Questões Contemporâneas

UM ESTUDO SOBRE A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

ANA PAULA DA SILVA MINA é Psicóloga pela Universidade Católica de Petrópolis.

RACHEL SHIMBA CARNEIRO é Doutora em Psicologia Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Professora do mestrado em psicologia da Universidade Católica de Petrópolis e docente do curso de psicologia da UNISUAM.


Resumo: O presente estudo nasceu a partir do interesse em aprofundar o conhecimento sobre a violência contra a mulher. É importante pontuar que as pesquisas têm apontado uma relação entre a violência doméstica contra as mulheres e doenças psicológicas graves que comprometem o desenvolvimento saudável desta. Neste sentido, a partir de uma ampla revisão bibliográfica do assunto, procurou-se identificar os principais motivos para permanência da mulher neste tipo de violência visando um estudo aprofundado sobre o tema. A partir do presente trabalho, foi possível aprofundar o conhecimento sobre a violência contra a mulher para, assim, desenvolver intervenções que beneficiem vítimas da violência doméstica. Palavras-chave: Mulher; Violência; Violência Doméstica.
Palavras-chave: Mulher; Violência; Violência Doméstica.

A STUDY ABOUT DOMESTIC VIOLENCE AGAINST WOMEN IN CONTEMPORARY SOCIETY

Abstract: The present study was born from the interest in deepening the knowledge on violence against women. It is important to point out that studies have shown a relationship between domestic violence against women and severe psychological illnesses that compromise the healthy development of this. In this sense, from an extensive literature review of this issue, we sought to identify the main reasons for holding the woman in this type of violence aimed at a thorough study on the subject. From this study it was possible to deepen the knowledge on violence against women in order thereby to develop interventions that benefit these women victims of domestic violence.
Keywords: Women; Violence; Domestic Violence.

A violência é um fenômeno complexo e multicausal, ela atinge todas as pessoas, grupos, instituições e povos, e por todos é produzida. Expressa-se sob formas distintas, cada qual com suas características e especificidades. A literatura tem apontado uma variedade de definições, tipologias e manifestações da violência, mostrando que diferentes áreas do conhecimento se dedicam mais a determinados conceitos (ASSIS, CONSTANTINO & AVANCI, 2010).

A Organização Mundial da Saúde (OMS) utiliza a seguinte definição de violência: O uso intencional da força física ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha grande possibilidade de resultarem lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação (KRUG et al., 2002 apud ASSIS, CONSTANTINO & AVANCI, 2010). A partir desta definição, a OMS sustenta que há uma relação clara entre a intenção do indivíduo que apresenta ou se envolve num comportamento violento e o ato ou ação praticada.

Dentro desta linha de raciocínio, é possível argumentar que a OMS define violência como a imposição de um grau significativo de dor e sofrimento evitáveis. É importante levar em consideração que esta dor não alcança somente as extensões físicas, onde se evidencia as feridas e agressões, mas pode também ser gerada verbalmente, psicologicamente, emocionalmente causando danos morais. Em suma, a maior parte dos estudiosos concorda em conceituar a violência como um comportamento intencional de produzir dano em outra pessoa (DEL PRETTE & DEL PRETTE, 2007).

Se por um lado o custo da violência para o mundo se traduz em bilhões de dólares de despesas anuais com cuidados de saúde, acrescidos de outros bilhões relativos às economias dos países, em termos de dias não trabalhados, imposição e cumprimento da lei e investimentos perdidos. Por outro lado, o custo humano de dor e sofrimento, naturalmente, não pode ser calculado e é, na verdade, quase invisível (DAHLBERG & KRUG, 2003 apud SÁ, 2011).

Diante de todas essas considerações, é possível argumentar que a violência na sociedade contemporânea é visível e invade subjetiva e objetivamente a vida de todos, interferindo nos desejos, nas ações e nas opções tomadas por indivíduos e por instituições. É um desafio social a ser enfrentado devido à complexidade de tipos existentes e de suas inúmeras manifestações (ASSIS, CONSTANTINO & AVANCI, 2010). No Brasil, assim como em outros países, a violência atinge proporções preocupantes neste início de século (DEL PRETTE & DEL PRETTE, 2007). Nas últimas décadas tem ocorrido um aumento importante dos estudos sobre a violência contra a mulher perpetrada por seus parceiros íntimos. Isso tem acontecido por conta do reconhecimento da dimensão do fenômeno como um grave problema de saúde pública, por sua alta incidência e pelas conseqüências que causa à saúde física e psicológica das vítimas (SÁ, 2011).

A violência contra a mulher tem sido estimada pela Organização Mundial da Saúde como responsável por 5 a 20% dos anos de vida saudáveis perdidos em mulheres de 15 a 44 anos (ASSIS, CONSTANTINO & AVANCI, 2010). A partir de uma revisão de estudos, Sá (2011) pontua que no mundo, um em cada cinco dias de absenteísmo no trabalho feminino decorre da violência doméstica, além disso, nos Estados Unidos, um terço das internações de mulheres em unidades de emergência é consequência de agressões sofridas em casa, e, na América Latina, a violência doméstica incide sobre 25% a 50% das mulheres. Sobre a realidade brasileira, Adeodato, Carvalho, Siqueira e Souza (2005) constatam que o Brasil é o país com os maiores índices de violência doméstica, pois 23% das mulheres estão sujeitas à violência doméstica, estimando que, a cada quatro minutos, uma mulher sofre agressão, e em 85,5% dos casos de violência física contra mulheres, os agressores são seus parceiros.

De fato, pesquisas realizadas em diversos países revelam que a violência conjugal tem sido uma das maiores causas de morbidade em mulheres afetando significativamente sua saúde, representando também, perdas potenciais no campo do desenvolvimento pessoal, social, afetivo e econômico. De acordo com Silva (2003), para a mulher que sofre com a violência, há um prejuízo em sua faculdade mental, depressão, fobia, estresse pós traumático, baixa auto-estima, falta de segurança, desconfiança em si mesma, tendência ao suicídio, consumo abusivo de álcool e drogas e problemas psiquiátricos. Conforme propõem Freitas, Lacão e Sousa (2008), pesquisas demonstram que as experiências de estresse intenso podem causar alterações neurológicas consideráveis que deixam cicatrizes no tecido cerebral (Hipocampo). E estas cicatrizes fazem com que a vítima fique vulnerável a desenvolver doença bipolar, perturbações de pânico e outras perturbações de ansiedade como o transtorno obsessivo compulsivo.

No entanto, alguns estudos (CAMARGO, 1998; CECCONELLO, 2003) têm mostrado que muitas destas mulheres agredidas por seus companheiros, mesmo após tentativas de separação retornam a conviver com os mesmos. Fontana e Santos (2001), por exemplo, encontraram que 60% das mulheres vítimas de violência por seu parceiros permanecem com os mesmos. Investigações realizadas por Cardoso (1997) constataram que muitas mulheres permanecem em relações abusivas a fim de manter a família unida. Além disso, foi verificado em tais estudos que a dependência financeira dos parceiros, a falta de apoio da família e da comunidade foram relatadas pelas mulheres pesquisadas como mantenedora de sua posição de desvalia e submissão aos abusos sofridos. O medo e a insegurança causada pelas ameaças e pela violência(1) psicológica exercida pelo parceiro abusivo também parecem desempenhar importante papel nesta dinâmica (NARVAZ & KOELLER, 2006).

Levando-se em consideração os dados apresentados até agora, uma questão que se torna relevante é: Por que será que as mulheres permanecem tanto tempo com seus algozes sofrendo a violência doméstica? A seguir, serão discutidos alguns dos fatores que levam as mulheres a permanecerem, por tanto tempo, vítimas da violência doméstica.

O quadro 1 apresentado, a seguir, contém uma lista dos fatores que levam a mulher a permanecer na violência doméstica. O quadro foi elaborado com base nos estudos de Narvaz e Koeller (2006) e Sá (2011).

Os fatores que levam as mulheres a permanecerem vítimas da violência doméstica.

1          Família unida

2          Dependência financeira dos parceiros e comunidade

3          Medo, insegurança e violência psicológica

4          Violência advinda de lares também violentos

5          Relação da pobreza à violência

6          Miséria afetiva associada à miséria econômica

7         Falta de confiança em si mesma, isolamento e dependência do agressor

8          A exclusão gerada pela pobreza de laços sociais

9          A pobreza engendrada pela violência estrutural

10        Mulheres em extrema condição de pobreza

11        Submissão e resistência

12        Transtorno de Personalidade Dependente

Além das categorias relacionadas acima, ressalta-se a Síndrome de Estocolmo e o Transtorno de Estresse Pós-Traumático como também fatores de permanência da vítima na violência. A partir de tais constatações, pode-se observar que não é um único fator que leva a mulher a permanecer vítima desta violência, são muitos os fatores elencados.

O presente estudo é de fundamental importância para o campo da psicologia, no sentido de compreender um pouco da realidade oculta destas mulheres em relação ao que a oprime, e a faz sofrer silenciosamente, de forma branda e velada. O mesmo também poderá elucidar a sociedade sobre este tipo de violência ainda pouco conhecida. Em suma, o presente estudo nasceu a partir do interesse em aprofundar o conhecimento sobre a violência contra a mulher para, assim, desenvolver intervenções que beneficiem essas mulheres vítimas da violência doméstica.

Por fim, não se tem a pretensão de que os argumentos e discussões provenientes deste estudo esgotem as lacunas e questionamentos deste tema. Buscou-se através desta proposta oferecer algumas contribuições importantes sobre a violência doméstica contra a mulher na sociedade contemporânea, como já dizia Fernando Sabino:

De tudo ficaram três coisas...
A certeza de que estamos começando...
A certeza de que é preciso continuar...
A certeza de que podemos ser interrompidos
Antes de terminar...
Façamos da interrupção um caminho novo...
Da queda, um passo de dança...
Do medo, uma escada...
Do sonho, uma ponte...

Da procura, um encontro!


NOTAS:

(1) A violência psicológica é qualquer conduta moral ou verbal que possa produzir na vítima intimidação, desvalorização, sentimentos de culpa ou sofrimento e é considerado o tipo de violência mais difícil de ser identificado do ponto de vista social, por não deixar marcas aparentes (SÁ, 2011).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Referências Bibliográficas
ADEODATO, V. G.; CARVALHO, R. R.; SIQUEIRA, V. R. & SOUZA, F. G. M. Qualidade de vida e depressão em mulheres vítimas de seus parceiros. Revista de Saúde Pública,2005, v. 39, n. 1, p. 108-113.

ASSIS, S. G.; CONSTANTINO, P.; AVANCI, J. Q. Impactos da violência na escola: Um diálogo com professores. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2010.

CAMARGO, M. O lugar da mulher na relação de violência: O mito da passividade e a construção da identidade de gênero em nossa sociedade. Porto Alegre: Casa de Apoio Viva Maria, Secretaria Municipal de Saúde,1998.

CARDOSO, N. M. A socialização do gênero feminino e suas implicações na violência conjugal em relação às mulheres. Revista semestral do Instituto de Psicologia da PUC Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Psicologia e práticas sociais, Volume 37, Ed.1, p. 280-92, 1997.

CECCONELLO, A. M. Resiliência e vulnerabilidade em famílias em situação de risco. Tese de Doutorado não publicada, Curso de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. 2003.

DEL PRETTE, A. P. & DEL PRETTE, Habilidades sociais, desenvolvimento e aprendizagem: questões conceituais, avaliação e intervenção. São Paulo: Editora Alínea, 2007.

FONTANA, M. & SANTOS, S. F. Violência contra a mulher. São Paulo: Rede Nacional Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos, 2001.

FREITAS, F.; LACÃO, J.; SOUSA, R. M. Sem medo, Maria! Editora: Leya, 2008.

NARVAZ, M. G. & KOLLER, S. H. Mulheres vítimas de violência doméstica: Compreendendo subjetividades assujeitadas. PSICO, 2006, v. 37, n.1, p. 7-13.

Recebido: 02/08/2021
Aceito: 02/10/2012

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