Caderno Imagem

A MONARQUIA INGLESA PARODIADA POR VIVIENNE WESTWOOD

JULIANA BORTHOLUZZI
Mestranda pela Universidade Feevale

DENISE CASTILHOS DE ARAUJO
Doutora em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.


Resumo: Este artigo objetiva refletir acerca de algumas peças criadas por Vivienne Westwood, na década de 1980, a fim de verificar se tais peças podem ser consideradas paródias da monarquia inglesa.  A paródia, neste artigo, será definida a partir da proposta de Hutcheon (1985), e que pode revelar, ao mesmo tempo, crítica e homenagem.
Palavras Chave: Vivienne Westwood- Punk-Paródia – Monarquia inglesa.

ENGLISH MONARCHY PARODIED BY VIVIENNE WESTWOOD

Abstract: This article reflects on some pieces created by Vivienne Westwood in the 1980s in order to verify that such pieces can be considered parodies of the English monarchy. The parody, this article will be defined from the proposed Hutcheon (1985), and can reveal, while critical and honor.
Keywords: Vivienne Westwood-Punk- Parody- English monarchy.

Vivienne Westwood e o Punk

Nascida na Inglaterra, em 1941, Vivienne Westwood é considerada a eterna Rainha do Punk, devido à moda radical proposta por ela no início de sua carreira, coincidentemente, no início do movimento punk (1970). “Considerada a maior estilista britânica viva, ela é, tal como a Rainha e os taxis pretos, um símbolo da Inglaterra”. (JONES, 2003, p.512).

Em 1965, em Londres, Vivienne conheceu Malcolm McLaren, e começaram um relacionamento fundamental para a história da moda e da música do século XX. Em 1972, vendiam produtos em couro, t-shirts com estampas pornográficas, o que findou por lhe trazer imensos problemas com a justiça. Como solução encontrada, eles mudaram o nome da loja, para “SEX”.

Em meados da década de 1970, a Inglaterra dava sinais de crise, vivia um momento de estagnação econômica, com alto índice de desemprego, greves, o caos propício para o surgimento do punk. 

A juventude da classe operária sentia não haver perspectivas de futuro, com isso, surgia um novo movimento, um dos fenômenos sociais e culturais mais controversos da história contemporânea, e ao mesmo tempo, um dos mais marcantes.

“Por aqui, os garotos punks eram filhos da classe operária. Estavam revoltados e agressivos.” (TEMPLE, 2001). O Punk (década de 1970) fugia dos padrões impostos pela sociedade através do modismo, seus integrantes mostravam revolta através de cabelos espetados e coloridos, roupas velhas simbolizando o anti-consumismo, e jaquetas com frases de rejeição às injustiças de um estado repressor.

O punksurgiu em um momento de ascensão dos conservadores no poder e de recessão econômica que provocou o desemprego, sobretudo dos jovens brancos pobres.

A sociedade inglesa escandalizou-se com a irreverência dos jovens que saíam em bandos pelas ruas, em trajes estranhos. A esse visual aliava-se uma conduta crítica e transgressiva, pois ignorando completamente as determinações sociais, eles criaram um modo próprio de vida, uma cultura própria. Segundo Cuche, “a identidade remete a uma norma de vinculação, necessariamente consciente, baseada em oposições simbólicas.” (CUCHE, 1999, p.176)

O estudo da identidade remete à distinção entre movimentos sociais e manifestações culturais. Para Ortiz (1999), a cultura, enquanto fenômeno de linguagem é sempre passível de interpretação, mas são os interesses que definem os grupos sociais e decidem sobre o sentido da reelaboração simbólica das manifestações. Nos punks vemos essa manifestação de maneira evidente.

A primeira regra do punk é não ter regras. Ser punk é quebrar regras e não criá-las, afirma Bivar (2001), punk é a liberdade de palavra e espaço para mover-se. Em 1976, o punk passou a ser uma revolução mais de estilo do que de política, mais sentimento do que consciência.

O punk revolucionou o modo como roupas eram usadas pelos jovens no mundo inteiro. Repentinamente, a “alta moda” não era mais tendência, mas ser diferente, individual, ter um look único, sim.

O casal Westwood-McLaren lançaram o Sex Pistols, ele, como produtor, e ela responsável pelo figurino, considerado extremamente inovador na época. A banda, que é tida como o maior marco do movimento, era composta por adolescentes da típica classe operária londrina. Suas letras expressavam a anarquia e insultavam a família real.

De acordo com Vinil: “o primeiro disco da banda se chamou ‘God Save de Queen’ e foi um escândalo, foi censurado em vários lugares na Inglaterra. O reino encarou como um afronte a monarquia.” (VINIL, 2008, p.132).

No momento em que os punks vieram à cena, a sociedade não estava preparada para este tipo de reflexão, e a mídia contribuiu sobremaneira para a criminalização desses grupos, ao difundir de forma sensacionalista os confrontos envolvendo os punks.

Vivienne Westwood estava ligada a essa tribo urbana, quando começou sua carreira na moda, criando roupas com a estética punk e sempre contestando a sociedade nas suas criações.                                                                           

Vivienne Westwood, com o tempo, reinventou-se, e o visual anárquico punk foi dando lugar a coleções mais românticas, culminando no fim da dupla Westwood-McLarem.

Com a separação, a estilista buscou nova identidade estética, e começou a se inspirar nas referências culturais e históricas do seu país. Foi a primeira a levar elementos do dia a dia britânico para as passarelas, valendo-se de materiais e tecidos típicos.

Vivianne Westwood é sinônimo de moda britânica, de história e de grandes mudanças. Foi e ainda é através da moda que Vivienne mudou a maneira de pensar de inúmeros indivíduos, pertencendo hoje, sem dúvida, ao seleto grupo daqueles que ditam moda.

Wilcox (2004) conta que a moda é profundamente enriquecida pela renovação e reinvenção. Segundo Vivienne, “ao tentar copiar uma técnica, você constrói sua própria técnica”. (LOVINSKI- 2010, p.143)

Nos dias de hoje, Vivienne recria a moda no seu sentido mais clássico, sem perder de vista o seu conteúdo sexual e libertador, fazendo coleções cada vez mais ousadas, ela é hoje uma das designers mais influentes da Grã-Bretanha.

A Paródia

A paródia, segundo Hutcheon (1985), pode ser considerada uma forma de imitação caracterizada por uma inversão irônica, mas nem sempre à custa do texto parodiado. Noutro aspecto, também pode ser tida como uma repetição com distância crítica, que marca a diferença em vez da semelhança.

Podemos estabelecer paródias com textos da literatura, do cinema, das artes visuais, da música, dentre outros gêneros textuais (poemas, músicas, propaganda de TV, roupas, quadros, obras de arte).

Linda (1985) aponta que a paródia pode distorcer as formas de arte, sintetizando, a partir delas e do presente do codificador, uma nova forma - não sobrecarregada, mas enriquecida, pelo passado.

Embora a paródia ofereça uma versão muito mais limitada e controlada desta ativação do passado, dando-lhe um contexto novo e, muitas vezes, irônico, faz exigências semelhantes ao leitor, trata-se mais de exigências aos seus conhecimentos e a sua memória do que a sua abertura ao jogo.

Os códigos paródicos têm, afinal, de ser compartilhados, para que a paródia seja compreendida como tal. O leitor tem que descodificá-lo (texto) para que a intenção seja plenamente realizada, ou seja, os leitores são co-criadores ativos do texto paródico, pois são eles que o reconhecerão como uma paródia e não como um texto original (HUTCHEON, 1985).

Ela não envolve apenas uma enunciação estrutural, mas também a enunciação inteira do discurso, e este ato enunciativo inclui um emissor, um receptor, um tempo e um lugar, discursos que a precedem e um contexto.

A ironia parece ser o principal mecanismo retórico para despertar a consciência do leitor para esta dramatização, essa figura de linguagem participa no discurso paródico como uma estratégia, que permite ao decodificador interpretar e avaliar, de acordo com Huchteon (1985).

A paródia é, pois, repetição, mas repetição que inclui diferença, ou seja, é uma imitação com distância crítica, cuja ironia pode beneficiar e/ou prejudicar ao mesmo tempo.

De acordo com Hutcheon (1985):

“A paródia é uma das técnicas de auto-referencialidade por meio das quais a arte revela a sua consciência da natureza do sentido como dependente do contexto, da importância da significação das circunstâncias que rodeiam qualquer elocução.” (HUTCHEON, 1985, p. 109).

Ela (a paródia) existe potencialmente em palavras “de voz dupla”, mas ela é compreendida apenas pelos leitores que têm bagagem para preencher certas condições requeridas. O leitor que não entende a paródia é aquele cujas expectativas previstas são de alguma forma deficientes.

A paródia distancia e, ao mesmo tempo, envolve o leitor numa atividade hermenêutica participativa, e há várias maneiras de se conseguir isto, da agressão à sedução.

A Paródia de Vivienne Westwood

Das coleções lançadas pela estilista Vivienne, a de outono inverno de 87/88 é um claro exemplo de paródia. Denominada Harris Tweed, a coleção teve sua inspiração nos alfaiates de Savile Row (local onde estão estabelecidos os alfaiates mais importantes da Inglaterra). Parodiando a monarquia, essas roupas evocaram a aristocracia do país.

A figura 1 mostra duas imagens, as quais revelam o texto original (trajes da Rainha) e o paródico (produção de Westwood).
rainha-elizabeth-parlamento-afp-20100525-HGfashion-graphics-2_1079915a 
Figura 1 – Trajes da Rainha Elizabeth II e produção de Westwood.
Fonte: Google imagens
.

A coroa e o manto da rainha, parodiados, são elementos que representam a monarquia, pois os príncipes recebem no dia de sua coroação, e são usados em cerimônias formais, indicando o poder desse indivíduo. Além dessas peças, o veludo é outro elemento representativo da monarquia.

O traje de Westwood retoma os elementos reais, e nessa criação, a estilista evoca o poder da monarquia e sugere a necessidade de modernização dos trajes, com o encurtamento da saia e do manto. Além disso, sugere aos consumidores que eles também podem se aproximar da realeza, caso utilizem elementos característicos desse grupo social, ou seja, o luxo e o requinte é algo ao alcance dos plebeus.

Na Figura 2, há soldados da guarda real britânica, com os tradicionais uniformes; ao lado, há um blazer de Westwood, cujas cores e tecido são muito parecidos com o uniforme da guarda real inglesa. Além disso, o chapéu dos soldados é visto no penteado da modelo.

IMG_75204 
Figura 2 – Guarda real inglesa e blazer de Westwood

Fonte: Google imagens

Há a clara elaboração de uma paródia, do uniforme dos soldados da guarda da rainha, a qual aproxima o soldado do público, pois utilizando o casaco criado pela estilista, estaria o consumidor apto a vivenciar a experiência de participar de um grupo seleto e muito importante para a Inglaterra.

Entretanto, a estilista sugere a humanização desse grupo, através da colocação de lapelas no blazer que, fechadas, formam um coração, e encobre boa parte do peito da modelo. Uma mulher a vestir o blazer, pode remeter à necessidade de tornar a guarda atual, aceitando mulheres nesse grupo até hoje exclusivamente masculino.

O chapéu também é parodiado por Vivienne, transformado em penteado, e apresenta o formato de coração. O que faltaria a esse exército de homens rígidos segundo Westwood? Talvez a sensibilidade reconhecidamente marcada com a forma do coração, tanto na roupa (peito) quanto no penteado (cabeça).

Observando as figuras, e retomando Hutcheon (1985), resta claro que Westwood capturou os elementos da monarquia inglesa, recriando-os de forma irônica, o que podemos exemplificar como paródia.

No trabalho de Vivienne, o espírito rebelde e desafiador do punk se mantém vivo por diversos exemplos, e aqui apenas dois foram trazidos, temos esse afronte à monarquia, como uma forma de demonstrar sua inquietação em relação ao estabelecido

E a paródia é uma maneira de se poder fazer isso, pois ao texto paródico é concedida uma licença especial para transgredir os limites da convenção, desde que temporariamente e dentro dos limites ditados pela reconhecibilidade (Hutcheon 1985).


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAUDOT, François. Moda do Século. São Paulo. Cosac e Naif Edições. 2000.

BIVAR, Antônio. O que é punk. 5.ed. São Paulo: Livraria Brasiliense. 2001.

CUCHE, Denis. A noção de cultura nas ciências sociais. São Paulo: EDUSC, 1999.

HUTCHEON, Linda. Uma teoria da paródia. Ensinamentos das formas de arte do século XX. Lisboa: Edições 70. 1985.

POLOMO-LOVINSKI, Noël. Estilistas de Moda mais influentes do mundo: a história e a influência dos eternos ícones da moda. Barueri: Girassol, 2010.

ROSCHEL, Renato. O'HARA – Os 30 anos do punk. São Paulo: Caderno Ilustrada, 05/07/2005.                              

VINIL, Kid. Almanaque do Rock. São Paulo, Ediouro, 2008.

WILCOX, Claire. Vivienne Westwood. 14.ed. Londres. V&A Publishing. 2010

Recebido em 03/09/2012
Aceito em 15/01/2013

| ©2013 - Polêm!ca - LABORE | Contato (@) | <-- VOLTAR |