LIXÃO DE CAMPINA GRANDE-PB VERSUS ATERRO SANITÁRIO DE PUXINANÃ: TRANSFERÊNCIA DE PROBLEMA SCIOAMBIENTAL
Telma Lúcia Bezerra Alves
Josileide Barbosa da Rocha Guimarães
Josicleide da Rocha Silva
Isabel Joselita Barbosa da Rocha Alves
Ireneide Gomes de Abreu
Resumo: Esta pesquisa objetivou estudar o conflito estabelecido na cidade de Campina Grande/PB, em decorrência da proximidade do “lixão” com o Aeroporto João Suassuna, devido à concentração de aves, as quais podem provocar grandes acidentes aéreos, bem como o conflito estabelecido posteriormente com a implantação do Aterro Sanitário de Puxinanã (ASP). Foram realizadas entrevistas com representantes da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero), do Ministério Público Federal-PB (MPF-PB), bem como visitas in loco e levantamento bibliográfico pertinente à temática. Observou-se o descumprimento da legislação em vigor no que concerne à distância entre lixões e aeroportos e à disposição final dos resíduos sólidos. Conclui-se que, com a construção do ASP a solução do conflito com o aeroporto foi efetivada, todavia a nova obra e o fechamento do “lixão” fizeram surgir outros conflitos e problemas socioambientais.
Palavras-chave: Conflito. Resíduos Sólidos. Perigo Aviário.
DUMP OF CAMPINA GRANDE-PB VERSUS LANDFILL PUXINANÃ: TRANSFER OF ENVIRONMENTAL PROBLEM
Abstract: This research aimed to study the conflict established in the city of Campina Grande/PB, due to the proximity of the "dump" with Airport João Suassuna, due to the concentration of birds, which can cause large air accidents, as well as conflict established later with implantation of the Landfill Puxinanã (ASP). Interviews were conducted with representatives of the Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero) and the Ministério Público Federal-PB (MPF-PB), as well as you visits in loco and literature pertinent to the topic. We observed the failure of existing legislation regarding the distance between landfills and airports and the final disposal of solid waste. We conclude that, with the construction of the ASP the solution of the conflict with the airport was effected, however the new work and closing the "dump" have raised other environmental problems and conflicts.
Keywords: Conflict. Solid Waste. Danger Aviary.
INTRODUÇÃO
A problemática da disposição dos resíduos sólidos se constitui uma preocupação constante nas últimas décadas, não apenas nas grandes cidades, mas em todas as aglomerações de pessoas.
Sabe-se que existem maneiras apropriadas de acondicionar esses resíduos, a exemplo dos aterros sanitários, mas ainda predomina em muitas cidades o seu acúmulo a céu aberto, normalmente em áreas não muito distantes da zona urbana, como era o caso do Lixão de Campina Grande-PB onde, aproximadamente, 60% dos resíduos sólidos domésticos são compostos de matérias orgânicas putrescíveis, o que faz do Lixão um ambiente propício à proliferação de micro e macro vetores como, vírus, bactérias, ratos, baratas, moscas, mosquitos, entre outros, bem como de aves, em especial, os urubus que representam grande perigo a aviação campinense.
Assim sendo, a escolha do ambiente do Lixão de Campina Grande-PB e do Aterro Sanitário de Puxinanã (ASP) como objetos de pesquisa foi motivada pelo interesse em identificar um problema de ordem ambiental, mas que traz implicações socioeconômicas.
Deste modo, caracterizar e analisar o conflito socioambiental estabelecido, compreendendo a inserção e interação dos atores sociais envolvidos, bem como enfocando a legislação pertinente e passível de ser aplicada, constitui o objetivo deste trabalho.
Fundamentação Teórica
Relação entre resíduos, aves e problemas socioambientais
Segundo dados do IBGE (2010), o Brasil gera aproximadamente 241.614 mil t/dia de resíduos sólidos e 52,8% dos municípios brasileiros lançam seus resíduos em lixões.
As formas inadequadas de acondicionamento e destinação final dos resíduos sólidos são responsáveis por inúmeros problemas socioambientais. Para Souza (2003), os problemas ambientais afetam negativamente a qualidade de vida dos indivíduos no contexto de sua interação com o espaço natural e/ou social e, em alguns casos, aquilo que é, em certo sentido, um problema ambiental, pode converter-se em estratégia de sobrevivência. É o que ocorre com as pessoas que recolhem material em lixões para o seu próprio uso ou para revenda.
Além dos problemas socioambientais causados pelos resíduos jogados a céu aberto, outra questão que causa preocupações refere-se aos perigos que as aves atraídas por estes resíduos representam, sobretudo nas proximidades dos aeroportos, as quais podem ocasionar sérios danos às aeronaves colocando em risco a vida dos passageiros, tripulantes e pessoas que se encontram em solo.
Segundo dados do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CENIPA), de 01/01/2010 a 30/11/2010 no Brasil, foram registradas 856 colisões entre aviões e aves e 138 quase colisões. No ano de 2009 as colisões somaram 918 e 173 quase colisões.
Gestão dos resíduos sólidos
A gestão dos resíduos sólidos é de competência do poder público municipal, pois conforme reza o art. 30 da Constituição Federal/1988, compete aos municípios organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local. Ademais, segundo o art. 10 da Lei Federal 12.305/2010 (Política Nacional de Resíduos Sólidos - PNRS) incumbe ao Distrito Federal e aos Municípios a gestão integrada dos resíduos sólidos gerados nos respectivos territórios.
A PNRS é um importante normativo para fazer face às problemáticas decorrentes dos lixões. Esta norma em seu art. 47, inciso II proíbe como forma de destinação ou disposição final de resíduos sólidos, o lançamento in natura a céu aberto, excetuados os resíduos de mineração. Cabe ao poder público atuar, subsidiariamente, com vistas a minimizar ou cessar o dano, logo que tome conhecimento de evento lesivo ao meio ambiente ou à saúde pública relacionado ao gerenciamento de resíduos sólidos (art. 29).
Sem prejuízo da obrigação de, independentemente da existência de culpa, reparar os danos causados, a ação ou omissão das pessoas físicas ou jurídicas que importe inobservância aos preceitos da PNRS sujeita os infratores às sanções previstas em lei, em especial às fixadas na Lei 9.605/1998, que dispõe sobre as sanções derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.
Além disso, destaca-se que de acordo com o art. 225 da CF/1988, todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Metodologia
Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com o Superintendente da Infraero e com o Procurador do Ministério Público Federal da Paraíba (MPF-PB) entre os meses de junho e outubro de 2011, bem como observações in loco e consultas documentais e bibliográficas.
Caracterização da área de estudo
Municípios de Campina Grande-PB e Puxinanã-PB
Os dados dos municípios de Campina Grande e Puxinanã estão descritos no quadro 1.
Lixão do Mutirão
O município de Campina Grande-PB não dispõe de aterro sanitário, assim os resíduos sólidos eram dispostos a céu aberto no “Lixão do Mutirão”. Criado em 1992 e desativado em 05/01/2012, o “lixão” ocupava 35 hectares. Estava localizado cerca de 8 km do centro urbano e 6,5 km do aeroporto João Suassuna. Neste local, não existia nenhum controle do que era depositado, não havendo nenhuma preocupação no tocante à saúde pública, principalmente, para com as pessoas que se instalavam no seu interior em busca de alimentos e/ou materiais reaproveitáveis. Era possível identificar pessoas vivendo à margem da linha de pobreza, em total exclusão social, como era o caso dos catadores de materiais recicláveis ali instalados, os quais conseguiam sobreviver através da revenda dos materiais que eram encontrados em meio aos resíduos.
Conforme dados coletados no setor de pesagem do “lixão” em 31/08/2011, Campina Grande produzia em média 240 toneladas/dia de resíduos domiciliares, de serviços de saúde, industriais, da construção civil, entre outros, o que fazia com que o meio ambiente sofresse danos irreparáveis em virtude da poluição e contaminação do ar, do solo e das águas, além de ser um ambiente propício à proliferação de micro e macro vetores bem como de urubus que representavam grande perigo a aviação campinense.
Aeroporto João Suassuna
O aeroporto dispõe de uma área de 2.100 hectares e totaliza 230 funcionários. Atualmente ocorrem diariamente cinco voos, circulando aproximadamente 10.000 passageiros/mês.
Em 2008, foram registradas pelo aeroporto duas ocorrências envolvendo aeronaves e urubus e nos anos de 2003, 2005, 2006 e 2007 quase 18 colisões.
O conflito se estabeleceu na medida em que as consequências diretas do “lixão” começavam a afetar o sistema de circulação aérea, devido à proximidade com o aeroporto.
Aterro Sanitário de Puxinanã
Localizado em Puxinanã/PB, atualmente o aterro recebe resíduos sólidos produzidos nas cidades de Campina Grande, Puxinanã e Montadas e em mais 10 empresas privadas, recebendo em média, 400 mil toneladas/mês de resíduos.
Resultados e Discussões
Lixão do Mutirão - posição dos atores
A Infraero, há três anos realizava reuniões trimestrais em consonância com o CENIPA, com representantes da Prefeitura Municipal de Campina Grande (PMCG), da Universidade Federal de Campina Grande, da Escola Superior de Aviação Civil, do IBAMA, da imprensa local e da Companhia Hidroelétrica do São Francisco, que também sofria as consequências decorrentes do lixão, objetivando traçar planos de ação para fazer face à problemática do perigo aviário decorrente do “lixão”.
Relatos de pilotos sobre a presença de urubus nas proximidades do aeroporto foram encaminhados ao Ministério Público Federal-PB (MPF-PB). Num dos relatos o piloto afirmou: “tivemos que desviar abruptamente de um urubu que interceptou nossa aeronave”. Em outro descreveu: “quase colidimos com um bando deles. O susto foi enorme e tem sido assim sistematicamente”.
O perigo aviário era tão iminente que constantemente se fazia necessária, como medida paliativa, a queima de fogos de artifícios para afugentar as aves.
O MPF-PB em 12/07/2009 instaurou procedimento administrativo para apurar os riscos à segurança dos voos ocasionados pelas aves atraídas pelo “lixão”.
A Justiça Federal, acolhendo pedidos do MPF-PB, determinou que incidissem multas diárias sobre os patrimônios do Prefeito e do Secretário de Obras e Serviços Urbanos enquanto perdurasse o desrespeito a sua decisão e que fossem bloqueadas e sequestradas as verbas contempladas na lei orçamentária previstas para publicidade/propaganda e, em seguida, destinadas à implementação do aterro sanitário.
A PMCG tinha atendido aos apelos da Infraero e tomado providências no que concerne aos “lixinhos” que se formavam no entorno do aeroporto, todavia as ações executadas no “lixão” eram apenas paliativas, a exemplo da instalação de uma lagoa para recepcionar o chorume, iluminação e compactação dos resíduos.
No decorrer de três anos a PMCG declarava que o processo de construção do aterro sanitário estava em fase licitatória, perdurando cada vez mais o problema.
Em 05/01/2012, após a instalação do ASP, cerca de 200 catadores de lixo tentaram impedir o fechamento oficial do “lixão”. Segundo o secretário de Serviços Urbanos, os catadores receberiam da PMCG, durante 120 dias, cestas básicas e ajuda financeira.
ASP - Posição dos atores
A população de Puxinanã-PB realizou no dia 05/01/2012 protesto contra a instalação do ASP por entender que será prejudicial à saúde dos moradores, uma vez que o aterro foi construído a 800 metros do açude Evaldo Gonçalves e que estudos constataram que o seu funcionamento contaminará as águas que abastecem o município.
Para o engenheiro responsável pelo aterro, “se reduz o impacto ambiental, considerando que na região existiam vários lixões poluindo e descartando descontroladamente o lixo, com isso o resultado era a infiltração do chorume e a poluição desnecessária”.
Em 27/03/2012, o aterro foi interditado por determinação da juíza de Pocinhos-PB, atendendo a pedido de liminar apresentado pela Associação de Proteção Ambiental. Duas horas depois, foi reaberto por determinação do Tribunal de Justiça da Paraíba, acatando recurso interposto pela empresa administradora do aterro.
Conclusão
O Lixão do Mutirão, além de causar impactos adversos ao meio ambiente, era um perigo iminente à aviação campinense por atrair grande número de urubus que poderiam causar acidentes aéreos de grandes proporções.
Logo, se traduz a dimensão do conflito socioambiental estabelecido e a necessidade e urgência de serem tomadas providências resolutivas, pois as medidas tomadas não eram completamente confiáveis, apontando para um risco frequente.
Desta forma, o grande desafio para a Infraero e para o MPF-PB era levar a PMCG a construir um aterro sanitário. A obra além de ser a solução do conflito era também a solução para mitigação dos problemas socioambientais causados pelo “lixão”, todavia, com a construção do ASP, outros conflitos e problemas socioambientais surgiram, caracterizando assim, uma simples permuta e transferência de problemas.
É sabido que cabe a gestão municipal a coleta, destinação e disposição final dos resíduos sólidos evitando o surgimento de lixões, e quando estes estiverem estabelecidos, tomar medidas enérgicas para resolução do problema, contudo ressalta-se que, infelizmente, só a força da lei não basta, é necessária a pressão da sociedade para conseguir isso.
Referências
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SOUZA, M. L. de. ABC do Desenvolvimento Urbano. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
Recebido em: 30/10/2012
Aceito em: 15/09/2013