Gestão do Desenvolvimento

TELEFÉRICO – UMA SOLUÇÃO PARA A QUESTÃO DA DIFICULDADE DE MOBILIDADE NO COMPLEXO DO ALEMÃO/RJ

SÉRGIO LUCIO GOMES MEIRELLES é Engenheiro Civil

MARIANA DE ALCANTARA MOREIRA é Engenheira Civil

ELAINE CAVALCANTE PEIXOTO BORIN é Doutora em Planejamento Urbano e Regional; UERJ. E-mail: elaine.borin@ig.com.br


Resumo: Este trabalho trata das consequências do aumento desenfreado das grandes cidades no que tange a qualidade de transporte da população. Outro problema apresentado é a ocupação pela população dos morros da cidade do Rio de Janeiro, tornando a mobilidade diária extremamente difícil e lenta para essas pessoas. 
O Estudo de Caso apresenta a implantação do transporte público no Complexo do Alemão: o Teleférico. A integração não somente física, mas de duas realidades hoje tão segregadas: a cidade formal e a comunidade.
Palavras-chave: mobilidade, transporte, comunidades.

CABLE CAR - A SOLUTION TO THE ISSUE OF DIFFICULTY OF MOBILITY IN COMPLEXO DO ALEMÃO/RJ

Abstract: This work deals with the consequences of uncontrolled increase of large cities in terms of the quality of transportation population. Another problem is presented by the occupation of the city population of the hills of Rio de Janeiro, making daily mobility extremely difficult and slow for those people.
The case study presents the implementation of public transport in the Complexo do Alemão: the Cable Car. The integration not only physical, but two realities as segregated today: the formal city and the community.

Keywords: mobility, transport, communities.

INTRODUÇÃO

O processo acelerado da urbanização nas grandes cidades não foi devidamente acompanhado pela rede de transporte que, aos poucos, foi deixando de atender aos desejos e necessidades de deslocamento de grande parcela da população, inclusive não possibilitando acesso universal na maioria dos casos. A ocupação desordenada e irracional do solo urbano com a existência de áreas totalmente vazias ou pouco adensadas no interior das cidades, ao mesmo tempo em que se verificou a ocupação de áreas mais distantes, faz transparecer a dissociação entre transporte e ocupação do solo e onera e dificulta o atendimento das áreas localizadas fora das regiões mais densamente povoadas das cidades, ou, como no caso do presente trabalho, dentro da dessas regiões, mas em locais de difícil acesso.

Na tentativa de implantação de moradia próxima ao local de trabalho, a população começa a ocupar o alto dos morros cariocas. A busca por melhores condições de vida no tocante a qualidade dos deslocamentos necessários do cotidiano, leva as pessoas a residir em locais onde o transporte público ainda é ineficaz ou até mesmo inexistente para uma economia de tempo nos trajetos diários.

Este trabalho apresentará o estudo de caso, o Teleférico do Complexo do Alemão: uma solução adotada na cidade do Rio de Janeiro, na Comunidade do Alemão, para resolver os problemas da falta de transporte público nesta região.

1 Os Motivos da Construção do Teleférico do Alemão

1.1 - Alguns Problemas Urbanos da Cidade do Rio de Janeiro

O número de comunidades e sua população têm crescido progressivamente através dos anos, isto porque as comunidades é opção de moradia mais procurada para as populações de baixa renda nas grandes cidades. Como consequência desta situação, verifica-se nestas áreas a improvisação da ocupação, com as seguintes características: falta de traçado urbano, acessos irregulares e insuficientes, habitações de baixo padrão, inexistência ou precariedade de serviços públicos tais como: saneamento básico, escolas, postos de saúde, transportes etc., sendo extremamente difícil e onerosa a solução destes problemas por métodos clássicos convencionais.

Para a cidade do Rio de Janeiro, em especial, não somente o problema dos congestionamentos necessita ser solucionado. O problema da integração da população das comunidades que reside em locais de difícil acesso, e que também é extremamente carente de transporte coletivo eficiente, regular e seguro, com a cidade formal também necessita ser urgentemente solucionado. Esse pode ser considerado um dos motivos para a criação de um transporte inovador e pioneiro no Brasil, que está sendo utilizado no Complexo do Alemão, um Teleférico que liga a parte mais isolada da Comunidade à cidade formal.

1.2 - A história do Complexo do Alemão e seus problemas sociais

Segundo o dados do Ipea (2011), o Complexo do Alemão é um conjunto de 12 comunidades, construídas sobre a Serra da Misericórdia, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Morro da Baiana, Morro do Alemão, Itararé/Alvorada, Morro do Adeus, Morro da Esperança, Morro dos Mineiros, Nova Brasília, Palmeiras, Fazendinha, Grota, Reservatório de Ramos e Casinhas fazem parte do Complexo, assim chamado devido à grande quantidade de comunidade ali concentradas.

Quando foi reconhecido oficialmente como bairro, em 1993, envolvia uma área de 186 hectares, ocupada por 56 mil pessoas, com densidade de 302 habitantes por hectare, seis vezes superior à densidade média do município do Rio de Janeiro, de 49 habitantes por hectare, segundo o Instituto Pereira Passos. Dados do Censo das Favelas (2008/2009), realizado pelo Escritório de Gerenciamento de Projetos do Governo do Estado do Rio de Janeiro (EGP-Rio), estimam que a população do Complexo do Alemão supere as 85 mil pessoas.

A maior parte das comunidades do Complexo tem origem similar: loteamentos irregulares. “O Complexo do Alemão é um bairro segregado, tanto do ponto de vista das estruturas físicas como das características socioeconômicas de seus moradores. Os equipamentos e bens públicos existem de maneira precária e insuficiente. Por outro lado, a ocupação do solo aconteceu de forma espontânea e não planejada, fruto da ausência do Estado na região, sem a preocupação em deixar espaços não construídos para calçadas e ruas suficientemente largas para facilitar a circulação” afirma o relatório inicial da pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) sobre a Intervenção Sócio Urbanística do Complexo do Alemão do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal.

Em consequência da precariedade das infraestruturas e da ocupação do solo não planejada, a população residente no Alemão está exposta aos vários riscos sociais e ambientais, como a possibilidade de deslizamento e alagamento de suas casas. Outro agravante é o tratamento inadequado do lixo e do esgoto, que resulta em ambiente propício à proliferação de doenças de veiculação hídrica, assim como a falta de ventilação e iluminação das moradias, que pode aumentar a incidência de doenças respiratórias. Por outro lado, o crescimento urbano espontâneo e não planejado, ressaltado pelo fato de se tratar de áreas de alta declividade, levou à dificuldade de acesso e à redução da mobilidade. Tal dificuldade criou o ambiente ideal para a proliferação do transporte alternativo, hoje praticado por Moto-táxi e Kombi.

1.3 - O transporte alternativo – a solução disponível

Na cidade do Rio de Janeiro, o serviço de Moto-táxi aparece e se difunde com uma dupla inovação: trata-se, ao mesmo tempo, de um serviço de transporte de cargas e passageiros, que opera essencialmente a partir e dentro das comunidades. Este fato não é de surpreender quando se considera o contexto das comunidades cariocas, consideradas, por muitos pesquisadores, como o espaço da negação, da falta de infraestrutura e de serviços públicos. Hoje o serviço de Moto-táxi é identificado como complementar ao transporte tradicional.

Esse serviço foi estrategicamente criado, a partir da ausência/necessidade de transporte de algumas localidades, como alternativa informal, barata e exclusiva de transporte de baixa renda. Sua atividade se estrutura por meio de relações de trabalho ainda informais, sem vínculo empregatício, pautando-se pela flexibilidade.

Outro meio de transporte alternativo é o transporte por meio de Kombi. Esse transporte já é mais restrito, já que as ruas nas comunidades são estreitas e a maioria não passa de 2,5m de largura. As Kombis não conseguem chegar onde as motos conseguem, por serem veículos de dimensões bem maiores.

O transporte alternativo era a única opção para os moradores do Complexo do Alemão e a única realidade existente na grande maioria das comunidades do Rio de Janeiro. Mesmo a possibilidade de um acidente, não faz com que milhares de pessoas deixem de utilizar todos os dias esses meios de transporte.

A implantação de um sistema de teleférico no Complexo do Alemão vem da necessidade de interligar esta comunidade à cidade formal, além de oferecer um serviço de transporte eficiente e capaz de vencer as altitudes acentuadas da geografia local.

2-A Pesquisa de Campo

Segundo os dados do levantamento de campo de Aquino et al., existem três tipos de pico distintos em relação ao percentual de viagens diárias de potenciais usuários do teleférico: manhã, meio-dia e tarde.

Os motivos das viagens demonstram forte ênfase em trabalho e estudo totalizando quase 90% num universo amostral de 2.167 (dois mil cento e sessenta e sete) pessoas. Dados que reforçam a importância de um bom sistema de transporte para esta população. Para tais deslocamentos a população se utiliza basicamente de trajetos a pé (56,10%), de ônibus (52,7%) e Vans e Kombis (13,2%).

Para Aquino et al. a pesquisa foi uma maneira de descobrir que o transporte não é uma preocupação tão relevante da população local, diante das demais necessidades. O desejo maior da população local é pela instalação de hospitais e postos de saúde, seguido por locais para a realização de cursos profissionalizantes e creches.

A pesquisa de campo foi realizada na área da construção do teleférico no Complexo do Alemão, e antes do seu efetivo funcionamento.

Foram estudados 5 trajetos distintos, utilizando os mesmos tipos de transporte em cada um, sempre medindo o tempo percorrido entre dois pontos pré-determinados.

Em um segundo momento, foi realizada uma comparação entre os tempos encontrados em campo para demonstrar a importância do teleférico para a população local no tocante a economia de tempo nos trajetos realizados diariamente, refletindo num ganho de tempo para outras atividades e por consequência uma melhor qualidade de vida.

A tabela 1 apresenta os resultados obtidos com a Pesquisa de Campo realizada no Complexo do Alemão comparando os trajetos realizados por moradores da comunidade sem o Teleférico no Complexo do Alemão e com o seu funcionamento.

Tabela 1 – Resultados dos Trajetos

Residências

Residência 1

Residência 2

Residência 3

Residência 4

Residência 5

x

Adeus

Baiana

Alemão

Itararé

Fazendinha

Transporte

(Minutos)

(Minutos)

(Minutos)

(Minutos)

(Minutos)

Trajeto sem Teleférico

17,00

25,00

26,00

29,00

37,00

Trajeto com Teleférico

8,00

12,00

18,00

18,00

23,00

Diferença (%)

-52,94%

-52,00%

-30,77%

-37,93%

-37,84%


Fonte: Moreira & Meirelles (2011)

Os resultados apontam uma diferença de mais de 52% no tempo utilizado para chegar de alguns pontos ao mesmo local, primeiramente utilizando os meios disponíveis sem o teleférico e, num segundo momento com o seu uso. Os dados evidenciam ganho de tempo em todos os percursos comparados e podem ser considerados como uma justificativa para o investimento.

CONCLUSÃO

Como resultado da pesquisa realizada em campo por Aquino et al., não somente o problema de mobilidade assola a população do Complexo do Alemão. Postos de Saúde ou Cursos Profissionalizantes também constituem um apelo de pessoas que não tem acesso a redes particulares de saúde ou entidades filantrópicas de ensino. Atendimento médico é vital, e as crianças precisam de educação para construir um futuro melhor para a comunidade onde vivem. Esses apelos foram cumpridos com o trabalho do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC Complexo do Alemão com a construção de uma escola, do Centro de Geração de Renda, onde são ministrados cursos profissionalizantes pela Fundação de Apoio à Escola Técnica do Estado do Rio de Janeiro - FAETEC, e uma Unidade de Pronto-Atendimento – UPA, todas em funcionamento.

A presença do Estado em locais carentes não deve ser apenas um desejo, mas sim um conjunto de medidas adotadas para resolver as particularidades de cada região. O problema dos congestionamentos não é uma novidade do século atual e a segregação da cidade do Rio de Janeiro é histórica. Não somente a utilização de um teleférico vai resolver os problemas que datam de períodos tão remotos.

Como essa pesquisa foi realizada antes do efetivo funcionamento do teleférico, espera-se que realmente haja melhoras em relação à mobilidade dos moradores. Os números  prometem um futuro promissor no tocante a melhoria na qualidade de vida como projeção de um ganho de tempo utilizado no transporte diário como mostraram os resultados da pesquisa de campo, onde foram analisados os trajetos sem e com o teleférico. A esperança é de que nossa experiência seja tão bem-sucedida como essa intervenção urbanística no Complexo do Alemão.

O inconveniente de se ter que importar peças para reposição ou até mesmo o alto custo de manutenção do teleférico não conseguem lugar de destaque no palanque de discussões a respeito de sua construção. A importação de peças pode ser facilmente controlada por uma compra antecipada por meio de um cronograma de trocas por desgaste e, por não ser um transporte movido a combustível fóssil, a longo prazo, pode até mesmo ter um custo mais reduzido quando se pensa em soluções sustentáveis de maneira planetária.

O teleférico promete ser a ponte entre essas duas realidades tão próximas e tão distantes ao mesmo tempo. Um meio de transporte pioneiro e inovador, responsável pela união não somente física, mas também de dois “mundos” tão distantes e ao mesmo tempo completamente interdependentes.

Uma das alternativas sustentáveis para a população da região poderia ser a criação de cooperativas com a associação das motos que hoje fazem o serviço de Moto-táxi no Complexo do Alemão para a complementação do transporte do passageiro até a porta de sua casa, já que o teleférico interliga o alto dos morros e para as pessoas que residem em cotas mais baixas, a distância continuaria sendo grande.

Seria mais uma integração para esse transporte multimodal, que já conta com a integração com os trens da Supervia. Com essa multimodalidade, seria possível fazer o transporte da origem ao destino dessas centenas de pessoas hoje moradoras dessas localidades. Seria ligar a porta do morador da comunidade à malha de transportes existente hoje no Rio de Janeiro.

Assim, a sugestão de trabalhos futuros, seria a elaboração de um projeto que reunisse e alinhasse a integração do transporte do teleférico com o transporte que faz a utilização de motos para circulação pela comunidade.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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______ & NASCIMENTO, M. L. (2003) Jovens pobres: o mito da periculosidade. In: FRAGA, P. C. P. & IULIANELLE, J. A. S. (Orgs.). Jovens em tempo real. Rio de Janeiro: DP&A.
CONSÓRCIO RIO MELHOR. Memorial Descritivo Obra PAC – Complexo do Alemão. 2007.

AQUINO, N. B.; PEREIRA, W. F.; PEREIRA, W. A. A. A Mobilidade desejada em Áreas Delicadas –Estudo de Caso no Complexo do Alemão do Rio de Janeiro.
<http://www.sinergiaestudos.com.br/conteudo/download.asp?cdc=149>
Acesso em: 28/5/2011

Crescimento Populacional.
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Crescimento_populacional>
Acesso em: 28/5/2011

Densidade Populacional.
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Densidade_populacional>
Acesso em: 28/5/2011

NERY, M.; FLAESCHEN, M. O Ipea sobe o morro. 2011
<http://www.advivo.com.br/documento/o-ipea-sobe-o-morro-por-marina-nery-e-marcelo-flaeschen-%E2%80%93-do-rio-de-janeiro-no-site-do-ipea>
Acesso em: 28/5/2011

Recebido: 08/2012
Aceito: 08/2012

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