhorias para os catadores, os quais convivem com ambientes insalubres e sem as condições mínimas de moradia e trabalho (Figuras 1 e 2).
Quanto aos riscos à saúde dos catadores, principalmente os correlacionados aos materiais perfuro-cortantes hospitalares, os “trabalhadores do lixo” afirmam conhecer os perigos, porém não costumam procurar os serviços hospitalares em virtude dos mesmos não oferecerem um bom atendimento e serviço de qualidade. Neste sentido, seu José, um dos catadores locais, afirma: “Agente não procura o ‘posto’ porque lá não tem nada. Não tem médico, nem remédio”.
A indústria do lixo cresce e com ela a exploração dos trabalhadores informais que vivem desta. Os catadores estão na ponta deste processo de reciclagem que começa na rua e termina na fábrica. “Os trabalhadores de rua materializam na rua sua atividade um trabalho duplamente explorado, pelas empresas de reciclagem e pelo Estado” (LIRA, et al., 2011).
Por mais árdua e deprimente que seja a atividade dos catadores de resíduos sólidos, estes trabalhadores preferem trabalhar nestas condições a terem que utilizar de outros meios ilegais (crime) para “crescer na vida”, pois eles são trabalhadores que catam lixo de “mãos limpas”. Em consonância a esta assertiva, dona Cristiane afirma: “Como agente não tem outro lugar para trabalhar, e passa por necessidade, agente vive catando lixo, pois é melhor catar lixo do que roubar”.
As entrevistas realizadas com os catadores (50% do sexo masculino, e 50% feminino), ressalvam um perfil socioeconômico que denuncia um estágio de depreciação da qualidade de vida. Neste sentido, os índices encontrados são preocupantes:
- População relativamente jovem com cerca de 75% dos catadores com menos de 36 anos e com uma média de idade igual a 30,9 anos;
- Baixo índice de educação: 12,5% são analfabetos, 81,25% não possui o Ensino Fundamental Completo;
- Apresentam baixa renda, com média mensal de R$ 185,65 reais, e apenas 31,25% dos catadores possuem outra renda: o Bolsa Família;
- Cerca de 75% dos catadores tem no mínimo 1 filho;
- O período (anos) de trabalho é em média 13,25 anos, e 100% dos catadores não fazem parte de programas governamentais de promoção de direitos trabalhistas;
Diante deste quadro socioeconômico, observa-se que os catadores apresentam baixo nível educacional, uma característica ímpar para serem excluídos dos empregos formais e estarem alheios aos direitos trabalhistas que lhes são devidos.
É imprescindível, ainda, ressalvar outro dado alarmante: 41% dos catadores entrevistados responderam que seus filhos “menores de idade” ajudam na catação. Este dado denuncia o trabalho infantil e destituição de educação escolar.
Quanto aos dados correlacionados aos riscos à saúde dos catadores advinda dos acidentes com material perfuro-cortante, em especial os de origem hospitalar, estes se mostram alarmantes: 81,25% dos catadores já sofreram algum tipo de acidente, e destes, 61,53% foram com material hospitalar; e 70% dos catadores que sofreram algum tipo de acidente, não procuraram assistência médica. Do montante dos acometidos por acidentes com perfuro-cortantes do Serviço de Saúde, 87,5% não procuraram assistência médica; e cerca de 81,25% não tem informação sobre os perigos a que estão submetidos durante seu trabalho, nem acompanhamento através de palestras, reuniões que possam instruí-los sobre como a forma correta de se trabalhar com resíduos sólidos.
Sucintamente, o material perfuro-cortante, especialmente o hospitalar, tem fomentado muitos perigos e riscos à saúde dos catadores de resíduos sólidos, pois os mesmo são descartados de forma indevida e sem tratamento prévio, o que vai de encontro à legislação brasileira (ANVISA, 2010).
Por fim, pôde-se observar que os catadores são altamente vulneráveis às doenças, tanto pela insalubridade de sua atividade quanto pelas condições precárias de trabalho. Somado a esta problemática, tem-se o fato dos catadores não procurarem assistência médica quando sofrem acidente, principalmente com material hospitalar.
Considerações finais
Diante dos estudos realizados, conclui-se que:
1) Os catadores são espoliados tanto pelas Empresas que compram os materiais coletados a baixo custo, quanto pelo Poder Público, que além de não promover a coleta e destino final dos resíduos, principalmente os hospitalares, também tem “fechado os olhos” quanto às más condições de trabalho e vida dos catadores;
2) Os catadores estão exercendo esta atividade não por desejo, mas sim por necessidade, e mesmo submetidos a condições desumanas, preferem trabalhar catando resíduos sólidos a terem que utilizar de outros meios ilegais (crime) para conseguir melhores condições financeiras;
3) Quanto aos riscos à saúde dos catadores, tem-se: i) 81,25% dos catadores já sofreram algum tipo de acidente, e destes, 61,53% foram com material perfuro-cortante hospitalar; ii) 70% dos catadores que sofreram algum tipo de acidente, não procuraram assistência médica; e iii) cerca de 81,25% dos catadores não tem informação sobre os perigos a que estão submetidos durante seu trabalho, o que aumenta a vulnerabilidade destes trabalhadores para com acidentes e doenças; e
4) O perfil dos catadores é algo preocupante, pois os catadores apresentam baixo índice de escolaridade (12,5% são analfabetos e 81,25% não possui o Ensino Fundamental Completo); 75% dos catadores tem filhos, e apresentam, em média, uma renda mensal de R$ 185,65 reais, o que não supre as necessidades das famílias; e não participam de programas governamentais de promoção de direitos trabalhistas (carteira assinada, equipamentos de segurança, etc.) e de boas condições de vida.
Finalmente, sabe-se que o desemprego, a pobreza e a exclusão social são expressões de uma sociedade marcada por contradições. Neste universo, tem-se o surgimento de algumas atividades econômicas “desumanas”, a exemplo da catação de resíduos sólidos. Todavia, esta realidade pode e deve ser mudada com a promoção dos direitos trabalhistas dos catadores, fazendo com que esta atividade não seja exercida pela falta de alternativa e, sim, seja mais uma oportunidade de emprego. Pois só assim, catar “lixo” deixará de ser aviltante e desumano.
Referências Bibliográficas
ANVISA. Agência nacional de Vigilância Sanitária. Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) n° 306/044. <http://www.anvisa.gov.br/ >. Acesso em: 10 de maio de 2012.
COSTA, L. L. ARAÚJO, I. F. SOUZA, A. P. B. Os Impactos da Destinação Inadequada dos Resíduos Sólidos Urbanos no Município de Campina Grande-PB. In: Anais do III Simpósio Iberoamericano de Engenharia de Resíduos e II Seminário da Região Nordeste sobre Resíduos Sólidos, 2010, p. 1-6.
IBGE. (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), Censo Demográfico 2010. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/cidadesat>. Acesso em: 29 fev. 2012.
BRASIL, Constituição Federal, Brasília, 1988. Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA). Lei nº 9.605, Lei 8080/90, Lei nº. 6.514. <http://www.constituicaofederal.gov.br/ >. Acesso em: 20 de maio de 2012.
LIRA, T. S. V. Exclusão social e trabalho precoce: O cotidiano dos adolescentes trabalhadores na cata do lixo. João Pessoa – PB. Ed.Universitária da UFPB, 2003.
LIRA, T. S. V. et al. O trabalho infanto-juvenil no lixão em Campina Grande-PB. In: XXVIII Congresso Internacional da ALAS, UFPE, Recife – PE, 2011, p. 1-15.
MELO, J. A. et al. As Condições de vida e Trabalho dos Catadores de Lixo do Bairro do Pedregal em Campina Grande – PB. In: Anais da III Jornada Internacional de Políticas Públicas. São Luís – MA, 28 a 30 de agosto 2007, p. 1-7.
MELO, A. C. de. Uma Abordagem Socioambiental dos Resíduos Sólidos Urbanos da Cidade de Patos-Paraíba. Recife, 2001. Dissertação de mestrado em Regionalização e Análise Regional - Geografia. Universidade Federal de Pernambuco, 2001, p. 1-184.
Software Google Earth. Acessado em:07 de Outubro de 2008.
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Recebido em: 29/10/2012
Aprovado em: 14/11/2013