Questões Contemporâneas

ÁGUA: IMPORTÂNCIA E GESTÃO NO SEMIÁRIDO NORDESTINO

DAMIÃO CARLOS FREIRES DE AZEVEDO é Geógrafo, Especialista em Educação pela Universidade Estadual da Paraíba – UEPB; Mestre e Doutorando em Recursos Naturais pela Universidade Federal de Campina Grande – UFCG.

Resumo: A água, por ser uma necessidade social e um recurso fundamental aos seres vivos, carece da mais ampla atenção, no tocante à sua gerência. Uma gestão empenhada e que garanta ao mesmo tempo justiça social e sustentabilidade ambiental, em torno dos recursos hídricos, se faz necessária. Contudo, o empenho local é algo fundamental neste processo. Diversas mudanças na legislação sobre recursos hídricos no Brasil têm ensejado alterações políticas no gerenciamento dos mesmos. Tais modificações culminaram na criação de Comitês de Bacia Hidrográficas como forma de se democratizar o sistema, visto que os Comitês são órgãos deliberativos considerados fóruns de debates.
Palavras-chave: Recursos Hídricos, Participação Popular, Gestão Hídrica.

WATER MANAGEMENT AND IMPORTANCE IN NORTHEASTERN SEMIARID

Abstract: The water, besides being a social necessity and an essential resource to living things, it lacks the wider attention regarding its management. A committed management and to ensure both social justice and environmental sustainability around the water is needed, however the local commitment is key in this process. Several changes in the legislation on water resources in Brazil have occasioned changes in the management of these policies. These changes culminated in the creation of River Basin Committees as a way to democratize the system, since the committees are deliberative bodies considered in discussion forums.
Keywords: Water Resources, Public Participation, Water Management.

INTRODUÇÃO

A gestão dos recursos hídricos no Brasil vem refletindo as realidades políticas, sociais e econômicas do país. A atual forma de gestão, voltada à aplicabilidade social da água, remonta a discussões surgidas ainda no século XX, impulsionadas pelas inquietações e conflitos desenvolvidos entre os diversos atores do ambiente, como a sociedade, o poder público e as condições do próprio meio ambiente. Outra premissa indissociável nesse processo de gestão dos recursos hídricos é a percepção ambiental, cuja valia é assegurada pelo princípio de que, esta traz consigo a capacidade de os indivíduos (atores envolvidos em um ambiente) se identificarem como elementos cujas atitudes se complementam e também se tornam dependentes das vicissitudes de meio ambiente em que estão inseridos; ensejando, inclusive, enlaces afetivos.

No Estado da Paraíba, existem ainda dois problematizadores em relação à gerência dos recursos hídricos: a irregularidade das chuvas, o agravamento das secas e, circunscrevendo essa implantação de gerência hídrica às microrregiões paraibanas, vê-se certo descaso em não fomentar práticas e formação de órgãos gestores. Dentro deste contexto, não apenas a bacia hidrográfica ou mesmo suas sub-bacias, mas, fundamentalmente os pequenos tributários dessas, assim como os reservatórios que acumulam água para uso humano e afins, assumem papel fundamental em tempos de estiagens mais severas. Contudo, nem sempre a preservação ambiental no entorno desses constituintes hídricos é implementada, o que tem ensejado consequências danosas à população, uma vez havendo o comprometimento ambiental tanto dos corpos hídricos e a reboque, também dos reservatórios.

Água: Usos Principais

A Lei 9.433, de 08 de Janeiro de 1997, aborda de forma sine qua non, como um de seus fundamentos, preceituado no art. 1º, parágrafo III, que, em situação de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais. No mesmo artigo, agora no parágrafo VI, essa Lei ratifica, ainda, como fundamento, que a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades. Branco e Rocha (1987) observam que cotidianamente são diversos os usos a que se destinam a água, dentre os quais eles destacam:

a) Abastecimento domiciliar/ dessedentação

Em relação ao uso domiciliar a água é usada de várias maneiras, mas todos elas devem estar padronizados em relação com a atividade mais nobre possível, que é o da água para beber. Branco (1993) revela que o ideal seria, contudo, dispor de duas redes abastecedoras diferenciadas, uma destinada a fornecer água de qualidade melhor (para bebida, cozimento de alimentos e asseio pessoal) e outra para usos menos exigentes (lavagem, irrigação, etc.).

b) Abastecimento industrial

Em cada caso, a água utilizada deverá cumprir certas exigências. A água potável é em geral suficiente, mais às vezes não, exigindo, como no caso de certos processos químicos e farmacêuticos, água destilada. Em outras atividades como em indústrias que usem caldeiras o principal cuidado deve ser com a ação corrosiva e precipitante de certos sais contidos na água e capazes de danificar as tubulações.

c) Produção de energia

No caso das usinas termoelétricas, que usam caldeiras, os problemas mais importantes são entupimento e corrosão das tubulações. Já no caso das usinas hidroelétricas, que usam turbinas, as restrições são mínimas, a não ser que se trate de águas extremamente poluídas, onde as emanações de gás sulfídrico podem se transformar em ácido sulfúrico e danificar as pás das turbinas, que também podem ser afetadas pela excessiva proliferação de vegetação flutuante, tipo aguapé.

d) Recreação

Em geral exige-se um alto padrão de qualidade, sobretudo quando a água é usada para natação ou banhos, levando-se em conta que geralmente certa quantidade de água pode ser ingerida e que ela está em contato constante com os olhos, os ouvidos e a pele em geral. Freitas (2009) revela que o problema dos esgotos derramando-se leitos dos rios é um problema muito sério, tanto do ponto de vista estético como sanitário.

Água no Brasil e no nordeste brasileiro: necessidade de gestão

No que se refere aos diferentes usos da água, predomina hoje, no Brasil, o princípio de “bem coletivo”. A Constituição de 1988 estabelece que, praticamente, todas as águas são públicas, sendo que, em função da localização do manancial, elas são consideradas bens de domínio da União ou dos estados. Deixam de existir, desse modo, as águas comuns, municipais e particulares, cuja existência era prevista no Código de Águas de 1934.

Segundo Machado (2002), a noção de gestão integrada dos recursos hídricos assume várias dimensões e envolve diferentes e complexas conotações: primeiro, no sentido de se considerar os diversos processos de transporte de massa de água do ciclo hidrológico; segundo, é um recurso de usos múltiplos; terceiro, está em constante inter-relacionamento com outros elementos do mesmo ecossistema (solo, flora, fauna); quarto envolve co-participação de gestores, usuários e população no planejamento e na gestão desses recursos, e, finalmente, deve atender aos anseios da sociedade de desenvolvimento socioeconômico com preservação ambiental, na perspectiva de um desenvolvimento sustentável. Afirma o autor supracitado que a prática de uma gestão integrada deve ser orientada pela lógica da negociação sociotécnica, face à complexidade, à heterogeneidade e à diversidade de elementos que compõem um dado espaço geográfico, sendo, portanto, esta negociação um processo dispendioso do ponto de vista político, financeiro e emocional; incerto e arriscado.

No contexto da complexidade do planejamento e gestão integrada e sistêmica dos recursos hídricos, Cedraz (2002) ressalta a necessidade de discussões e reflexões profundas envolvendo todos os atores partícipes, devendo-se sempre as ações culminar com os princípios do desenvolvimento sustentado tão discutido pela sociedade nas últimas décadas, tendo na água o recurso básico da gestão ambiental e suas relações com o desenvolvimento. Esse é, também, um ponto nodal da Lei 9433/97, visto que resguarda, no art. 1º, parágrafo VI, que a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades.

Na região semiárida do Nordeste brasileiro, caracterizada por um regime de precipitação irregular, a escassez de água sempre foi um problema não solucionado, apesar dos esforços desprendidos pelos governos por várias décadas. Nesta região, os fatores climáticos e geológicos têm papel preponderante na renovação das reservas hídricas e, consequentemente, nas mudanças da qualidade de suas águas (VIEIRA, 1999). No que se refere às fontes subterrâneas nesta região, dado ao predomínio das rochas cristalinas, os sistemas aquíferos são do tipo fissural e de baixa produtividade, onde os poços são rasos e apresentam vazões inferiores a 3,0 m³/h, elevados teores de sólidos dissolvidos totais, em média, 3,0g/l, com predominância de cloretos (LORA, 2000). Este quadro de incertezas quanto à disponibilidade e à qualidade das águas gera insegurança na tomada de decisão de políticas de desenvolvimento agropecuário e sócio-econômico para a região, necessitando, portando, de medidas de planejamento e gestão dos recursos hídricos disponíveis visando atender à demanda da população de forma permanente.

Segundo Salati et al. (1999), para enfrentar os desafios da escassez de água, devem-se considerar as ferramentas disponíveis sobre a gestão do suprimento e da demanda, citando que a gestão do suprimento de água inclui políticas e ações diferenciadas visando identificar, desenvolver e explorar, de forma eficiente, novas fontes de água, enquanto a gestão da demanda inclui os mecanismos e incentivos que promovem a conservação da água e a eficiência do seu uso.

Considerações Finais

Em regiões onde a escassez de água sempre se fez presente, seja devido ao aumento da demanda, da degradação dos recursos hídricos ou em consequência da instabilidade climática, os conflitos pelo uso da água tendem a aumentar. Portanto, buscar soluções para um monitoramento e gerenciamento adequados desses recursos, deverá ser a prioridade dos órgãos gestores, a exemplo da outorga de direito de uso e cobrança pelo uso da água, com base no conceito usuário-pagador e poluidor-pagador. O monitoramento da qualidade da água em uma bacia hidrográfica é muito mais amplo do que a verificação se os padrões legais de qualidade estão sendo obedecidos, devendo, portanto, atender à necessidade de se responder o que está sendo alterado, o porquê destas modificações estarem ocorrendo e definir e implementar medidas preventivas de contaminação dos recursos hídricos.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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VIEIRA, V. P. P. B. Sustentabilidade do semiárido brasileiro: desafios e perspectivas. RBRH, v.7, n.4, p.105-112, out/dez. 2010.

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Recebido: 08/11/2011
Aceito: 16/12/2011

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