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NA TRILHA SONORA DOS PAMPAS: A BATIDA PESADA DO ROCK N’ ROLL A LA GAÚCHO(1)

HUMBERTO IVAN GRAZZI KESKE é Doutor pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS); Professor de Graduação, Pós-Graduação e Pesquisador do Grupo de Pesquisa em Comunicação e Cultura – Universidade FEEVALE – Novo Hamburgo/RS

LIDIANI CRISTINA LEHNEN é Acadêmica de Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo da Universidade Feevale. Bolsista de Iniciação Cientifica Feevale.


Resumo: O artigo aborda o rock gaúcho e sua relação com a população do Rio Grande do Sul. Apresenta um breve apanhado histórico do gênero musical no mundo, focando as adaptações e transformações desenvolvidas no Estado. Mostra as peculiaridades do ritmo produzido pelo rock gaúcho, como a linguagem adotada por algumas bandas que abordam em suas letras termos, histórias e locais do Rio Grande do Sul. O tema também está presente nas trilhas sonoras das produções cinematográficas gaúchas e auxiliam na identificação do cinema regional com o público local. O texto adota como marco teórico sobre o rock e a cultura jovem, Dapieve (1995), Borba (1996) e Souza (1995). Como metodologia, utiliza pesquisa bibliográfica, enfatizando a relação entre o cinema, a temática dos filmes, as trilhas sonoras e a preferência do público por este tipo de música. Através do trabalho de pesquisa foi possível destacar que o rock e o cinema gaúcho se complementam mutuamente. Eles se relacionam através da música, utilizada como trilha sonora, e como estilo musical que é retratado na sétima arte(2).
Palavras-chave: Rock, Rock Gaúcho, Cinema Gaúcho, Trilha sonora, Ditadura Militar

IN THE SOUNDTRACK OF THE PAMPAS: THE HEAVY HIT OF THE “ROCK N’ ROLL A LA GAÚCHO”

Abstract: The paper covers the rock gaucho and his relationship with the population of Rio Grande do Sul presents a brief historical overview of the genre in the world, focusing on the adaptations and transformations developed in the state. Exhibit the peculiarities of rhythm produced by rock gaucho, as the language adopted by some bands that approach in terms of their letters, stories and locations of Rio Grande do Sul. The theme is also present on the soundtracks of film productions Gaucho and assist in identifying regional theater in the local public. The paper takes as a theoretical framework on the rock and youth culture, Dapieve (1995), Borba (1996) and Souza (1995). The methodology uses literature, emphasizing the relationship between cinema, the theme of films, soundtracks and public preference for this type of music. Through the research work was possible to highlight that the gaucho rock and film complement each other. They are related through music, used as the soundtrack, musical style and how it is portrayed in cinema.
Keywords: Rock, Rock Gaucho, Gaucho Film, Soundtrack, Military Dictatorship

INTRODUÇÃO

            O rock é um importante estilo musical que, em todo o mundo, conquistou adeptos devido à sua sonoridade, interferindo nos estilos de vestir, de encarar a vida e de produzir música. Apresenta desde seu início, a crítica ao sistema vigente, seja político ou moral, assim como as dores, medos e opiniões de toda uma geração. Nos diferentes estados brasileiros se faz rock em que se apresentam, tanto características comuns ao estilo, quanto outras que são peculiares de cada região. O rock gaúcho carrega o sotaque e as expressões típicas da cultura do Rio Grande do Sul e cita lugares como a capital, Porto Alegre, e locais do litoral, como Pinhal e Cassino.

Para se abordar o rock and roll e sua importância para a sociedade, a história, a cultura e o cinema, é indispensável fazer um breve aprofundamento histórico, iniciando pelo rock americano e seus sucessores, conforme será apresentado mais adiante. É importante destacar que o rock é um movimento que, além da renúncia ao padrão social, valorizou o som produzido pelas guitarras, uma vestimenta despojada, incluindo roupas rasgadas e desbotadas. O rock chegou ao Brasil indo contra o sistema político, e terminou por influenciar a atitude e a percepção dos jovens daquela época. A história do rock no Rio Grande do Sul está ligada ao período de transição do regime militar, que iniciou em 1964, e as Diretas Já(3), em 1984, com a volta da democracia e a eleição de Tancredo Neves, em 1985.

Numa época em que população não tinha voz ativa, a juventude se utilizava da música para “bater de frente” com essa situação, manifestando sua opinião e seu desejo de mudança. Muitos que contrariaram o governo foram duramente repreendidos, sendo até mesmo presos, torturados e exilados. O rock produzido na capital do país, Brasília, naquela época, repudiava o sistema que tolhia as liberdades individuais. Uma das principais músicas de protesto foi Que país é esse?(4), da banda Legião Urbana. A canção questionava o que acontecia no Senado e afirmava que a constituição não era respeitada. Ela atravessa décadas sendo cantada por bandas que estão começando a carreira artística. Isso reforça a atualidade da letra, mesmo tantos anos depois. Naquela época, a sociedade conservadora e os políticos viam o rock como uma ameaça à forma como a sociedade era conduzida.

No Rio Grande do Sul, historicamente, o rock gaúcho contribuiu para a história da música e da cultura local e segue ganhando cada vez mais importância no cenário regional. O que serve como exemplo e vem a corroborar com essa ideia é o documentário As Pedras do Rio Ligeiro(5), que conta, através de depoimentos, a história do rock nos anos 80 e 90, no Vale do Paranhana, interior do Estado. O projeto está em fase de produção e deve ser concluído no início do segundo semestre de 2012.

Três décadas e as diferentes formas de rock pelo mundo

A ascendência musical do rock pode ser traçada através das tradições musicais da África e da Ásia de séculos atrás. Esses ritmos, misturados com a harmonização da música clássica da Europa do século XVIII, juntamente com alguns outros elementos, originaram os estilo afro-americanos tais como o blues, gospel e jazz, associando-os aos elementos básicos das músicas folk e country. Todos esses ritmos formam a base do rock and roll. Em meados da década de 50, o cenário dividia-se entre os ritmos pop e a recém-surgida batida mais vibrante underground chamada rock and roll. No início, predominantemente feita por negros, trazia letras que abordavam as experiências da vida dos jovens do pós-guerra, como amor, alusões ao sexo, dança e traziam através das próprias letras um apelo a um novo estilo musical, referindo-se ao próprio rock. Entre seus principais nomes estão Chuch Berry, Bill Haley e Fats Domino.

A segunda fase do estilo alcançou maior sucesso comercial e foi guiada pelo “rei do rock”, Elvis Presley, no começo de 1956, seguido por Everly Brothers, Buddy Holly e Jerry Lee Lewis, em 1957. Essa geração, agora com maioria brancos, garantiu ao estilo o trono da música popular, sendo entusiasticamente abraçado pela juventude daquela década – e que ainda apresenta músicas ovacionadas, na atualidade.

Na década de 60, o cenário foi dominado por uma invasão de rock inglês, puxada pelos meninos de Liverpool, The Beatles. Rolling Stones e The Who também marcaram presença nas paradas de sucesso e caíram nas graças do público. A partir daí, jovens cantores de folk como Bob Dylan, “eletrificaram” suas produções. Uma das principais mudanças da época é a valorização das guitarras elétricas, que teve como pioneiros os “deuses da guitarra”, Eric Clapton e Jimi Hendrix. Em seguida, um som mais pesado se originou, o hard rock, com o Led Zeppelin, que trazia um som arrogante, masculino e voltado para adolescentes, e que foi inspiração para Aerosmith e AC/DC, na década seguinte.

O ritmo da mudança, tanto na música popular quanto na própria sociedade, acelerou perto do fim dos anos 60. A experimentação realizada pelos Beatles e outros grupos da invasão inglesa ajudou a redefinir a natureza da música do rock, das letras e da cultura que as cercava. (...) A principal inovação nesta época foi o aumento da importância da guitarra; a improvisação do solo se tornou um ponto central, significando qualidade para muitas bandas novas. Os pioneiros da guitarra como Eric Clapton (com a banda iniciante Cream) e Jimi Hendrix (com a sua Experience) viajavam em longas jams durante os shows, os quais uma parte do publico ia somente para escutar os “deuses da guitarra” tocarem seus instrumentos. Esses esforços levaram ao desenvolvimento do hard rock e seu representante de maior sucesso comercial, o Led Zeppelin. (FRIEDLANDER, 2008, p. 24 e 25)

O que se viu, no final da década de 60 e início da década de 70, foram produções altamente sofisticadas, que buscavam o perfeccionismo, através de ajustes e harmonizações construídos em estúdios de última geração. Contrapondo-se à era pop tecnológica, a música punk se lançou no cenário britânico, em meados da década de 70. Camisetas rasgadas e um som frenético e cru, que não procurava retirar as imperfeições através de ajustes musicais e alta tecnologia de estúdio. Um novo estilo de fazer rock estava formado. Sex Pistols e Clash marcam a cena punk da época. No começo dos anos 80, uma grande variedade de estilos de rock florescia, simultaneamente, com espaço para o hard rock, o pop/rock, new wave, cool funk, punk, entre outros.

Foi nessa década que surgiu o canal de vídeo musical para televisão a cabo, a MTV(6), que proporcionou um novo norte à música. Conforme Friedlander (2008, p. 26), canções e artistas impossibilitados de tocar nas rádios devido ao seu formato cada vez mais restrito, eram levados ao ar pela emissora e atingiam vendas significativas.

Junto com o cinema o Rock chega ao Brasil

No Brasil, o rock chega através do cinema, no final de 1956, com a música Rock Around The Clock, da trilha sonora do filme Semestres da Violência (Blackboard Jungle). Em seguida, novos artistas brasileiros copiaram o som reproduzido no filme, por meio das regravações. Nora Ney gravou logo após o lançamento do filme a música, ainda em inglês. O estilo ganhou força e visibilidade, acompanhados da crítica conservadora, principalmente com a chegada do filme No Balanço das Horas (Rock Around The Clock) que estreou no país em janeiro de 1957.

 Quando foi gravado o primeiro rock brasileiro naquele mesmo ano (Enrolando o Rock, de “Betinho e seu conjunto”), as reações contrárias nos meios de comunicação e na sociedade já eram fortes. E assim, os primeiros sucessos comerciais do rock no Brasil seriam baladas românticas, entre elas Diana De Paul Anka, na voz de Carlos Gonzaga (MANN, 2002. p. 4).

Esse rock é influenciado pelo som e atitudes dos rockeiros do exterior da década de 50, como Bill Haley, Jerry Lee Lewis e Elvis Presley eos que vieram na década seguinte, The Beatles, Rolling Stones, Beach Boys e Jimi Hendrix. Conforme Piccoli (2008, p. 18), Celly Campello com seu Estúpido Cupido, Carlos Gonzaga com Diana, e Sérgio Murillo com Broto Legal deram inicio ao estilo, ao apresentar um rock mais meloso, conhecido como “rock-balada”, ainda sem aquela força da guitarra que viria na década seguinte.

A Jovem Guarda, com Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Wanderléa, Renato e Seus Blue Caps, Martinha, Golden Boys e companhia, marcaram a década de 60. Eles apresentaram letras que se opunham à visão romântica do Brasil e a crítica acusava-os de não nacionalistas, uma vez que havia crítica ao sistema nas letras. A utilização de guitarras elétricas era vista como elemento não representativo de cultura do país pelos conservadores. A partir daí, a guitarra ganhou força e as letras abordavam um Brasil mais urbano, no entanto, o rock ainda não havia se tornado fundamental no país.

As músicas não eram mais mero suporte para os vocais; para desespero dos puristas, a guitarra ocupava cada vez mais agressivamente seu espaço. As letras (...) estavam mais próximas da realidade do Brasil urbano ao falar de carrões e festanças. No amplo panorama da música brasileira, contudo, o rock ainda era ouvido como um artigo importado e supérfluo. (DAPIEVE, 2005. p. 14).

Conforme Piccoli (2008, p. 19), “as músicas da jovem guarda tratavam do dia-a-dia da juventude, mas não falavam de sexo nem de drogas, muito menos de política, ao contrário da tropicália, que viria a seguir, com sua crítica feroz aos valores da época.” Dapieve (2005, p. 14) faz uma comparação entre os dois gêneros, a partir de momentos distintos dos Beatles. “Se a Jovem Guarda era o reflexo dos Beatles fase iê-iê-iê, a Tropicália era o reflexo dos Beatles fase “Revolver” (1966) em diante”.

Na década de 60, em meio à ditadura militar, cinema e música passaram a agir, mesmo que de forma sutil, com crítica ao sistema político, gerando punições e exílios.  Reformularam e passaram a abordar novas temáticas. Com Glauber Rocha(7), o Cinema Novo passou a retratar o universo social do país nas telonas. Caetano Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil, Tom Zé e Nara Leão foram alguns dos artistas que trouxeram música e comportamento críticos, criando o tropicalismo, ou tropicália, balançando o cenário cultural. A eles se somaram Rita Lee e os irmãos Arnaldo e Sérgio Batista, com Os Mutantes, trazendo mais agressividade no som e na vestimenta. Em 1968, eles lançaram o disco homônimo, seguindo influências internacionais sem perder as características da música brasileira.

O disco, intitulado simplesmente “Os Mutantes”, provava que um grupo de rock apaixonado pelos Beatles pós-“Revolver” podia assimilar a linha evolutiva da MPB - Gil & Caetano (“Panis ET circencis”) ou o suingado jovem-guardista Jorge Bem (“Minha menina”), por exemplo - sem deixar de ser roqueiro. Ou seja: pulava um galho além na árvore genealógica do Brock (DAPIEVE, 2005. p. 16).

Cazuza adolescente, antes de se tornar o famoso cantor do Barão Vermelho, escreveu em uma redação escolar no início da década de 70, aos 13 anos, a sua definição sobre o rock. Estilo musical que ele, anos mais tarde, se tornaria um dos grandes nomes no país.

A música rock veio mudar as tradicionais músicas dos homens de negócios para uma música mais livre e sem preconceitos. A música rock reflete um comportamento erótico, para alguns destrutivo, mas na minha opinião é apenas um meio de desabar as estruturas. A música americana popular até mais ou menos 1960 estava presa aos empresários, homens de negócios que comandavam toda a publicidade da TV, que mandavam e desmandavam nos artistas, e isso não dava liberdade artísticas para os compositores. A música rock trouxe uma nova concepção de som e música. Cazuza, numa redação escolar escrita em 1971 (CACCIACARRO, 2005, p. 112).

            Com Vímana, de Lulu Santos, Ritchie e Lobão, o rock brasileiro dos anos 80 nasceria e da Bahia sairia o conhecido como patriarca do estilo, Raul Seixas (DAPIEVE, 2005. p. 18 e 19). No final da década de 70 e início dos anos 80, se formam as bandas que dariam novo rumo ao BRock(8): Titãs, Paralamas do Sucesso, Legião Urbana e Barão Vermelho. Várias foram as “bandas que tiveram o prestígio da crítica, mas nunca foram grandes vencedoras, como o Ira!; e bandas que tiveram boas vendas mas nunca caíram no gosto da crítica, caso do Kid Abelha & Os Abóboras Selvagens”, lista Dapieve (2005, p. 149). Ele acrescenta ao grupo, Capital Inicial, Camisa de Vênus, Inocentes, Biquíni Cavadão, Plebe Rude e Nenhum de Nós. “Sem esses oito, o rock brasileiro dos anos 80 teria sido sensivelmente mais pobre” (DAPIEVE, 2005. p. 149).

A censura da ditadura militar a partir de 1964 e as manifestações culturais

O Brasil viveu sob ditadura militar por 21 anos, sendo governado pelos militares de 1964 a 1985. Foi um período intenso de imposições do governo e repressão a quem se opusesse ao sistema, fosse de forma direta, com rebeliões, ou através da arte, teatro, música ou dança, mesmo que de forma subjetiva.

Foi um longo tempo de enfrentamentos políticos e sociais. O projeto político é caracterizado pelo despotismo, pela extinção dos direitos constitucionais, persecução política, encarceramento e longo sofrimento dos opositores, além da determinação da censura aos meios de comunicação e à indústria cultural, englobando a editoração de livros e revistas, a produção cinematográfica e teatral, a composição de músicas, que às vezes eram censuradas unicamente pelo nome escolhido pelo compositor, e até mesmo a programação televisiva (Santana, 2007).

O que se via, até esse período, era uma censura moralista e, com a mudança no sistema político, essa repressão passou a ser também política e social. Na música, o que se viu foram formas de tentar coibir o pronunciamento contrário às regras militares, o que, mais do que ser dito apenas pelos músicos, era repetido por milhares de pessoas. Devido à capacidade perspicaz de entrar na subjetividade das pessoas, ficando na memória e sendo repetida, e por sua indubitável penetração na camada urbana da população, a música sofreu com a repressão. Por razões como essas é que ela tem um papel fundamental no que se refere à formação da identidade nacional, variando conforme os diferentes segmentos que abrangeu, a partir dos objetivos dos criadores das composições e musicistas. Inúmeros discos foram vetados e recolhidos, talvez alguns nunca tenham chegado ao conhecimento do público para o qual foram feitos. Vários foram os autores aprisionados, torturados e exilados, como é o caso de Gilberto Gil e Caetano Veloso.

Assim como a música retratava o cidadão brasileiro, o cinema também buscava, nesse período, ser um retrato do país. E a sétima arte não ficou imune às regras da censura. Entre tantos outros títulos, destacam-se, O Justiceiro, 1967, de Nelson Pereira dos Santos, e Dona Flor e Seus Dois Maridos, de 1976, maior sucesso do cinema nacional até a estreia de Tropa de Elite 2, em 2010. Importante a ser ressaltado, contudo, são algumas frases que constam do relatório da censura no cinema brasileiro, por volta de 1972: “O filme é inteiramente contra as instituições, com chamamento à ‘revolução sangrenta’ em nosso país”; “A película contém mensagem esquerdista, contrária aos interesses nacionais”; “Cortar a pergunta ‘Onde a mulher tem os pelos mais encaracolados?’”.

Antes do golpe militar a censura apenas classificava os filmes por faixa etária, e os cortes não existiam. É o que se vê no processo de Os Cafajestes(9) que, em detrimento da pressão popular, impulsionada pelo desejo e bases morais da igreja católica, foi liberado à exibição para maiores de 18 anos, sem cortes. Com o golpe, vieram mudanças e a censura é reorganizada, objetivando servir aos interesses políticos dos militares no poder. “A censura praticada no Brasil, de 1964 a 1988, não foi apenas repressão localizada, mas mecanismo essencial para a estruturação e a sustentação do regime militar” (PINTO, 2000). Ela pretendia moldar no cinema a produção dos projetos políticos do regime, impedindo que qualquer referência contrária ao sistema vigente fosse reproduzida pela sétima arte. Quando possível, eles eram proibidos imediatamente. Quando não, havia cortes. Quando não era possível nenhum dos dois, o processo de requisição de censura era engavetando, permanecendo “em análise”, de forma que os produtores não tinham o que reivindicar com o governo.

Em 1967, Terra em Transe, de Glauber Rocha, sobre interdição no território nacional tem suas copias recolhidas. Após esse episodio, o filme foi liberado pelo diretor geral da polícia federal, Coronel Florimar Campello, que considerou “ser sutil a mensagem ideológica contida na película, somente percebida por um público esclarecido e que por isso mesmo não se deixaria impressionar por ela” (PINTO, 2000).

            No período em que esteve em vigor o AI-5(10), mais precisamente de 1968 a 1978, a censura federativa coibiu mais de seiscentos filmes, quinhentas peças teatrais, a editoração de vários livros e a inclusão de assuntos essenciais para a carreira escolar das crianças, sem falar do sem número de músicas (SANTANA, 2007). O regime militar se finda e vem a eleição de Tancredo Neves e José Sarney. Com isso, voltou a existir a democracia e lentamente a liberdade foi restituída após décadas de despotismo. Assim, também chegou ao final a censura, nasceram novos partidos políticos e o direito a ter eleições presidenciais diretas foi conquistado.

Nos pampas explode o rock gaúcho

Durante o movimento de luta contra repressão da ditadura, incluindo a coerção à cultura nacional, a música também fixou raízes do Rio Grande do Sul. Surge então o rock gaúcho, termo utilizado para designar as bandas e as músicas produzidas no Estado. Borba (1996) destaca que a explosão do estilo no Estado, nessa época, se deve a fatores do aspecto regional, nacional e ao fato de as influências mundiais chegaram de forma tardia.

No início da década, predominavam o neonativismo conquistando cada vez mais espaço urbano, a nova musica popular gaúcha e grupos de música instrumental. No plano nacional, a partir do estouro da Blitz com Você Não Soube Me Amar, em 82, vários grupos começaram a gravar. Esta movimentação no centro do país trazia uma nova orientação para a mídia que começava então a trabalhar com o rock. O Brasil começava a receber tardiamente os estilhaços da rebelião punk 76/78 e adotar a new wave, um coquetel mixando antigas e novas culturas do pop com grande apelo para a indústria fonográfica (BORBA, 1996. p. 103-104).

Dapieve (2005) destaca os points do início dos anos 80, como o Rockett 88 e o Ocidente e a danceteria B-52’s, por onde circulavam as principais bandas da época, influenciadas em sua maioria, pelo movimento punk. Atahualpa & Os Panques, Os Replicantes, Prisão de Ventre, Urubu Rei e Fluxo são listadas por ele. O autor faz um contraponto ao fato de que “a mais bem sucedida banda gaúcha da época, os Engenheiros do Hawaii, que só se formou na metade da década, não seguia o estilo da maioria. Eles eram “antipunk, pró-folk e pró-progressivo” (DAPIEVE, 2005, p. 34). Quem também surge nessa década são TNT, Cascaveletes, Júlio Reny, Wander Wildner, Banda de Banda, Os Eles, Bandaliera, Prize, De Falla. O hit Surfista Calhorda, dos Replicantes, foi o primeiro clipe do novo rock local, em 1984 (BORBA, 1996. p. 105).

O comunicador Mauro Borba(11) declara no documentário “Bebeco Garcia, um pouco da sua história(12)”, que a influencia rockeira do gaúcho veio da movimentação existente no bairro Bom Fim, em torno do Bar Ocidente e dos grandes shows no Araújo Viana que reuniam várias bandas, muitas que estavam só começando a tocar em eventos que reuniam muita gente. O documentário também apresenta um cenário de movimentação no bairro, que reunia intelectuais, incluindo sessões de cinema à meia-noite e diversos bares onde os jovens se reuniam para debater a sociedade e com espaço para as novas bandas. Na capital gaúcha, formaram-se as primeiras bandas de rock do Estado, fossem de lá ou egressos de outros municípios, mas foi em meio aos bares de Porto Alegre que se deu a explosão do estilo.

Nos anos 90, novas bandas se formam, aqui, as fitas demo dão lugar aos CDs. Barata Oriental, Aristóteles de Ananias Jr., Rosa Tattoada, Acústicos e Valvulados, Motivos Óbvios, Produto Nacional, Tequila Baby, Júpiter Maçã, Pietá, Barba Ruiva. Inegável é a influencia das bandas do momento de explosão de rock gaúcho para o que se produziu nos anos 90.

Bandas como Maria do Relento, Acústicos e Valvulados e Comunidade Ninjitsu, entre outras, são herdeiras daquela movimentação dos anos 80. Aquela onda passou, mas deixou mais do que sementes. Deixa a experiência vivida por todas aquelas bandas e uma história que precisa ser passada para os novatos que hoje ensaiam nas garagens e que sonham em pegar a estrada, a mesma estrada, numa nova viagem (BORBA, 1996. p.109).

Um encarte do Kazuka, do Jornal Zero Hora(13), apresenta um Almanaque do Rock em que cita quatro bandas de grande relevância dos anos 80, 90 e 2000. Através dessa divisão é possível traçar um panorama das formas que é feito o rock gaúcho. Entre diferenças e semelhanças, o desejo de um lugar o sol, seja nos pampas do Rio Grande do Sul ou pras “bandas mais de cima”, alcançando o sucesso nacional. (KAZUKA, 2011)

Dos anos 80 os destaques são Cascavelletes, TNT, Engenheiros do Hawaii e Nenhum de Nós. Cascavelletes, em atividade de 1987 a 1991, e em um projeto em 1997, tem uma importante contribuição a história do rock nacional. A música Como um céu de blues é cantada em coro pelos jovens da época e os que vieram depois. O sucesso nacional veio com Nega Bombom, tema da novela Top Model, de 1989. A TNT apresentava uma batida pesada e envolvente e tinha em seu vocalista, Charles Master, uma voz marcante. Deixou na historia, clássicas como Cachorro Louco, Nunca mais voltar e O mundo é maior que o teu quarto. Em 2007, integrantes dessas bandas se uniram e formaram a banda Tenente Cascavel (uma mistura também entre seus nomes). Engenheiros do Hawaii formada por três universitários sem muita técnica ou anos de aula de instrumentos caíram nas graças do público, já em sua primeira apresentação, na faculdade. Depois de integrarem o LP Rock Grande do Sul, alcançaram o reconhecimento nacional. Nenhum de Nós se mantém com a mesma formação e com sucesso no Estado e no Brasil. Logo no início da carreira, tornou-se nacionalmente conhecida com Camila, Camila, até hoje uma pedida obrigatória nos shows.

A década de 90 traz os Acústicos & Valvulados, formados em 1991, que se tornaram conhecidos por seus clipes que rolaram na MTV. O rock mais pop dos Papas da Língua colocou o grupo entre os mais influentes do Estado. A mistura entre o funk carioca e o rock deram a Comunidade Nin-Jitsu o sucesso entre um público mais jovem, que “curtia” a malícia das letras e a batida diferente trazida por Mano Changes e seus companheiros. A fusão inovadora entre rap, rock, reggae, metal e, até mesmo, milonga tornou a Ultramen um dos principais fenômenos do Estado.

Os “anos 2000” e a passagem do novo milênio trouxeram novas bandas que mantiveram a qualidade e o estilo das suas antecessoras, incluindo inovações e conquistando legião de fãs. A Bidê ou Balde com nome que causava estranheza, logo caiu nas graças do público, até porque o rock gaúcho, desde seu surgimento, tem esse lado alternativo e vanguardista que permite o “estranho”. A Cachorro Grande ofereceu ao público a volta à cena inglesa dos anos 60. Com referencias de Beatles, Stones, The Who e de atuais, como Kasabian, a banda se mudou de “mala e cuia” para o centro do país. Desde os cabelos e a vestimenta até o estilo de cantar, a banda inovou em tudo, se distanciando das antecessoras do rock gaúcho. O punk rock também chegou ao Sul do país e a mais bem sucedida nesse estilo é a Tequila Baby. Sua maior influência é Marky Ramone, músico da banda norte americana Ramones, que já tocou diversas vezes com a banda e com quem já gravaram um DVD. Já na era da internet, amigos se juntaram para tocar no festival do colégio, disponibilizaram suas músicas na rede e essas fizeram muito sucesso. Assim começou a história da Fresno, que em 2009 venceu o VMB(14) como "Artista do Ano". Das bandas gaúchas é uma das que em menos tempo de existência chegou ao sucesso nacional.

Com a mudança de sistema político, passando da ditadura à democracia, em todo o país surgiram artistas que se opunham, através de sua arte, à realidade de sua sociedade. Dapieve (2005) define como “divisões de base” uma centena de bandas que fizeram rock, muitas que se mantiveram como desconhecidas em grande parte do país, mas tem importância para fortalecer o estilo. Ele destaca que Replicantes e De Falla levavam o punk até as últimas consequências para chocar a conservadora sociedade gaúcha” (DAPIEVE, 2005. p. 189-190).

Considerações finais:

No Rio Grande do Sul, os primórdios do rock datam do final da década de 70 com o início da música urbana, gravada em Porto Alegre. “Em 1978 foi gravado em Porto Alegre, na ISAEC, o disco que é um marco na música urbana do RS: Paralelo 30. O disco traz as primeiras gravações em vinil de Bebeto Alves, Carlinhos Hartlieb, Raul Ellwanger, Nelson Coelho de Castro, Nando D’Ávila e Cláudio Vera Cruz.” (BORBA, 1996. p. 34). No início da década de 80, surgiu a rádio Bandeirantes FM, com a proposta de ter o rock incluído em sua programação. “1981. A Bandeirantes FM estava no ar há poucos meses e já começava fitas independentes de músicos e bandas gaúchas” (BORBA, 1996. p. 35).

Os anos 70 chegavam ao final marcados pela repressão da ditadura militar, e a expressão usada pelo grupo que frequentava a Oswaldo Aranha, “deu pra ti”, marcou a época. Em 1979, Nei Lisboa e Augusto Licks e outros músicos montaram um show para dar adeus para aquele período difícil da história do país. Era o “Deu pra ti anos 70”. Giba Assis Brasil e Nelson Nadotti(15) transformaram a ideia em filme, dando início ao cinema gaúcho super-8. A produção reproduzia a vivência do jovem adolescente da capital do Estado na década de 70. Compreendia locais e momentos, como os chopes no Alaska, as caminhadas na Oswaldo Aranha, a música do Nei, em enredos que abordavam os verdes anos. Borba (1996) lembra uma cena que remete à história da música e da juventude da época “Numa cena do filme Deu Pra Ti Anos 70, Wander Wildner, Augusto Licks, Julio Reny, Nei Lisboa e Pedro Santos (de cabelos compridos) estão em volta de uma fogueira com um violão na beira da praia rolando um som” (1996, p. 40).

Depois do show Deu Pra Ti Anos 70, Nei se tornou um sucesso e o novo estilo musical ganhou espaço na jovem emissora porto-alegrense.

Já tinha acontecido o comentado show Deu Pra Ti Anos 70 e algumas apresentações na faculdade de arquitetura da UFRGS. Nei Lisboa começava a fazer sucesso no rádio. Pra Viajar No Cosmus Não Precisa Gasolina entrou direto na programação e os ouvintes não paravam de pedir para ouvir de novo. Um dos nossos objetivos com a então estreante emissora estava sendo alcançado. No ano seguinte, 82, Nei fazia o primeiro show com uma banda e uma boa produção no Teatro Renascença. O nome do show: Vem Comigo Nesse Barco Azul. (...) A irreverência começava a ser uma das marcas registradas do cara. (BORBA, 1995. p. 35)

Em 1985, aconteceu o 1º Festival Rock Sulino, em Porto Alegre, tendo como participante o gerente de projetos especiais da gravadora RCA, Tadeu Valério. Ele saiu do festival com o desejo de produzir uma coletânea somente com som das bandas gaúchas de rock. Foram selecionados para participar os Replicantes, TNT, Garotos da Rua, De Falla e Taranatiriça. Essa última achava que uma coletânea era pouco para eles e fizeram pouco caso do convite. Em seu lugar participaram os Engenheiros do Hawaii. O álbum Rock Grande do Sul foi lançado em 1986 e contou com “Segurança” dos Engenheiros do Hawaii, “Surfista Calhorda” do Replicantes e “Estou na mão” do TNT.

O LP Rock Grande do Sul fez com que os Engenheiros gravassem o seu primeiro clipe, para a música “Sopa de letrinhas”, gravado no Hotel Majestic, em Porto Alegre. Conforme Dapieve (2005, p. 143), “o guitarrista Robertinho de Recife encontrou Gessinger e disse ter visto o clipe nos Estados Unidos, o gaúcho ficou com a leve impressão de estar sendo sacaneado. Não estava”.

As quatro bandas tiveram LPs lançados pelo selo Plug, da RCA, e se apresentaram no horário alternativo no Canecão, em festival realizado entre os dias 4 e 8 de novembro de 1987. Ainda assim, nenhuma delas se manteve no cenário nacional de forma expressiva.

Em microshows de, em média, cinco músicas, esses gaúchos tiveram seus 30 minutos de fama nacional. E nem precisavam de mais. Na verdade, bastava-lhes a fama regional, sustentada por shows no auditório Araujo Vianna - cinco mil lugares ao livre - w no bar Rockett 88 e pela agitação promovida pelo Vórtex, misto de selo, espaço cultural, estúdio de ensaio, bar e loja que colocava no mercado locas fitas de Cascavelletes e Júlio Reny & A Banda Expresso do Oriente, entre muitos outros. (DAPIEVE, 2005. p. 190 e 191).

Em 2005, o projeto MTV Bandas Gaúchas(16), mostra a diversidade do rock feito no estado ao reunir Wander Wildner, Cachorro Grande, Ultramen e Bidê ou Balde. O resultado apresentado ao público nacional mostrou as características de um som diferente do padrão fonográfico do mercado brasileiro. O projeto, diferente dos demais produzidos pela emissora, que reunia um nome a cada vez, fez um apanhado entre artistas porto-alegrenses. “No lugar de apenas um artista, seriam quatro desta vez. Ao invés de nomes consagrados do rock ou MPB, bandas gaúchas com sucesso restrito ao mainstream local e o underground nacional.” (MONDO BACANA, 2008). O rock mais tradicional, o punk, o samba, o folk, o clássico são misturados, ao longo das duas horas de DVD.

A Bidê ou Balde apostou em canções mais leves e populares como o seu cartão de visitas ao cenário nacional. “Microondas”, “Bromélias” e “Mesmo que Mude” comprovam essa ideia. Um pouco mais agitada, “E Por Que Não?”, e a que se tornou hit nacional, foi “Melissa”, que teve a participação de Roger, da Ultraje a Rigor para engrossar o refrão “Se tu quiser que eu te leve, eu aprendo a dirigir”.

Na seqüência, quem vinha era o rock’n’roll nostálgico, referenciando o punk da década de 70 já perdido na maioria das produções da época, com a Cachorro Grande. “Hey Amigo” mostrava a que veio a banda, com uma explosão de agressividade. A performance seguiu com “Que Loucura” e “Um Dia Perfeito”, além de “O Dia de Amanhã”. Aproveitando a deixa de ser um projeto acústico, surpreendeu a crítica à versão de “Sexperienced”.

A diversidade é evidenciada quando entra em cena a Ultramen, que apresenta um competente funk-samba-rock. “Preserve” e “Dívida” mostram letras engajadas em um som que não soa ao moralismo. “Ultramanos” e “Santo Forte” são as mais dançantes ou pulantes do repertório. Encerrando com “Máquina do Tempo” a banda resume seu estilo de trabalho sempre defendido em fazer o bem ao público com os versos “Tudo de bom, tudo de bem/ É o que eu tenho pra você”.

O “trovador solitário” Wander Wildner, fundador dos Replicantes, apresenta sentimentos sem ser clichê e sem ser engraçadinho. “Eu Tenho uma Camiseta Escrita Eu Te Amo”, “Mantra das Possibilidades” e “Eu Não Consigo Ser Alegre o Tempo Inteiro” reforçam o talento do músico, potencializado ao longo dos anos. No “No Ritmo da Vida” Wander homenageia e se permite emocionar, reverenciando o produtor e amigo Tom Capone, falecido um ano antes. O encerramento fica em grande estilo por contar com “Bebendo Vinho”, um dos hits de década no sul do país.

Como se percebe, o rock de batida alternativa e arranjos melódicos das bandas gaúchas se valeram do cinema para tornarem-se conhecidas do grande público. Este processo gerou uma ajuda mútua entre ambas as artes que, cada vez mais, buscaram sua profissionalização. Exemplo disso se percebe com o primeiro longa-metragem da Casa de Cinema de Porto Alegre, Tolerância(17), (em coprodução com Columbia TriStar Films of Brasil), que apresenta o Rock em sua trilha sonora. Tolerância foi filmado nos meses de junho e julho de 1999 e estreou no Brasil em novembro de 2000. O filme coloca à prova a Justiça, a ética profissional, a fidelidade no casamento e tantas outras questões que exigem tolerância. Para definir a trilha sonora, dois nomes do cenário do rock gaúcho: Flávio Santos, que foi baterista da banda De Falla (Flu), e o guitarrista Marcelo Fornazier (4Nazzo).

Juntamente com o diretor Carlos Gerbase, foram selecionadas uma trilha instrumental e escolhidas músicas de diversas bandas que servem para marcar as cenas do filme. A música principal é uma composição de Júlio Reny e Jaqueline Vallandro, cantada pela banda Dolly, intitulada “Amor e Morte”. A canção deu à produção o título de Melhor Música no 1º Prêmio APTC-RS(18), 2000, feito que comprova a valorização do som local através do reconhecimento em premiação pela música.

Em 2002, Jorge Furtado produz seu primeiro longa-metragem, Houve Uma Vez Dois Verões(19), e o que se ouve é pop e rock gaúcho, em produção realizada por Leo Henkin(20). A trilha foi preparada especialmente para embalar a história de amor de um adolescente no litoral gaúcho. Leo Henkin investiu em “nomes novos e recentes do rock do Rio Grande do Sul é uma refrescante compilação de sons que remetem a um passado idílico de nosso pop” (Barbosa in CliqueMusic, 2002). A maioria das músicas foi gravada especialmente para a trilha do filme, produzindo harmonia entre as cenas e o som, proporcionando um conjunto que envolve o espectador. Papas da Língua, Calor da hora; Wander Wildner em cover de Without you e My pledge of love em versão de Ultramen; Frank Jorge com Cabelos cor-de-jambo; o punk da Tequila Baby com Não faço este tipo; e novos artistas como Video Hits com a música Perdido e meio e Nikita com Let's surf.

Deste modo, o Rio Grande do Sul, do extremo sul do país e das baixas temperaturas, tem uma identidade muito particular, moldada entre o conservadorismo e a vanguarda cultural. Tais contradições também forjaram, à margem do idioma oficial, um dialeto gaúcho particular que contempla expressões muito específicas, incorporadas à cultura local. Esses termos do dia a dia, tão comuns aos gaúchos, nem sempre são compreendidos pelos viajantes que chegam ao Estado. Tão forte é essa relação com o dialeto, que foi criado o Dicionário de Regionalismos do Rio Grande do Sul(21). São 560 páginas onde estão registrados mais de 6.800 termos e expressões, com seu significado, exemplos de aplicação e, sempre que possível, sua etimologia, espaço geográfico em que é empregado, tipo de linguagem em que é utilizado, se é arcaísmo português ainda em uso na fala gaúcha, se é pouco usado ou se está totalmente em desuso, acrescido de algumas  curiosidades.

A batida é de rock e a letra contempla o imaginário regional, referenciando, principalmente, o gaúcho mítico. Termos como “coxilha”, “montar no cavalo”, “marcar o gado com ferro e brasa”, “meu cavalo galopando o campo afora”, “sestear nos meus pelegos”(22), onde que se refere ao ato de dormir ou descansar ao sol e pelego é a pele de carneiro que é colocado sobre a sela do cavalo para a montaria se tornar mais confortável, são coisas típicas do gaúcho rural, conhecido das historias ao qual Nilda Jacks (2003, p. 21) define como “figura altaneira, viril e destemida do gaúcho”. No estilo do rock produzido no estado, a música termina por referenciar o cinema, evidenciando lugares de Porto Alegre, como o Parque Farroupilha e a Osvaldo Aranha, entre outros. A música referencia essa imagem através das ações típicas da vida rural, cenário na qual é histórica e simbolicamente reproduzido o homem do Rio Grande do Sul. Ou seja, são as “coisas da terra” que ganham importância e se associam à mais alta tecnologia cinematográfica para construir o novo cinema gaúcho.


NOTAS:

(1) Texto originado a partir do Projeto de Pesquisa intitulado: Paisagens culturais: estudo das representações, das narrativas e dos imaginários no cinema gaúcho, contemplado com Bolsa PIBIC - CNPq/FEEVALE – 2008 e com o Prêmio Pesquisador Gaúcho – FAPERGS – 2010 conferido ao líder do Projeto.

(2) Os demais resultados alcançados com esta primeira fase da pesquisa podem ser acompanhados on-line no blog cujo endereço segue: http://cinegaucho.blogspot.com/p/pesquisa.html; na Revista Fronteiras – Universidade do Vale do Sinos (UNISINOS), sob o título: “Do imaginário rural ao urbano: a (re) invenção simbólica do cinema gaúcho” (2009) no endereço: http://www.unisinos.br/publicacoes_cientificas/revista_fronteiras/submissao/index.php e na Revista Nau – Revista de Comunicação e Audiovisual da INTERCOM (Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação), sob o título: “Paisagens urbanas: a década de 80 vista pelo cinema gaúcho” (2008), volume 01, serie 02, página 131 - 148. 

(3) Foi um movimento civil de reivindicação por eleições presidenciais diretas no Brasil, em um ato democrático iniciado por jovens. Ocorreu nos anos de 1983 e1984, época em que o país vivia a Ditadura Militar e, com elas, passou a viver em democracia.

(4) Música lançada em 1987, em álbum de mesmo nome, que vendeu mais de um milhão de cópias no Brasil e foi premiado com Disco de Diamante pela Associação Brasileira dos Produtores de Disco (ABPD)

(5) O Documentário As Pedras do Rio Ligeiro é uma produção da Pulp Audiovisual em parceria com o Tio Remi Rock Bar e a Confraria Rock e o aval do Instituto Estadual de Cinema (Iecine). Mais informações estão disponíveis no blog do projeto: http://docrockparanhana.blogspot.com/

(6) A MTV foi a primeira emissora de televisão segmentada para o público jovem de faixa etária de 12 a 34 anos. Ela foi inaugurada nos EUA, em 1° de agosto de 1981, com programação de 24 horas diárias e planejada para a exibição musical.

(7) Glauber Rocha foi cineasta, ator e escritor baiano. Foi um dos integrantes do movimento chamado de Cinema Novo por volta dos anos 60.

(8) BRock foi o termo usado, pela primeira vez, pelo jornalista Arthur Dapieve para definir o pop-rock brasileiro, na época da explosão do estilo na década de 80.

(9) É um filme brasileiro de drama, de 1962, escrito e dirigido por Ruy Guerra. O documento referente a censura está em RECORDAR PRODUÇÕES ARTÍSTICAS (Rio de Janeiro). Memória da Censura no Cinema Brasileiro 1964/1988. Disponível em: www.memoriacinebr.com.br

(10) O Ato Institucional nº 5 foi implantada em 13 de dezembro de 1968 e é um dos mais duros na história do país. Ele abole os mecanismos constitucionais dispostos na constituição de 1967, revigora os poderes despóticos do regime e confere ao exército a faculdade legal de aprimorar as medidas repressivas, tais como ordenar o retiro do Congresso, do corpo com poder legislativo de uma nação, a nível estadual e das Assembleias Municipais.

(11) Criador e comunicador da Rádio Pop Rock de Porto Alegre. Trabalhou na rádio Bandeirantes FM, participou da criação da rádio Ipanema FM e autor do livro Prezados Ouvintes – histórias do rádio e do pop rock. Conforme dados do site oficial http://www.boysdontcry.com.br

(12) O documentário Bebeco Garcia foi exibido pela RBS TV em 15 de outubro de 2011 e fala sobre um importante nome do rock gaúcho, o guitarrista, vocalista e compositor da banda Garotos da Rua. Disponível no YouTube  http://www.youtube.com/watch?v=rYtghRU2Dmo

(13) KAZUKA: encarte cultural para adolescentes inserido no Jornal Zero Hora, de Porto Alegre. Acessado em 25 de novembro de 2011.

(14) MTV Video Music Brasil (VMB) é uma premiação musical realizada pela MTV Brasil, que acontece desde 1995. Ela premia videoclipes nacionais e internacionais através da votação da audiência e de júri especializado para as questões técnicas. Mais informações podem ser obtidas em http://vmb.mtv.uol.com.br/

(15) São dois cineastas sem formação acadêmica, que produziram e dirigiram filmes entre o final da década de 70 e década de 80, utilizando a bitola super-8. Não somente pelo formato, mas suas historias, valorizando o homem urbano. Eles deram inicio a uma nova forma de fazer cinema no Rio Grande do Sul, tanto pela técnica quanto pela temática abordada.

(16) Também lançado em DVD pela Sony BMG.

(17) O enredo apresenta um casal que confronta com suas civilizadas teorias sobre o sexo e a política com a realidade, e descobrem que nem o mundo, nem eles, são suficientemente civilizados. Júlio (Roberto Bomtempo) é formado em jornalismo, tem 40 anos e na década de 70 sonhava em fazer imagens que mudariam o mundo. Ele trabalha como editor de fotografia numa revista "para homens". Desistiu de mudar o mundo e se contenta em apenas dar uns retoques. A esposa, Márcia (Maitê Proença), 38 anos e formada em Direito sonhava em abraçar causas que mudariam o mundo. Com o nascimento de Guida, tudo mudou e ela acabou num emprego menos idealista e mais rentável. Unidos pelo desejo de mudar o mundo, impedidos de seguir em frente pela vida. Para maiores informações, consultar a Tese do autor deste artigo, Prof. Dr. Humberto Ivan Grazzi Keske, que encontra disponível em http://tede.pucrs.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=448

(18) Premiação concedida pela Associação Profissional de Técnicos Cinematográficos do RS (APTC).

(19) Chico (André Arteche) está aproveitando suas férias na praia, onde conhece, em um fliperama, Roza (Ana Maria Mainieri). O casal transa na primeira noite e a jovem some. Ao lado do amigo Juca (Pedro Furtado), Chico a procura em vão pela praia. Após o verão, já de volta a Porto Alegre e às aulas de química orgânica, é que o casal se reencontra. Chico quer conversar sobre aquela noite e Roza conta que está grávida. Até o próximo verão, ela ainda vai entrar e sair muitas vezes da vida dele.

(20) Guitarrista e compositor da banda Papas da Língua. Trabalha com a produção de filmes curta e longas-metragens.

(21) Produzido pelos irmãos Zeno Cardoso Nunes e Rui Cardoso Nunes e editado pela Martins Livreiro

(22) Expressões retiradas da música “Amigo Punk” da banda de rock gaúcho Graforréia Xilarmônica

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BORBA, Mauro. Prezados Ouvintes. Porto Alegre: Artes e Ofícios Ed., 1996. 217 p.

CACCIACARRO, Carmem. Fala rock: as máximas e mínimas do roquenrol. Rio de Janeiro, RJ: Garamond, 2005. 142 p.

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DAPIEVE, Arthur. Brock: o rock brasileiro dos anos 80. [5. ed.] São Paulo, SP: Editora 34, 2005. 223 p. (Coleção ouvido musical)

DOCUMENTÁRIO BEBECO GARCIA - Exibido no programa Histórias Curtas da RBSTV. Disponível em link http://www.youtube.com/watch?v=p5sM4iBMrmI - Acesso em 20 de novembro de 2011

FRIEDLANDER, Paul. Rock and roll. 5. ed. Rio de Janeiro, RJ: Record, 2008. 485 p.

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Casa de Cinema de Porto Alegre. Disponível em: http://www.casacinepoa.com.br Acesso em 20 de novembro de 2011

MONDO BACANA (2008). Disponível em: http://www.mondobacana.com/edicao-41-faichecleres/acustico-mtv-bandas-gauchas.html - Acesso em 13 de novembro de 2011

PICCOLI, Edgard. QUE rock é esse?: a história do rock brasileiro. São Paulo, SP: Globo, 2008. 237 p.

PINTO, Leonor E. Souza. Cinema brasileiro e censura durante a ditadura militar (2000). Disponível em: http://www.memoriacinebr.com.br/ - Acesso em 15 de novembro de 2011

SANTANA, MIRIAM ILZA. CENSURA NO PERÍODO DA DITADURA. 2007. DISPONÍVEL EM - ACESSO EM 18 DE NOVEMBRO DE 2011 

SOUZA, Antônio Marcus Alves de. Cultura rock e arte de massa. Rio de Janeiro: Diadorim, 1995. 174 p.

SIMIS, Anita. Cinema e política cultural durante a ditadura e a democracia.

Revista Info Escola On Line - http://www.infoescola.com/comunicacao/historia-da-mtv Acesso em 28 de outubro de 2011.

TOLERÂNCIA – TERRA CINEMA. Disponível em:  http://www.terra.com.br/cinema/tolerancia Acesso em 05 de novembro de 2011.

 

Recebido: 19/04/2012
Aceito: 15/06/2012

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