ESCOLA E RELAÇÕES COMUNITÁRIAS: Um estudo etnográfico
Christiane Maria Costa Carneiro Penha
Mestre em Psicologia pela Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO). Pós-Graduada em Língua Brasileira de Sinais e Educação Especial pela Faculdade Cidade Verde/Instituto Eficaz de Maringá/PR. Especialista em Terapia de Família pela Universidade Cândido Mendes e em Psicopedagogia pela Universidade Cândido Mendes. Docente na UERJ, UniAbeu, Flama, UNICARIOCA e da rede pública.
E-mail – christianepenha@yahoo.com.br
Maria Helena Zamora
Doutora em Psicologia Clínica. Professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).Professora convidada para a National/Global Advisory Board for Faith and Justice in Community and Society, Indiana, USA, em 2011. É Vice-coordenadora do Laboratório Interdisciplinar de Pesquisa e Intervenção Social - LIPIS, da PUC-Rio.
E-mail – zamoramh@gmail.com
Resumo: A presente pesquisa foi realizada em quatro escolas de Ensino Fundamental na cidade do Rio de Janeiro. Foi feita uma pesquisa etnográfica no campo, constituída na interface da psicologia e da educação, visando o desvelamento de algumas relações nos espaços institucionais e comunitários, examinando as práticas individuais e coletivas. O presente trabalho mostra uma configuração de sociabilidade singular entre comunidade e escola e pretende apontar para uma realidade social complexa de tais relações.
Palavras-chave: escolas, comunidade, Etnografia, Psicologia.
Abstract: This research was conducted in four elementary schools situated in the city of Rio de Janeiro. Ethnographic research was done in the field, based on the interface of psychology and education, aimed at unveiling some relations on the institutional and community spaces, examining individual and collective practices. The present work shows a singular configuration of sociability between school and community and intends to point to a complex social reality of such relationships.
Keywords: schools, community, Ethnography, Psychology.
Introdução
A partir da leitura de autores como Paiva & Burgos (2009), Silva (2008) e Dauster (1997; 2008) sobre os temas da etnografia na escola e sobre a escola inserida nas favelas, surgiram questionamentos sobre a dinâmica de tais relações. Com as contribuições de estudos da Psicologia e etnografia (Andre, 1995; Fontoura, 2001; Sato & Souza, 2001; Moreira, 2008; Reineck, 2011); bem como de George Lapassade (1991) e outros autores da Análise Institucional, foi possível refletir sobre um campo de trabalho e pesquisa que pode ser chamado de singular, como será visto.
Parte-se do pressuposto de que no município do Rio de Janeiro, as favelas constituem territórios que exprimem os efeitos da segregação social. São territórios estigmatizados e há uma ampla literatura (Burgos, 2009; Naiff e Naiff, 2008; Zamora, 2010; Vergne, 2009; Souza e Silva, 2010) apontando para a representação da favela no imaginário da cidade “relacionada ao lugar que ela historicamente ocupa, de antítese do ideal de civilização que norteia o início de nossa era republicana” (Burgos, 2009, p. 9). A denominação de uma comunidade popular como “área de risco” ou mesmo como “favela” pode ser ainda estigmatizante, diante da evidente associação com o perigo.
Ao fazer a revisão da literatura (Da Matta, 1987; Patto, 1999; Velho, 1991; Madeira, 1999; Zaluar e Leal, 2001; Sposito, 2001; Burgos, 2009), observa-se que, entre outros pontos, a questão do impacto da violência e da segurança sobre a comunidade escolar, especificamente, nessas áreas atingidas, ainda precisa ser aprofundada.
O presente trabalho situa-se numa área de pesquisa interdisciplinar, constituindo uma interface entre a psicologia e a educação e pretende trazer uma contribuição a esse debate através da pesquisa de base etnográfica. A natureza das informações buscadas é o modo pelo qual os sujeitos envolvidos na pesquisa relatam suas experiências e suas percepções de si mesmos e do mundo na relação entre escola e comunidade. Para isso, Rockwell (2006) sinaliza que “o pesquisador precisa penetrar no mundo dos significados que o sujeito atribui à vida" (p.32).
O espaço escolar, situado sempre no território de uma determinada localidade, é um terreno de construção de representações e identidades que podem gerar práticas acolhedoras e promotoras de cidadania ou, ao contrário, práticas educacionais excludentes. Conhecer de perto um aluno, sua família e amigos pode ajudar a compreender, de maneira mais abrangente, suas possíveis dificuldades, mas também pode marcar “lugares identitários” de inferioridade e/ou inadequação, contribuindo assim para excluí-lo. Como isso se dá quando a vida cotidiana da comunidade se mistura indissociavelmente à vida escolar?
Essa foi a questão que aqui procuramos responder ou pelo menos dar mais bases, com a etnografia, a outras pesquisas.
Da Etnografia e Observação Participante
O desenvolvimento da etnografia ocorreu na passagem dos séculos XIX para o século XX e se aplicava à prática de investigações mais profundas dos modos de vida dos seres humanos, à descrição de contextos sociais e culturais de povos bem diferentes do pesquisador. Atualmente, a Antropologia Urbana volta seus olhares para as sociedades complexas; que não raro é uma realidade familiar ao pesquisador. Ele deve ter como desafios superar o etnocentrismo e estranhar aquilo que parece ser conhecido e previsível. Alguns autores (Mattos, 2001; Caiafa, 2007; Viegas, 2007; Oliveira, 2008) entendem que a etnografia é uma abordagem e/ou um processo de investigação que considera o olhar ou o senso sempre questionador do etnógrafo. Ou seja, faz etnografia quem dela se apropria. Assim, ele pode ser qualquer pessoa interessada em revelar novos saberes, ou confirmar antigos.
A observação participante, desde os conhecidos estudos de Strauss, Malinowski e Mead, é a técnica-mestra desenvolvida na coleta de dados da pesquisa etnográfica, processando um fenômeno de aculturação gradual do pesquisador, tornando possível elaborar o conhecimento, de forma contextualizada. Dauster (2008) afirma que, nas pesquisas etnográficas, espera-se que o pesquisador opere um descentramento do olhar, onde é preciso desnaturalizar os fenômenos à sua volta para percebê-los como historicamente construídos, pois pertencentes ao campo da cultura e das relações sociais. Para a autora, a etnografia visa à construção desse olhar descentrado, elaborado a partir do ponto de vista dos sujeitos pesquisados, buscando entendê-los nos seus valores, crenças, hábitos e modos de vida.
A utilização das técnicas etnográficas pelos pesquisadores da área de educação, no Brasil, teve início a partir da década de 1970. Um aspecto peculiar desta abordagem, como se sabe, é que toda pesquisa etnográfica exige do pesquisador um prolongado tempo de permanência no campo de pesquisa. Porém, o que se tem feito atualmente é uma “adaptação da etnografia à educação”, que permite ao pesquisador a observação participante, a entrevista intensiva e a análise de documentos com um tempo mais reduzido em campo (Tezani, 2004). Isso pode ser um problema e entendemos que deve exigir a elaboração de várias estratégias para cada vez mais adentrar ao cotidiano das escolas. Lapassade (1991) afirma que quando o pesquisador vai ser inserido no campo devem ser constantemente negociados e renegociados, ao longo da pesquisa, os espaços de atuação desse profissional. O fato de uma das pesquisadoras atuar como professora de uma das escolas da rede municipal no local (esta não pesquisada) foi um dado que certamente facilitou o acesso; sendo que o processo inicial de negociação ocorreu de forma direta com as diretoras das unidades escolares pesquisadas, a partir da apresentação do projeto. As etapas da desconfiança e aproximação foram suprimidas ou facilitadas; mas isso demandou mais atenção da pesquisadora para aspectos do cotidiano escolar já aceitos e naturalizados; pensados como mera rotina. Pensamos que se deve levar em conta uma reflexão permanente do lugar do pesquisador. A presente pesquisa tratou-se sobre educação e esta é nossa área de atuação. Somos atores e autores ao mesmo tempo e é nossa tarefa refletir sempre sobre essa dupla condição (Zamora, 2001).
A presença do observador tende a ser constante e ele passa a fazer parte do grupo, tornado-se parte da situação observada e compartilhando do seu cotidiano. Essas interações ocorridas na escola são parte de um contexto repleto de significados, que só podem ser compreendidos e interpretados na imersão neste universo cultural (Tezani, 2004).
Neves (2006) evidencia que “existe uma estreita participação dos pesquisadores e pessoas envolvidos na pesquisa, deixando estas de serem meros informantes: elas tornam-se sujeitos, produtores ativos de conhecimento” (p. 11). Assim a opção metodológica pela pesquisa etnográfica ocorreu por remeter a um contato direto com o universo a ser estudado, a busca do conhecimento de dentro (Dauster, 2008), a partir do ponto de vista dos atores sociais no contexto específico conforme mencionado.
A pesquisa foi desenvolvida com base num roteiro de observações e entrevistas e análise documental que visa dar conta das relações entre a família, a escola e o conjunto habitacional no qual as escolas de ensino fundamental estudadas estão inseridas. A técnica de observação participante, tão preciosa para a etnografia, encontra neste trabalho um lugar central. Os alunos foram observados nos horários de entrada e saída das escolas, objetivando apreensão das relações sociais específicas; o ambiente das escolas, buscando compreender os diferentes atores sociais no âmbito escolar; e algumas aulas, para apreender os processos que se estabelecem na relação professor/aluno.
Foram utilizadas oito horas semanais num período de sete meses (maio de 2011 a outubro de 2011), acompanhando o calendário escolar, para o referido trabalho de campo. Nesse período, foram realizadas observações sistemáticas, numerosas conversas informais com as pessoas que por ali circulavam, moravam, levavam alunos para as escolas; identificando as principais áreas, atores, situações do campo a partir do foco produzido pelos objetivos dessa pesquisa. Também entrevistas semiestruturadas foram feitas com quatro moradores, com dez perguntas para abordar questões como: os primeiros tempos e as mudanças ocorridas no Conjunto, a construção das escolas e a questão da segurança e da violência. Esse momento da aparente banalidade do cotidiano institucional foi de extrema relevância, pelo contato com os acontecimentos, com o que a Análise Institucional chama de “prática”, uma análise pautada nas maneiras pelas quais as pessoas realizam suas trajetórias cotidianas, pelo que as pessoas efetivamente fazem, não aquilo que eles pensam a respeito do que fazem (Cardoso Jr., 2005, p. 108).
Foram utilizadas, como forma de registro, o diário de campo e os relatos ampliados. Segundo Mercado (1987), no diário de campo são anotados todos os aspectos observados (ou o quanto possível) e, tão logo terminada a observação, o diário de campo e os momentos vivenciados devem ser transformados em relatos ampliados. Bogdan e Biklen (1994) afirmam que esses relatos englobam os aspectos descritivos, os reflexivos, os comentários pessoais e o maior número de detalhes sobre as situações observadas e as sensações que são atribuídas ao vivido. Logo, não há de um lado o pesquisador e de outro o objeto de pesquisa. O pesquisador, suas emoções, sensações também estão incluídas na pesquisa.
3. O lugar e as escolas do lugar
O Conjunto nasceu em 1960, como um empreendimento habitacional para aproximadamente dez mil trabalhadores. Uma das escolas estudadas foi construída em 1962; outras escolas e creches informais lhe seguiram. Os quase dois mil apartamentos e casas originais cresceram de número, pelas construções e ampliações que já pouco tem a ver com a planta original - segundo relato dos moradores mais antigos. Para eles, o lugar vem sofrendo um processo de degradação urbanística, com constantes faltas d'água e transbordamentos das redes de esgoto sanitário, sobrecarregadas pelas ampliações sem planejamento. Tal situação está relacionada à busca de moradia e sobrevivência e à falta de investimento social do Estado nessa área.
O Conjunto não tem a presença dos confrontos violentos do chamado tráfico de drogas com diversas facções ou com a polícia. Segundo os moradores, isso acontece porque, desde o início, “os meliantes foram mortos ou expulsos pelos grupos de extermínio” (sic), que atuaram intensamente na cidade entre 1979 e 1989. A área tem muitos moradores policiais, mas, ao contrário daqueles lugares onde operam as milícias, não foram encontrados relatos de qualquer interferência no cotidiano. Contudo, parece ocorrer a certeza de que as condutas são vigiadas e devem permanecer tranquilas e dentro da legalidade. Os entrevistados falaram sempre na paz da comunidade, que somente parece ser alcançável por lá e considerando as outras localidades pobres perigosas.
As ruas são asfaltadas e possuem galerias fluviais. O comércio local é conhecido como ‘puxadinho’ e são construídos na frente e colados aos apartamentos originais do Conjunto ou nas casas que também fazem parte do Conjunto. A maioria é destinada à comercialização de lanches, roupas, pequenas padarias, mercearias conjugadas com açougues, salão de beleza e recentemente lan houses. O “complexo escolar”, como alguns professores o chamam, é tido como o ponto central, o coração do lugar: uma fileira de escolas no centro da rua que tem, de ambos os lados, o Conjunto Habitacional. Segundo os discursos formalmente coletados e as muitas conversas informais, veremos que as escolas são retratadas como parte indissociável da vida dos moradores. Para confirmar essa importância e as interações sociais, passamos a observar o dia-a-dia das escolas, nos dois turnos. Aqui, para ilustrar, selecionamos um desses relatos, apenas de entradas.
4. Observação entre os muros das escolas
Chegando à rua onde fica o “complexo”, às 06:30, é possível descrevê-la como uma rua com pouca movimentação de carros. Os pedestres descem a rua, vem dos prédios e becos, andando apressados, as mulheres carregando bolsas e algumas até mesmo com uniformes de lojas e empresas, parecem estar a caminho do trabalho. Por volta de 06:45, inicia-se movimentação de alunos acompanhados de seus responsáveis e vão se aglomerando na porta das escolas. Eles conversam entre si, sobre as professoras, vizinhos, o local onde moram. Por volta de 06:50, a movimentação aumenta, há grupos de alunos que chegam juntos, de quase todas as faixas etárias. Os mais velhos vão às escolas dos menores, depois vão para as suas. Tudo é muito perto; as escolas são uma ao lado da outra. O horário “de pico” é de 6:55 às 07:20, no qual a movimentação de alunos é enorme. É impossível ter a atenção de professores nesse intervalo. Depois, o fluxo diminui significativamente, pois os alunos já estão em suas respectivas escolas e turmas.
Os alunos não têm perfil de pobreza extrema e, em sua maioria, são filhos de funcionários públicos. Nota-se também um grande número de mães ditas “do lar”, não sendo raras as vezes que trazem seus filhos para a creche de camisolas, baby-dolls, camisetas largas e compridas sem outra roupa ou com shorts minúsculos, como se a escola fosse uma continuidade da casa. Não foi observado que o fato de adultos aparecerem publicamente em roupas íntimas causasse qualquer tipo de desconforto, nem olhares de estranhamento. Parecia ser uma prática já naturalizada.
Alguns alunos vão com os responsáveis na garupa do Mototaxi (motocicletas), seja porque moram mais distantes ou porque estão atrasados para o trabalho. Há mulheres que levam doze alunos e são chamadas de “tias”, são as cuidadoras informais de crianças. Na quase ausência de creches, elas levam os pequenos para escola, buscam, ficam com as crianças em suas residências até os pais chegarem do trabalho.
Na Escola II, por exemplo, os meninos e meninas vão se aglomerando próximos ao portão da escola, por volta de 12:40, aguardando a entrada. Em pequenos grupos, conversam e escutam música (em walkmans, MP3, celular etc). O sinal toca informando que é hora do início do turno. A Diretora Geral abre o portão, os alunos caminham para a quadra. Os alunos ficam em fila, organizados por turma e aguardam o professor para subirem para as salas de aula.
A cada 60 minutos o sinal toca informando a mudança de tempo. Os professores trocam de sala. Às vezes a turma permanece na sala, aguardando o próximo professor, que pode demorar, pois está em outra sala, faltou ou ainda está a caminho. Os alunos não aguardam silenciosamente, saem da sala, ficam pelos corredores, cantam, batucam nas mesas e às vezes incomodam as outras turmas que já reiniciaram suas aulas. Não há inspetores para uma ação nesse sentido. Os demais professores apenas fecham suas portas e ministram suas aulas. A Diretora sobe quando o barulho está muito intenso e os repreende.
Na hora do recreio, 30 minutos, todos os alunos descem e ficam ou no refeitório ou na quadra de esportes. Nesse momento, ocorrem “fugas”, ou seja, alguns alunos pulam o muro da escola para fugir dela. Outros ficam ouvindo música, dançando, conversando. Os professores passam o recreio inteiro na sala deles, descansando, conversando.
Não é preciso haver vigilância por parte da escola. De fato, os moradores, que têm suas casas e varandas quase dentro delas, ligam e imediatamente notificam qualquer escapada e às vezes outros problemas. Olhando da janela de algumas casas é possível observar o interior dos “puxadinhos”. A distância entre a escola e a residência praticamente não existe, sendo possível visualizar da janela da sala de aula, o morador almoçando ou no sofá, lendo jornal ou vendo televisão. É possível ouvir a música que está tocando na casa dele e, até mesmo, ouvir uma conversa telefônica.
Muitos moradores fizeram extensões de seus apartamentos literalmente colados ao muro da escola, de forma que nos apartamentos do terceiro andar as janelas são viradas para a quadra. Neste espaço, os papéis se invertem: são os moradores que, ao chegarem em suas janelas, assistem aos jogos e todas as atividades escolares.
São comuns as brigas, os ataques físicos, mas de pouca gravidade. A Diretora ou um funcionário da COMLURB separam os envolvidos. A Diretora faz o registro em livro de ocorrência das brigas, chama os respectivos responsáveis e, em alguns casos, aciona a Guarda Municipal. Segundo um das Diretoras, este é um procedimento comum, pois “muitas vezes tenho que acalmar uma ou outra briga entre os pais dos alunos” (sic).
Uma das brigas que presenciamos ocorreu porque um aluno xingava o outro e cantava um refrão “Tu é da Fé que eu sei”, de forma zombeteira. Esse comportamento claramente fazia referência ao Morro da Fé, que é uma localidade próxima e classificada como sendo uma “área de risco”. A Diretora afirmou que é comum os diversos alunos terem problemas sobre onde moram e essas questões ecoarem dentro da escola. Os de fora são vistos pelos locais como os “favelados”, com todo o caráter pejorativo do termo e nem sempre os confrontos são evitados quando se passa do preconceito à ofensa. Não foram mencionadas nem descobertas formas institucionais para se lidar com esses problemas constantes.
Algumas Conclusões
O trabalho pretendeu “desvelar” as relações da escola com a comunidade, onde parecia haver muita proximidade. Depois de um prolongado período de observação e permanência no campo, a análise das situações envolveu a leitura do diário, a transcrição das entrevistas de áudio, assim como tecer o texto, relatando o processo. Sem dúvida, é mais que proximidade. São espaços e relações que se misturam, tornando público e privado duas dimensões pouco distintas. São relações muito mais próximas do que aquelas que se verifica em uma escola que não apresenta estas características. Essas relações podem levar as pessoas a considerar ser de sua responsabilidade o cuidado com todas as crianças. Mas também pode fixar identidades e rejeitar aqueles que não correspondem às expectativas sociais. O mesmo podemos dizer das escolas. Se conhecer de perto um aluno, sua família e amigos pode ajudar a compreender de maneira mais abrangente suas possíveis dificuldades, também pode marcar “lugares identitários” de inferioridade e/ou inadequação, contribuindo para excluí-lo. Na convivência nas escolas, vimos que ambas as possibilidades estão dadas.
Vimos também neste campo um verdadeiro entrelaçamento histórico que vem desde a origem comum do Conjunto e do Complexo Escolar. A sociabilidade estreita, evidenciada com a observação da Etnografia, contribui para gerar uma considerável tendência ao fechamento, que pretende ser protetiva da segurança de cada um e todos, procurando se diferenciar das comunidades vizinhas, as favelas.
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Recebido: 10/02/2012
Aceito: 21/07/2013