Questões Contemporâneas

A TELENOVELA BRASILEIRA E A CULTURA DE MASSA: UMA RELAÇÃO MUITO ALÉM DO ZAPPING

HUMBERTO IVAN GRAZZI KESKE é Doutor pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul/PUC-RS. Professor de Graduação, Pós-Graduação e Pesquisador do Grupo de Pesquisa em Comunicação e Cultura da Universidade FEEVALE/Novo Hamburgo/ RS.

MARIA MARGARETE SCHERER é Mestre em Processos e Manifestações Culturais pela Universidade FEEVALE. Pós-graduada em Marketing pela mesma Universidade. Gerente de Marketing Aplicado da OLVEBRA/RS.


Resumo: Herdeira dos folhetins, a telenovela nada mais é do que a versão eletrônica deste gênero literário, que surgiu, no século XIX, para dar conta da demanda por entretenimento do povo que, pela primeira vez na história, tinha conquistado o direito ao lazer. Como se percebe, a história do folhetim está intimamente ligada à história do lazer, um fenômeno da Era Moderna, que surgiu a partir da Revolução Francesa e se intensificou com a Revolução Industrial. Enquanto cultura de massa, o sucesso da Telenovela Brasileira se encontra relacionado à proximidade do cotidiano do receptor e da “linguagem comum”. Percebe-se que, de uma maneira geral, os roteiros podem falar com todas as camadas da sociedade, não privilegiando uma ou outra. Essa qualidade também se vê atrelada ao “abrasileiramento” dos enredos nas Telenovelas Brasileiras, em especial, a partir das décadas de 70 e de 80, quando ganham o “status de produto mais rentável da indústria cultural brasileira”. Assim, o objetivo geral deste texto é refletir sobre o papel da telenovela, no contexto brasileiro, relacionando-a com a cultura de massa e a grande aceitação por parte do público receptor. Para tanto, revisita-se os principais conceitos de cultura de massa trabalhados por Umberto Eco em Apocalípticos e Integrados (2004), e por Alfredo Bosi em Dialética da Colonização (1992), entre outros, na busca por aproximações possíveis com este tipo de narrativa televisiva. Para a adequação aos conceitos propostos, adotou-se como metodologia a pesquisa bibliográfica. Como resultados alcançados, o aprofundamento teórico possibilitou o resgate da importância dessa manifestação artística no cenário cultural,  reforçando sua contribuição na formação da atual sociedade brasileira.
Palavras-chave: telenovela brasileira; cultura popular; sujeito; espectador.

THE BRASILIAN SOAP OPERA AND THE MASS CULTURE: A RELATIONSHIP BEYOND THE ZAPPING

Abstract: Heir of serials, the Telenovela is nothing more than an electronic version of this literary genre that emerged in the nineteenth century to meet the demand of the people for entertainment, for the first time in history, had earned the right to leisure. As we can see, the story of the serial is intimately linked to the history of leisure, a phenomenon of the modern era that emerged from the French Revolution and intensified with the Industrial Revolution. While mass culture, the success of the Brazilian Telenovela is related to the proximity of the receiver and the everyday "common language". It is noticed that, in general, the scripts can talk to all layers of society, not favoring one or the other. This quality also finds himself tied to "Brazilianization" of plots in Brazilian Telenovelas, especially from the 1970s and 1980, when they win the "most profitable product status of the Brazilian cultural industry." Thus, the aim of this paper is to reflect on the role of the telenovela in the Brazilian context, relating it to mass culture and wide acceptance by the public receptor. Therefore, revisits the main concepts of mass culture crafted by Umberto Eco in Apocalyptic and Integrated (2004), and Alfredo Bosi in Dialectics of Colonization (1992), among others, in search of possible approaches to this type of narrative television. For the suitability to the concepts proposed, adopted as the methodology literature. As results, the theoretical allowed the rescue of the importance of this artistic manifestation in the cultural scene reinforcing their contribution in shaping the current Brazilian society.
Keywords: Brazilian soap opera, popular culture; subject; spectator.

INTRODUÇÃO

Nos primórdios de sua exibição, a Telenovela Brasileira, apesar de ter como mérito alcançar uma grande parte da população, era também desqualificada como manifestação artística e cultural e considerada, por muitos intelectuais, como uma cultura de baixa categoria. Desde o seu início, nos anos 50, até os dias atuais, passou por muitas mudanças advindas tanto do próprio processo histórico quanto do desenvolvimento tecnológico. Porém, uma das características que manteve e aperfeiçoou, durante esse período, foi a capacidade de “conversar” com todos os tipos de público, e isso lhe garantiu um lugar privilegiado na cultura popular e massiva do país. Neste texto, através dos olhares de Eco (2004), Bosi (1992), Machado (2007), entre outros, nosso objetivo é abordar a Telenovela Brasileira, sob um prisma mais conciliador e positivo do que outrora lhe fora conferido. Entendemos que as críticas, quando construtivas, desencadeiam um processo de melhorias e desenvolvimento e que o caso da telenovela se encaixa neste perfil. O objetivo deste estudo é articular os autores mencionados, na busca por um viés que seja capaz de dar conta de uma manifestação cultural, popular e massiva tão especial e abrangente quanto a telenovela.

Telenovela brasileira: Uma trajetória de sucesso

No Brasil, vários formatos foram utilizados na história da teledramaturgia brasileira: teleteatros, novelas, minisséries, seriados e atrações de dramaturgia não seriada. No seu início, predominava o gênero capa e espada, ou seja, melodramas e histórias fantásticas, que estavam distantes da realidade nacional.  O paradigma foi quebrado, quando as telenovelas passaram a explorar temáticas brasileiras. (GUIA ILUSTRADO TV GLOBO, 2010).

O sucesso da telenovela brasileira está relacionado à proximidade do cotidiano e da “linguagem comum”. Percebe-se que os roteiros tratam de falar a todas as camadas da sociedade, pois que, se viesse a privilegiar um ou outro apenas, por certo estaria perdendo audiência. (MARIA ATAIDE MALCHER, 2003). As Telenovelas são consideradas um dos principais produtos televisivos e, sobre este aspecto, a mesma autora cita Anamaria Fadul, quando afirma que: [...] “a telenovela sofreu uma série de mudanças tanto do ponto de vista da temática como da audiência e da produção. À medida que as telenovelas se aproximavam cada vez mais da vida real, o seu sucesso junto ao público se fortalecia”. (MALCHER, 2003, p. 17).

Esse sucesso também se vê atrelado ao “abrasileiramento” dos enredos nas Telenovelas Brasileiras, em especial a partir das décadas de 70 e 80, quando ganham o “status de produto mais rentável da indústria cultural brasileira”. Nesta época, as narrativas são feitas com base num modo bem brasileiro de fazer novelas, “que consegue articular aspectos melodramáticos e realistas, seduzindo o público, partindo de uma matriz centrada no melodrama”, mas que também permite outros cruzamentos narrativos como o policial, a aventura e o romance histórico, dentre outros. (LARISSA LEDA FONSECA ROCHA, 2008, p. 2).

[...] um objeto de padrão massivo, constituído em constante diálogo com matrizes populares [...]. Originária de tradições, ao mesmo tempo populares e massivas, das narrativas orais, do romance-folhetim ou das novelas semanais, das radionovelas, do cinema de lágrimas, e da soap-opera norte-americana, a telenovela brasileira distingue-se, na atualidade, por ser um produto cultural diferenciado, fruto de especificidades das histórias da televisão e da cultura popular no Brasil. (MOTTER e MUNGIOLI, 2007-2008, p. 160-161).

Deste modo, a comunidade acadêmica elege a Telenovela como narrativa popular e acentua seu caráter nacional e como veículo de valores culturais brasileiros, o que ocorre tanto para dentro da sociedade como para fora do país, com a divulgação das nossas matrizes culturais (CATARINA DUFF BURNAY, 2006). As narrativas sofrem um processo de modernização e de nacionalização, o que proporciona, para muitos, uma identificação com a possibilidade de conhecimento e de reconhecimento dos diferentes brasis que fazem parte da nossa fonte cultural. (MALCHER, 2009). Segundo Anamaria Fadul (2001, p. 11), “as primeiras mudanças vão se dar no domínio das temáticas, ainda na década de 60, quando acontece o seu processo de abrasileiramento e elas passam a se distanciar cada vez mais do melodrama tradicional, [...]”.

A partir desta questão, percebe-se que a Telenovela, além da questão de gênero único que a caracteriza, deve ser também compreendida como produto cultural e de entretenimento. Como salienta Malcher (2003, p. 63), a Telenovela deve ser percebida, “principalmente como um componente do quadro histórico das forças que se correlacionam no meio social –[...] – e como parceira de um jogo social mais amplo”. A autora também cita Munõz (1992) que ressalta os diversos aspectos postos em circulação, uma vez que a Telenovela tem sido, sobretudo, um espaço social e cultural; surge como um espaço de sedução e de interações; pode ser um espaço de identificação pessoal e social; e desempenha também um importante papel no jogo social de poder.

A absoluta integração e identificação com o espectador são abordadas por Marcelo Chamusca e Márcia Carvalhal (s.d., p. 11), quando dizem que “o fato é que a teledramaturgia, no contexto brasileiro, representa a única forma de acesso às artes dramáticas para a maioria da população. Por outro lado, é também fomentadora do consumo de outras formas artísticas por parte da população qualificada a consumi-las”.

Outro aspecto de fundamental importância é apontado por José Alencar Diniz (2009, p. 177), quando afirma que as Telenovelas “são obras abertas, escritas ao sabor da receptividade, da audiência, das pesquisas” e que, portanto, não apresentam um desfecho determinado por antecedência. E acrescenta que sua narrativa é, então, “construída dia a dia, onde o escritor leva em conta a resposta, a interação com a audiência para produzir os próximos capítulos”. (idem, p. 48). Para Renata Pallottini (1998), o encaminhamento da trama na Telenovela recebe a contribuição do público receptor. Na história da Telenovela Brasileira, encontramos muitos exemplos dessa consideração dada aos “gostos” do receptor, que acabam por suscitar alterações no andamento, no percurso das personagens ou na finalização da trama. Tais aspectos vêm a ressaltar sua proximidade com o público e seu caráter popular, massivo e social, conforme já referido.

Deste modo, para iniciar nossa proposta, trabalharemos alguns dos conceitos de Umberto Eco (2004) sobre a chamada cultura popular ou cultura de massa, articulando-as às demais teorias propostas por Alfredo Bosi (1992) e Arlindo Machado (2007).

Umberto Eco: por uma crítica construtiva da cultura de massa

Enquanto representantes da cultura de massa, muitas manifestações artísticas sofreram acusações e discriminações de toda ordem, justamente, por serem vistas como representantes de menor importância e, até mesmo, como uma degeneração da “alta” cultura, em discussões que envolviam, inclusive, o meio acadêmico e os setores ditos “cultos” da sociedade. Contra essa visão deturpada, vários autores, como Umberto Eco (2004), manifestaram suas opiniões e, porque não dizer, seu repúdio, àqueles que as consideravam desgastadas. A partir deste outro olhar é que o autor propõe um amplo questionamento dos pressupostos teórico-analíticos que até então pautavam o estudo da cultura de massa. Isto envolve, obrigatoriamente, uma revisão no âmbito social, econômico, cultural, político e, inclusive, governamental, do estatuto que atualmente rege a cultura de massa, em nível mundial.

Sob este aspecto, Eco (2004) afirma que a base da intolerância com relação à cultura de massa tem uma raiz aristocrática num desprezo que se dirige, aparentemente, a essa cultura, mas que, na verdade, se volta especifica e diretamente contra as massas. Acrescenta que, “há sempre a nostalgia de uma época em que valores de cultura eram um apanágio de classe e não estavam postos, indiscriminadamente, à disposição de todos” (ECO, 2004, p. 36). Assim, uma população que carente estava de diversão, entretenimento e lazer, carente ficava por não se conceber que necessitasse ou sequer tivesse direitos para tanto. Uma clara discriminação que abarcava todas as formas de divulgação das artes, quaisquer que fossem. Sem esquecer que, na visão míope dos “intelectuais”, segundo o autor, estas classes não teriam conhecimento suficiente para apreciá-las.

As críticas formadas e mantidas, durante um longo período, abarcaram, principalmente, o gênero da Telenovela, que passou, em dado momento, por um processo de análise mais profunda, delineando uma visão nova e mais construtiva dessa narrativa. Atualmente, vários autores corroboram a idéia de que a novela já ultrapassa os limites que lhe foram impostos. Deste modo, Eco (2004) faz uma revisão profunda. Dentre as várias críticas e defesas da cultura de massa que o autor apresenta, vamos citar aquelas que nos parecem mais condizentes com os aspectos que abordaremos em relação à Telenovela Brasileira. As “peças de acusação” e as de defesa se desenrolam no sentido de colocar um viés, no mínimo, mais justo sobre a questão.

Sobre as críticas mencionamos aqui, três delas são apresentadas em Eco (2004, p. 40-41): 1) o mass media se dirige a um público que não pode manifestar exigências, mas deve sofrer as propostas da cultura de massa; 2) dão ao público somente o que ele quer ou, ainda pior, sugere o que ele deve desejar; 3) difundem produtos de nível superior de forma “condensada”, não provocando nenhum esforço ao fruidor.

Na visão de Eco, o campo das comunicações de massa precisa da intervenção das comunidades culturais e políticas, tanto no sentido da pesquisa, quanto no que se refere ao apoio para incentivar a educação e a produção. Isto porque, “o silêncio não é protesto, é cumplicidade; o mesmo ocorrendo com a recusa do compromisso”. (Ibidem, p. 52). As críticas e comentários orientadores, quando ocorreram, geraram mudanças positivas e o exemplo da televisão é prova disso. Podem, também, incentivar uma cultura de massa que será exercida ao nível dos cidadãos, incentivando uma participação mais ativa do público.

Na sequência, apresentamos os conceitos de Alfredo Bosi (1992), que toma a mesma direção dos pensamentos de Eco e se apresenta, aqui, como complementação da proposta revisionista do autor.

Alfredo Bosi: um liberto para a cultura popular brasileira

De acordo com Alfredo Bosi (1992, p. 319), o conceito antropológico do termo cultura pode ser interpretado como o “conjunto de modos de ser, viver, pensar e falar de uma dada formação social”. Segundo o autor, este seria um conceito mais completo e que deveria ser retido para fins de estudos, abandonando aquele conceito mais restrito que percebe a cultura apenas como fruto das produções de ensinos superiores. Para Bosi (Ibidem, p. 319), como a cultura por mais difundida que seja, “ainda é privilégio da minoria”, valeria, então, perguntar se a cultura brasileira não se articularia em outros modos e lugares que não aqueles provenientes das instituições acadêmicas. Visto, desta forma, esta cultura criada fora da universidade seria consequência da mescla da vida social e psicológica de um povo. Neste contexto, podemos mencionar a Telenovela Brasileira como exemplo dessa cultura brasileira a que Bosi se refere, pois ela se articula enquanto produção fora das academias e passa a se identificar como forte representante de uma cultura popular.

Através dos meios de comunicação de massa, veicula-se, hoje, uma gama de programas variados e absorvidos pela chamada sociedade de consumo. Como exemplo disso, o autor cita as donas de casa que ligam a televisão para assistir as novelas do horário nobre que seriam “a cultura de massa, ou mais exatamente, cultura para as massas”. (p. 321). As narrativas envolvidas nesta programação desencadeiam o que Umberto Eco chama de estruturas da consolação, que qualificam “o sentido desses procedimentos chamativos que mantêm a atenção de milhões de consumidores culturais”. Este sentido advém das matrizes narrativas que envolvem questões identificáveis pelo telespectador como o “sentimentalismo, agressividade, erotismo, medo, fetichismo, curiosidade”. (p. 321).

Apesar das críticas negativas formalizadas em relação a esta cultura para as massas, seu crescimento e seu êxito no mercado é perceptível. No caso da Telenovela, sua contribuição inclui informações importantes de utilidade pública que têm feito parte de sua narrativa. Em contrapartida às críticas, Bosi (1992) salienta que:

Para compensar as críticas mais radicais, há os que lembram o caráter socializador dos meios de massa, que dariam a todas as classes o mesmo nível de informação e, vez por outra, ministrariam elementos para que o espectador forma juízo desalienado a respeito do sistema que vive. Igualmente, os defensores insistem no caráter pedagógico que alguns programas assumem, quando elaborados por pessoas de cultura artística ou científica mais complexa. (BOSI, 1992, p. 322).

A cultura popular, como representação ou manifestação do mundo imaginário e simbólico dos homens que vivem no Brasil, poderia resultar numa teoria da cultura brasileira, com suas características peculiares e intrínsecas. Esta cultura popular está impregnada dos modos de viver como: crenças, cantos, danças, jogos, tabus, modo de olhar, de andar, de rir e de chorar. Uma manifestação que espelha o que o povo vive e sente no cotidiano e, justamente, por onde ocorre o processo de identificação. A Telenovela Brasileira está impregnada dessas representações, tanto da cultura do nosso país, como de outras culturas que acabam por suscitar não apenas o reconhecimento da nossa realidade, mas, também, o conhecimento de outras tantas culturas.

As reações do telespectador regulam, até certo ponto, tanto os conteúdos como as formas do que é veiculado nos meios de comunicação “que procuram ir ao encontro dos gostos do povo”. (p. 329). Assim, as opiniões manifestadas através das pesquisas de audiência(1), por exemplo, são levadas em conta quando do processo de produção da Telenovela. O caráter de interatividade/interação exemplifica essa realidade nas produções do gênero, onde o enredo é aberto e modificado, de acordo com as opiniões emitidas pelos telespectadores.

Vale lembrar, entretanto, a título de compreensão do assunto, que o termo interatividade é mais comumente utilizado para designar as interações mediadas por computador com uma visão tecnicista e mercadológica do conceito. De acordo com Primo (2007, p. 56), exemplos destas interações seriam “tanto (a) clicar em um link e (b) jogar um videogame quanto (c) uma inflamada discussão através de e-mails e (d) um bate-papo trivial em um chat [...]”. O autor também se refere ao que chama de interação quase mediada, no que diz respeito aos meios de comunicação de massa, como a televisão, e cita John B.Thompson (1998), quando o mesmo salienta que, neste meio, o remetente não recebe resposta direta e imediata. Porém, Thompson sugere que, apesar desse tipo de interação não oferecer uma reciprocidade como outras formas, “não deixam de ser um processo interativo” (PRIMO, 2007, p. 21) (grifo nosso).

Entretanto, nosso argumento, quanto ao caráter de interatividade das narrativas neste estudo, filia-se ao trabalho desenvolvido por José Luiz Braga (2000), em Interatividade e Recepção, onde o autor revê o conceito e aponta novos olhares para a interatividade, considerando-a como assimétrica, ou seja, que não é dialógica ou que não apresenta reciprocidade direta entre interlocutores. No que se refere ao produto midiático, o autor argumenta que “o que importa efetivamente é como ele circula na sociedade, desde sua produção até seus usos, incluindo nestes usos não só a perspectiva imediata do “receptor”, mas também de sua presença como objeto cultural” (Ibidem, p. 76) (grifo nosso). Neste estudo, o autor constata que a interacionalidade social ampla garante o retorno das leituras e interpretações para o sistema de produção, independentemente da “interatividade estrita”, ou do tipo conversacional.

Arlindo Machado: o papel do espectador ativo versus passivo

Arlindo Machado (2007) concorda com os argumentos apresentados acima, ao se preocupar com aquele que irá receber os produtos da cultura, nos seus estudos direcionados ao cinema, mas que também podem ser utilizados na Telenovela, pois que também apóia seu desenrolar justamente nas expectativas do sujeito espectador. Em seu estudo, Machado (2007) teoriza sobre o “ponto de vista”, ou a noção de “sujeito”, dando-nos sua contribuição para a aventura de descortinar o intrincado processo narrativo do cinema, com toda a sua riqueza e inspiração. O autor esclarece que o processo de recepção e os afetos do espectador trabalhados no cinema mereceram uma especial atenção da crítica e lembra que, na teoria, o espectador era visto como uma figura ideal, mas cuja posição era estabelecida pelo “texto” cinematográfico e que, por isso mesmo, não caberia a ele uma resposta autônoma (Ibidem, p. 126). Para o autor, essas questões mostram que, nas teorias da enunciação, a relação cinema e espectador é reduzida e o último é “considerado passivo e programado” (Ibidem, p.127).

O autor difere dos demais, no tocante à questão da passividade dos espectadores, uma vez que, desde os anos 40, caiu em desuso a denominação leitor/espectador passivo. Uma nova visão comunicacional é apresentada por Eco e Fabbri ao desenvolverem, em 1979, um novo modelo, que chamaram de Modelo Semiótico-Textual(2). Este modelo se apresenta como um instrumento mais adequado para a interpretação de problemas específicos da comunicação de massa e coloca a relação codificação/decodificação em termos mais complexos do que apenas o estudo do código em que se produz a mensagem. (KESKE, 2006, p. 7).

As teorias anteriores davam ao espectador uma posição conformada, imóvel e regulada e foram positivamente substituídas por uma idéia mais conceitual, que passa a colocar a recepção do filme num merecido primeiro plano. O espectador passivo dá agora lugar àquele “até certo ponto ativo, que negocia com o filme o seu sentido”. Além disto, surge a concepção de que os espectadores são diferentes em suas particularidades e que, por isto, interpretam os filmes cada um a sua maneira (MACHADO, 2007, p. 128).

Todas essas prerrogativas ativam conceitos e interesses mais específicos para o importante papel da recepção, na história do cinema. O lugar do receptor, razão maior do sucesso dessa arte, é percebido como não inteiramente arbitrário. Sua participação no processo lhe permite até negociar com as determinações textuais fílmicas, podendo, inclusive, resistir a elas. Salientamos, porém, que essa discussão quer complementar as posições em relação à Telenovela, e não se trata de aprofundar as questões de recepção direta ou da relação entre filme e espectadores.

O contexto apresentado sobre a Telenovela Brasileira expõe várias questões que corroboram com aquelas a que nos propomos analisar, iniciando pelos itens de defesa selecionados neste estudo (vide Eco, 2004). Todos os cidadãos, com seus direitos de igualdade, passam a usufruir de uma oportunidade, muitas vezes única, de acesso a um espaço de divertimento e entretenimento. Como gênero único na cultura brasileira, a Telenovela passa a ocupar um espaço também social, em função de sua capacidade em potencial de se tornar objeto de conversas, comentários, apostas, divagações e interrogações sobre o que está por vir na trama. Uma clara demonstração da capacidade informativa e de comunicação desta narrativa tão identificada com o cotidiano da sociedade.

A participação neste jogo de considerações e de assertivas sobre os acontecimentos da trama acorda e sensibiliza a sociedade para a construção do Bem e destruição do Mal, como parte do contrato que foi aceito pelo telespectador com relação à ficção. Sem discriminar nem impor nenhuma questão, traça um parâmetro entre o vivido (o real) e o exposto na narrativa (a ficção) que, em meio às histórias fantásticas, acabam, isso sim, por orientar e motivar bons valores.

Por outro lado, percebe-se que as críticas que se impuseram contra a cultura de massa não poderiam ser aplicadas sem medidas à Telenovela, sob pena de cometer intolerância, e levar aos excessos a que Eco se refere. O público, que assiduamente assiste aos capítulos das Telenovelas, não está mais simplesmente à mercê de tudo o que lhe é apresentado. Muitos estudos de recepção são feitos, atualmente, para medir a satisfação do público, através das pesquisas Ibope. Isto, por si só, já demonstra que o telespectador tem mais poder. Com a alternativa do zapping, o público conseguiu o status de ouvinte interessante e que precisa estar interessado. Aqui, caberia pensar a novela em seus aspectos de valores positivos, com a exposição de questões importantes, como problemas sociais, drogas, etc., ou seja, seu papel enquanto utilidade pública.

Neste papel, a novela passa a não se encaixar mais na classificação clássica de autores anteriores, que a julgavam com desprezo quanto ao seu conteúdo sem valor.

Quanto a se dizer que a cultura de massa passou a difundir uma chamada cultura de nível superior, mas de maneira condensada e, portanto, sem requerer nenhum esforço por parte do público, podemos nos perguntar: o que vem a ser uma cultura de nível superior? Porque o público em geral não pode receber, mesmo que em pinceladas, algo bom e prazeroso, quando do contrário poderia receber nada? Mesmo que a orientação ou a instrução deste público não seja suficiente para entender ou abarcar todas as informações, com certeza esse contato abrirá outros pensamentos e outras interpretações que lhe serão úteis.

Ainda que a Telenovela Brasileira seja fruto, também, da lei de oferta e procura, ou ainda, que sua proposta esteja alienada aos poderes de comércio, ela se desenvolveu e se aperfeiçoou, sendo considerada como uma das melhores produções do gênero, no mundo. Isso implica, então, que qualidade também faz parte da construção e produção da narrativa, preservando uma interação constante, no espaço importante do jogo social. Os autores apresentados neste estudo convergem para uma proposta que poderíamos chamar de “conciliadora” para a novela. A própria qualidade que se identifica, hoje, nas produções das Telenovelas, já pressupõe um público mais experiente, mais informado e, conseqüentemente, mais exigente diante dos produtos ofertados pela mídia.

Considerações Finais: um olhar mais tolerante

As ideias apresentadas neste estudo alertam para o fato de que os conceitos estereotipados, antes aplicados à Telenovela, já não são mais aceitos. Pelo contrário, impõe-se a necessidade de transpor os preconceitos e entender, através de pesquisas mais aprofundadas, a verdadeira essência dessa arte popular tão prestigiada. Na visão de Eco, o erro “é pensar que a cultura de massa seja radicalmente má” (Ibidem, p. 49). Este pensamento está atrelado, ainda, à questão da era industrial, como se fosse uma corrente atada aos pés e que não deixa prosseguir. Para ele, entre o consumidor da poesia de Pound e o consumidor de um romance policial não existe diferença, nem de ordem social ou nem de ordem intelectual. Todos nós podemos ser um ou outro, em momentos diferentes ou no mesmo dia, o que dependerá do tipo de entretenimento que estivermos buscando. Apenas a esta motivação caberiam as razões pelas quais podemos escolher, num dia, ler Tolstói e, em outro, ler a revista Mad.

Complementando o assunto, pode-se, também, posicionar a telenovela enquanto espaço social de denúncia e de informação para todas as pessoas que estão afastadas do processo de cidadania do Estado e que, portanto, desconhecem certos tópicos que a novela traz à tona. Como exemplo, pode-se citar a novela A Próxima Vítima (1995) escrita por Silvio de Abreu. O autor abordou a questão do preconceito de brancos contra negros e vice-versa. A intenção era discutir se, na verdade, o grande preconceito no Brasil era social, mais do que racial. Em outro exemplo, cita-se a novela Vale Tudo (1988), escrita por Gilberto Braga, por seu caráter precursor na abordagem do alcoolismo, reconhecido por poucos como doença, na época. O enfoque ímpar do dilema social trouxe à tona a característica de utilidade pública das Telenovelas.

Apesar da necessidade, de acordo com Eco, de um novo modelo crítico em relação às artes representantes da cultura de massa, sempre haverá disputas, intolerâncias e reações violentas, entre uma “cultura de proposta” e uma “cultura de entretenimento”. A primeira seria aquela considerada como de elite ou cultura propriamente dita, e a segunda, como cultura massiva, feita para entreter o povo. Porém, a Telenovela Brasileira, com sua qualidade técnica e de produção, bem poderia ser considerada, hoje, guardadas as devidas proporções, um possível exemplo de ambas.

Segundo Eco, as pesquisas devem continuar, a fim de constituírem elementos para discussões e debates sobre a cultura de massa, que levem em conta os vários fatores que a englobam como: “o modo pelo qual são usados, o modo com que são fruídos, o contexto cultural em que se inserem, o pano de fundo político ou social que lhes dá caráter e função”. (Ibidem, p. 67). Só assim, acrescentando que nesse contexto se insere obviamente o papel importante dos cidadãos comuns, poderemos transformar essas conjecturas em modelos frutíferos para melhorar, cada vez mais, a qualidade dos programas, das informações e das narrativas dos mass media.

Percebe-se, igualmente, que os conceitos de Bosi (1992) também se aplicam à telenovela. Visto que a participação desta manifestação artística veiculada pela televisão faz parte, hoje, da história cultural do povo brasileiro que acompanha os capítulos desta ficção seriada dando-lhe, inclusive, um lugar de destaque. Como representante da cultura popular, a telenovela tem sua narrativa impregnada dos hábitos, costumes e valores brasileiros. As expectativas e gostos dos telespectadores são altamente considerados na construção e no desenrolar da trama. O conceito antropológico de cultura, citado por Bosi (1992), também acaba por se enquadrar nas características da novela, que apresenta, em seus enredos, aspectos que fazem parte do dia a dia do espectador, sobre os quais ele tem condições de interferir e com os quais se identifica. Dito de outra forma, as características da novela representam seu modo de viver, agir, sentir e pensar.

Enquanto narrativa ficcional, a telenovela está envolta pela concepção de histórias contadas e mantém, assim, sua matriz no folhetim e no mito, que lhe é muito anterior. E sendo o mito(3) um “processo aberto”, advém daí a identificação do público e inferência espontânea deste nos enredos apresentados pela Telenovela Brasileira. Uma identificação que coloca o espectador não mais como apêndice deste processo, mas como um coadjuvante de relevância, na construção narrativa. Aqui, está o papel da novela que contraria as classificações de uma narrativa fechada. Sua influência, por assim dizer, dá ao público uma oportunidade de fazer parte do processo e de sentir-se inserido nele. Esta identificação está atrelada não apenas à utilização das matrizes narrativas (bem e mal, herói e vilão), como também ao abrasileiramento de seus roteiros, onde se apresenta o cotidiano vivido e conhecido do povo brasileiro.

Assim também, os conceitos de Machado (2007) em relação ao cinema podem ser aplicados à Telenovela, onde o lugar do espectador se vê igualmente privilegiado e interessante aos olhos das teorias da recepção. Cabe a ele o papel de inscrever seu “nome” na história das narrativas, com seu “poder” ativo como co-participante do processo. Um espectador que coopera, comenta, elogia, critica, faz propaganda boa ou má sobre o que assiste e subscreve a importância deste “personagem” do outro lado da tela. Neste ponto, percebe-se que os conceitos de Eco (2004), Bosi (1992) e Machado (2007) conversam com as características da Telenovela, representante da cultura popular, identificada a tal ponto com seu público alvo, que passa a ser inserida no cotidiano da população, como forma artística que está ao alcance de todos.

As narrativas, os olhares da câmera, os roteiros, se voltam para os desejos desse consumidor ávido e leal que acompanha ou abandona, mas que se deixa levar pelo lado lúdico do cinema e da telenovela, onde o mito e o cotidiano se encontram para seu bel prazer. Aproximações possíveis, porque ambas as manifestações exercem o mesmo fascínio e poder de identificação do espectador com a “magia” das histórias ficcionais.

 

NOTAS:

(1)Realizadas pelo Ibope (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística), para medir a satisfação do público.

(2)No modelo semiótico-textual, o enfoque não está unicamente nas mensagens, mas sim, nos conjuntos de práticas textuais que são recebidas.  Como existem diferentes competências comunicativas entre emissores e receptores, ocorrem também diferentes interpretações dos textos produzidos pelos MCM. Aqui há uma ampliação da noção de mensagem para a noção de texto, contemplando uma idéia geral de cultura, entendida enquanto mecanismo gerador de um conjunto de textos e que representam a expressão dessa cultura. Ou seja, o contexto em que se dá a comunicação se torna fundamental, pois que interfere diretamente no processo de produção de significações. O modelo semiótico-textual se preocupa com o papel do destinatário na construção de um determinado texto. Esse novo enfoque abarca a possibilidade de analisar, principalmente, a mensagem televisiva que envolve um número maior de fatores como: cor, som, narrativa, imagens e outros, além de se preocupar com a transformação destas mensagens, através dos códigos culturais do receptor. (KESKE, 2006, p. 7).

(3)A questão do mito não será aprofundada, mas cabe salientar, por se tratar de uma estrutura que influencia até hoje a construção das narrativas do contar estórias.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BASSÉRES, Leonor. Teledramaturgia. In___. As perspectivas da televisão brasileira ao vivo. Rio de Janeiro: Imago Ed.: Centro Cultural Candido Mendes, 1995. 210 p.
BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
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Recebido em: 30/08/2012
Aceito em: 30/03/2013

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