Contribuição do Leitor

A GENÉTICA COMPORTAMENTAL EXISTE? RELATOS DO MINI-CURSO GENÉTICA COMPORTAMENTAL MINISTRADO PELO DR. ROBERT SAPOLSKY (UNIVERSIDADE DE STANFORD, 2010)

Resenha Descritiva de
DÉBORA ANDRADE PEREIRA

Estudante no segundo ano da graduação semipresencial em Ciências Biológicas na UERJ/CEDERJ. Possui pós-graduação em Tradução pela Universidade Gama Filho (2011) e é tradutora para as áreas técnica e científica desde 2010.


Resumo: Este relato resume os pontos principais do mini-curso sobre Genética Comportamental, ministrado pelo Dr. Robert Sapolsky, como parte integrante do curso Biologia Comportamental (Universidade de Stanford, 2010). Dentre os principais temas abordados, destacam-se: técnicas clássicas da genética comportamental – e seus respectivos erros, a importância de fatores ambientais, a herança não-genética de caracteres, epigenética, variabilidade e herdabilidade, influências ambientais erroneamente descartadas em estudos sobre o comportamento, e a interdependência entre genética e ambiente quanto ao determinismo comportamental.
Palavras-chave: biologia, genética, comportamento.

IS THERE BEHAVIORAL GENETICS? BEHAVIORAL GENETICS LECTURES BY DR. ROBERT SAPOLSKY (STANFORD UNIVERSITY, 2010)

Abstract: This report summarizes the main points covered in the Behavioral Genetics lectures, taught by Dr. Robert Sapolsky as part of the Behavioral Biology Course (Stanford University, 2010). The main topics addressed include: classic behavioral genetics techniques - and respective errors; the importance of environmental factors; the non-genetic inheritance of characters; epigenetics; variability and heritability; environmental influences erroneously discarded in behavorial studies; and interdependence of genetics and environment on behavioral determinism.
Keywords: biology, genetics, behavior.

Sapolsky inicia o curso conceituando a controversa prática de associar comportamentos à genética. O especialista apresenta duas opiniões contraditórias em relação à genética comportamental: enquanto para alguns é uma ciência que evidencia diversos fenômenos, para outros não passa de uma falácia. Isso ocorre parcialmente pela tendência de explicar todo e qualquer comportamento pela genética.

Os primeiros estudos relacionados à genética comportamental, e posteriormente refutados, baseavam-se na concepção de que sempre que o ambiente fosse idêntico e comportamentos diferentes fossem identificados, a genética seria o fator decisivo. A busca por padrões encontrados em indivíduos que possuem diferentes graus de parentesco e consequentemente de genes compartilhados é um exemplo desse tipo de estudo. Um fator que dificulta esta linha de investigação é o ambiente, que tende a ser cada vez mais parecido conforme o grau de semelhança genética dos indivíduos. Outra possibilidade seria um estudo comparativo entre o comportamento de gêmeos monozigóticos e heterozigóticos. As implicações do ambiente mais uma vez se fazem presentes: mesmo gêmeos monozigóticos podem ter ambientes totalmente diferenciados desde o período fetal, já que a placenta pode ou não ser compartilhada (gêmeos monocoriônicos e diaminióticos, respectivamente), resultando em diferentes níveis de nutrientes recebidos, por exemplo.

Para exemplificar as dificuldades de tais estudos, Sapolsky cita uma importante análise realizada por Seymour Kety (Universidade de Harvard), nos anos 60, que considerava possíveis implicações genéticas para a esquizofrenia em filhos biológicos e adotivos dinamarqueses. Os resultados apontaram para uma origem genética da doença. Porém, o estudo deixa de considerar fatores críticos, tais como: o ambiente onde crianças adotivas viveram nem sempre pode ser monitorado; o ambiente pré-natal compartilhado com a mãe é fundamental e determinante para o comportamento do indivíduo; incidência de supostos pais que não são os pais biológicos verdadeiros; as crianças não são colocadas nos lares adotivos de forma aleatória, pois os órgãos responsáveis procuram alocar as crianças em famílias mais compatíveis com elas, inclusive quanto à personalidade.

A seguir, o cientista conceitua as implicações do ambiente pré-natal, passíveis de alterar todo o cenário comportamental de um indivíduo. Há pesquisas científicas clássicas que não consideram o ambiente pré-natal em estudos sobre o comportamento, mas esse ambiente possui diversas influências sobre os indivíduos: o sangue é compartilhado entre mãe e filho, e o filho recebe nutrientes de acordo com as condições da mãe.

Os efeitos do ambiente pré-natal foram analisados em diversos estudos. Dentre eles destacam-se estudos sobre o domínio hormonal realizados pela Universidade de Missouri, nos quais embriões femininos de ratos que ficam mais próximos de embriões machos na placenta têm sua puberdade retardada, pois recebem estrogênio dos irmãos vizinhos pelo sangue em quantidade proporcional à proximidade dos machos. Em outro exemplo envolvendo níveis hormonais, foi demonstrado que a idade da mãe no nascimento do bebê está relacionada à idade de início da puberdade do filho: mães muito novas e muito velhas no ato do nascimento dos filhos geram descendentes que entram na puberdade após filhos de mães que os geraram em idades intermediárias, por conta de níveis de estrogênio diferentes da gestante transmitidos ao bebê pelo fluxo sanguíneo.

O glicocorticoide é um hormônio relacionado ao stress o qual também é transmitido em maiores ou menores quantidades pelo fluxo sanguíneo da mãe ao filho na fase intra-uterina. Os principais reflexos de uma transmissão desenfreada desse hormônio pela mãe estudados em filhotes de ratos afetam os seguintes aspectos: tamanho cerebral, espessura do córtex, quantidade de receptores de benzodiazepina e habilidades de aprendizagem. Uma fêmea com distúrbios relacionados à supressão da secreção de glicocorticoide transmitirá esse hormônio aos fetos em maior quantidade. Apesar de haver uma tendência de redução, os estudos demonstram que essa situação se repete nas gerações seguintes. Sendo assim, uma primeira indução de um ambiente estressante em uma fêmea é transmitida de geração em geração. Porém, esse fator não é genético, sendo chamado de herança não-mendeliana.

Outro caso interessante de herança não-mendeliana teve início durante o inverno de fome holandês, em 1944. Os nazistas decidem levar todo o alimento produzido na Holanda ocupada para a Alemanha, causando a morte de aproximadamente 40.000 pessoas. Nesse período, os fetos que estavam a um trimestre do nascimento tiveram seu metabolismo permanentemente modificado: aprenderam a programar metabolicamente seu pâncreas para liberar uma grande quantidade de insulina assim que uma pequena quantidade de alimentos era ingerida, proporcionando o máximo armazenamento de nutrientes. Após o crescimento e com a normalização da oferta de alimentos, muitos desses indivíduos apresentaram doenças relacionadas ao metabolismo, como diabetes, pois seus corpos aprenderam a liberar mais insulina e a armazenar a maior parte dos alimentos. Ao se tornarem mães, disponibilizavam uma menor quantidade de nutrientes aos fetos, por conta do armazenamento, mesmo tendo uma dieta normal em termos de calorias. Sendo assim, os filhos também nasceram apresentando o fenômeno da fome holandesa. Mais uma vez, apesar de haver uma tendência de redução, essa herança não-mendeliana multigeracional já foi observada até a terceira geração.

As influências do ambiente pré-natal demonstradas em estudos ainda incluem: ratos preferem substâncias com as quais estavam acostumados a ingerir durante o período intra-uterino; após o nascimento, bebês preferem ouvir os mesmos sons emitidos pelas mães durante a gestação, sendo que a pesquisa demonstrou que o mesmo não ocorre com pais; o comportamento de ratos trocados de mãe antes do nascimento por meios cirúrgicos evidencia que a ansiedade não é um fator genético, mas pré-natal. Portanto, o ambiente não se inicia no nascimento, mas na concepção.

A assimetria é um elemento fundamental a ser considerado durante a análise da herança genética de caracteres. É preciso levar em conta que a concepção comumente divulgada de que os filhos herdam 50% dos genes da mãe e 50% do pai não está correta. Primeiramente, as mitocôndrias são apenas herdadas do óvulo durante a concepção, já que a porção do espermatozóide que participa da fecundação não as possui. De acordo com a teoria da Endossimbiose Sequencial de Lyn Margulis, as mitocôndrias se originaram de bactérias em simbiose com uma macrocélula primitiva, possuindo material genético próprio. Todo esse material genético é herdado apenas da parte materna. Outro fator que incrementa ainda mais esse desequilíbrio é chamado de “herança lamarquiana de caracteres”, ou seja, é possível que uma característica seja adquirida a partir do ambiente e transmitida aos descendentes sem a participação genética, como no exemplo da fome holandesa acima. Nesses casos, as características são transmitidas às gerações apenas pelas mães e através do ambiente pré-natal.

A seguir, Sapolsky cita a cientista norte-americana Judith Rich Harris, responsável pela importante conceituação das influências genéticas indiretas, ou seja, certas características evidentemente genéticas, como a estatura, influenciam em comportamentos como a introversão/extroversão. Os estudos de agressividade em linhagens de ratos são outro caso de influências indiretas no comportamento: tais estudos demonstram que a agressividade está intimamente relacionada a baixos níveis de sensibilidade à dor. A característica genética está então ligada à neurologia, e não ao comportamento. Isso prova que mesmo quando certa característica aparenta ser geneticamente determinada, estudos podem demonstrar que essa relação é intermediária.

A epigenética estuda as mudanças reversíveis e herdáveis no genoma funcional que não alteram a sequência de nucleotídeos do DNA, analisando a transmissão de padrões de expressões, as possíveis mudanças nessas expressões e as influências dos fatores ambientais nas alterações (SALVATO, 2007). Sapolsky destaca que mudanças epigenéticas podem ser observadas em efeitos dominó: podem iniciar-se com as influências dos cuidados maternos em um bebê, que permitem ou não o acesso aos fatores de transcrição relevantes à ativação de genes, que por sua vez são responsáveis por receptores hormonais. Por fim, os hormônios influenciam diversos aspectos comportamentais, como o stress, por exemplo.

As sequências promotoras de genes e suas diferentes versões estão relacionadas a variações comportamentais ligadas aos hormônios. O gene receptor do hormônio vasopressina em ratos é controlado por um promotor que possui duas versões. Uma versão desse promotor está relacionada à monogamia e a outra à poligamia. As duas versões de promotores do receptor de vasopressina foram encontradas em humanos, e há estudos demonstrando a mesma tendência monogâmica ou poligâmica em seres humanos.

Sapolsky considera o acaso importante para análises genéticas: a distribuição das mitocôndrias durante a divisão celular ocorre ao acaso. Estas organelas podem ter sofrido mutações independentes no indivíduo que as carrega por possuírem material genético próprio. O mesmo ocorre com os fatores de transcrição. Além do acaso, o cientista considera as faculdades inatas e as experiências de vida como fatores fundamentais a serem considerados em estudos comportamentais.

O percentual de herdabilidade é costumeiramente atribuído de forma errônea à porcentagem de um comportamento que pode ser atribuída à genética. O conceito correto de herdabilidade pode ser definido como a porcentagem com a qual fatores genéticos determinam a variabilidade fenotípica. Esses estudos demonstram que a genética possui uma participação menos representativa em termos determinísticos do que se costumava considerar.

Em seguida, Sapolsky exemplifica as aplicações do percentual de herdabilidade: certo estudo atribui à genética variações comportamentais de uma espécie. Posteriormente, esta mesma espécie é estudada em outro continente e são observadas variações comportamentais completamente divergentes do primeiro estudo. Nesse caso, é provável que o número de herdabilidade seja muito pequeno, já que as variações apresentadas pelos organismos entre os dois ambientes são mais representativas que a variação entre as versões de genes. Em tal cenário, o ambiente tem uma influência muito maior que a genética sobre o comportamento. É por este motivo que os trabalhos científicos que se propõem a analisar padrões genéticos determinantes de comportamentos não devem se restringir a apenas um ambiente, espécie ou gênero, sob o risco de atribuírem maior valor à genética em detrimento de fatores que são na verdade ambientais ou mistos.

Fatores genéticos e ambientais são interdependentes. Há estudos que relacionam o gene que codifica as diferentes versões da monoamina oxidase (MAO) à predisposição a maiores ou menores níveis de agressividade. Porém, os números mostram que situações vividas na infância, como abuso sexual, possuem grande influência no grau de agressividade apresentado na vida adulta. Esses dois fatores devem ser considerados em conjunto para que resultados mais realistas possam ser obtidos.

Sapolsky conclui afirmando que os genes humanos são codificados de forma a garantir independência do determinismo genético. Sendo assim, à genética comportamental resta a seguinte investigação: qual é a influência de determinado gene em um ambiente em particular?

Robert Sapolsky é professor de biologia e neurologia da Universidade de Stanford, EUA, e pesquisador no Instituto de Pesquisas de Primatas, no Museu Nacional do Quênia. Nos últimos 30 anos, o cientista tem desenvolvido pesquisas relacionando hormônios do estresse e danos o cérebro, além de estudar o impacto do estresse crônico na saúde dos babuínos na África Oriental. Sapolsky é autor de vários artigos e livros, como Por que as zebras não têm úlceras e Memórias de um primata.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

SALVATO, F. Epigenética. Seminários em Genética e Melhoramentos de Plantas. Piracicaba: ESALQ-USP, 2007. Disponível em http://www.genetica.esalq.usp.br/pub/seminar/FSalvato-200702-Resumo.pdf. Acesso em 16 jan 2012.

SAPOLSKY, R. Human Behavorial Biology: Behavorial Genetics I and II. California: Stanford University, 2010. Anotações de aula. Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=e0WZx7lUOrY&feature=relmfu / http://www.youtube.com/watch?v=RG5fN6KrDJE&feature=mfu_in_order&list=UL. Acesso em 20 dez 2011.

TORRES, A. C.; CALDAS, L. S.; BUSO, J. A. Cultura de Tecidos e Transformação Genética de Plantas. Brasília: Embrapa-SPI / Embrapa-CNPH, 1998, Vol. 2.

Recebido: 16/01/2012
Aceito: 30/01/2012

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