Questões Contemporâneas

REPRESENTAÇÃO, SIMULAÇÃO, SIMULACRO E IMAGEM NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

 

NELI KLIX FREITAS é Doutora, com formação em Psicologia, Artes e Educação. Docente Permanente do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais na Universidade do Estado de Santa Catarina. Experiência como docente no Ensino Superior ao longo de 28 anos.


Resumo: A proposta do artigo é apresentar questões teóricas relacionadas com a imagem na sociedade contemporânea, abordando as temáticas da representação, da simulação e do simulacro. O texto traz contribuições de vários autores, especialmente de Baudrillard, no âmbito da imagem e das simulações, e articula a temática em torno de processos criativos e sociais.
Palavras-chave: Imagem, Simulação, Simulacro,Sociedade.

REPRESENTATION, SIMULATION, MAKE BELIEVE AND IMAGE IN THE CONTEMPORARY SOCIETY

Abstract: The purpose of the article is to present theoretical approach about image in contemporary society examining representation, simulation and make believe. They also present Baudrillard’s approach about the thematic and the articulation with creative and social process.
Keywords: Image, Simulation, Make Believe, Society.

INTRODUÇÃO

Com os avanços advindos das novas tecnologias da informação e da comunicação, os seres humanos convivem com uma multiplicidade de signos, de símbolos, palavras e imagens, tanto que o século XXI se apresenta como sendo o século das imagens, configurando-se uma verdadeira vertigem comunicacional.

As imagens não se constituem como cópia fiel da realidade. Machado (1997) refere que a imagem se constitui em um artifício para simular alguma coisa a que não se tem acesso direto. O que se vê é que o mundo se transformou em imagem, não existindo dissociado dela. As imagens constituem o mundo. Aumont (1993) escreve que o ser humano atribui um julgamento de existência às imagens, acreditando que aquilo que vê existiu, ou pode existir realmente. Entretanto, a imagem em nossos tempos está repleta de ambiguidades. Cada indivíduo atribui um julgamento de existências sobre as imagens e atribui a elas um referente real. A imagem não constitui o objeto em si, mas é a sua representação, o simulacro.

Baudrillard (1997) introduz uma condição paradoxal para a compreensão do termo, ao ressaltar que o simulacro é o segundo batismo das coisas, acrescentando que o primeiro é a representação. Simular é fingir uma presença ausente, criar uma imagem sem correspondente com a realidade. Segundo o autor, há três ordens de simulacros que, simultaneamente às leis de valor, sucederam-se a partir do Renascimento. A primeira delas é a contrafacção, esquema dominante na época clássica, desde o Renascimento até a Revolução Industrial. A segunda se refere à produção, esquema dominante da era industrial. A simulação é o esquema dominante da fase atual, regulada pelo código. O simulacro de primeira ordem atua na lei natural do valor; o de segunda ordem, na lei mercantil do valor e, o de terceira ordem, na lei estrutural do valor. É a simulação que caracteriza a era pós-industrial. O que vale é o valor da troca, onde o real é produzido, e o modelo, a matriz do objeto, assume uma distância tal entre real e imaginário, que o real se transforma em verdadeira utopia, adotando a imagem como objeto perdido (BAUDRILLARD, 1976).

Na perspectiva da terceira ordem, o simulacro distorce o real, confundindo-se com o mesmo, e o que entra em jogo é a significação do valor das coisas. A lógica funcional do utensílio, a lógica do ponto de vista econômico, como objeto de mercadoria, a lógica da troca simbólica, como parte do objeto simbólico, e a lógica do valor-signo, como objeto e signo. Essas são formas que representam a existência do simulacro (BAUDRILLARD, 1976).

Mello refere que a simulação é um processo intermediário entre a imitação e a metamorfose, caracterizada pelas formas superiores do poder. O simulacro é representado como dispositivo de defesa, como uma máscara que pertence a um jogo que se desenrola no mundo das aparências, a serviço de um segredo que deve permanecer oculto. O sistema de consumo assume, então, a imagem de figuras de metamorfose, de fuga circular.

Simulacro é um procedimento relativo à produção de sentidos. Quanto mais próximo estiver da realidade, do objeto, menos deixará de ser uma representação. O distanciamento colabora para o surgimento das manifestações de simulacros. Quanto mais distante, mais se tem uma idéia do real, mais se imagina o que é o real, menos clareza se tem do que é a realidade. É como se houvesse uma transformação das coisas em algo parecido com sua forma original (BAUDRLLARD, 1992).

A contemporaneidade trás um novo questionamento sobre o fundamento das ciências pelo surgimento de disciplinas centradas na análise da representação. Na arte, instaurou-se a idéia de profundidade, dos vínculos com o conhecimento. A arte busca representar melhor a realidade e, nesta análise, a representação surge como uma tentativa de compreensão de falsos valores que, cada vez mais, revelam que o homem foi perdendo a imagem da matriz das coisas e a noção do grau do ponto de partida dos signos. O sujeito pós-moderno faz morrer o verdadeiro, e o triunfo é do falso. A sociedade de consumo, por exemplo, não se satisfaz com o próprio consumo, mas se anuncia como tal, testemunhando a si mesma como mercado de consumo, como simulação (dissimulação), e põe fim a uma ordem de liberdade, substituindo o reflexo da própria imagem de homem pela aparência de máscara que encobre a liberdade e aprisiona a verdadeira imagem do homem. Este reinventa imagens, imagina imagens como se o eu estivesse aí, em uma reprodução em forma de simulação. Busca algo sem encontrar. É a incompletude do ser humano que produz imagens para realizar o desejo, o sonho. Mas não se pode operar com a imagem especular, pois há necessidade de efetuar uma troca simbólica. Baudrillard (2004) propõe uma estratégia para além do valor, que inclui a reversão da mentalidade contemporânea e uma ruptura com a hegemonia do código, entendido como sistema de representação. Para enfrentar o simulacro, não basta desejar buscar o objeto original. É preciso desconstruir um sistema que cria a todo o tempo simulacros, cópias sem matriz. Um dos elementos que impede de perceber o simulacro é a própria estrutura que sobrepõe pilhas de simulacros, e que obstaculiza a visão.

Em uma analogia com o espelho físico, o autor (1997) refere que há uma transferência das relações do sujeito consigo mesmo e com o mundo. A imagem refletida no espelho permanece como uma tela de fundo na vida de cada indivíduo. Compreender o sujeito embretado nele requer a compreensão do que reflete e do que é refletido. O duplo é o que me pertence, mas é também o que me é estranho. A possibilidade de harmonia para o duplo requer uma estrutura lógica, dialética de reconciliação, de construção de regras e leis de transformação e de reconhecimento.

A irrealidade não é a do sonho, ou do fantasma, mas é a de uma alucinante semelhança do real consigo mesmo. Convite para criar e partir do vazio à volta do real, de extirpar a subjetividade, para restituir à objetividade pura. Sedução circular pode assinalar o já não ser visto (BAUDRILLARD, 1997).

O real não é apenas o que pode ser reproduzido, mas também o que está sempre reproduzido. Nesta perspectiva, hiper-real. O hiper-real só está além da representação porque está por inteiro na representação. O torniquete da representação torna-se louco, mas de uma loucura implosiva que, longe de ser excêntrica, olha de esguelha para o centro. Análogo ao efeito do distanciamento interno do sonho: “perpetuação do sonho, que leva a dizer que se sonha, mas tal não passa de um jogo de censura e de perpetuação do sonho, o hiper-realismo faz parte de uma realidade codificada que ele perpetua e na qual nada altera” (BAUDRILLARD, 1976,p.137).

A realidade cotidiana, política, social, histórica, econômica está, desde já, incorporada à dimensão simuladora do hiper-realismo. Pietroforte (2004) refere que a mais importante transformação cultural do século XXI é o fato de que nos tornamos ao mesmo tempo atores e platéia de um grandioso e ininterrupto espetáculo.

Dissimular é fingir não ter o que se tem, e se refere a uma presença. Simular é fingir ter o que não se tem, referindo uma ausência. A simulação parte, ao contrário, da utopia, do princípio da equivalência, parte da negação radical do signo como valor, parte do signo como reversão e aniquilamento de toda a referência. Enquanto a representação tenta absorver a simulação interpretando-a como falsa representação, a simulação envolve todo o edifício da representação como simulacro (BAUDRILLARD, 1991).

O autor aponta as fases sucessivas da imagem, que são: a imagem é o reflexo de uma realidade profunda e, neste caso, uma boa aparência: a representação é domínio do sacramento. A imagem mascara a ausência de realidade profunda, finge ser uma aparência, e é do domínio do sortilégio. A imagem não tem relação qualquer com a realidade, pois é o seu simulacro puro, e pertence ao domínio da simulação, abarcando um sistema para além das instituições oficiais da arte.

O artista Felix Gonzalez Torres (1957-1996) apresentou suas obras em museus de vários países. Enquanto grande parte dos artistas lutava por espaços nas paredes, o piso permanecia livre. Ao final da década de oitenta,  Gonzalez Torres optou por usar esse espaço marginal, e mostrou seus primeiros stacks. Propôs uma exposição que desapareceria completamente. O público poderia levar uma parte de seu trabalho na Bienal de Whitney, um pedaço de papel, uma folha da galeria, mas não poderia levar toda a galeria. As obras intituladas Lover Boys são pilhas de caramelos baseados no peso dos corpos. Félix usou o peso de seu próprio corpo e de seu amigo íntimo, Ross.O público poderia comer os caramelos.Gonzalez Torres, segundo o crítico e curador Robert Nickas foi o primeiro artista que fez com que os observadores colocassem parte da obra na boca, chupando os caramelos.Trata-se de obras que podem ser duplicadas indefinidamente, e que o artista duplicou em diferentes contextos.O artista expressa seu pesar pela morte do amigo e chama a atenção para a sociedade, que discrimina e marginaliza os homossexuais.

A arte problematiza o olhar do outro, lança desafios que estão nas obras, nas imagens das obras. A polissemia está sempre presente. O significado emerge do público e do contexto em que ela existe, e que é um contexto simultaneamente político, social e cultural. A máscara está sempre presente, assim como as dissimulações e seus desdobramentos. Gonzalez Torres mostrou sua arte, e os caramelos foram expostos em diferentes locais e em vários países. Félix convidou o público para interagir.Você comeria um caramelo de quem tem AIDS?

Considerações finais

A presença da imagem na contemporaneidade, seja na veiculação de informações, no cinema, na moda, nas obras de arte, apresenta-se como uma estética de interface, que traz à tona novas formas de entender o mundo em que vivemos. Trata-se de uma visão que contempla o hibridismo, trazendo para o seu interior as inter-relações e conexões entre distintas áreas do saber. Trabalhamos com leituras textuais e imagéticas e, ao falar sobre a imagem, fica difícil não pensar em criação. Lidamos a todo o tempo com a imagem, mas sabemos que não se trata de uma cópia fiel da realidade, tal como isso significa aquilo, ou como algo estático. A imagem na contemporaneidade fascina, mas também inquieta, pelo seu caráter polissêmico e desafiador, que permeia questionamentos sobre passado, presente e futuro.

Convivemos com a cultura híbrida, com imagens mentais, imagens-lembranças, imaginárias, reais e, neste intrincado processo a imagem não somente reproduz a natureza, mas possui um real intrínseco, de simulacros e simulações.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AUMONT, J. A Imagem. Campinas: Papirus, 1993.
BAUDRILLARD, J. A Troca Simbólica e a Morte. Lisboa: Edições 70, 1976.
BAUDRILLARD, J. La Transferência del Mal Ensayo sobre los Fenômenos Externos.
Barcelona: Anagrama, 1991.
BAUDRILLARD, J. Simulacros e Simulações. Lisboa: Relógio D’Água, 1992.
BAUDRILLARD, J. A Arte da Desaparição. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1997.
BAUDRILLARD, J. O Sistema dos Objetos. São Paulo:Perspectiva, 2004.
MACHADO, A. Pré-Cinemas e Pós-Cinemas. Campinas:Papirus, 1997.
MELLO, H. A Cultura do Simulacro: Filosofia e Modernidade em Jean Baudrillard. São Paulo: Loyola, 1998.

PIETROFORTE, A. Semiótica Visual: Os Percursos do Olhar. São Paulo: Contexto, 2004.

 

Recebido em: 29/10/2012
Aceito em:20/03/2013

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