Questões Contemporâneas

LEGISLAÇÃO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE NA CAATINGA

JOSÉ ADAILTON LIMA SILVA Geógrafo e mestrando em Recursos Naturais, na Universidade Federal de Campina Grande

MONALISA CRISTINA S. MEDEIROS .

PEDRO VIEIRA DE AZEVEDO .


Resumo: Desde muito tempo o homem tem exercido uma pressão sobre os recursos naturais da Caatinga para atender suas necessidades e interesses. As atividades humanas predatórias têm afetado de maneira imediata este bioma, através dos sistemas produtivos utilizados: agricultura familiar, pecuária e extração vegetal. Neste sentido, tornou-se imprescindível encontrar meios para um fim: desenvolvimento sustentável. O grande desafio é encontrar não apenas formas de uso dos recursos naturais da Caatinga que assegurem a sua conservação, mas também, que estas formas possam ser capazes de ofertar uma estabilidade de bens e serviços, a custos competitivos, para um mercado cada vez mais exigente e dinâmico. Nesta perspectiva, o referente trabalho objetiva conduzir uma discussão dialética sobre como a Legislação Ambiental Brasileira tem fomentado premissas para a sustentabilidade na Caatinga e como seu “arcabouço legal” pode promover um desenvolvimento socioeconômico viável e ambientalmente correto.
Palavras-Chave: recursos naturais, atividades econômicas e desenvolvimento sustentável

LAW AND ENVIRONMENTAL SUSTAINABILITY IN CAATINGA

Abstract:Since man has long exercised a pressure on the natural resources of Caatinga to meet their needs and interests. Human activities have affected predation in an immediate way through this biome production systems used: family farming, livestock and plant extraction. In this sense, it became essential to find means to an end: sustainable development. The challenge is finding ways to not only use of natural resources of Caatinga to ensure their conservation, but also that these forms may be able to offer a stable of goods and services at competitive costs, to a growing market demanding and dynamic. Accordingly, the related work aims to lead a discussion about how the dialectical Brazilian Environmental Legislation has fostered the foundations for sustainability in the Caatinga and as his "legal framework" may promote a viable socio-economic development and environmentally friendly.
Keywords: naturaly resources, activities economic and development environmentally

Legislação ambiental brasileira e suas premissas para a sustentabilidade da caatinga

Os sistemas produtivos introduzidos sobre o domínio da Caatinga são realizados, em muitos casos, de forma predatória, sem técnicas de manejo e uso do solo, e sempre com o agravante de exceder a capacidade de suporte natural do geossistema local, fatos estes que têm promovido a deterioração ambiental e, consequentemente, o surgimento de inúmeros impactos ambientais.

O semiárido brasileiro, onde predomina a vegetação da caatinga, se depara com dois grandes problemas fundamentais: o primeiro é a escassez e irregularidade da disponibilidade de água e a sua inadequada gestão, e o segundo, é a excessiva pressão sobre os recursos naturais, principalmente a cobertura vegetal. Nas duas situações o processo de organização socioeconômica e sua matriz filosófica baseada na apropriação indiscriminada dos recursos naturais (considerados apenas como substrato para o desenvolvimento das atividades humanas), permeadas por relações sociais pautadas pela desigualdade, fornecem o contexto para as atuais questões ambientais presentes nesse ambiente (CAVALCANTI  & ARAUJO, 2008).

O mito de que a caatinga é pobre em biodiversidade já não existe mais (Rodrigues apud Geraque 2004, p. 26). As vegetações, além de abrigar uma valiosa biodiversidade, também desempenham um papel importante na economia da pequena produção e têm se mostrado como fonte de subsistência da população, principalmente nos períodos de estiagem e nos anos de seca. De acordo com Campello et al. (1999, p. 7) “a lenha representa 60% de toda a energia utilizada para cocção dos alimentos das famílias da Região”, por outro lado, e ainda segundo os mesmos autores, “a cobertura vegetal está reduzida a menos de 50% da área dos estados – em alguns casos até 35% - e a taxa anual de desmatamento é de aproximadamente meio milhão de hectares”.

Contemporaneamente, a utilização da Caatinga ainda se fundamenta em processos meramente extrativistas, para obtenção de produtos de origem pastoril, agrícola e madeireiro. Esse modelo predatório já se faz sentir, principalmente, nos recursos naturais renováveis da caatinga. Dessa forma, observam-se perdas irrecuperáveis da diversidade da flora e da fauna, acelerado processo de erosão, e declínio da fertilidade do solo e da qualidade da água (CAVALCANTI et al, 2008).

A noção de degradação atribuída às atividades econômicas é complexa, incorporando a erosão do solo, perda da biodiversidade, comprometimento dos recursos hídricos e implicações negativas, nas condições de sobrevivência das populações afetadas.

Por sua vez, a abordagem socioambiental pressupõe, de acordo com Veiga (2007, p.91), “a inevitável necessidade de procurar compatibilizar as atividades humanas em geral – e o crescimento econômico em particular – com a manutenção de suas bases naturais; particularmente com a conservação ecossistêmica”. Para o semiárido essa conta passa necessariamente pela forma de lidar com a perspectiva do desenvolvimento sustentável e pelas diferentes interações entre os diversos setores sociais, econômicos e, principalmente, políticos sobre os recursos naturais.

De acordo com Magalhães (2006, p. 304), o semiárido precisa de uma estratégia ambiental no sentido mais amplo, envolvendo o zoneamento agroecológico e econômico, a criação de áreas protegidas, a regulamentação e controle do uso de solo e água, e o manejo sustentável dos recursos naturais. O desafio é conciliar essa necessidade de estratégia ambiental com a realidade fundiária e socioeconômica predominante e com as restrições existentes quanto a solo e água para a produção agropecuária, principalmente para a agricultura familiar.

A legislação ambiental brasileira além de ser moderna, ela também fomenta um arcabouço legislativo que compreende o uso sustentável dos recursos naturais, a fim de que se possibilite um desenvolvimento socioeconômico viável e ambientalmente correto.

Dentre os dispositivos criados para a preservação ou conservação das riquezas naturais, estão as Unidades de Conservação (UCs): são espaços criados para a preservar ou conservar a biodiversidade, assim como, também, resguardar a estabilidade e o equilíbrio natural de diversos ecossistemas.

Além das Unidades de Conservação (UCs), que possuem áreas delimitadas e podem ser de uso restrito e de uso sustentável, existem outros mecanismos que contemplam a conservação de áreas dispersas e que rebatem na unidade produtiva. Duas categorias são mais conhecidas: Reserva Legal (RL) e Áreas de Preservação Permanente (APPs). Em todas essas tipologias a lógica que perpassa a inserção do tema preservação e conservação está relacionada à exclusão de áreas e pouco se relaciona essa perspectiva com uma concepção mais ampla de manejo sustentável dos ecossistemas, inclusive considerando o recorte da propriedade rural.

Segundo o Código Florestal (Lei nº 4777/65), a APP é uma “área (...) coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas”. Dentre as áreas consideradas de Preservação Permanente, como as diversas formas de vegetação que asseguram a não erosão das terras e a proteção de dunas, por exemplo, destacam-se as matas ciliares ou ripárias que são encontradas nas margens de cursos de rios ou córregos, nas ribanceiras de lagos ou represas, bem como, nas superfícies de inundação, chegando até as margens do corpo d'água e áreas de encosta e topos de serras.

A importância das matas ciliares é indiscutível para o meio ambiente, pois são sistemas que funcionam como reguladores do fluxo de água, sedimentos e nutrientes entre os terrenos mais altos da bacia hidrográfica e o ecossistema aquático. Contudo, as áreas de ocorrência das matas ciliares foram bastante alteradas pelo processo de ocupação histórico do semiárido, correspondendo a locais próprios para agricultura pela proximidade com a água, de acesso aos animais, etc. Mas, além das áreas que margeiam os cursos d’água, aquelas com declividade acentuada também entram na categoria de APPs e sofrem pelo não cumprimento da legislação, tendo como desdobramento o agravamento da erosão laminar, que arrasta o horizonte agrícola do solo e muitas vezes evolui para erosão em sulcos e voçorocas (CAVALCANTI et al 2008).

A categoria Reserva Legal foi criada pelo Código Florestal, a partir da Lei 7.803, de 18 de julho de 1989, que no Art. 16 § 2º diz que “a reserva legal, assim entendida a área de, no mínimo, 20% (vinte por cento) de cada propriedade, onde não é permitido o corte raso, deverá ser averbada à margem da inscrição de matrícula do imóvel, no registro de imóveis competente, sendo vedada, a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, ou de desmembramento da área”.

A Lei abre exceção para as propriedades entre 20 e 50 ha, nas quais, para efeito de delimitação do referido percentual da RL, podem ser considerados “além da cobertura florestal de qualquer natureza, os maciços de porte arbóreo, sejam frutíferos, ornamentais ou industriais”. Contudo, existe grande polêmica sobre o assunto e dificuldades de absorção dessa categoria por parte dos produtores rurais que, por sua vez, continuam sendo a principal via para a conservação dos remanescentes de mata nativa nas propriedades. Em outras palavras, a perspectiva de proteção depende da decisão dos produtores rurais nas suas relações cotidianas com o planejamento das atividades produtivas (CAVALCANTI et al, 2008).

De acordo com JOELS (2002, p. 6), tomando-se por base o conceito de conectividade e nodos de biodiversidade, a reserva legal torna-se um elemento fundamental para a manutenção da biodiversidade e da produtividade dos agroecossistemas.

As discussões sobre APP e RL poderiam entrar na aplicação do conceito de sustentabilidade no uso dos recursos naturais e numa visão mais sistêmica das unidades produtivas, vistas em sua inserção local e regional. Contudo, parece haver entraves nessas discussões e na apreensão do papel da vegetação nativa no equilíbrio dos ecossistemas e dos agroecossistemas. Talvez um dos elementos explicativos seja o padrão convencional dado às atividades agropecuárias, para as quais a vegetação representa um obstáculo a ser transposto.

Diante de todo o exposto, propõem-se como soluções consentâneas para conduzir a sustentabilidade da caatinga e o uso sustentável de seus recursos:

    Atualmente, desenvolver de forma sustentável tornou-se o mais célebre desejo da sociedade vigente. O grande desafio é encontrar não apenas formas de uso do ecossistema da Caatinga que assegurem a sua conservação, mas, também, que estas formas possam ser capazes de ofertar uma estabilidade de bens e serviços, a custos competitivos, para um mercado cada vez mais exigente e dinâmico.

    Por fim, sabe-se que o homem é o principal responsável pela deterioração da caatinga e de seus recursos naturais, cabendo a ele próprio reverter este processo privilegiando propostas de autogestão e de desenvolvimento sustentável, pois o homem tem tornado a Natureza numa passiva fornecedora de recursos naturais, onde “os lucros” obtidos das atividades econômicas justificam os meios para obtê-los.


    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    BRASIL, Presidência da República. Lei N° 4.771 e Lei N° 7.803. Brasília: Casa Civil, 1989.

    CAMPELO, Francisco Barreto et al. Diagnóstico Florestal da Região Nordeste. IBAMA: PNUD, 1999. (Boletim técnico 2).

    CAVALCANTI, Edneida Rabelo. ARAUJO, Natália Farias de.  Agricultura Familiar e a Perspectiva de Conservação da  Caatinga.

    Núcleo de Gestão Ambiental da Fcap/UPE. II SEMILUSO - Seminário Luso-Brasileiro Agricultura Familiar e Desertificação. 2008.

    GERAQUE, Eduardo Augusto. As Ricas Caatingas. Revista: Scientific American Brasil. Junho, 2004. Pg 24 a 33.

    JOELS, Liliane Miranda. Reserva Legal e Gestão Ambiental da Propriedade Rural: um estudo comparativo da atitude e comportamento de Agricultores Orgânicos e Convencionais do Distrito Federal. Mar. 2002. Disponível em: <www.planetaorganico.com.br/trabjoels2.htm>. Acesso em 25 de janeiro de 2007.

    LEAL, R. Inara; SILVA, José Maria C.; TABARELLI, Marcelo; LACHER JR., Thomas E.. Mudando o rumo da conservação da biodiversidade da Caatinga no Nordeste do Brasil. Megadiversidade, Vol. 1, N. 1, jul, 2005.

    MAGALHÃES, Antônio Rocha. Alternativas para o semi-árido: desenvolvimento sustentável. In: SOUZA FILHO, Francisco de Assis; MOURA, Antônio Divino (Org.). Memória do Seminário natureza e sociedade nos semi-áridos. Fortaleza: BNB, Funceme, 2006. pp. 301-312.

    VEIGA, José Eli. A emergência socioambiental. São Paulo: Editora Senac, 2007.

    Recebido em 07/05/2012
    Aceito em 30/06/2012

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