REFLEXÕES SOBRE A FORMAÇÃO DE PROFESSORES:
DILEMAS RECORRENTES E ALGUMAS QUESTÕES EM CURSO

Eduardo Antonio de Pontes CostaDoutor em Educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Mestre em Ciências da Saúde pela Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP) da Fundação Oswaldo Cruz. Graduado em Psicologia pela Universidade Federal da Paraíba. Professor Associado do Departamento de Metodologia da Educação do Centro de Educação da Universidade Federal da Paraíba. E-mail: eduapcosta@gmail.com.


Resumo: O presente texto apresenta para debate reflexões sobre os desafios que atravessam a formação de professores para a educação básica. Procura situar aspectos advindos das inovações técnico-científicas e do mundo do trabalho quando demandam modos de se constituir professor a partir do discurso da competência e da habilidade. Aponta para alguns limites nas políticas educacionais de formação docente quando essas mesmas políticas tentam articular uma profissionalização baseada na qualidade dos futuros professores que, em termos estruturais, apresentam impactos frágeis no sentido de enfrentar uma formação consolidada ainda que o que esteja em causa seja a democratização e a igualdade do acesso ao ensino. Por fim, indica algumas questões para pensar possíveis mudanças na formação cujo ponto fulcral é a afirmação de uma política de valorização docente face às variações do mundo do trabalho.
Palavras-chave: Formação docente. Política. Competência. Novas tecnologias.

REFLECTIONS ON TEACHER TRAINING:
RECURRENT DILEMMAS AND SOME ONGOING ISSUES

 

Abstract: This paper presents for discussion, reflections on the challenges that go through the training of teachers for basic education. Seeks to place issues arising from the technical and scientific innovation and the world of work when demanding ways to provide teacher from the discourse of competence and skill. In this sense, points to some limits in educational training policies for teaching profession, when these same policies try to articulate a professionalism based on the quality of future teachers, in structural terms, it presents fragile impacts to tackling a consolidated training, although what is concerned is the democratization and equality of access to education. Finally, it indicates some issues to think about possible changes in teacher training whose focal point is the statement of a policy of valorization in teacher formation in the face of changes put in process in the world of work.
Keywords: Teacher education. Policy. Competence. New technologies.

INTRODUÇÃO

Em uma certa análise sociológica para pensar a educação na sociedade brasileira, Florestan Fernandes (1964) irá caracterizar o que ele passaria a denominar de “o dilema educacional brasileiro”, marcado este pelas condições de subdesenvolvimento do país. Sua análise indica que esse “dilema” é constituído de pólos negativos, que seriam a confluência de instituições onerosas e dos meios de intervenção insuficientes para equacionar, face aos estabelecimentos de ensino dispendiosos, as unidades de um trabalho didático, uma fração de um sistema comunitário de instituições sociais conectadas à vida social e uma parte de um sistema nacional de vida que promovesse formas de inclusão social.

Por essa ordem de argumento, pode-se indicar um aspecto comum e correspondente ao “dilema educacional brasileiro”, na condição de país não mais subdesenvolvido, mas “emergente”, que passa, certamente, pela seguinte questão: como pensar uma política pública, em específico, direcionada à formação de professores que possa dialogar, ancorada na diversidade de sujeitos e de lugares, com diferentes e variadas demandas concretas existentes na realidade social e cultural brasileira? E, paradoxalmente, marcada, essa mesma realidade social e cultural, pela permanência dos “vícios estruturais”, segundo afirma Furtado (1964), que não permitem a transformação da realidade social produzida nas incertezas, na pobreza, na ausência de horizontes humanos.

A ênfase nas políticas de formação de professores, ao impor a necessidade de promover ações formativas e contínuas, com forte expressão frente aos avanços técnico-científicos, depara-se com o imperativo de ajustar conteúdos qualitativos e quantitativos na aquisição de conhecimento, no sentido de propor corresponder a expansão da educação como resposta à demanda social. Por outro lado, Silva (1999, p. 82-83) analisa que: “A reivindicação de igualdade não pode ser equacionada, aqui, simplesmente como mais acesso ao conhecimento, mas como acesso ‘qualificado’ a esse tipo de conhecimento”.

As exigências formais e educacionais inscritas no mundo do trabalho demandam outros modos de produção de sociedade e de sujeito. Na medida em que as transformações técnico-científicas vão substituindo e introduzindo outros perfis e expectativas no mercado de trabalho formal, as políticas de formação docente inauguram, nas esferas de Estado, ações, projetos e programas de intervenções cujo objetivo busca adequar a escola e o trabalhador diante das mudanças colocadas na natureza do trabalho capitalista e de cunho neoliberal.

Nesse contexto, a formação de professores no Brasil defronta-se com um duplo dilema frente às inovações do processo produtivo: promover ações que garantam a inserção e a permanência dos futuros professores nos cursos de licenciatura, cujo predicado possa assentar-se à tão propalada qualificação profissional. E, de forma correspondente ao primeiro, não aprofundar a distância entre uma formação qualificadora, inventiva e criativa, baseada nas necessidades conceituais importantes para compreender o complexo processo de formação docente. “Complexo” no sentido da irrupção das transformações sociais advindas do mundo do trabalho, produtoras estas de efeitos intensos nos novos modelos de sociedade e de homem, cujo “sabor amargo” das inquietações da vida contemporânea é um indicador do que Bauman (1998) denomina “o mal-estar da pós-modernidade”.  E também a complexidade que constitui e atravessa as salas de aula, a relação entre professor-aluno, as condições estruturais das escolas etc.

 

A complexidade do trabalho dos profissionais da educação está diretamente relacionada com os desafios da educação, especialmente a escolarizada, objeto destas reflexões. [...]. De fato, não existem relações de causa-consequência a serem abordadas linearmente. São muitos os fatores a considerar, alguns mais próximos, outros mais remotos, alguns dependentes de leis, de políticas institucionais, outros, de concentração de esforços e de vontades (VIEIRA, 2007, p. 187).

 

Um olhar para a história da educação no Brasil, na tentativa de equacionar as contradições históricas que produzem o duplo dilema, nos dias de hoje, é situar a discussão tomando como referente o lugar da formação docente frente a três aspectos, intimamente relacionados: às inovações técnico-científicas, às mutações no mundo do trabalho e à produção de subjetividade ancoradas nas noções de tempo e espaço postas nos projetos de curto prazo (SENNETT, 2007). Sabe-se que esses aspectos traduzem as novas formas de inclusão social, baseadas nas virtudes democráticas e cidadãs através das políticas de acesso e permanência na escola. Com efeito, e na condição de país signatário, tal contexto acaba por produzir uma certa preocupação do Estado brasileiro com a universalização de uma educação pública de qualidade. Nesse sentido, e pela perspectiva da democratização do ensino, há ofertas e um desenvolvimento expressivo de produzir meios e condições de acesso, em específico, à formação de professores, ao mesmo tempo, paradoxalmente, em que o magistério se configura como uma trajetória incerta para os futuros regentes (FREITAS, 2007).

Diante de situações de mudanças e de transição na história da educação brasileira, a formação de professores para os anos iniciais passou por várias transformações, implicando novas atribuições ao trabalho docente. O primeiro modelo de formação foi o da Escola Normal que começou no século XIX, permanecendo até meados dos anos 1970. E quais modelos já foram adotados? E os seus efeitos para a formação docente?

Com a reformulação da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), Lei nº 4024, de 1961 (BRASIL, 1961), tem-se a Lei nº 5692 de 1971 (BRASIL, 1971), cujas diretrizes indicavam, em específico, que o ensino médio deveria ter como característica a profissionalização. A ideia era qualificar os jovens, expressivamente pobres e trabalhadores, para o trabalho. Na lei de 1971, havia um dispositivo sobre a formação de professores que iriam atuar no ensino primário. No art. 30, alínea “a”, exigia-se como formação mínima para o exercício de magistério, na modalidade normal, no ensino de 1º grau, da 1ª à 4ª séries, habilitação específica de 2º grau. É oportuno indicar que, do ponto de vista histórico, a formação para o magistério dava-se na escola normal, e era direcionada para a formação de professores que iriam atuar nos anos iniciais. As questões didático-pedagógicas – como ensinar e o que ensinar – fundamentavam uma formação construída e articulada com a escola. Por este ângulo, a formação de professores foi reduzida a uma habilitação fragmentada, configurando uma precariedade importante para o ensino primário.

A Lei 9394/1996 (BRASIL, 1996), atual LDB, ao trazer diretrizes e propostas para a formação de professores, aponta que o docente deverá ter o curso superior para atuar na educação básica. Daqui em diante, no contexto do discurso empresarial, das novas tecnologias, quais efeitos emergem dessas transformações para os cursos de formação de professores? Permeada essa mesma formação, em particular, por uma lógica da competitividade, da concorrência, de uma educação entendida como um bem de consumo, como pensar em uma formação que problematize a lógica do processo produtivo na sociedade capitalista? Em que medida é possível promover ações que qualifiquem as metodologias e as práticas de ensino na formação do professor? E a articulação da formação com a escola pública?

Silva (1999, p. 81) adverte que uma “característica central das transformações envolvidas no novo capitalismo é seu caráter claramente totalitário”. Portanto, o objetivo da presente escrita, partindo de uma pesquisa bibliográfica, é polemizar as políticas educacionais direcionadas ao magistério, no capitalismo contemporâneo, no sentido de trazer para o debate contribuições sobre as contradições, os “limites pedagógicos” ainda recorrentes no processo de escolarização do futuro professor.

Na tentativa de responder ao objetivo proposto e procurando estabelecer conexões com ideias/reflexões que atravessam modos de pensar sobre formação docente, política, competência e novas tecnologias, num primeiro momento desse artigo, privilegia-se a formação docente e suas trajetórias des/contínuas, buscando mostrar como os saberes-fazeres pedagógicos, ancorados nas linguagens da competência, da habilidade e na irrupção de um novo reordenamento das políticas de formação de professores, vão tornando-se hegemônicos nas políticas públicas. Num segundo momento, evidencia-se pontos fulcrais na educação brasileira que ainda reafirmam territórios de exclusão, efeitos da desigualdade estrutural no Brasil, e com ênfase na formação docente. E, finalmente, aponta-se para questões problematizadoras no campo da formação de professores, em especial, para as que pretendem tensionar a formação como política educacional frente aos imperativos do capitalismo contemporâneo, e à lógica neoliberal de mercado.

 

A formação docente e suas trajetórias des/contínuas
Nos anos 1990 e no contexto de situação igualmente insatisfatória e paradoxal, dois paradigmas estruturam e definem novos modos nos saberes-fazeres pedagógicos do trabalho docente. O primeiro define-se por linguagens ancoradas nos saberes do sujeito da competência e da habilidade. Pelo seu viés mercadológico e utilitarista, estaria reproduzindo e colocando em circulação os pressupostos da neutralidade científica e os da eficácia e eficiência no Brasil nos idos 1970 – da pedagogia tecnicista-renovadora? A hipótese é a de que, com o investimento mais intenso na formação do trabalhador, não há necessariamente uma “tomada de consciência” do futuro professor. Nesse novo padrão de produção de subjetividade, inclusive, reproduzida nas condições históricas do desprestígio e da desvalorização da carreira docente, Freitas (2007, p. 143) assinala que: “Um projeto educativo em nosso país certamente poderia construir-se para enfrentar, na positividade de suas contradições, a profunda crise estrutural da educação que vem se arrastando há décadas”.

A partir da atual LDB, nos currículos das licenciaturas, discursos e enunciados, cada vez mais homogêneos, evocam as funções do sujeito competente e habilidoso. Da escola à universidade, da forma-sujeito touch screen aos movimentos de resistência, do tecnicismo ao neotecnicismo, da “triangulação papai-mamãe-filho” às diferentes formas de constituir “famílias” em tempos contemporâneos, da “crise da escola”, as palavras de ordem da competência e da habilidade instituem-se como norma e normalização da vida. Nesse sentido, o que se propõe aqui é assinalar a inscrição das práticas pedagógicas específicas que irão produzir e balizar determinadas relações do professor consigo mesmo.

 

[...] os sujeitos não são posicionados como objetos silenciosos, mas como sujeitos falantes; não como objetos examinados, mas como sujeitos confessantes; não em relação a uma verdade sobre si mesmos que lhes é imposta de fora, mas em relação a uma verdade sobre si mesmos que eles mesmos devem contribuir ativamente para produzir (LARROSA, 2008, p. 54-55).

 

Outra questão importante, e relacionada ao segundo aspecto, remete à irrupção de um novo reordenamento das políticas de formação de professores que, a partir do receituário das agências internacionais de fomento e de insumos educacionais como as do Banco Mundial, buscam promover a democratização do ensino com o discurso empresarial de elevação da escolaridade e dos problemas de conteúdos pedagógicos e específicos na prática docente. Nesse véu nebuloso e de tendência “salvacionista” da educação brasileira, o que está ocorrendo hoje:

 

Dada a hegemonia da visão de mundo do novo capitalismo, é que as estratégias empresariais de gerência estão afetando diretamente a educação. As reformas educacionais conduzidas pelas políticas neoliberais têm sido alguns dos principais canais dessa transferência da lógica empresarial para o campo educacional (SILVA, 1999, p. 79).

 

Na verdade, trata-se de tentar reduzir as distorções históricas presentes na formação do professor ao longo de vários anos e, certamente, visíveis, nas escolas públicas brasileiras em que se encontram, como um qualificador para “distorção”, professores atuando na educação básica apenas com o nível médio ou com o curso de licenciatura incompleto etc. Com efeito, parte-se da noção de que, equacionando as distorções profissionalizantes, ao aliar os currículos da formação às novas demandas impingidas pelo mundo do trabalho, seja uma direção, uma “solução” exitosa para dar o tom de uma política de continuidade para os cursos de licenciatura. E que alinhar o perfil docente aos preceitos, sempre hegemônicos, do Banco Mundial com sua lógica mercantilista de educação, possa indicar que se está colocando, no discurso das agências internacionais, a escola brasileira na trilha do progresso econômico e do capital humano. Por outro lado,

 

O foco da teorização crítica no local de trabalho e no conhecimento técnico e científico sobre o trabalho tem impedido uma consideração mais ampla do processo de formação da subjetividade e da identidade. Esse foco no local de trabalho e na produção deixa de levar em consideração o complexo processo pelo qual a formação da subjetividade contemporânea está ligada, no capitalismo contemporâneo, ao campo cultural formado pela esfera de consumo (SILVA, 1999, p. 76).

 

Ter o domínio de certas competências e habilidades implica transformações e capturas, operando forças para o novo perfil de trabalhador (PAIVA, 2002). Pela visão das políticas educacionais, ao promoverem mudanças nos currículos para os profissionais da educação, determinadas verdades emergem na materialidade e na capilaridade das ações profissionalizantes. Nos espaços de formação, apesar dos esforços governamentais em processo como os vinculados às questões sociais, descortinam-se as desigualdades de conteúdos oriundas de alunos das classes populares, a emergência de novas formas de exclusão, a produção de conhecimento sendo substituída pelo saber efêmero e a-histórico, a crise do mundo de trabalho, a ausência de identidade com o magistério etc. Nessa produção de distanciamento entre os conteúdos formadores e o contexto da escola, Freitas (2011, p. 111) afirma que: “A questão que se coloca para o capital é: como instruir um pouco mais sem aumentar o grau de conscientização das classes populares?”.

Em certa medida, entende-se que, na produção fabril, o dispositivo do controle de qualidade está posto no processo de produção. E na formação inicial de professores? O tão propalado “controle de qualidade” da fábrica, nos cursos de formação docente, pela lógica da competência e da habilidade, nutre-se pelos espaços de exclusão, em particular, quando o aluno não dispõe de condições materiais para permanecer na licenciatura, ou mesmo para o seu deslocamento para as faculdades e/ou centros de educação. Sob outra perspectiva,

 

Os trabalhadores vão para a escola sabendo que, além daqueles conteúdos diluídos, da disciplina desqualificadora dos sujeitos que eles são, há um espaço do encontro a ser desentranhado, inventado em um processo de resistência e de construção (LINHARES, 2011, p. 28).

 

Além do paradigma da competência e da habilidade, o outro é o da inovação técnico-científica que remete às intensas transformações postas em movimento nas sociedades de controle. Sugere adaptações baseadas nos mecanismos e nos funcionamentos que promovam e produzam, pelo imperativo ético e moral do capitalismo e dos mercados financeiros, a autorregulação dos processos de produção contida nos discursos e enunciados da fabricação de uma forma-sujeito. Por este olhar, as capturas são mais sutis e capilares do ponto de vista das relações de saber-poder. Autorregulação e gestão sobre a vida constituem-se como dispositivos inquestionáveis nos processos tanto da formação docente quanto dos saberes-fazeres pedagógicos do professor. Convertendo-se nos critérios de mercado e da inovação técnico-científica alinhados às metas produtivas, à educação mercantilizada – competitiva e excludente, ao lucro e à corrosão do caráter.

 

Ao produzir formas eficientes de controle e de autocontrole, o novo gerencialismo cria a ilusão de que as decisões educativas estão livres de qualquer imposição, naturalizando posturas individualistas, hegemonizando soluções e resultados. Todos e cada um passam a ser vistos como problemas de gestão. Os sujeitos submetidos a um controle desse tipo são interpelados pelas práticas de governo, assumidas como escolhas próprias, autônomas. Nessa dimensão, o controle é assumido e interiorizado por cada agente (DEL PINO; VIEIRA; HYPOLITO, 2009, p. 115).

 

Nesse âmbito, a educação digital, pelo viés do “empoderamento”, toma o lugar das saídas “fáceis” para os problemas educacionais, para a “crise da escola”, dos processos avaliativos, da relação professor-aluno, das questões didático-pedagógicas, dos cursos de licenciaturas nas modalidades presencial e a distância. Do ponto de vista do acesso às mídias digitais, fortemente nos cursos a distância, busca-se promover a democratização do acesso à educação, com caráter de emergência e de perspectiva de permanência para os cursos de formação docente, ao mesmo tempo em que os conteúdos curriculares dos atuais cursos perfilam saberes quase telegráficos. Tomando-se a educação digital como legítima, não seria esta mais uma zona de exclusão frente a uma educação mercantilizada quando se condiciona, também, nos espaços virtuais de formação a competição e a concorrência?

Por essa lógica, os professores são constituídos por discursos e enunciados que evocam, na perspectiva da prescrição e da normalização, os sujeitos da meritocracia e da aptidão potencial. Os mais aptos e adaptáveis estão mais propensos ao cumprimento das metas curriculares e dos critérios de mercado, quando definem um perfil para atuar em sala de aula. Magistério, hoje, concretizado pelo trabalhador polivalente, detentor de linguagens de informática, de microeletrônica, ou seja, o que está apto para ingressar no mercado de trabalho, cada vez mais exigente e incerto. Pelo viés da corrosão do caráter, não há lugar para os saberes produzidos coletivamente. O ponto-nodal é um modo de atualizar uma forma-sujeito cada vez mais indivíduo em uma sociedade neoliberal e de controle in/visível das condutas e dos comportamentos. Conforme Silva (1999, p. 82): “A lógica econômica, empresarial, capitalista torna-se uma verdadeira e completa visão de mundo. Não se trata apenas de que tudo vira mercadoria: nós devemos pensar, sempre, em termos de mercadoria”.

Em uma certa “cultura de qualidade”, competência, habilidade e inovações técnico-científicas são os parâmetros centrais constituidores de “tomadas de consciência”. Portanto, as diretrizes curriculares nacionais para a formação de professores passam a se organizar em função dos critérios. E as novas formas de organização do trabalho pedagógico têm sua lógica derivada de um contexto social, político e econômico marcado pelas constantes crises financeiras. Paradoxalmente, esses dois paradigmas padronizadores irrompem como respostas adequadas a essas crises, o que pode explicar, em grande medida, a atualização de discursos prescritivos e normativos como os ditos prioritários para a formação docente. No processo de regulação da formação dos professores ancorado no discurso do Estado, “a regulação se impõe na responsabilização individual pelo aprimoramento profissional, produz o afastamento dos professores de sua categoria profissional enquanto coletivo e, em consequência, de suas organizações” (FREITAS, 2007, p. 154).

O que esses paradigmas colocam em evidência? Pode-se indicar alguns desafios que despontam das políticas educacionais para a formação de professores.

O primeiro diz respeito, sobretudo, ao conteúdo “mágico” que constitui discursos e enunciados sobre a prática pedagógica do professor. Quase numa perspectiva messiânica, tais políticas instauram atributos que operam à sua maneira e fazem circular verdades a partir dos dispositivos do planejamento escolar, da avaliação escolar, da didática docente, da relação professor-aluno etc. Não há lugar para recomeçar. É como se não houvesse lugar para pensar a história. O “novo” surge, sempre, como redentor do fracasso escolar, do despreparo do professor, da ineficiência da escola pública. Nesse contexto, o “novo”, portanto, se constitui como sinônimo de progresso, reinaugurando o “tempo-zero”. Collares, Moysés e Geraldi (1999, p. 216), nas análises sobre a formação continuada, vão apontar que, na aparente ambiguidade, “a descontinuidade, com seus constantes retornos ao ponto zero, ao tempo zero, é condição essencial para que possa haver o continuísmo, pelas mudanças que se destinam a manter inalteradas as relações de saber e de poder”.

O segundo aspecto é a fragmentação. A dificuldade que tem o professor de fazer relação e de contextualizar os diferentes conteúdos que contemplam os componentes curriculares de formação científica e de formação pedagógica, bem como os desdobramentos desses mesmos conteúdos na formação e na prática docente em sala de aula. Pensar teoria e prática como elementos estruturantes e contextualizadores na produção de conhecimento a partir de uma realidade específica. Nesse sentido, aqui assinala-se a importância dos estágios curriculares, bem como algumas situações paradoxais, produtoras de “impasses”, quando os graduandos da pedagogia e demais licenciaturas, em contato com as escolas, deparam-se com a ausência de um trabalho didático-pedagógico consolidado de supervisão; de articulação com o professor responsável pela disciplina; de espaços escolares, notadamente, para os cursos noturnos de licenciatura e, em específico, os de pedagogia cujo horário da educação básica, do ensino fundamental I, dá-se no período diurno. E como fica o estágio supervisionado? E a função da universidade pública frente a esses “impasses”?

Sob as aparências democráticas do consumo, assiste-se aos intensos deslocamentos postos em circulação pela ditadura dos mercados financeiros, baseados em capitais voláteis, quando, então, entra em cena o Estado mínimo para as questões sociais, e o seu oposto, o máximo, para as questões de mercado. De fato, “volátil” passa a se constituir como parâmetro para a “vida-capital”. É nesse contexto que o debate sobre a formação docente ganha, além disso, visibilidade diante da questão da fragmentação dos conteúdos formadores para o magistério. Como pensar em uma formação que escape da lógica dos mercados financeiros, dos fluxos de capitais, da cotação da bolsa de valores?

No cenário da fragmentação dos conteúdos científicos de saberes uniformizados, são evocadas “saídas” em propostas advindas das práticas interdisciplinares ou multidisciplinares, em que o diálogo possa se constituir como base para o futuro trabalho pedagógico nas escolas. Estabelecer relações entre os diversos saberes é um desafio para os currículos de formação docente e para os processos de escolarização do professor. Tentar compreender como a fragmentação dos conteúdos se produz é um desafio quando o contexto de curto prazo é hegemônico, modificando a forma como o sujeito se percebe em uma sociedade baseada por fluxos intensos de capitais que fabricam modos de trabalhar, modos de se subjetivar.

Reconhecer-se nas políticas de formação docente implica entendê-las como “tecnologias do eu” que objetivam um modo ético e estético, em particular, de se constituir professor. Pela lógica da macropolítica (DELEUZE; GUATTARI, 1996), discursos e enunciados são constituídos de sujeitos, e o caráter normativo das políticas de formação coloca em circulação determinadas verdades sobre cada um de nós. Normatizar as subjetividades é atualizar uma certa conduta moral em nós, na análise de Foucault (1994).

 

Dilemas nas marcas da formação docente
            Como superar questões na educação brasileira, no que diz respeito a uma democratização do ensino, quando aspectos da história ainda reforçam territórios de exclusão, efeitos da desigualdade estrutural? Referências importantes como a Constituição Federal de 1988, conhecida também como a Constituição Cidadã, e a atual LDB representam e materializam o esforço da sociedade civil organizada em torno das lutas pelos direitos dos brasileiros, com forte expressão para os que vivem em situação de pobreza e de extrema miséria, trabalhadores com pouca escolaridade e baixa qualificação profissional, das áreas urbanas e rurais. Assim como tais referências deparam-se com a irrupção dos “novos” movimentos sociais como os denominados Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Transgêneros (LGBTT), do Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST) etc., “na medida em que a diversidade sócio-étnico-racial, de gênero, território, campo e periferia reivindicam como coletivos seu direito à educação” (ARROYO, 2007, p. 201).

Com a universalização da educação a partir da Constituição de 1988, cuja propriedade possa indicar que o Brasil é um país republicano, as estratégias e as formas como estão sendo pensadas e organizadas a universalização do acesso e da permanência, em particular, ao ensino superior nos cursos de formação de professores são indicadores da complexa aritmética entre o quantitativo e qualidade no processo de escolarização dos futuros profissionais da educação. O que há no Brasil, portanto, é o clássico exemplo em que os formuladores das políticas educacionais tentam equacionar: atingir as causas que produzem o descompasso entre democratizar a educação e promover uma cidadania plena.

A questão desafiadora é afirmar que a escola que ainda se materializa corresponde aos imperativos éticos e morais do capitalismo, resultante do processo de concentração e de desigualdades nos espaços de formação docente. Com o alargamento do direito à educação, ao ensino, a história da educação no Brasil aponta para os processos de constituição da escola brasileira a partir da lógica de um certo modo de nivelamento que se produziu por baixo. De um lado, a escola correspondente às demandas sociais, e de outro, e de forma paradoxal, a escola como produtora de novas “zonas de exclusão” quando se pensa nos processos de ensino e aprendizagem, na relação professor-aluno, na avaliação da aprendizagem, no caráter aligeirado da formação docente, na jornada e nas condições insatisfatórias do trabalho docente:

 

As perspectivas que se descortinam para a efetivação de uma política global de formação dos educadores se revestem, sempre, de um caráter contraditório. Ao mesmo tempo são promissoras, pelo acúmulo de problemas que engendram ideias e concepções inovadoras, e desalentadoras, pelo caráter de aligeiramento e focalização que as iniciativas de políticas imprimem (FREITAS, 2007, p. 156-157).

 

Pela lógica liberal e capitalista de sociedade que, no Brasil, adquiriu traços históricos naturalizados e eternizados na “casa grande e senzala”, colocar em análise como os futuros professores estão sendo formados, em tempos contemporâneos, é polemizar a formação vinculada aos interesses do mercado financeiro e do capital internacional que, a partir dos seus modelos prontos e hegemônicos, ignoram e colocam a formação na estreita relação da educação a serviço das reformas liberalizantes.

É certo que, na complexidade que atravessa a formação para o magistério, um dado histórico permite falar, também, do desprestígio e da desvalorização da carreira docente. Como o processo de instauração do acesso à educação se promoveu por vias quase inacessíveis, o fracasso escolar e a evasão são importantes indicadores do que se entende por “vias quase inacessíveis”. Fomentar a universalização com os vícios históricos contidos nas políticas educacionais brasileiras é, talvez, localizar na educação um lócus privilegiado cuja natureza faz parte dos assuntos mercadológicos, produtivos e imediatistas e que são localizados nos processos de formação.

Do ponto de vista do aspecto qualitativo da formação, apesar dos esforços postos nos projetos de triangulação das licenciaturas e da pedagogia – ensino/pesquisa/extensão –, é oportuno afirmar que “a escola passa a operar, indistintamente, como mero fator de transmissão ou de preservação da parcela de ‘cultura’ herdada através do complexo processo de colonização” (FERNANDES, 1964, p. 417). Por esse ângulo, propor uma formação de qualidade é problematizar o sintagma “qualidade” nas trilhas da retórica de um discurso estrategicamente produzido ao longo da história da educação brasileira. “Qualidade” seria produtor de efeitos outros de recolonização da “vida capital”?

Nessa direção, Arroyo (2008) apresenta a alegoria do “assombro” diante do lugar-comum da prática pedagógica, da escola, da formação docente etc. O autor propõe, metodologicamente, o diálogo como produtor da capacidade de assombrar-se. E ele diz:

 

Por exemplo, as monótonas e repetitivas políticas para os diversos-desiguais se alimentam do monótono e repetitivo discurso sobre formar competentes docentes para eliminar a repetência, a defasagem, o fracasso, a baixa qualidade e o desempenho comprovado em provinhas e provões oficiais. Esse monótono e repetitivo discurso sobre educação, escola e a diversidade-desigualdade perdeu a capacidade de assombro político e pedagógico. As políticas de formação atreladas a esse discurso perderam apelo. Até para a docência (ARROYO, 2008, p. 30).

 

Um discurso alinhado e produzido pelos burocratas e tecnocratas da educação, pretensos portadores da neutralidade científica. As teorias e as práticas pedagógicas produzidas no contexto do processo da história da educação no Brasil, de forte pragmatismo apoiado na pedagogia dos resultados, colocam a formação nas prescrições tecnicista e neotecnicista em curso, cujas funções no processo de trabalho estão baseadas nos ideários dos mercados globalizados e financeiros. Portanto, a lógica é universalizar, ao colocar a educação como um bem de consumo, ofertando mais escola, mais “conteúdo-fragmento”, mais “formação-consumo” frente às incertezas do mundo do trabalho. Desse modo,

 

[...] o professor, como prestador de serviços, realmente doma a si mesmo: submete-se a um tribunal de qualidade e obedece às leis da qualidade do serviço. Em tal cultura, a garantia de qualidade não é mais experimentada como (maior) alcance burocrático, nem como um jogo chato, mas como um regime louco – com características totalitárias (MASSCHELEIN; SIMONS, 2014, p. 143).

 

Nessa nova ordem, as noções de tempo e de espaço passam a ser redefinidas. Ainda há espaços para os projetos de longo prazo? E aqui se situa o terceiro aspecto desafiador que atravessa a formação docente: como potencializar os espaços de formação frente à massificação do acesso ao ensino entendido como “lugares de consumidores passivos”? Permitir experimentar diferentes modos de ser professor talvez seja o caminho, sempre provisório, para pôr no chão da escola, lugar de multiplicidade e de diversidade da vida.

Até que ponto as inovações técnico-científicas da sociedade computo-informacional podem promover outros modos de pensar e de existir diante da padronização da vida, da estetização da vida? Para o sujeito de direitos, pobre em sua maioria, a prática formativa, prescritiva e normativa elenca uma série de aspectos considerados importantes e necessários pelas agências de financiamento e de avaliação. No território dos números contábeis não há lugar para o pensamento reflexivo do que pode forçar o pensamento frente à produção de uma “forma-sujeito”. Instala-se o argumento das metas produtivistas e das competições tanto na formação inicial quanto continuada do magistério.

Diante da ausência de uma formação docente substanciada das práticas sociais dos professores e de seus alunos, portanto, longe de ser equacionada, é recorrente naturalizarmos nas políticas educacionais no Brasil as competições de matemática, os prêmios para as melhores redações, a emergência dos projetos de âmbito nacional como o “Mais Educação” e o Programa Nacional de Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), dentre outros.

Na prática, são dispositivos que buscam responder às transformações no mundo do trabalho cujos projetos estão baseados em modelos produtivistas, sempre recorrentes nas políticas educacionais, para a formação docente em tempos neoliberais. Por essa lógica de captura, como desnaturalizar as origens sobre o que dizem a respeito do professor incapaz para lidar com os problemas da evasão escolar, da repetência, do fracasso escolar, do cumprimento das metas produtivistas, da gestão escolar etc.?

Por essa perspectiva de intervenção institucional, esses projetos produzem sobreposições que se multiplicam em decorrência da correspondência aos acordos internacionais firmados pelo Brasil, em especial, o da democratização do ensino; e, sobremaneira, pela expressiva dimensão financeira que alimenta setores públicos e privados para a formação docente. Sendo a formação de professores uma incumbência da União, o setor privado representa e disputa um espaço privilegiado para a formação de professores. Ou seja, o Estado brasileiro, mínimo para as questões sociais, e na correlação de forças que o constituem, legitima o poder do setor privado que percebe, em especial, no platô Educação, produtividade e rentabilidade, parâmetros estes pertencentes na contundente análise do que Ramonet (1997) chama de “regimes globalitários”.

Um ponto comum que orienta e regulamenta, do ponto de vista dos conteúdos formadores, os estabelecimentos públicos e privados, é a retomada das categorias universais e totalizantes hegemônicas nos processos de formação para o magistério. Baseados em modelos únicos, difundem idênticas maneiras de ser e de estar no mundo. A visão imagética produzida no outro é a da decodificação das transformações técnico-científicas e da redistribuição produtiva postas em circulação nos mercados globalizados. De modo peculiar e sutil, os conteúdos formadores são tomados como inquestionáveis. Pelo seu caráter de “urgência”, porque eles naturalizam a necessidade de adequar e de adaptar continuamente os trabalhadores da educação para a promoção e para a reafirmação da pedagogia dos resultados.

Nessa direção, polemizar trabalho e educação, na lógica dos conteúdos formadores em curso e como categorias antagônicas na sociedade capitalística, representa um esforço fecundo não apenas para localizar a crise do trabalho formal, como também para tensionar a lógica da rentabilidade produzida pelo próprio trabalhador em constante processo de formação, ancorada  na “urgência” do curto prazo, no discurso da meritocracia e da aptidão potencial, no dizer de Sennett (2006).

Sobre a questão da meritocracia na educação para garantir o controle do processo produtivo da escola, do trabalho docente etc. Freitas (2012, p. 17) afirma que:

 

O tecnicismo se apresenta, hoje, sob a forma de uma “teoria da responsabilização”, meritocrática e gerencialista, onde se propõe a mesma racionalidade técnica de antes na forma de “standards”, ou expectativas de aprendizagens medidas em testes padronizados, com ênfase nos processos de gerenciamento da força de trabalho da escola (controle pelo processo, bônus e punições), ancorada nas mesmas concepções oriundas da psicologia behaviorista, fortalecida pela econometria, ciências da informação e de sistemas, elevadas à condição de pilares da educação contemporânea.

 

Como decorrência desses antagonismos, os contrastes econômicos acabam por se refletirem nas maneiras como vêm-se estruturando, se configurando as novas condições de existência do trabalho docente. Nas novas demandas para o magistério, com a introdução das linguagens das mídias digitais – educação a distância, e dos novos recursos eletrônicos – diário de classe, relatórios institucionais, ponto eletrônico etc., assiste-se ao aumento gradativo do trabalho docente. Por outro lado, descortina-se a frágil relação entre uma política estrutural para o magistério e o reconhecimento da importância do trabalho docente na história da educação brasileira.

Um dado importante salta aos olhos: nas sociedades de controle, o sujeito-trabalhador é acionado o tempo inteiro para responder aos imperativos das ciências e dos mercados financeiros. Desse modo, como fluxo constante, e no “regime das escolas: as formas de controle contínuo, avaliação contínua, e a ação da formação permanente sobre a escola, o abandono correspondente de qualquer pesquisa na Universidade, a introdução da ‘empresa’ em todos os níveis de escolaridade” (DELEUZE, 1992, p. 224). Num certo sentido, pode-se dizer que as metas produzidas, e tomadas como naturais, são institucionalizadas nas escolas cujos parâmetros de produção implicam novos modos de tornar a vida mais produtiva, mais “corpo-producente”.

Pela lógica da produção do “corpo-producente”, o Estado intensifica, no platô Educação, discursos e enunciados da competência e da habilidade. Por essa perspectiva, faz circular verdades sobre como o professor deve fazer, de que forma deve avaliar, de que maneira deve colocar em análise a sua produção. A autogestão, oriunda da gestão instituída como democrática, passa a se constituir como o “olhar sobre si mesmo” para corresponder às metas de produção em tempos de curto prazo. No processo de imbricação de diferentes saberes, totalizantes na produção de novos sujeitos, as tecnologias da sociedade computo-informacional produzem novas formas de sujeição.

 

Considerações finais
Nesse sentido, polemizar os modos como são produzidos os “sujeitos da educação” é poder pensar a formação de professores interrogando certos discursos e práticas hegemônicas que colocam a referida formação na ordem da macropolítica, cujos processos de identificação constituem-se em filigranas de uma rede complexa de dispositivos de subjetivação (FOUCAULT, 2012), em que os professores são produzidos.

Pesquisas sobre a formação de professores, como as investigadas por Garcia e Alves (2012) e Costa e Salgueiro (2015) apontam para a formação como uma condição importante para que as histórias dos professores possam ser coletivizadas a partir de olhares críticos e inventivos; mas também, tais autores situam a escola como lócus potente para as políticas de formação inicial e continuada buscando trabalhar o que é singular no cotidiano escolar. E como analisar esse mesmo espaço constituído por “terrenos movediços”, calcado por interesses econômicos e políticos, e cuja trajetória para pensar as práticas docentes é desenhada, normalmente, de fora para dentro da escola?

Quase em um movimento alheio à autonomia da escola, espaço este em que discursos e enunciados são disputados, a formação de professores, ao corresponder às reestruturações produtivas decorrentes do mundo do trabalho, aponta para os antagonismos recorrentes no contexto da escola e, certamente, para a formação continuada de professores. Um primeiro aspecto a ser indicado diz respeito aos saberes constitutivos baseados em modelos “prontos e acabados” e cujas palavras de ordem colocam em circulação novas fabricações de sujeitos. Um segundo remete ao tão propalado “novo mundo globalizado” ao produzir o sujeito da precarização, da destituição de direitos.

Baseado em regras mercantis, tem-se a formação subordinada aos tempos-espaços cujo modelo, pretensamente pronto e acabado, vai definir subjetivações conformadas aos saberes-fazeres e as práticas discursivas. E por fim, indaga-se: Como “superar” uma formação de professores, em tempos contemporâneos, frente aos “regimes globalitários” baseados nos fluxos de capitais, reafirmando uma educação mercantilizada? Nas políticas do acesso ao ensino superior, não haveria elementos baseados nos projetos de curto prazo em um país que ainda reflete seus “vícios estruturais”? Tratar-se-ia a formação apenas de um novo modo de regulação do trabalho docente? Como produzir na docência modos de pensar, de inventar e de criar tempos-espaços potentes para e na escola face à forma-sujeito colocada em curso pela cultura de consumo?

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Recebido: 19/07/2016
Aceito: 14/08/2017
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