Questões Contemporâneas

EDUCAÇÃO PARA A SUSTENTABILIDADE: NOVIDADE OU RESGATE DE SIGNIFICADO?

Rodolfo Antônio de Figueiredo, Professor do Departamento de Desenvolvimento Rural, Pró-Reitor de Extensão Adjunto da Universidade Federal de São Carlos

Resumo: O presente ensaio teórico tem por objetivo pontuar alguns aspectos relevantes para o surgimento da “educação para a sustentabilidade”, assim como indicar que esta modalidade de educação é um retorno ao objetivo precípuo da educação nas sociedades humanas. A metodologia utilizada neste ensaio foi a leitura prévia de diferentes autores que tratam de questões sobre educação e sustentabilidade, após o que seus pensamentos foram dialogados com percepções pessoais do autor. Conclui-se que a educação surgiu nas sociedades primitivas ulteriormente para permitir a sobrevivência, biológica e social, de seus membros, e tal é o objetivo da atual denominada educação para a sustentabilidade.
Palavras-chave: Educação ambiental. Formação profissional. Sustentabilidade.

 

EDUCATION FOR SUSTAINABILITY: NOVELTY OR REDEMPTION OF SIGNIFICANCE?

Abstract: The present theoretical assay has for objective to point some relevant aspects to the “education for sustainability” development, as well as to indicate that this modality of education is a return to the main objective of the education in the human societies. The methodology used in this assay was the reading of authors who deal with the questions on education and sustainability, after what their thoughts had been dialogued with personal perceptions of the author. The conclusion is that the education appeared in the primitive societies to allow biological and social survival of its members, and such is the objective of the current one called education for the sustainability.
Keywords: Environmental education. Professional formation. Sustainability.

Introdução
O ser humano tem por berço a África, quando entre dez e cinco milhões de anos a imensa floresta úmida se transformou em savana no leste africano. Esta mudança no ambiente fez um primata arborícola se adaptar à vegetação aberta das savanas, originando o gênero Australopithecus (ancestral humano). Os australopitecíneos apresentaram adaptações peculiares para a locomoção e alimentação. A utilização das mãos, que possuíam polegar opositor para manipular e construir objetos, foram seguidos de uma resposta de crescimento rápido e muito significativo do encéfalo. Um cérebro maior possibilitou o desenvolvimento da linguagem e técnicas de caça e da agricultura. Formas orgânicas, fisiológicas e comportamentais mais adaptadas foram surgindo, até chegar ao Homo sapiens, habitante do planeta há cerca de 100 mil anos (RIDLEY, 2006).

Simmons (1982) indica que o ser humano foi caçador e coletor de materiais animais e vegetais por cerca de 90% do seu tempo sobre o planeta, não causando alterações significativas no ambiente. Com o advento da agricultura, há cerca de 10.000 anos, o uso do fogo foi fator impactante em alguns pontos do planeta; no entanto, as populações humanas ocupavam um espaço relativamente restrito e se adequavam à capacidade de suporte dos ambientes até a fase pré-industrial. Com o uso dos combustíveis fósseis e a entrada na era industrial, o ser humano passou a ser a principal causa de distúrbios ambientais, interferindo na capacidade de suporte do planeta para si e demais espécies (PRIMACK & RODRIGUES, 2005).

Ao lado da questão biológica está a evolução social da espécie humana. Esta evolução se inicia quando o ser humano passa a desenvolver a consciência, a qual o possibilitará subjugar da natureza, através do seu trabalho, os meios de sua existência (SEVERINO, 2007). O existir em sociedade tem origem nas alterações que ocorreram nas estruturas familiares e nas relações de poder entre as famílias. A sociedade moderna se formou reestruturando a posse dos territórios comuns, tornando-os propriedades privadas e gerando a exclusão de camadas da população que não possuíam meios para a sobrevivência além de sua força de trabalho (ENGELS, 1987). A era industrial vem assentada no movimento iluminista e na doutrina positivista, que através da razão instrumental passa a servir à dominação e destruição da natureza e do próprio ser humano. A superação desse tipo de sociedade foi já há muito apontada como solução (MARX, 2003), mas ainda não efetivada.

Em suma, os problemas do ambiente natural e social se aprofundaram no último século e uma das mais relevantes questões para análise e atuação profissional passou a ser a insustentabilidade do planeta e das sociedades humanas pós-modernas (analisadas por alguns autores como tendo por características a globalização, a indústria cultural, a hiperinformação, o consumismo e a ampliação de micropoderes; por exemplo, em BAUDRILLARD, 2007 e FOUCAULT, 2007). Em necessidade à superação de tais problemáticas, a educação é apontada como possibilidade “onde a filosofia se faz concreta, mediante a prática docente e discente” (LUCKESI, 2008) no espaço escolar, onde as camadas excluídas das populações podem apreender os conhecimentos necessários para sua ação transformadora na sociedade (SAVIANI, 2003).

No bojo destas discussões surge a “educação para a sustentabilidade” (IUCN, 1993), denominação dada a uma nova proposta pedagógica visando uma melhor adequação da consciência humana aos tempos atuais. Sustentável é aquilo que pode sustentar, ou seja, que pode servir de escora a, que pode impedir a queda de algo. Sustentabilidade, então, é um conceito sistêmico relacionado com a continuidade dos aspectos econômicos, sociais, culturais e ambientais da sociedade humana. O termo sustentabilidade é similar à equanimidade, ou seja, uma moderação na utilização dos “recursos naturais”, assim como na equidade das relações entre as pessoas, os grupos sociais e as nações. Não há mais espaço (físico, moral e ético) para excluídos, mas todos deverão estar incluídos no novo modelo de evolução social humana. Segundo Bursztyn (2001, p.11), “é preciso que se considere também o principio da solidariedade em relação às futuras gerações (a ética da sustentabilidade)”.
O objetivo deste artigo é fazer uma reflexão, embasada em autoras/es (neste texto procurar-se-á utilizar linguagem não-sexista, seguindo normas indicadas em CASELLATO et al., 1996) que tratam dos temas educação e sustentabilidade, de aspectos importantes que delinearam a necessidade de surgimento desta proposta de educação para a sustentabilidade, indicando que ela é a essência da própria educação nas primeiras sociedades humanas (AB’SABER, 2008).

Método
Este ensaio teórico foi realizado utilizando textos de algumas/ns autoras/es que trabalharam os temas educação e sustentabilidade (citadas/os abaixo, no item Bibliografia).

O autor procurou extrair os pontos fundamentais dos textos, para uma necessária reflexão crítica sobre a atual necessidade de qualificar a educação como sendo para a sustentabilidade. Para tanto, optou pela seguinte metodologia: os textos das/os autoras/es foram lidos integralmente, sem se fazer registros escritos de passagens ou indicações no corpo do próprio texto. Depois de finda a leitura de todos os textos, eles foram guardados e o autor deste ensaio não mais os retomou. Após mês, foi escrito o ensaio utilizando os aspectos que ainda permaneciam marcantes na memória do autor. Estes pontos foram considerados como os de especial relevância para a discussão.
A abordagem acima descrita não foi encontrada a priori em um manual metodológico, mas delineada para contemplar a intenção do autor em verificar a influência de diferentes pressupostos filosóficos, políticos e ideológicos em sua prática. O autor percebe o mesmo movimento de intencionalidade na metodologia utilizada por Malagodi (2009).

A educação nas sociedades primevas
A educação possivelmente surgiu nas primeiras sociedades humanas, ainda nos tempos pré-históricos, como uma forma de transmissão dos conhecimentos e costumes produzidos e recebidos dos antepassados às atuais e futuras gerações daquelas comunidades (MEKSENAS, 2012). A função da educação, portanto, possivelmente estava ligada à segurança e ao desenvolvimento de tais comunidades.

Os tempos mudaram e a sociedade agora se encontra às voltas com uma era do conhecimento, do desenvolvimento tecnológico e da acumulação de capital. A ideologia e paradigma dominantes homogeneízam o mundo, aprofundam o abismo entre os poucos ricos e a maioria de pobres e colocam as sociedades em eminente perigo de extermínio devido às armas nucleares, à manipulação biotecnológica dos genomas e à destruição contínua dos ambientes naturais. O tempo atual, portanto, necessita de um novo profissional, formado a partir de bases éticas, de um novo paradigma científico e de conhecimentos confrontados com a realidade de forma crítica, através da práxis. A educação, agora, deve ter por função formar este novo profissional, que esteja apto a atuar na gestão, no ensino, na pesquisa e na extensão de forma contextualizada e visando a sustentabilidade das sociedades humanas e, por conseguinte, de todo o planeta em sua potencialidade e diversidade.


A compreensão e defesa da tese acima indicada, qual seja a necessidade de formação de profissionais visando uma educação para a sustentabilidade, necessita de um olhar sobre o desenrolar histórico do pensamento humano, assim como do estabelecimento de conceitos indispensáveis para a atuação profissional nestes novos tempos. Assim sendo, a seguir serão pontuados alguns aspectos históricos do desenvolvimento das sociedades e alguns conceitos-chave que julgo de fundamental importância.

A vida humana somente é possível quando integrada aos demais elementos da natureza, de onde provém o alimento e o abrigo, além de todas as possibilidades de desenvolvimento tecnológico. Para os gregos pré-socráticos, o ser humano e a natureza eram indistintos, unificados, porquanto advindos de uma criação única. Era a “physis”, que podia ser compreendida pelos seres humanos através do conhecimento e das artes.

A educação nas sociedades modernas
A concepção unificadora entre seres humanos e natureza começou a receber ataques advindos de pensadores da própria civilização grega. Os sofistas passaram a distinguir entre as manifestações naturais do ambiente, estas denominadas “physis”, das manifestações da cultura humana, que agora passam a ser chamadas de “techne”. Esta concepção separadora, dualística, acabou por atingir seu ápice nos pensamentos de René Descartes, no século XVI. Descartes criou o universo determinístico através da metáfora de que o universo e tudo nele presente eram máquinas. E, como tais, todas as coisas presentes no universo poderiam ser completamente compreendidas através do estudo de seus componentes. O ser humano, portanto, poderia separar a natureza em partes menores e estudá-las de forma objetiva, ou seja, como meros objetos completamente desvinculados da/o pesquisadora/r humana/o. Os resultados de tais estudos seriam transformados em leis que, em última análise, eram a completa expressão da verdade.

A filosofia cartesiana, unida às práticas experimentais de Francis Bacon, Isaac Newton e Galileu Galilei e transportada para os estudos das sociedades humanas, originou o pensamento positivista oitocentista. O objetivo deste pensamento é, secundando as palavras de Francis Bacon, compreender a natureza e, ao compreendê-la, subjugá-la aos propósitos humanos (SEVERINO, 2006). Este pensamento foi fundamental para a legitimação e construção do capitalismo emergente. Nesta época, um dos pilares da sociologia, Émile Durkheim, indicava claramente que o papel da educação era o de preparar e conformar as pessoas à nova ordem social vigente.

O novo sistema prosperou, gerando enormes problemas ambientais e sociais nos séculos XVIII e XIX, através da sobrexploração de matérias naturais e do trabalho humano. Esta foi a era do chamado capitalismo selvagem. Com a crescente insatisfação de grande parte das populações, que organizavam movimentos sociais de combate à lógica de produção, surgem novas formas de organização social, mormente o socialismo e o comunismo. Tal qual um camaleão que se adapta a diferentes nuances do ambiente em que vive, o sistema capitalista se modificou superficialmente para não se transformar integralmente.

O surgimento de leis trabalhistas, que pretensamente protegiam as/os trabalhadoras/es e aplacavam a sua sede por mudanças face ao desespero opressivo que sentiam, além do desenvolvimento de concepções educacionais novas para readequar a população ao sistema reformulado, visando a capacitação da/o trabalhadora/r e a inserção de novas gerações ao mercado de trabalho, serviram para dar novo fôlego ao capitalismo. Além disso, o impressionante desenvolvimento tecnológico do período, o surgimento do modelo de material genético (DNA) com amplas possibilidades de sua utilização e a revolução verde dos anos 1960-1970 que redundou na produção de grandes quantidades de alimento, passou a sensação geral de que o sistema havia finalmente se modificado e se tornado a melhor opção para as sociedades humanas. A desestruturação do socialismo real na Europa oriental reforçou tal ideia.

No entanto, apesar de todo o desenvolvimento tecnológico, não houve melhorias sociais para a vasta maioria das pessoas. A ciência positivista moderna é realizada por técnicas/os extremamente especializadas/os, formadas/os e pós-graduadas/os nas universidades públicas e privadas, e cuja linguagem de divulgação é absolutamente hermética, excluindo a população geral da compreensão das descobertas e suas consequências práticas. A revolução verde, esperança de alimento para todas/os, resultou principalmente no surgimento de grandes propriedades rurais (latifúndios), excluindo as/os agricultoras/es tradicionais e familiares, que não possuíam dinheiro suficiente para aquisição do pacote tecnológico (implementos agrícolas, insumos, sementes). O dinheiro saiu da produção para ser guardado nos mercados de aplicação financeira, sob a égide do neoliberalismo.

Em suma, as sociedades atuais vivem em estado de risco, de perigo, devido a um arsenal tecnológico e agrobiotecnológico que não compreendem, que não dominam, que estão a serviço principalmente do capital e que pode ser utilizados contra elas mesmas. Em risco de ter contingentes cada vez maiores de pessoas que passam fome, mesmo vendo a abundância na produção de vegetais e animais, mas com quase exclusivo interesse econômico e industrial. Em risco de ter suas poucas economias solapadas por crises no mercado financeiro, sendo que é regra que as camadas mais pobres das populações paguem, de um jeito ou de outro, pelas perdas econômicas sofridas pelas mais ricas.

E, finalmente, estão as sociedades atuais, cujas manifestações culturais cada vez mais capitulam pela ação da indústria cultural, em risco de ver o ambiente natural ser completamente exaurido pela lógica da produção a todo custo que tem no ambiente apenas um objeto e um recurso a ser utilizado, enquanto esperam com o sinalizado “mito tecnológico” de que sempre surgirão opções tecnológicas que nunca permitirão o completo esvair do ambiente.

A extrema contradição do sistema, que sinaliza com desenvolvimento e bem-estar sempre crescentes, mas que utiliza como base a natureza finita, passa muitas vezes despercebida pela maioria das pessoas. Isto se dá por estratégias utilizadas para encobrir a contradição geradora de riscos. Uma dessas estratégias é a oferta cada vez maior e cada vez mais rápida de produtos que a mídia massivamente indica às populações como essenciais ao bem-estar e à felicidade. É a chamada “sociedade de consumo”. Trabalha-se para comprar e, ao comprar, percebe-se que não aumentou a felicidade. Mas, a seguir são apresentados outros produtos, mais novos e melhores (apesar de cada vez mais descartáveis), estes sim que permitirão um bem-estar pessoal. E o ciclo se repete indefinidamente, em uma lógica de consumo, de desperdício e de individualismo.

Outra estratégia para manter os indivíduos “úteis e dóceis” é a oferta de um sem-número de recursos tecnológicos virtuais, produzidos para entreter as pessoas durante quase todo o tempo em que estiverem acordadas. Televisão, computador, internet, telefone celular, entre tantos outros equipamentos que fazem o ser humano não ter mais tempo para refletir sobre a sua realidade, mas apenas trabalhar, consumir e se divertir. Nesta “sociedade do conhecimento” o que se vê é a homogeneização dos mercados, o desmanche das culturas, a individualização dos sujeitos e a perda de identidade e capacidade reflexiva e crítica.

A educação, neste contexto, se transformou para adquirir um status de subssetor da economia globalizada, conformando os sujeitos à sociedade do conhecimento e do consumo, permitindo a abertura de novos mercados, reduzindo a capacidade e atitude reflexiva e crítica das/os educandas/os através do ensino de uma grande quantidade de informações descontextualizadas e da postura autoritária e apolítica da/o professora/r.

Uma nova educação?
A/o profissional da educação e a/o educadora/r em contextos não formais não são neutros, como queria o pai da modernidade René Descartes. A/o educadora/r sempre levará para a sua prática uma opção dentre as ideologias, baseada em sua concepção ontológica de sociedade. A escola é o palco para a disputa entre diferentes ideologias, entre a educação vista para conformar os sujeitos à ordem social vigente e a educação vista para transformar as sociedades para que sejam sustentáveis. E, de acordo com suas concepções ontológicas e ideológicas, as/os educadoras/res selecionarão os conteúdos que julgam prioritários, assim como os métodos de ensino que consideram adequados ao propósito que veem para a educação.

A atuação acrítica e conformadora da/o profissional da educação que se baseia em concepções neutras e positivistas de ensino não promoverá alterações nesta sociedade atual, de realidade virtual e insegurança crescente. Há a necessidade, indiscutível e urgente, de profissionais que atuem de forma a reduzir os riscos proporcionados pelas concepções científicas e tecnológicas modernas, assegurando a sustentabilidade das sociedades e, por que não dizer, da própria espécie humana. Esta/e nova/e profissional deve estar embasada/o em um novo paradigma científico, que legitime suas descobertas com a relevância social do conhecimento produzido e cujas concepções educativas priorizem a participação, o diálogo, a reflexão crítica e a transformação das sociedades rumo à sustentabilidade.

A/o nova/o profissional tem de ser formada/o em cursos que procuram romper com o tradicional hegemônico, caminhando em direção à sustentabilidade, conceito chave. A sustentabilidade, aqui, pode ser definida como uma opção ideológica e de atuação prática que proporciona aos sujeitos e comunidades bem-estar, realização e escolha por um tipo de desenvolvimento e de padrão de vida que reduza o consumo e o desperdício, proporcionando às gerações futuras uma nova possibilidade de vida digna e de felicidade.

A ideia de sustentabilidade, apesar de surgida em meados século XX, teve um novo impulso nos anos de 1970, através da proposta de “ecodesenvolvimento” de Ignacy Sachs, e nos anos 1980 através do “desenvolvimento sustentável” proposto em publicações da IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza), da WWF (Fundo Mundial para a Natureza) e da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU. Estas publicações têm numerosos pontos de inovação ao ver a questão ambiental e o desenvolvimento humano. No entanto, não atingiam o âmago do problema que se propunham a resolver. O desenvolvimento sustentável não soluciona as contradições inerentes à atual forma de produção e acumulação de capital e fornece soluções paliativas. O termo sustentabilidade, portanto, se fez necessário para indicar uma nova relação do ser humano consigo mesmo (em termos individuais e coletivos) e com todos os demais elementos da natureza.

A década da educação para um futuro sustentável, proposto pela Organização das Nações Unidades (ONU) e com duração de 2005 a 2014, procurou ser uma medida para ampliar a reflexão sobre a atual emergência planetária, qual sejam as situações de contaminação ambiental, perda da diversidade biológica e cultural e aquecimento global. No primeiro ano dessa iniciativa, Gil et al. (2006) perceberam como solução para a questão socioambiental global a universalização e ampliação dos direitos humanos, econômicos, sociais e culturais.
A “educação para a sustentabilidade” necessita, portanto, a emancipação dos sujeitos e participação cidadã, que pressupõe liberdade e responsabilidade frente às transformações das quais fará parte. A formação da/o profissional é realizada fortalecendo sua autoestima, ampliando sua participação comunitária e fornecendo-lhe conhecimentos significativos e reflexões a partir de seu contato com a realidade (práxis). Os conhecimentos ofertados para serem sentidos, compreendidos, reorganizados e ressignificados, devem proporcionar uma visão histórica de como os poderes foram e são constituídos e de como a sociedade globalizada atual se estruturou nestes poderes que se intitulam dominantes. A formação ética e estética é imprescindível para esta/e nova/o profissional, que deve se basear na multirreferencialidade e na transdisciplinaridade para compreender a complexidade da natureza/sociedade, para desvelar a realidade e para nela ter uma atuação transformadora através da produção de novos conhecimentos e da gestão socioambiental. E, finalmente, permeando a formação desta/e nova/e profissional através de conhecimentos e valores, está a sua formação e participação política. A vivência da realidade proporcionará tal formação, devendo os cursos estimular a inserção da/o educanda/o nas comunidades com as quais trabalhará, colocando-se no mesmo nível de aprendiz e educadora/r que a todas as pessoas compete, em uma relação horizontal, participativa, democrática e dialógica.

A ONU lançou, no evento Rio + 20 em 2012, um relatório de avaliação da década da educação para um futuro sustentável. Nesta publicação, destacou-se que as condições locais levaram a diferentes interpretações e modos de compreender e atuar em educação para o desenvolvimento sustentável, mas que de forma geral é cada vez mais vista como um meio de renovar a educação, ensino e aprendizagem de forma a permitir que as escolas, universidades, institutos de ensino e formação profissionais, comunidades e empresas possam lidar com os desafios colocados pela sustentabilidade, cuja natureza exige respostas educativas que permitam aprender a lidar com a mudança, a complexidade, a controvérsia, a incerteza e os valores (WALS, 2012). Faltando pouco mais de um ano para o final da iniciativa, o relatório indica que ainda se torna fundamental uma educação que permita o desenvolvimento profissional mais holístico e que aborde a sustentabilidade de forma integrativa e crítica, utilizando as formas de aprendizagem desenvolvidas ao longo da década em diferentes contextos, quais sejam: a aprendizagem baseada em problemas, a aprendizagem social, a aprendizagem interdisciplinar, a aprendizagem em ação e a aprendizagem crítica (WALS, 2012). Para permanecer relevante, a educação deverá ajudar as pessoas a lidar com a complexidade, a controvérsia e a incerteza.

Conclusão
A par os riscos proporcionados pelo sistema vigente está a potencialidade que a ciência, a tecnologia e a cultura, vistas pelas lentes da sustentabilidade, têm em proporcionar um momento histórico de segurança e justiça socioambiental para a humanidade. Na frente deste novo movimento está uma/m nova/o profissional, que reabilitará a compreensão holística dos gregos (a “physis”) e que exercerá seu ofício e ação educativa visando o bem-estar de cada comunidade em suas particularidades, cultura e diversidade, assim como ocorria nos tempos pré-históricos.

Os conhecimentos cientificamente construídos nas áreas de história, filosofia, biologia, ecologia, sociologia e economia são essenciais para a percepção e encaminhamento do problema, mas também é prioritário o diálogo da ciência com conhecimentos tradicionais, humanísticos e artísticos. De destaque neste cenário é a área de educação, devido sua possibilidade de fornecer a geração de novos conhecimentos e uma significativa resposta prática à busca de sustentabilidade.
Vivemos com a educação para a sustentabilidade, portanto, um momento histórico de retorno aos objetivos primeiros da educação para a espécie humana. Um recomeço para o futuro.

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Recebido em: 28/06/2013
Aceito em: 14/11/2013
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