ACIDENTES COM ANIMAIS PEÇONHENTOS: SABERES LOCAIS E MEDICINA POPULAR EM
COMUNIDADES RURAIS DA CIDADE DE UIRAÚNA-PB
Vitor Candido de Costa Fernandes
Graduado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). E-mail: vitor.fla90@hotmail.com.José Deomar de Souza Barros
Licenciado em Ciências com habilitação em Biologia e em Química pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Especialista em Agroecologia pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Especialista em Ensino de Química pela Universidade Regional do Cariri (URCA). Mestre e Doutor em Recursos Naturais pela UFCG. Professor da Unidade Acadêmica de Ciências Exatas e da Natureza – CFP/UFCG. E-mail: deomarbarros@gmail.com.
Resumo: Os acidentes com animais peçonhentos no Brasil são considerados um problema de saúde pública. As populações humanas que residem na zona rural recorrem muitas vezes ao conhecimento tradicional para o tratamento das pessoas que sofrem acidentes com estes animais. Esse tratamento dar-se-á por meio do uso de plantas e partes de animais. Esta pesquisa teve como objetivo investigar a ocorrência de acidentes envolvendo animais peçonhentos e a utilização da medicina popular, na zona rural da cidade de Uiraúna-PB. A pesquisa foi realizada no período de 1º de novembro de 2014 a 11 de abril de 2015. Foram selecionadas dez comunidades rurais, utilizando-se uma amostra randomizada de 53 pessoas. A coleta de informações foi feita por meio de registro com a utilização de questionários e entrevistas. Para isto, foi utilizado o registro manual dos depoimentos e a gravação em áudio para transcrição posterior. Os resultados obtidos indicam que os entrevistados possuem uma baixa renda familiar; classificam os animais peçonhentos como animais venenosos; e referem-se às serpentes como animais que possuem peçonha. Quando perguntados sobre quais animais peçonhentos conheciam, todos os entrevistados afirmaram conhecer: serpente, aranhas e escorpiões. Todos os entrevistados afirmaram já ter se deparado com algum animal peçonhento, apresentando diversas reações, sendo matar o animal a principal. A maioria dos entrevistados afirmou perceber a diminuição destes animais com o passar do tempo. Segundo relato dos entrevistados, os ataques ocorreram durante as atividades laborais. Dos entrevistados que sofreram ataques, a maioria fez uso do conhecimento tradicional para tratamento das enfermidades. Os dados coletados apontam que o aparecimento de animais peçonhentos e que ataques por estes animais ocorrem frequentemente na zona rural da cidade supramencionada, e revelam, ainda, que a utilização da medicina popular para o tratamento das pessoas acometidas é bastante comum naquela região.
Palavras-chave: Acidentes. Animais peçonhentos. Conhecimento tradicional.
ACCIDENTS with VENOMOUS ANIMALS: LOCAL KNOWLEDGE AND FOLK MEDICINE IN RURAL COMMUNITIES IN THE MUNICIPALITY OF uiraúna, STATE OF PARAÍBA, BRAZIL
Abstract: Accidents with venomous animals are considered a public health problem in Brazil,human populations that reside in rural areas often turn to traditional knowledge for the treatment of the people affected,such treatment involves the use of plants and parts of animals. The aim of the present study was to investigate the occurrence of accidents involving venomous animals and the use of folk medicine in rural communities in the municipality of Uiraúna in the state of Paraíba, Brazil. Between November 1st, 2014 and April 11th, 2015, ten rural communities were selected for a survey of a random sample of 53 individuals. Data were collected through the administration of questionnaires and interviews, involving annotations and audio recordings for subsequent transcription. The obtained results indicate that the interviewees have a low family income, classified venomous animals as poisonous, and refer to snakes as poisonous animals. When asked which venomous animals they knew, all interviewees listed snakes, spiders and scorpions and all reported having previously come across venomous animals, exhibiting different reactions, the most common of which was killing the animal. The majority of the interviewees reported perceiving a reduction in the occurrence of these animals over time. According to the reports, the accidents occurred during labor activities and the majority of interviewees attacked made use of traditional knowledge for treatment. The present findings demonstrate that venomous animals appear regularly in rural areas of the municipality investigated, with the frequent occurrence of attacks by these animals as well as the use of folk medicine for the treatment of the people affected.
Keywords: Accidents. Venomous animals. Traditional knowledge.
INTRODUÇÃO
Animais peçonhentos são aqueles que produzem ou alteram algum veneno e, além disso, possuem a capacidade de injetá-lo em outro ser vivo, ou seja, apresentam um aparelho especializado para inoculação do veneno na presa ou no predador. No Brasil, os principais agressores são algumas espécies de serpentes, escorpiões, aranhas, abelhas, entre outros (SOUSA; ALVES; XIMENES NETO; BRAGA, 2015).
Os acidentes com animais peçonhentos podem ocorrer por diversas causas, como os ritmos biológicos e a natureza das atividades humanas (FONSECA; RODRIGUES; SOUSA; MOURA; BEZERRA, 2009). Na zona rural, esses acidentes têm aumentado, principalmente, em decorrência das alterações antrópicas no meio ambiente. Essas mudanças têm reduzido a disponibilidade de habitats naturais, o que tem contribuído para aumentar o contato desses animais com as pessoas que residem no campo (OLIVEIRA; COSTA; SASSI, 2013; RITA; SISENANDO; MACHADO, 2016; BOCHNER; STRUCINER, 2004).
No Brasil, encontra-se uma relevante diversidade de animais de interesses médicos. Os principais animais peçonhentos no país são as serpentes, escorpiões e aranhas. Estes animais podem estar presentes em diversos tipos de ambientes. No caso de ocorrência de acidentes, são necessárias uma avaliação clínica minuciosa e a administração do soro compatível com o tipo de envenenamento e com o estado clínico do paciente (PARISE, 2016).
O desenvolvimento das atividades agropecuárias sem a utilização dos equipamentos de proteção individual acentua os riscos de exposição aos animais peçonhentos, aumentando, assim, as possibilidades de acidentes com esses animais (LIMA; VASCONCELOS, 2006). Na zona rural do nordeste do Brasil, os acidentes com animais peçonhentos são comuns. Geralmente, os trabalhadores rurais recorrem ao saber local para o tratamento imediato das pessoas acometidas pelos ataques. Este conhecimento construído e transmitido de geração em geração, chamado de medicina popular, considera um sistema holístico de cura, envolvendo a fitoterapia, medicina religiosa, zooterapia, entre outros. Conhecimentos adquiridos na experiência prática e observação, transmitido de forma escrita e/ou oral (OLIVEIRA; COSTA; SASSI, 2013; PASA, 2011).
O conhecimento tradicional utilizado no tratamento das doenças constitui um campo amplo para as pesquisas científicas, tendo em vista a diversidade biológica e dos conhecimentos historicamente construídos no Brasil. Neste aspecto, o presente estudo teve por objetivo investigar a ocorrência de acidentes envolvendo animais peçonhentos e a utilização da medicina popular, na zona rural da cidade de Uiraúna-PB.
Procedimentos Metodológicos
Esta pesquisa foi realizada no período de primeiro de novembro de 2014 a onze de abril de 2015. As investigações tiveram como lócus algumas comunidades rurais do Município de Uiraúna-PB. Foram selecionadas, aleatoriamente, por meio de sorteios, 06 comunidades rurais. As comunidades selecionadas foram as seguintes: Olho D’água Seco, Arrojado, Siriema, Estrema, Quixaba, Bujary, Capivara, Pocinhos, Tamandaré e Turim.
Classificação da pesquisa
Com o objetivo de nortear o delineamento da pesquisa, foi feita a sua classificação em conformidade com Barros e Silva (2010). Do ponto de vista de sua natureza, trata-se de uma pesquisa aplicada; quanto à abordagem do problema, trata-se de uma pesquisa tanto qualitativa quanto quantitativa; em relação aos objetivos, é classificada como descritiva; e quanto aos procedimentos técnicos, trata-se de um levantamento.
Sujeitos da pesquisa
Foram selecionados, por meio de uma amostragem aleatória simples, atores sociais residentes nas comunidades rurais anteriormente citadas. Após seleção das residências, foram efetivamente incluídas no estudo as famílias cujas casas estivessem abertas por ocasião da visita dos pesquisadores e que tivessem um responsável adulto disponível para responder o formulário, além de aceitar participar voluntariamente da pesquisa. Ao todo, foram entrevistados 53 atores sociais.
Instrumentos de coleta de dados
A coleta de informações foi feita por meio de registro com a utilização de um formulário aplicado na forma de entrevistas. As entrevistas foram realizadas utilizando-se como instrumento de coleta de dados um formulário semiestruturado, com questões objetivas e subjetivas. A referida pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), CAAE 43025115.0.0000.5575. Nas investigações foi utilizada a transcrição manual dos depoimentos e gravação em áudio para transcrição posterior.
No formulário constavam indicadores relativos aos aspectos socioeconômicos (indispensáveis para conhecer melhor o público alvo da pesquisa) e aspectos relacionados aos acidentes por animais peçonhentos e medicina popular.
Análise dos dados
Conforme Barros e Silva (2010), para os dados quantitativos foram utilizados: estatística descritiva, calculando-se os valores da média, moda e porcentagem. Já os dados qualitativos foram analisados por meio da categorização das respostas dos entrevistados.
Resultados e Discussões
Aspectos socioeconômicos
Após análise dos resultados, verificou-se que a maioria dos entrevistados é do sexo masculino (64,15%) e 36,85% do sexo feminino. Resultados semelhantes foram encontrados por Barros, Chaves e Farias (2014), quando analisaram os aspectos socioeconômicos, na microbacia hidrográfica do riacho Val Paraíso, localizada no Sertão paraibano, observando uma elevada diferença de gêneros referente aos chefes de família, sendo 77,9% do sexo masculino.
A médiae idade dos entrevistados ficou em 50,15 anos, tendo o entrevistado mais velho 77 anos e o mais novo 35 anos. Aproximando-se dos resultados encontrado por Barros et al. (2014), onde todos os entrevistados apresentaram idade acima de 25 anos, dos quais 20,6% possuíam mais de 66 anos, concluindo-se, assim, que a ausência de atividades rentáveis na região faz com que os mais aptos migrem, permanecendo apenas idosos e crianças.
Quanto à escolaridade, a maioria (56,60%) frequentou o ensino médio (Figura 01).
Figura – 01: Nível de escolaridade dos entrevistados
Fonte: Dados da pesquisa.
Tais números discordam drasticamente dos encontrados por Oliveira, Barros e Silva (2012), ao realizar uma investigação em Cachoeira dos Índios – PB, onde o autor encontrou uma taxa de 70% de analfabetos.
Mais da metade dos entrevistados (54,71%) afirmou ter uma renda mensal de até dois salários mínimos; 30,18% indicaram possuir uma renda de até um salário mensal; 11,32% acima de dois salários mínimos e 3,79% não souberam ou não quiseram informar a renda mensal da família. Oliveira, Barros e Silva (2012), ao analisar a percepção dos agricultores sobre desertificação e degradação ambiental no município de Cachoeira dos Índios/PB, constataram que 80% das famílias possuíam uma renda mensal inferior a um salário mínimo.
Aspectos relacionados aos acidentes por animais peçonhentos e medicina popular
A região semiárida está muito susceptível ao aparecimento de animais peçonhentos. Segundo Lima, Martelli Júnior, Martelli, Silva, Carvalho, Canela e Bonan (2009), esta região agrega exposição e fatores de risco para o surgimento destes animais e, provavelmente, um possível ataque a seres humanos. Desta forma, torna-se importante conhecer a biologia e o comportamento destes animais, principalmente, por parte de pessoas que têm contato direto com o campo.
Ao serem questionados sobre o que são animais peçonhentos, a maioria dos entrevistados, 94,33% afirmou se tratar de animais venenosos e 5,66% não souberam responder. Esse fato torna-se um dado preocupante tendo em vista a dificuldade dos moradores em diferenciar os animais peçonhentos dos venenosos, o que pode prejudicar a prevenção dos acidentes. Conforme Moreira (2014), existe uma diferença entre peçonha e veneno, sendo a peçonha produzida por glândulas de animais e injetadas nas vítimas através da pele, já o veneno pode ser produzido por plantas e animais e a toxina pode ser ingerida tanto por vias digestórias quanto respiratórias.
Ao serem perguntados sobre que animais eles conheciam como peçonhentos a maioria dos entrevistados sugeriu mais de um animal. As serpentes foram citadas em 100% das entrevistas, ou seja, 53 vezes; seguidas das aranhas que foram citadas 36 vezes e dos escorpiões com 34 citações; 1 entrevistado afirmou que abelhas são animais peçonhentos e 15 citaram outros animais.
Quanto ao encontro com animais peçonhentos, todos os entrevistados afirmaram já terem se deparado com, pelo menos, um animal. Na figura 02, são apresentados dados relativos à frequência absoluta dos encontros com diferentes tipos de animais peçonhentos.
Figura – 02: Frequência absoluta dos encontros com animais peçonhentos
Fonte: Dados da pesquisa.
Os resultados anteriormente expostos indicam que a maioria dos entrevistados considera as serpentes como animal peçonhento, certamente, pelo perigo que o animal representa para denominá-lo como peçonhento, deixando assim animais como abelhas fora da lista de animais venenosos. Desta forma podemos observar no gráfico que apenas um entrevistado afirmou ter se deparado com abelhas durante as entrevistas, mostrando assim que os demais não consideram estes animais como peçonhentos.
o se depararem com este tipo de animal, os entrevistados tiveram diversas reações, sendo que muitos, dependendo do animal e da quantidade de encontros, esboçaram mais de uma reação, como mostra a tabela 1:
Tabela – 01: Reações dos entrevistados ao encontrarem animal peçonhento
Fonte: Dados da pesquisa.
A preferência por matar o animal pode acontecer devido à carência de conhecimento acerca da importância das espécies para manutenção da dinâmica ecológica da região, como acrescenta Salles e Cunha (2007), afirmando, ainda, que por matarem estes animais as pessoas causam um desequilibro ecológico, visto que estas espécies são relevantes para manutenção do equilíbrio ambiental.
Pode-se considerar que esta matança vem reduzindo o número destes animais ao longo dos anos, oitenta por cento dos entrevistados concordaram com este fato, ao serem questionados. Alguns apontaram o avanço da população como principal responsável, assim como indicado no trabalho de Oliveira, Costa e Sassi (2013), no qual 57,4% dos entrevistados afirmaram perceber a diminuição de animais peçonhentos, principalmente, pela matança. Porém, os demais entrevistados afirmaram ter notado um aumento ou não notar diferença alguma no número de animais. Percepção que pode ser explicada por Moreira (2014), quando argumenta que o homem vem invadindo o ambiente destes animais com o aumento do desmatamento, desenvolvimento de áreas de plantio e urbanização, fazendo com que os mesmos invadam ou cheguem próximo das residências. De modo geral, todos os entrevistados afirmaram existir uma notável redução dos casos de ataques por animais peçonhentos, com o passar dos anos.
Quando perguntados sobre a ocorrência temporal dos ataques por animais peçonhentos, a maioria dos entrevistados (70%) indicou que os acidentes são antigos, ocorridos com pessoas da família, os demais entrevistados informaram que os acidentes ocorreram no passado e atualmente. Concordando assim com Oliveira, Costa e Sassi (2013) quando diz que 33,6% dos entrevistados afirmaram que os casos são antigos, e 24,6% afirmaram que os acidentes acontecem sempre.
A minoria dos entrevistados (30,18%) afirmou ter sofrido algum acidente com animais peçonhentos e/ou alguma pessoa da família, enquanto que 69,81% afirmaram nunca terem sofrido ataque de algum animal peçonhento, diferente do observado por Oliveira, Costa e Sassi (2013), quando afirmou que 89,3% dos entrevistados afirmaram já ter sofrido acidente com animal peçonhento. Dos que sofreram ataque, 87,5% das vítimas eram pessoas do sexo masculino, resultado que confirma o estudo de Lima et al. (2009), que encontrou uma taxa de 53,1% dos ataques em pessoas do sexo masculino, ao observar o perfil dos acidentes ofídicos, no norte do estado de Minas Gerais, e confirma, também, o estudo de Pinho et al. (2004), que encontrou uma frequência de 78,5% dos ataques em pessoas do gênero masculino. Uma das explicações para a maioria das vítimas deste tipo de acidente ser do sexo masculino talvez seja a predominância da mão de obra masculina no trabalho no campo, local susceptível a este tipo de evento. Esta explicação encontra suporte em Rojas, Gonçalves e Almeida-Santos (2007), quando avaliou esta questão. Objetivando caracterizar o quadro dos acidentes ofídicos na região noroeste de São Paulo, o autor constatou que as circunstâncias dos eventos mostravam que 56% dos agravos ocorreram durante atividade relacionada ao trabalho no campo.
Os percentuais dos ataques por animais peçonhentos, segundo relato dos entrevistados, são apresentados na figura 03:
Figura – 03: Percentual de ataques por animais peçonhentos
Fonte: Dados da pesquisa.
Como pode ser observado na figura acima, prevalece a predominância de ataques de serpentes, assim como em Oliveira, Costa e Sassi (2013) que, no seu estudo, ainda apontou abelhas e marimbondos entre os principais animais envolvidos nestes ataques. Porém, em nenhuma entrevista houve caso de óbito na família, diferente de Oliveira, Costa e Sassi (2013), que registrou cinco óbitos na sua pesquisa.
Dentre as serpentes apontadas nos ataques, foram identificadas 9 espécies, sendo 6 do gênero Bothrops (Jararaca), resultados semelhantes aos encontrados por Oliveira, Costa e Sassi (2013), e também fazendo valer sua afirmação de que este gênero tem a capacidade de se adaptar aos diferentes tipos de ambientes, podendo ser encontrado em diversos locais. Os outros tipos de serpente indicados foram os gêneros Crotalus (Cascavel) e Micrurus (Coral), igualmente encontrados na pesquisa de Oliveira, Costa e Sassi (2013). Também foram identificados dois escorpiões do gênero Tityus (escorpião amarelo) e abelha-italiana Gênero Apis, de acordo com os entrevistados. Os demais animais não foram identificados. Os animais classificados como outros consistem em formiga e lacraia/lagarta.
A maioria dos entrevistados (65%) afirmou que os acidentes ocorreram durante suas atividades, aproximando-se do encontrado por Oliveira, Costa e Sassi (2013), que observaram um percentual de 78% para esta afirmativa. Neste aspecto, a maioria dos entrevistados afirmou não utilizar nenhum equipamento de proteção contra este tipo de acidente, o que pode favorecer o alto índice de ataques durante as atividades no campo.
As partes do corpo mais susceptíveis aos ataques, de acordo com os entrevistados, são pés/pernas seguidos pelas mãos, fazendo valer os dados observados por Lima et al. (2009), nos quais 35,9% dos ataques ocorreram nos membros inferiores. Um entrevistado ainda afirmou que qualquer parte do corpo pode ser atingida.
Os meses mais quentes e chuvosos, de acordo com Moreira (2014), são os que concentram maior quantidade de ofidismo (acidentes ocasionados por serpente). Já de acordo com Silva, Tiburcio, Correia e Aquino (2005), os meses de dezembro, janeiro e fevereiro são aqueles em que ocorrem um notável crescimento no número de escorpiões, aumentando, assim, o número de acidentes. Na presente pesquisa, 70% dos entrevistados afirmaram que os ataques ocorreram no período chuvoso, concordando com os resultados encontrados por Moreira (2014), e tendo como justificativa o maior número de acidentes com serpentes, em relação aos demais.
Daqueles que afirmaram já terem sido vítima ou alguém da sua família de algum animal peçonhento, 37,5% afirmaram ter procurado ajuda médica (havendo internação em todos os casos), contrastando um pouco com os números encontrados por Oliveira, Costa e Sassi (2013), que afirmaram que 58% dos entrevistados procuraram ajuda médica. Todos os entrevistados afirmaram recomendar procura de auxílio médico para os amigos e familiares, mas apesar disto, 25% dos entrevistados afirmaram que utilizaram receitas caseiras para tratar o envenenamento, demonstrando, assim, uso da medicina popular. As receitas utilizadas foram de quatro tipos: a base de alho; casca de limão; cabelo de milho (chá) e uma variedade de folhas medicinais (folhas verdes como: couve, espinafre e agrião, que segundo entrevistados desintoxica o organismo), sendo todas estas receitas utilizadas para tratar envenenamento ocasionado por serpentes. No estudo realizado por Oliveira, Costa e Sassi (2013), também foram encontrados tratamentos com alho e com ervas e no estudo realizado por Azevedo e Kruel (2007), sobre plantas medicinais e ritualísticas vendidas em feiras livres no município do Rio de Janeiro, pode-se observar a presença do cabelo de milho. O uso destas plantas medicinais vem crescendo nas últimas décadas, assim como completa Azevedo e Kruel (2007), devido à necessidade de uma crescente população que busca uma maior diversidade e quantidade de plantas para serem utilizadas no cuidado da saúde.
O fato de cada vez mais pessoas estarem buscando métodos alternativos para alguns tipos de tratamento pode estar em consenso com o que afirma Azevedo e Kruel (2007), quando concluem que isto ocorre devido à carência de recursos dos órgãos públicos de saúde e elevados preços dos medicamentos. A Organização Mundial de Saúde estima que cerca de 80% da população mundial depende de plantas para o cuidado com a saúde e que 85% da medicina tradicional envolve o uso de plantas medicinais.
Apesar de os entrevistados que afirmaram terem feito uso de plantas medicinais garantirem o sucesso no tratamento, ainda é importante questionar os verdadeiros efeitos destes produtos no organismo, pois segundo Pinto e Maduro (2003), tais medicamentos possuem propriedades químicas ainda pouco conhecidas e, por isso, precisam ser analisadas cientificamente para o seu correto uso.
Ainda com relação aos tipos de tratamento utilizados, 18,75% optaram por cuspir no local da picada e/ou na boca da pessoa acometida, resultado que se aproxima do encontrado por Oliveira, Costa e Sassi (2013), no qual 26% dos entrevistados relataram as práticas anteriormente citadas para o tratamento das pessoas acometidas pelos acidentes envolvendo serpentes. Já 6,25% disseram mascar fumo e colocar em cima do ferimento, novamente entrando em consenso com o resultado encontrado por Oliveira, Costa e Sassi (2013), no qual 9,8% relataram o fumo para tratar o ferimento. Uma parte dos entrevistados (12,5%) afirmou não ter realizado nenhum tipo de tratamento depois de serem vitimados, talvez por não atribuírem importância ao animal, abelha e escorpião, neste caso, o que pode ser considerado uma atitude inadequada, visto que Cupo, Azevedo–Marques, e Hering (2003), em seu estudo sobre acidentes por animais peçonhentos (escorpiões e aranhas), apresentam a informação de que pessoas acometidas por picada de escorpião devem ficar sob observação hospitalar nas primeiras 4 a 6 horas após o envenenamento. Outras 12,5% das pessoas entrevistadas afirmaram terem lavado o local com água corrente, enquanto que mais 6,25% disseram que passaram álcool no local e ainda outras 6,25% colocaram pomada para queimadura sobre o ferimento. Todos os tratamentos também foram relatados na pesquisa de Oliveira, Costa e Sassi (2013), tendo todos percentuais abaixo de 8,5% em seu estudo.
Há também as crenças que fazem com que algumas pessoas utilizem partes de animais como amuletos ou medicamentos contra vários tipos de doenças, como um entrevistado que citou usar um dente de onça (que ele mesmo matou) como amuleto e outro que afirmou utilizar o chifre do boi contra mau olhado, e mais alguns que utilizam partes de animais como a banha da cascavel e do tatu-peba contra ferimentos e do teiú para dor de ouvido. A banha da cascavel e do teiú também foram citados por Oliveira (2013) em seu trabalho. A maioria dos entrevistados ainda afirmou recorrer a benzedeiras, alguns sempre e outros ocasionalmente, para tratar/evitar algum mal.
Dentre os fatores que podem estar associados a este déficit de procura por ajuda médica, por parte de alguns entrevistados, pode estar a localização geográficaem que acontecem os acidentes, locais sem acesso a postos de saúde, como afirma Albuquerque et al. (2004). Em seu estudo sobre acidentes ofídicos, na Paraíba, ele afirma que a maioria dos eventos ocorre em zonas rurais remotas, onde as vítimas não têm facilidade nos acessos aos postos de saúde.
Considerações finais
O aparecimento de animais peçonhentos na zona rural de Uiraúna/PB é bastante frequente, e ataques também ocorrem em uma significativa quantidade de ocasiões. Infelizmente, observam-se algumas atitudes de moradores que podem causar danos tanto às espécies animais quanto às próprias pessoas, como tentar matar ou afugentar o animal. A atitude de matar o animal também pode provocar alterações na dinâmica ecológica da região. Já outras vítimas tomam atitudes mais apropriadas como se afastar ou buscar ajuda, evitando assim um possível ataque.
Quanto à busca por tratamento, podemos observar que alguns dos entrevistados optam por tratamentos alternativos, principalmente, através de plantas, para curar as enfermidades. Os dados apresentados mostram a necessidade de implantação de ações do poder público e/ou sociedade civil organizada, no sentido de capacitar as pessoas para tomada de atitudes adequadas, no tocante ao encontro e/ou ataque de um animal peçonhento. Além de orientações em escolas e unidades básicas de saúde, para que as pessoas compreendam que animais peçonhentos não se restringem somente a serpentes, escorpiões e aranhas; que também estes animais participam do equilíbrio ecológico da região; além de orientações específicas para que os atores sociais possam recorrer à ajuda médica especializa, em caso de acidentes envolvendo os animais peçonhentos.
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Recebido: 06/05/2016
Aceito: 30/07/2017
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