Questões Contemporâneas

A MÚSICA PODE INFLUENCIAR AS PLANTAS? QUAL A OPINIÃO DE PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS SOBRE ESSA INTERAÇÃO?

RAPHAEL JONAS CYPRIANO é Mestrando em Ecologia pela Universidade Federal de Viçosa (UFV).
REINALDO DUQUE-BRASIL é Professor de Botânica na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) campus Governador Valadares.
KACILDA NAOMI KUKI é Doutora em Botânica e, atualmente, participa do PRODOC pelo Departamento de Fitotecnia da UFV.
ALICE GONTIJO DE GODOY é Doutoranda em Fisiologia Vegetal pela UFV.
MAÍRA QUEIROZ REZENDE é Doutoranda em Entomologia pela UFV.


Resumo: O presente estudo buscou avaliar o efeito da música em padrões de crescimento de plantas de tomate (Solanum lycopersicum L.) e, ao mesmo tempo, questionar professores universitários sobre este experimento, a partir de uma perspectiva antropológica simétrica. Este trabalho concluiu que sons podem influenciar organismos vegetais e que a maioria dos professores universitários entrevistados não acredita nesse fenômeno, mostrando alta discordância de ideias e, em alguns casos, desconhecimento sobre o assunto.
Palavras-chave: Planta, Som, Antropologia Simétrica, Comunidade Científica.

MAY MUSIC INFLUENCE PLANTS? WHAT ARE THE OPINIONS OF UNIVERSITY PROFESSORS ABOUT THIS INTERACTION?

Abstract: This paper proposed to evaluate the effect of music on the growth patterns of tomato plants (Solanum lycopersicum L.) and, at the same time, questioning University Professors about this experiment from a symmetric anthropological perspective. This paper concluded that sounds may influence vegetable organisms and that the majority part of the academics interviewed does not believe in this phenomenon, showing high disagreement of ideas and, in some cases, unfamiliarity on the subject.
Keywords: Plant, Sound, Symmetric Anthropology, Scientific Community.

Introdução

As plantas são influenciadas por diversos fatores ambientais, sendo sensíveis a estímulos intensos até distúrbios muito sutis. Perturbações mecânicas como o som, um tipo de onda mecânica longitudinal, podem afetar a vida das plantas, incluindo seu crescimento e desenvolvimento (YI et al., 2003; CHELAB et al., 2009).

Esta linha de pesquisa é pouco conhecida e considerada polêmica dentro do meio acadêmico. Desta forma, qual será a opinião dos cientistas sobre este tipo de estudo?

A ciência é um domínio cognitivo caracterizado por um campo de ações, em que um critério de validação é utilizado pelos membros da sociedade para rejeitar ou não suas hipóteses. Apesar das alegações de objetividade e independência emocional, a ciência se desenvolve, em sua essência, expressando interesses, desejos, ambições e aspirações de cientistas. A análise destes fatores ocupa um papel importante na reflexão epistemológica, especialmente quando abordamos novas associações dentro da ciência (MATURANA, 2001; SOUSA SANTOS, 2002).

Dessa forma, quando o meio científico abre espaço para uma relação dialética de análises entre a pesquisa e os pesquisadores, ou seja, entre o fenômeno estudado e o contexto dos sujeitos envolvidos em seu estudo, um completa o outro, sendo assim possível chegar-se a uma compreensão mais rica da ciência e do mundo explicado por ela. Dedicar-se a estudar a realidade científica, considerando suas diversas formas de expressão cultural e comportamental, é uma forma de tanto questioná-la quanto respeitá-la e valorizá-la em sua complexidade (LATOUR, 1994; SOUSA SANTOS, 2002; MORAIS, 2007; MORIN, 2008).

Nessa perspectiva, o presente trabalho buscou unir o “conhecimento das coisas” com o “conhecimento do conhecimento das coisas”, como pondera Sousa Santos (2002). Para tanto, a partir de uma perspectiva antropológica simétrica (LATOUR 1994),  apresentam-se aqui os resultados de um experimento para avaliar a interferência da música em padrões de crescimento de plantas de tomate (Solanum lycopersicum L.), associado a uma pesquisa sobre as opiniões de docentes do Ensino Superior sobre este fenômeno interdisciplinar. Portanto, visou-se relacionar as opiniões dos professores aos resultados obtidos no experimento por meio desta abordagem mista.

Materiais e Métodos

O experimento científico

O experimento foi realizado entre Agosto e Outubro de 2010, na Unidade de Crescimento de Plantas (UCP) da Universidade Federal de Viçosa (UFV). Dez plantas de Solanum lycopersicum foram germinadas em vasos de três litros e mantidas em casa de vegetação. Elas foram divididas em dois grupos, com cinco plantas cada: tratamento controle (sem música) e tratamento som (exposto à música).

A música aplicada ao tratamento som foi “Son of Mr.Green Genes” de Frank Zappa (todos os direitos reservados). Durante o experimento, as plantas dos dois tratamentos permaneceram sob condições semi-controladas de casa de vegetação durante todo o dia, exceto em uma parte da manhã, quando então, as plantas eram submetidas aos respectivos tratamentos, em duas salas da UCP afastadas entre si. Ao final dos 17 dias de experimento, foram realizadas as seguintes medições: altura, número de folhas, número de nós, número de botões florais, área foliar, volume da raiz, matéria seca e conteúdo de pigmentos fotossintéticos. Todos os dados acima foram submetidos a Análises de Variância (ANOVA) a 5% de probabilidade.

A opinião dos professores

A pesquisa de opinião foi conduzida entre Junho e Outubro de 2010, e contou com a participação de 19 professores do Departamento de Biologia Vegetal e 16 do Departamento
de Física da UFV. Todos os docentes foram convidados pessoalmente a participar da pesquisa, após uma apresentação do projeto e seus objetivos. A autorização para participação e utilização dos depoimentos foi formalizada por um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas seguindo um questionário, preenchido pelos entrevistados, composto pelas seguintes perguntas:

  1. Você acha que a música influencia a vida das plantas?
  2. Como? (Positivamente? Negativamente? De diferentes formas?)
  3. Por quê?
  4. Como você testaria a influência da música sobre as plantas?

E negativamente?

A análise dos dados foi feita qualitativamente, utilizando a comparação como principal ferramenta intelectual.

Qual(is) estilo(s) musical(is) você acredita influenciar positivamente as plantas?

Resultados e Discussão

Área foliar (p=0,03), volume de raiz (p=0,02), massa seca de folhas (p=0,04) e raízes (p=0,04) e o conteúdo de clorofila a (p=0,01)e b (p=0,01) mostraram alterações significativas positivas do tratamento som em relação ao controle. O aumento do desenvolvimento foliar pode estar relacionado a um incremento da divisão celular em plantas sob estímulo sonoro, como indicado por Xiujuan et al. (2003). Já o crescimento das raízes pode ter relação com um incremento na atividade de enzimas e hormônios vegetais que atuam nas raízes (Yi et al., 2003). O aumento no conteúdo de clorofilas a e b acompanham os resultados alcançados no trabalho de Menga et al. (2012).

O estímulo sonoro promoveu alterações nas variáveis de crescimento avaliadas, indicando que a música pode afetar o desenvolvimento desses organismos. Mas como será que os cientistas visualizam este tipo de pesquisa?

Houve uma grande divergência de ideias entre os professores dentro de cada área acadêmica, entre elas e delas com a parte experimental, entretanto houve semelhanças entre o pensamento de alguns cientistas e o experimento e literatura científica.

Entre os docentes de física entrevistados, 50% não acreditam que a música possa influenciar as plantas, 25% admitem esta possibilidade e 25% não souberam responder. Enquanto que na biologia vegetal, as opiniões foram mais divididas, 42% responderam “não”, 42% “sim” e 16% “não sei”. Considerando todos os professores avaliados, as respostas foram 46% “não”, 34% “sim” e 20% “não sei”. Ou seja, a opinião da maioria dos docentes entrevistados diverge dos resultados alcançados na parte experimental e disponíveis na literatura científica.

Dentre os físicos, as respostas com maior número de citações, para a segunda pergunta, foram “de forma nenhuma” e “não sei”, ambas com 19%. Enquanto na biologia vegetal, os professores acreditam que “depende” (21%) ou que pode interferir “de diferentes formas” (21%).

Em relação à terceira pergunta, os docentes de Biologia Vegetal que confiam no fenômeno, argumentaram que o som é um movimento vibratório que carrega energia e pode ser absorvido pelos vegetais, gerando correntes elétricas, alterações no metabolismo e influenciando os seres vivos de alguma forma. Essas opiniões convergem com os depoimentos de quatro físicos que acreditam no fenômeno. Os posicionamentos acima acordam, até certo ponto, com os resultados de alguns trabalhos já realizados na área. No entanto, entre os físicos, o conceito mais difundido é de que vibrações tênues, como a sonora, não influenciam vegetais (25%).

Dois docentes de biologia vegetal acham que as plantas não são sensíveis à música, devido à ausência de sistema nervoso, acompanhando a opinião de dois físicos que mencionaram:

“Planta não tem ouvido. Se tem ainda não foi descoberto.”

 “As plantas não têm emoção.”

Essas opiniões demonstram a crença de que a única forma de detecção do som possa ser através da recepção auditiva, onde se faz necessário a presença de um sistema nervoso em vegetais para captação da harmonia musical.

Outros dois acadêmicos de biologia vegetal, em resposta à terceira pergunta, citaram:

“Não há nenhum suporte científico, nem de longe, para tal.”

“Não há dados experimentais e nem observacionais que suportem essa hipótese.”

Esses posicionamentos indicam uma falta de conhecimento dos trabalhos já realizados na área, sendo que a primeira fala explicita uma descrença sobre a possibilidade de sequer haver pesquisas científicas sobre o tema. Kuhn (1998) argumenta que a novidade somente emerge com dificuldade, que se manifesta através de resistências.

Em relação a como testariam a influência da música nas plantas, a maioria dos professores sugeriram a organização de um experimento com um tratamento controle e um sonoro, onde as variáveis ambientais seriam controladas. Esse resultado era esperado, já que a comunidade científica historicamente estuda a natureza por meio dessa metodologia experimental.

É importante enfatizar a seguinte fala de um botânico, em relação ao experimento:

“(...) em parceria com pesquisadores de física para conhecer as características do som utilizado”

Esse posicionamento mostra a necessidade de parceria dessas duas áreas, para uma compreensão mais profunda deste fenômeno interdisciplinar.

Entretanto, outros acadêmicos de biologia vegetal citaram o seguinte:

“Não testaria. Se tivesse influência, deveria ser provada cientificamente, mas não acredito que tenhamos condições para isso.”

 “Sem condições devido à ausência de sistema perceptor.”

As falas se mostram contraditórias dentro da ciência que, teoricamente, deveria estar aberta ao estudo de todos os fenômenos da natureza. Além disso, contrariam a importância dada à ênfase experimental, destacada por outros docentes. Assim, detectamos uma grande contradição dentro da comunidade estudada, que procura analisar os fenômenos experimentalmente, mas que propõe, ao mesmo tempo, a impossibilidade de se montar um experimento para estudar a interferência da música nas plantas. Esse resultado mostra como a ciência é um empreendimento não dirigido para as novidades e que, a princípio, tende a suprimi-las (KUHN, 1998).

A última pergunta mostrou, a exemplo das outras, uma elevada divergência de opiniões, com citações para sons de diversos estilos e qualidades. Nesta última pergunta, destaca-se a fala de um professor de biologia vegetal:

Talvez o pessoal da filosofia (h)induísta e seus gurus, que costumam animalizar as plantas e animais possa responder à pergunta. Talvez dissessem: ‘Que tal um bom rock?’”

Essa opinião irônica evidencia a depreciação do conhecimento de outros coletivos (LATOUR, 1994), bem como mostra o conservadorismo de alguns cientistas por temas que são considerados “esotéricos”, não sendo, assim, considerados passíveis de estudo por seu domínio cognitivo.

Foi detectada uma alta divergência de opiniões entre os cientistas, que é normal quando novas associações e possibilidades surgem (MORIN, 2008). Percebemos que a ciência é uma construção humana que expressa os interesses dos cientistas, apesar de suas alegações de objetividade e independência subjetiva (SOUSA SANTOS, 2002), como foi demonstrado por respostas conservadoras e irônicas de alguns professores entrevistados. Contudo, temos que enfatizar nesse trabalho a posição dos docentes que cumpriram seu papel de educadores ao se abrirem para a discussão, diálogo e reflexão sobre um tema pouco estudado pela ciência.

Conclusão

O som pode influenciar as plantas, contudo sabe-se muito pouco sobre essa interação dentro do meio científico. A falta de pesquisas pode ser decorrente do conservadorismo perante esse tema, como registrado pela alta descrença na ocorrência do fenômeno por professores universitários. Os estudos sobre os efeitos de vibrações sonoras em plantas vêm crescendo nos últimos anos, especialmente na China, e apresenta uma ampla aplicabilidade tanto na agronomia quanto em pesquisas ecológicas. Entretanto, o Brasil se encontra na contramão desse processo, já que apenas dois trabalhos científicos foram realizados em território nacional até hoje, sendo esta a terceira tentativa. 

O presente estudo buscou um novo caminho, partindo da ciência para refletir sobre sua própria base. As novidades, para que existam dentro da academia, dependem das aberturas dos cientistas e a investigação de suas opiniões pode contribuir em pesquisas que proponham avaliar fenômenos ainda pouco compreendidos pelos domínios da ciência.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos a todos os professores de Biologia Vegetal e Física da UFV participantes dessa pesquisa.

Referências Bibliográficas

Kuhn TS. A estrutura das revoluções científicas. 5 ed.. São Paulo: Editora Perspectiva S.A, 1998. 257p.

Latour B. Jamais fomos modernos: ensaio de antropologia simétrica. Rio de Janeiro: Editora 34, 1994. 149p.

Maturana H. Cognição, ciência e vida cotidiana. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2001. 203p.bsp;

Morais R. Evoluções e revoluções da ciência atual.Campinas, SP: Editora Alínea, 2007 195p.

Morin E. Ciência com consciência. 11. ed., Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008. 344p.

Menga Q, Zhou Q, Zheng S, Gaoa Y. Responses on Photosynthesis and Variable Chlorophyll Fluorescence of Fragaria ananassa under Sound Wave. Energia Procedia. 2012; 16: 346-352.

Sousa Santos B. Um Discurso sobre as Ciências. Porto: Edições Afrontamento, 2002 18p.

Yi J, Bochu W, Xiujuan W, Chuanren D, Xiaocheng Y. Effect of sound stimulation on growth and plasmalemma H+-ATPase activity of chrysanthemum (Gerbera jamesonii). Col. and Surf. B Bio. 2003; 27: 65-69.

Xiujuan W, Bochu W, Yi J, Danqun H, Chuanren D. Effect of sound stimulation on cell cycle of chrysanthemum (Gerbera jamesonii). Col. and Surf. B Bio. 2003; 29: 103-107.

Recebido: 28/08/2012
Aceito: 15/01/2013

| ©2013 - Polêm!ca - LABORE | Contato (@) | <-- VOLTAR |