Contribuição do Leitor

CONFLITO AMBIENTAL: OCUPAÇÃO INDEVIDA NAS ÁREAS DEMARCARDAS PELO DNOCS ÀS MARGENS DO AÇUDE EPITÁCIO PESSOA BOQUEIRÃO-PB

REJANE DE FÁTIMA VICTOR VASCONCELOS é Pedagoga e psicóloga. Graduada pela Universidade Estadual da Paraíba – UEPB. Mestranda  do Programa de Pós-Graduação em Recursos Naturais da Universidade Federal de Campina Grande-UFCG.

MARIA DA CONCEIÇÃO MARCELINO PATRÍCIO é Geógrafa e Especialista em Gestão e Análise Ambiental. Graduada pela Universidade Estadual da Paraíba – UEPB. Mestranda  do Programa de Pós-Graduação em Recursos Naturais da Universidade Federal de Campina Grande-UFCG.

VIRGÍNIA MIRTES DE ALCÂNTARA SILVA é Bióloga. Pós-Graduanda em Geoambiência e Recursos Hídricos do Semiárido da Universidade Estadual da Paraíba – UEPB.


Resumo: Conflitos são inerentes à condição humana, sejam individuais ou sociais. Os conflitos ambientais ocorrem por disputas ou desentendimentos relacionados à exploração de recursos naturais. O principal objetivo deste trabalho é analisar os conflitos ambientais existentes nas comunidades de Cavacos, Campo Redondo e Bredos, Boqueirão-PB, que vivem às margens do açude Epitácio Pessoa dentro das  APPs (Área de Preservação Permanente). Estas comunidades sobrevivem da agricultura e são obrigadas a deixar as áreas demarcadas pelos órgãos públicos DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas) e IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais). A pesquisa foi realiza in loco com entrevistas semi-estruturadas. Verificou-se a existência de conflitos pelo descumprimento da Lei (Código Florestal 4.771/65 “alterada pela lei 7.803/89”).
Palavras-chave: área de preservação, conflitos, agricultura.

ENVIRONMENTAL CONFLICT: OCCUPATION DEMARCARDAS INAPPROPRIATE AREAS BY THE BANKS OF WEIR DNOCS EPITCIO PESSOA BOQUEIRÃO-PB

Abstract: Conflicts are inherent to the human condition, whether individual or social. Conflicts occur by environmental dispute or disagreement relating to the exploitation of natural resources. The main objective of this paper is to analyze the environmental conflicts existing in the communities of Cavacos, Campo Redondo and Bredos, Boqueirão-PB, which live on the banks of the dam Epitácio Pessoa within APP (Permanent Preservation Area). They are communities that live from agriculture and are forced to leave areas demarcated by public DNOCS (National Department of Works Against Drought) and IBAMA (Brazilian Institute of Environment and Natural Resources). The research was carried out in situ with semi-structured interviews. It was noted the existence of conflict by breaking the Law (Forest Code 4.771/65  "as amended by Law 7.803/89").
Keywords: conservation area, conflicts, agriculture.

INTRODUÇÃO

Atualmente, os conflitos ambientais são frequentes em todo o mundo, muitas vezes, os conflitos emergem como resistências locais para projetos que restringem o acesso das comunidades aos recursos naturais (GUHA 2000, p.13; MARTINEZ-ALIER, 2002, p.17; PEET e WATTS, 2004, p. 6). De acordo com MALTEZ (2004). A palavra conflito vem do latim conflictus, originário do verbo confligo, confligere. Choque entre duas coisas, embate de pessoas que lutam entre si. Na base, o radical grego flag que também aparece em flagelar. Diz-se do embate violento entre duas forças contrárias. É um estado de coisas em que duas ou mais partes reclamam a posse do mesmo elemento, quando este não pode ser possuído simultaneamente por elas.

A discussão dos conflitos ambientais, associados ao uso e à administração ambiental em áreas de preservação permanente, indica a necessidade de uma visão que amplie e diversifique o foco das políticas de intervenção, para que se possa enfrentar desafios complexos, para lidar com áreas que contenham grandes reservatórios de água. Principalmente, quando esses reservatórios abrigam atividades econômicas, como agricultura, que são capazes de exercer influências sobre a vida das comunidades ribeirinhas.

As matas ciliares são áreas de preservação permanente, protegidas pelo Código Florestal Brasileiro. Esta legislação (Lei n.° 4.771/65, alterado pela Lei 7.803/89) inclui, desde de 1965, as matas ciliares na categoria de áreas de preservação permanente. Ela existe há mais de 40 anos, mas nem sempre foi cumprida.

Objetivou-se, neste trabalho, analisar as ocupações nas áreas de preservação permanente do açude Epitácio Pessoa, que banha três municípios: Boqueirão, Cabaceiras e Barra de São Miguel, no estado da Paraíba. Entretanto, considerando sua dimensão optou-se estudar especificamente três comunidades ribeirinhas: Cavaco, Bredos e Campo Redondo no município de Boqueirão-PB. Através de entrevistas semiestruturadas, procurou-se identificar a razão do descumprimento da Lei referente ao Código Florestal.

O açude Epitácio Pessoa foi construído pelo DNOCS, no período de  1951 a 1956, com o objetivo de ter usos múltiplos, a princípio com a finalidade de geração de energia e irrigação. Posteriormente, ele passou a ser utilizado para o abastecimento urbano. Atualmente, com exceção da geração de energia e perenização do Rio Paraíba, essas atividades são desenvolvidas simultaneamente, produzindo inúmeros problemas relativos às demandas e geração de conflitos, face à necessidade de diferentes atores.

O açude Epitácio Pessoa exerce uma função muito importante na economia local e estadual, além de abastecer a cidade de Campina Grande, uma das principais cidades do Nordeste. A ocupação nessas áreas tem causando conflitos entre as comunidades, o IBAMA e o DNOCS.

CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA

O açude Epitácio Pessoa, ilustrado na figura 01, está localizado a 165 km da capital do Estado, e a 44 km de Campina Grande – PB, entre as coordenadas 07º 28’ 4” e 07º 33’ 32” de latitude Sul e, 36º 08’ 23” e 36º 16’ 51” de longitude Oeste, a 420m de altitude, na mesorregião da Borborema, especificamente na microrregião do Cariri Oriental paraibano. O mesmo faz parte da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba, formada pelo Alto Paraíba e sub-bacia do Rio Taperoá (vide figura 01). O barramento do açude localiza o exutório da região do Alto Paraíba e início do seu curso Médio. O reservatório abrange uma área de 19.088,5 km² e banha três municípios: Boqueirão, Cabaceiras e Barra de São Miguel.

Figura 1: Açude Epitácio Pessoa e Municípios fronteiriços.
Figura 1: Açude Epitácio Pessoa e Municípios fronteiriços.

O nome Boqueirão foi dado ao açude Epitácio Pessoa pelo fato que o rio Paraíba fez, com o passar dos milhares de anos, um corte (uma abertura) na serra do Carnoió formando um “boqueirão”. O nome oficial do açude é uma homenagem ao único presidente do país nascido no estado da Paraíba, o qual, no seu governo, intensificou o programa de açudagem através do Ministério de Viação e Obras Públicas (SOUZA, 2001).

Na bacia do rio Paraíba, o açude Epitácio Pessoa é o principal reservatório. Em plena região semiárida, este manancial passou, nos últimos dez anos, por períodos de escassez que quase causaram colapso do sistema de abastecimento de Campina Grande e região. Segundo Guimarães, Melo, Cebalos, Gavão & Ribeiro (2005), a evolução temporal dos dados da água do açude de Boqueirão demonstram que a sua qualidade ainda não é problemática, mas se apresenta em processo gradativo de deterioração (com vista ao abastecimento urbano), que pode ser acelerado ou não com as crises quantitativas de água, sendo necessário, o quanto antes, a implantação de um sistema de gestão quali-quantitativa da água, (MENINO, 2005).

O CONFLITO

O estudo foi realizado nas comunidades Cavacos, Campo Redondo e Bredos, no município Boqueirão-PB (Figura 2), onde se constatou um conflito dado o não cumprimento da Lei da área de Preservação Permanente (Código Florestal 4.771/65 “alterada pela lei 7.803/89”), que estabelece um recuo de 100 m. O não cumprimento desta lei pelos agricultores, vem ampliando os conflitos entre os órgãos IBAMA e DNOCS, junto ao Ministério Público.

Figura 2: Representação do espelho d’água do açude Epitácio Pessoa e das comunidades do entorno
Figura 2: Representação do espelho d’água do açude Epitácio Pessoa e das comunidades do entorno

Fonte: AESA, 2004

Toda a vegetação natural (arbórea ou não) presente ao longo das margens dos rios, e ao redor de nascentes e de reservatórios, deve ser preservada. De acordo com o artigo 2° da Lei 4.771/65, a largura da faixa de mata ciliar a ser preservada está relacionada com a largura do curso d'água.  A Figura 03 representa as dimensões das faixas de mata ciliar em relação à largura da represa que é aproximadamente 200m. Portanto, a área a ser preservada às margens do açude é de 100m, de acordo com o Código Florestal.

Figura 3: Representação da APP às margens do açude Epitácio Pessoa
Figura 3: Representação da APP às margens do açude Epitácio Pessoa Fonte: DNOCS, 2011

A Área de Preservação Permanente do Açude Epitácio Pessoa, está invadida, com ocupações indevidas. Em desobediência à Resolução do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente)  e dos órgãos fiscalizadores (DNOCS e IBAMA), os produtores rurais encontram-se na justiça como réus, por não obedecerem ao TERMO DE COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA, o qual obriga o cumprimento da APP. E neste ajustamento, na CLÁUSULA PRIMEIRA, o IBAMA e DNOCS, se comprometem a não conceder licença, autorização ou permissão para qualquer atividade, obras ou serviços na Área de Preservação Permanente do Açude Epitácio Pessoa, ressalvados os casos de interesse social ou de utilidade pública previsto no artigo 4º da Lei de nº 4.771/65, com redação da Medida provisória nº 2. 16. 67, de 24 de agosto de 2001.

Foi constatado, através de registro fotográfico (Figuras 4 e 5), o descumprimento da Lei para a preservação das APPs (Área de Preservação Permanente), gerando conflitos entre a Justiça Federal e os órgãos responsáveis pela fiscalização.

Figura 5: Plantações de bananeiras dentro da APP (a) e (b)
Figura 4: Plantações de bananeiras dentro da APP (a), DNOCS (b). Fonte: Própria, 2011

Figura 4: Plantações de bananeiras dentro da APP (a), DNOCS (b).
Figura 5: Plantações de bananeiras dentro da APP (a) e (b) Fonte: Própria, 2011

RESULTADO E DISCUSSÃO

O manancial não foi construído para abastecimento e sim para geração de energia e irrigação, após um ano de sua inauguração. Por causa de uma crise hídrica na cidade de Campina Grande passou, então, a servir para o abastecimento público (DNOCS, 2006).

Depois que toda a comunidade havia se instalado às margens do Açude, passando a depender economicamente da agricultura local, é que o recuo dos 100 metros tornou-se uma exigência. Isto provocou, para muitos, a perda total de  todo  o plantio de subsistência.

Em visita às comunidades, verificou-se alguns casos que ilustram a situação.   Uma das proprietárias de terras produzia verduras dentro da APP. Depois, com a exigência do recuo, teve grandes perdas econômicas. Para suprir a queda no orçamento, passou a plantar bananas e, com conhecimento de Agronomia, construiu uma estufa, para produzir mudas de tomates (Figura 6).

Figura 7: Plantações de bananas em novo terreno autorizado pelo DNOCS e IBAMA após o recuo da área de APP
Figura 6: Estufas, empreendimento de um antigo ocupante da APP
Fonte: Própria, 2011

Outro proprietário, obrigado a recuar os cem metros, teve perda total e desequilíbrio financeiro, deixou a família e foi procurar trabalho no estado do Ceará. Voltou depois de oito anos e começou a plantar bananas e cocos, numa área autorizada pelo IBAMA e DNOCS (Figura 7).

Figura 6: Estufas, empreendimento de um antigo ocupante da APP
Figura 7: Plantações de bananas em novo terreno autorizado pelo DNOCS e IBAMA após o recuo da área de APP
Fonte: Própria, 2011

Uma moradora relatou que a culpa de todos esses transtornos foi do governo Federal da época em que foi construído o Açude que disponibilizava a área do manancial com a finalidade de geração de energia, irrigação para a agricultura e piscicultura.

De acordo com o Código das águas, DECRETO Nº 24.643, DE 10 JULHO DE 1934 Art.43, as águas públicas não podem ser derivadas para as aplicações da agricultura, da indústria e da higiene, sem a existência de concessão administrativa.

Em entrevista, o encarregado do DNOCS local, responsável pela fiscalização do Açude Epitácio Pessoa, afirmou que a fiscalização é feita e exige que os agricultores sigam o que a Lei do Código Florestal diz sobre as APPs. No entanto, a área da bacia hidráulica do Açude fica dentro de muitas propriedades particulares e os mesmos são resistentes ao cumprimento das normas e leis, causando danos ao corpo hídrico do manancial e comprometendo os órgãos responsáveis.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Cabe às autoridades competentes, Estaduais ou Federais, mediante seus órgãos executores, gerar alternativas, como projetos de incentivo para reflorestar as áreas de APP que serão desocupadas.  Fruteiras nativas, por exemplo, poderiam servir de fonte de renda para esses pequenos proprietários. As famílias mais antigas, contatadas nesta pesquisa, mostram que sentem-se sem condições de enfrentar novos meios de sobrevivência, uma  vez que residem há mais de 50 anos nas comunidades ribeirinhas.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AESA - Agência Executiva de Gestão das Águas do Estado da Paraíba. Disponível em: <http://www2.aesa.pb.gov.br/hidrico/relacude.shtml>. Acesso em 24/10/2011.

BRASIL - Política Nacional dos Recursos Hídricos. Lei Nº 9.433 de 8 de janeiro de 1997.

_______ - Código das águas. Decreto Nº 24.643, de 10 de julho de 1934

DNOCS. Departamento Nacional de Obras Contra as Secas. Documentos referentes à construção do açude Epitácio Pessoa. Boqueirão, 2006.

GUHA, RAMACHANDRA, 2000. Environm entalism: a Global History. Longman, New York. p.07, 2000.

MALTEZ, J. A. Tópicos Políticos. Disponível em: http://topicospoliticos.blogspot.com/2004/10/conflito-o-que.html. Acesso: 04/10/2011.

GUIMARÃES, A. O.; MELO, A. D.; CEBALLOS, B. S.; GALVÃO, C. O.; RIBEIRO, M. M. R. Aspectos de gestão do açude Epitácio Pessoa (PB) e variação da qualidade da água. In: Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental, 23, 2005, Campo Grande: ABES. 2005.

MANIFESTAÇÃO Nº 01/2009 - Ministério Público Federal/Prn-CG/PB. Processo nº 2008.82.01.002853-2. Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta.

MARTINEZ-ALIER, Joan, 2002. Mining conflicts, environmental justice and valuation. In: Peet, Richard, Watts, Michael, Liberation Ecologies: Environment, Development,p.13, 2004.

MENINO, I. B.; MACEDO, L. S.; SOUSA, M. R.; FERREIRA, E. G.; FREIRE, A. L.; LIMA, I. X.; FERNANDES, M. F. Diagnóstico dos pólos de Esperança e Boqueirão – Uso potencial e manejo do solo – Análise de vulnerabilidades. EMEPA/PB. Documento 51. João Pessoa. 2005.

SOUZA, W. M. Alterações dos Elementos Climáticos no Estado de Pernambuco. Dissertação de Mestrado em Meteorologia. DCA/UFPB/Campus II, 104p, 2001.

Recebido: 21/06/2012
Aceito: 30/10/2012

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