LIPIS

TRAUMATISMOS PRECOCES E DIFERENCIAÇÃO EU-OBJETO NA DIREÇÃO DO TRABALHO ANALÍTICO

KARLA PATRÍCIA HOLANDA MARTINS é Professora Adjunta e Pesquisadora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Ceará, Professora-colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade de Fortaleza, Doutora em Teoria Psicanalítica pela UFRJ. Organizadora do livro Profetas da chuva (Ed. Tempo d’imagem, 2006). Membro do Grupo de trabalho da ANPEPP “Processos de subjetivação, clínica ampliada e sofrimento psíquico”. Pesquisadora Associada do LIPIS/PUC-Rio.kphm@uol.com.br

NADJA NARA BARBOSA PINHEIRO é Professora Adjunta da Graduação e do Mestrado em Psicologia da Universidade Federal do Paraná, Doutora em Psicologia Clínica pela PUC-RJ, Coordenadora do Laboratório de Psicanálise da Universidade Federal do Paraná. Membro do Grupo de trabalho da ANPEPP “Processos de subjetivação, clínica ampliada e sofrimento psíquico”. Líder do grupo de pesquisa no CNPq “Psicanálise: teoria da clínica”.  Pesquisadora Associada do LIPIS/PUC-Rio. nadjanbp@ufpr.br.


Resumo: Objetiva-se discutir os traumatismos precoces e suas relações com a questão da diferenciação primária eu-objeto, a partir de algumas interrogações clínicas. Acompanhando as discussões sobre a direção do trabalho analítico com pacientes que apresentam sofrimentos narcísicos, cujas problemáticas especular e identitária sobressaem-se em primeiro plano, pretende-se retomar os desafios e a pertinência deste trabalho numa vertente que problematiza os paradoxos da transferência, considerando a confiabilidade e a passionalidade. Pressupõe-se que traumatismos incidentes sobre a situação de dependência primária, ameaçadores de uma ilusão identitária podem produzir na transferência “respostas” no campo da passionalidade. Indaga-se se este efeito-paixão na transferência não poderia ser pensado, nos termos da teoria do trauma ferencziano, como identificação com o agressor: na ausência da condição de produzir um sentido sobre a experiência, a paixão é convocada; a sedução ao analista poderia ser pensada como uma tentativa de reversão de uma posição onde o eu sucumbiu ao objeto. Trata-se de um momento árduo na transferência, posto que figuras relativas à desconfiança entram em cena, desestabilizando a possível continuidade do trabalho.
Palavras-chave: Traumatismos precoces, diferenciação eu-objeto, transferência.

TÍTULO EM INGLÊS

Abstract: By taking some clinical questions as a starting point, the present paper aims to discuss the relationship between premature trauma and primary self-object differentiation. It follows the discussions on analytic work with patients who present narcissistic suffering and it intends to assert the challenges and the relevance of psychoanalytic work in a shed that discusses the paradoxes of the transference through two elements: reliability and passionateness. The paper questions whether the effect-passion aroused in the field of the transference could be understood on terms of Ferenczi’s theory of trauma: identification with the aggressor. In other words, in the absence of proper conditions that could produce a sense on early experiences, the passion is convened to do so. In this way, seduction to the analyst could be thought as an attempt to reverse a position where the Self succumbed to the object. The paper ends by pointing out that in this clinic work, analysts face hard challenge in the transference, since, at this point of the therapy, some figures related to perversion come into play.
Keywords: Premature trauma, Self-object differentiation, transference.

INTRODUÇÃO

“Devemos começar a amar a fim de não adoecermos e estamos destinados a cair doentes se, em consequência de frustrações, formos incapazes de amar”
(FREUD, 1914, p. 95)

Algumas interrogações clínicas formaram o ponto de partida para as reflexões apresentadas no presente estudo. Nele objetivamos discutir os traumatismos precoces e suas relações com a questão da diferenciação primária eu-objeto. Acompanhando as discussões sobre a direção do trabalho analítico com pacientes que apresentam sofrimentos narcísicos, cujas problemáticas especular e identitária sobressaem-se em primeiro plano, pretendemos retomar os desafios e a pertinência deste trabalho numa vertente que problematiza os paradoxos da transferência. Nesta, dois eixos de tematização serão privilegiados: as questões da confiabilidade e da passionalidade.

Em um primeiro momento, levantamos como hipótese inicial a possibilidade de que traumatismos incidentes sobre a situação de dependência primária, ao se tornarem ameaçadores de uma ilusão identitária, convocarão na esfera da transferência “respostas” no campo da passionalidade. No entanto, para avançarmos em nossas reflexões, torna-se necessário, em um primeiro momento, procedermos alguns questionamentos: como trauma e ilusão identitária se articulam? O que seria um trauma que incide sobre a situação de dependência primária? Visando respondê-los, focalizaremos algumas questões sobre trauma e narcisismo para, posteriormente, as articular com o trabalho do analista.

TRAUMA E NARCISISMO

Ao longo da obra freudiana a noção de trauma sofreu modificações, mantendo, entretanto, o fator econômico como essencial. Em “Inibições, sintomas e ansiedade”, Freud (1926[1925]) retoma a ideia de trauma no contexto do nascimento como o protótipo da situação de angústia não só pela separação do bebê de seu objeto de amor, mas principalmente por se referir a uma angústia não inscrita no campo representacional, frente a um transbordamento energético sem representação. Na impossibilidade de tematizar o perigo real da morte, mas somente perceber a experiência corporal da angústia, cabe ao semelhante introduzir uma matriz simbólica constitutiva de uma pré-história do sujeito, delimitando e contendo com palavras e gestos significativos o que pode se apresentar como puro transbordamento energético ao bebê.

A este processo de significação progressiva, segue o que Freud e Lacan denominaram por identificação primordial. Processo este responsável pelo o que estamos chamando aqui de ilusão identitária do infans. Lacan (1949/1998), ao entender a identificação como a “transformação produzida no sujeito quando este assume uma imagem” (p.97), entende esta operação como dependente de uma outra: a operação transitiva. O transitivismo, em sua concepção, é entendido como uma espécie de forçagem, proporcionada pelo semelhante, que tem por função impelir a criança a tornar sua uma experiência. Nas palavras de Bergés e Balbo (2002), através do transitivismo, a mãe obriga o filho a não ser “esse sujeito que se sacrifica pelo grande Outro” (p.79). Podemos perceber que nessa concepção, o trauma, ao fazer possível uma experiência é, portanto, instituinte da constituição do sujeito. Aqui, segue-se, a já conhecida, proposição freudiana de que o traumático funda a ordem psíquica.

Todavia, para que essa experiência se inscreva [produtivamente] no âmbito subjetivo, de modo que impelir não signifique o sacrifício de uma posição, é necessário que a imagem se interponha como objeto, constituindo três pólos da dita experiência, quais sejam: a presença materna, o lugar do reflexo e a criança.

Faz-se míster observar que contrariamente a estas condições podemos nos encontrar diante de uma forçagem por demais precoce. Isto é, podemos encontrar algo que ocorra em uma área na qual sujeito e objeto ainda não se constituíram numa referência alteritária. Nas condições anteriormente citadas, ainda que o sujeito seja determinado pelo olhar do Outro, que o espacializa e temporaliza, tal operação não o petrifica. Porém, nas condições do trauma propriamente dito, ao objetivar precocemente, o olhar fascina e repele, confiscando a experiência subjetiva.

É interessante observarmos que essa perspectiva não nos afasta de Freud. Mas, ao contrário, nos remete diretamente ao autor, na medida em que, em sua hipótese sobre o narcisismo e a constituição do eu, Freud (1914) anunciara as relações existentes entre os componentes libidinais e o campo do outro, tomando como coordenadas, em especial, o olhar [do semelhante], a integração das sensações de prazer no bebê, as condições de idealização do eu [suas identificações] e a estima de si. Sua hipótese corresponde, de algum modo, a ideia da agressividade [um componente da destruição] como a contraface do narcisismo, supondo, ambos, como operações de estruturação da experiência de si e de fundação da matriz simbólica responsável pela identificação narcísica. Ou seja, pensar o narcisismo e a agressividade, já em Freud, responde à hipótese de uma relação solidária entre o reconhecimento de si e da alteridade do objeto. Assim, na formulação freudiana de 1914, amor e agressividade andam de mãos dadas. Freud antecipa aqui a sua tese de que toda psicologia é social, no sentido de afirmar que um mesmo ato funda o eu [ainda que como ficção] e o outro.

A leitura de Lacan em referência ao estádio do espelho e seus três pólos nos ajuda a pensar a função da agressividade nos processos de diferenciação primária eu-objeto, por ele assim definida: “A agressividade é a tendência correlativa a um modo de identificação a que chamamos de narcísico, e que determina a estrutura formal do eu do homem e do registro de entidades característico de seu mundo” (1948/1998, p.112).  E mais adiante: “A noção do papel da simetria na estrutura narcísica do homem é essencial para lançar as bases de uma análise psicológica do espaço ... relacionada à categoria do pertencimento subjetivo” (p.124). Ou seja, é a possibilidade subjetiva da projeção especular de tal campo no campo do outro que confere ao espaço humano sua estrutura originalmente geométrica (caleidospópia). Na constituição do espaço subjetivo a delimitação das fronteiras se faz a partir da agressividade. Nesse sentido, Lacan tomará a metáfora da guerra-parteira como a operação que produz efeitos relativos à identificação, ao domínio da capacidade de diferenciar a aparência do real e ao estabelecimento de limites psíquicos, não obstante observa: “o instinto de conservação do eu tende a enfraquecer na vertigem da dominação do espaço e, sobretudo, quanto o medo da morte do “Senhor absoluto” suposto na consciência por toda uma tradição filosófica desde Hegel, está psicologicamente subordinado ao medo narcísico da lesão do corpo próprio. Aqui a guerra parteira se associa ao inferno do ‘beijo mortal’ (LACAN, 1948/1998, p.125). Ou seja, o medo de ser ferido, lesionado, coloca em cena os regimes da paixão e da confiabilidade.

Em outras palavras, poderíamos dizer que duvidar da bondade do objeto amado equivale a ver interpor-se, ao espelho e a si, a imagem de um modelo cujo grau de idealidade impede todo o comprometimento com o mundo exterior, produzindo aí uma primitiva angústia. É neste sentido que podemos afirmar que a integração da dimensão espacial com a imagem do corpo permanece função do olhar do outro. A imago do próprio corpo se revestirá, para a criança, da tonalidade afetiva que habitava o olhar materno que ele fixava. Se o rosto da mãe não responde, o espelho se torna uma coisa que se pode olhar, mas na qual não se pode se olhar, como nos lembra Winnicott (1967/1975) em seu texto “O papel de espelho da mãe e da família no desenvolvimento infantil”.  Artigo no qual o autor propõe que quando um bebê olha o rosto da mãe, o que normalmente ele vê é ele mesmo. É estabelecida assim uma continuidade entre a  percepção criativa – registro de uma troca sensível com a mãe – e a percepção, como se o bebê assim dissesse:  “Quando olho, sou visto; logo, existo. Posso agora me permitir olhar e ver. Olho agora criativamente e sofro a minha a percepção e também percebo. Na verdade, protejo-me de não ver o que ali não está para ser visto (a menos que esteja cansado” (WINNICOTT, 1967/1975, p.157).

Todavia, pode também acontecer que a mãe reflita apenas seu próprio humor ou, pior ainda, a rigidez de suas próprias defesas. Assim muitos bebês têm uma longa experiência de não receber de volta o que estão dando; experiência que se traduz em vazio. O autor, então, conclui: “Eles (os bebês) olham e não veem a si mesmos” (1967/1975, p.154).  Podemos, então, afirmar que aqui o sujeito se encontrou brutalmente sem parceiro, diante da imagem todo-potente da mãe. Nesse circuito, segundo o autor, a função materna, que deveria produzir contornos ao potencial destrutivo da agressividade primária, falha em sua intenção. E a agressividade se torna destrutividade. Não à toa, abrimos nossas reflexões com uma passagem freudiana na qual o autor afirma que a conquista está na base da capacidade de amar. Em nossa perspectiva, tal movimento se constitui como um ponto sobre o qual Freud e Winnicott se aproximam. Em 1950, Winnicott afirmara “a agressividade faz parte da expressão primitiva do amor”. (WINNICOTT,1950/ 2000, p.289) Afirmativa que nos faz perceber, então, que o amor é indissociável da agressividade. Seja pela sua ambivalência, seja porque a “condição para amar é a capacidade de reconhecer a alteridade do objeto” (LEJARRAGA, 2012, p.45). Deste modo, Lejarraga (2012) propõe que a voracidade, embora totalmente desprovida de qualquer intencionalidade, pode ser pensada como a forma mais primitiva de amor. Em sua perspectiva, Winnicott infere que a destruição, entendida como potência da agressividade primária, é inerente ao amor, posto que  naquela não se diferenciam o apetite e a excitação.  Importa salientar que, todavia, o fundamental é a possibilidade de que seja aí considerado a não intencionalidade do bebê em produzir qualquer tipo de dano ao objeto. Posto que, o bebê, ao se posicionar no estágio de desenvolvimento emocional relativo à dependência absoluta ao ambiente, não possui recursos subjetivos que o capacitem a se preocupar com qualquer coisa.

Winnicott (1971/1975), ao estabelecer os caminhos rumo à objetivação do mundo externo e, portanto, ao estabelecimento das fronteiras eu/não-eu e do princípio de realidade, propõe que a mudança empreendida pelo sujeito entre o modo de se relacionar com os objetos, ainda sob o domínio da ilusão de onipotência, para um modo no qual o sujeito pode usar o objeto respeitando a alteridade, requer, sobretudo, que o objeto seja, inicialmente, destruído para poder ser situado na exterioridade. O importante nesse processo, destaca o autor, é que o objeto sobreviva à destruição.Porque pode haver ou não sobrevivência. Surge assim um novo aspecto na teoria da relação de objeto. O sujeito diz ao objeto: ‘Eu te destruí’ e o objeto ali está, recebendo a comunicação. Daí por diante, o sujeito diz: “Eu te destruí. Eu te amo. Tua sobrevivência à destruição que te fiz sofrer, confere valor à tua existência, para mim. Enquanto estou te amando, estou permanentemente te destruindo na fantasia’ (inconsciente). Aqui começam as condições para a fantasia. O sujeito pode agora usar o objeto que sobreviveu". (WINNICOTT, 1971/1975, p.126)

Winnicott supõe, nesse processo, uma mudança qualitativa importantíssima nos modos do sujeito estabelecer relações com seus objetos libidinais. Pois, nesse processo, o objeto, ao conquistar sua própria autonomia e vida (caso sobreviva aos ataques destrutivos), contribui para o amadurecimento do sujeito, a partir de propriedades que lhe são inerentes. (WINNICOTT, 1971/1975, p.126).

PROPOSIÇÕES CLÍNICAS.

Nesse sentido, acreditamos que essas argumentações sustentam nossa hipótese inicial. Aquela que infere que traumatismos incidentes sobre a situação de dependência primária, e que se tornam ameaçadores de uma ilusão identitária, podem produzir na transferência “respostas” no campo da passionalidade, na medida em que podemos entender o processo de apaixonamento como o momento em que as fronteiras entre o EU-OBJETO se tornam fluidas e frágeis, retomando, em termos egoicos, um estado de indiferenciação primitivo.

Como desdobramento, levantamos uma segunda hipótese indagando-nos se este efeito-paixão emergente na esfera da transferência não poderia ser pensado, nos termos da teoria do trauma ferencziano, como conferindo positividade à identificação do Eu com o agressor. Isto é, na ausência da condição de produzir um sentido sobre a experiência, a paixão é convocada. Nesse sentido, a sedução ao analista poderia ser pensada como uma tentativa de reversão de uma posição onde o Eu sucumbiu ao objeto, ou seja, como uma tentativa de dominação. Para melhor explicitarmos nossa postulação, vamos aqui a mais um atalho, como metáfora.

O filósofo e linguista búlgaro Tzvetan Todorov (1982/2010) ao afirmar o caráter paradigmático da aventura de Cristovão Colombo na sua descoberta da América como fundante de uma hipótese identitária do Ocidente, propõe que dois tempos se interpõem entre os tempos da descoberta e do conhecimento, são eles: o da conquista e do amor. A aventura de Colombo é considerada a aventura que funda o sujeito moderno (e sua divisão) porque ao sair da Europa, “Colombo não podia ter certeza de que no fim do Oceano não tinha um abismo, e, consequentemente, a queda no vazio ... não podia ter certeza de que seu retorno era possível”. (1982/2010, p.22) O desejo de descobrir o transforma em um hermeneuta, um intérprete, condição esta que se realiza na conquista. Todavia para que a conquista não se transforme na anulação do outro e se transforme numa forma de conhecimento que inclua uma alteridade radical, se interpõe a dimensão amorosa. A conquista se transformará em massacre quando anula a diferença, isto significa dizer que descobrir dará acesso ao conhecimento “se o objeto sobrevive à sua destruição”. (WINNICOTT, 1971/1975, p.126).

Será que poderíamos tomar essa narrativa como uma alegoria da aventura analítica? Seria um salto muito largo, dizer que neste ponto temos agora as nossas coordenadas para pensar a função da paixão inserida no amor de transferência?

Retomando nossa problemática, ou seja, se o efeito-paixão na transferência não poderia ser pensado, nos termos da teoria do trauma ferencziano, conferindo positividade à identificação com o agressor: a sedução ao analista poderia ser pensada como uma tentativa de reversão de uma posição onde o eu sucumbiu ao objeto, uma tentativa de dominação. Segundo Ferenczi (1933), o traumático está associado à confusão de línguas entre adultos e crianças. Há confusão, sempre, partimos disto. Quando ela se transforma em traumática? Segundo ele, quando a confusão ocorre em um momento em que não há recursos para traduzir, ou seja, o tradutor/fiador (adulto) abandonou seu posto cedo demais, antes que a criança pudesse se transformar em um intérprete, ficando à deriva, em errância; a criança atravessada pelos excessos das mensagens inconscientes de um adulto, se vê sem parceiro, ferindo o cerne da sua confiança. Um outro destino pensado por Ferenczi é a identificação com o agressor, um tímido recurso a uma subjetivação possível.

Assim, a entrada em cena da paixão na transferência, nas condições em que o sofrimento bascula entre o impossível de dizer e de se reconhecer, corresponde à entrada da dimensão traumática do real, onde caberá ao analista manejá-la na área dos processos primários de constituição, onde paixão e agressividade não são retaliadas, mas consideradas como tentativas de produzir diferença, de introduzir a dimensão alteritária, o que equivale dizer, introduzir o regime de ambivalência.

No exercício de suas funções, não cabe aqui outro analista igualmente transtornado pela paixão, ou mesmo ameaçado em sua autoridade, muito mesmo um outro analista indiferente, fazer semblante de objeto frente ao medo do abismo e à identificação ao nada equivale a se mostrar confiável. A clínica com estes pacientes tem nos ensinado que, num tempo determinado dessas análises, só a confiabilidade do analista pode fazer frente à desconfiança de ser abandonado. O que poderia muitas vezes ser lido como comércio passional da cena perversa deve ser transcrito ao reverso, na linguagem da ternura. Convém lembrar que a ternura é uma modalidade da vida erótica de caráter lúdico e simbólico, não significa negar a paixão, ou mandar o diabo ir embora, o que só fixaria o sujeito no tempo do trauma, onde o Outro todo potente exerce sua dominação.

Confiabilidade e passionalidade, neste tempo do trabalho, devem ser conjugados não necessariamente como opostos, mas como condição de possibilidade para a construção de  fronteiras capazes de circunscrever uma experiência de reconhecimento do si.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BERGÈS, J e BALBO, G. (2002). Jogo de posições da mãe e da criança. Ensaio sobre o transitivismo. Porto Alegre: CMC Editora.
FERENCZI, S. (1933) Confusão de língua entre os adultos e a criança. Em: Sandor Ferenczi, Psicanálise IV. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 97-106.
FREUD, S. (1914). Sobre o narcisismo: uma introdução. Em: Edição Standard Brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1969.
FREUD,S. (1926 [1926]). Inibições, Sintomas e Angústia. Em: Edição Standard Brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1969.
LACAN, J. (1948). A agressividade em psicanálise. Em: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.
LACAN, J. (1949). O estádio do espelho como formador da função do eu. Em: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.
LEJARRAGA, A. L. (2012). O amor em Winnicott. Rio de Janeiro: Garamond.
TODOROV,T. (1982). A conquista da América: a questão do outro. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 2010.
WINNICOTT, D. (1967). O papel de Espelho da Mãe e da Família no Desenvolvimento Infantil. Em: O Brincar e a Realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.
WINNICOTT, D. (1971). O Uso de um Objeto e Relacionamento através de Identificações. Em: O Brincar e a Realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.
WINNICOTT, D. (1950). A Agressividade em Relação ao Desenvolvimento Emocional. Em: Da Pediatria à Psicanálise: obras escolhidas. Rio de Janeiro: Imago, 2000.

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Recebido: 22/08/2012
Aceito: 25/10/2013

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