“VOCÊ TENTOU FECHAR AS PERNAS? ” – A CULTURA MACHISTA
IMPREGNADA NAS PRÁTICAS SOCIAIS
Márcio de Oliveira
Doutorando em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Mestre em Educação e Pedagogo pela UEM. Atualmente Professor na Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR – campus Paranavaí) e Coordenador Pedagógico na Secretaria Municipal de Educação de Sarandi. Integrante do NUDISEX – Núcleo de Estudos e Pesquisas em Diversidade Sexual. Área de Estudos: Formação Docente, Gênero, Sexualidade, Diversidade. E-mail: marcio.1808@hotmail.com.Eliane Rose Maio
Doutora e Pós-Doutora em Educação Escolar (UNESP/Araraquara), Mestrado em Psicologia (UNESP/Assis), Graduação em Psicologia (UEM). Professora do Departamento de Teoria e Prática da Educação (DTP/UEM) e do Programa de Mestrado e Doutorado em Educação (PPE/UEM) da Universidade Estadual de Maringá (UEM). E-mail: elianerosemaio@yahoo.com.br.
Resumo: A sociedade ocidental tem assistido a inúmeros casos de machismo impregnado nas falas, condutas e práticas sociais por parte de muitas pessoas que nela vivem. Esse comportamento não é restrito a homens machistas, mas, também, a mulheres machistas. Esta prática é aprendida em várias instituições sociais, às quais se destacam a família, a escola e a mídia, por exemplo. Diante do exposto, este artigo foi construído por meio de análise bibliográfica e um breve estudo de caso, e tem o objetivo discutir, com base nas teorizações foucaultianas, feministas e com preceitos dos Estudos Culturais, a partir de dois casos em específico de machismo – um praticado por uma mulher (juíza espanhola) e outro caso, ocorrido no Brasil, praticado por um delegado (homem) responsável por uma investigação de estupro coletivo – a formação dessa prática tão indesejável e violenta. Além disso, serão apresentadas leis que auxiliam no combate à violência contra as mulheres (Lei 11.340/2006 e Lei 13.104/2015) e dados alarmantes relacionados a essa prática. Infere-se que o machismo ainda é uma prática bastante presente na formação das pessoas, e que esse discurso e modo de se comportar tem estado presente em inúmeros ambientes sociais e privados. É preciso, desta forma, que se criem mecanismos e políticas públicas a fim de combater a violência contra as mulheres: mais do que leis, é necessária Educação para o reconhecimento das diferenças; e atenção para todas as práticas sociais, de modo a extinguir o machismo.
Palavras-chave: Machismo. Família. Escola. Mídia. Violência Sexual.
“DID YOU TRY CLOSE THE LEGS?” THE CULTURE MALE CHAUVINIST INGRAINED IN THE SOCIAL PRACTICES
Abstract: The western society has seen the many cases of male chauvinist in the discourse, behavior and social practices by many people living in it. This behavior is not restricted to male chauvinist, but also the women chauvinist. This practice is learned in various social institutions, which is targeted the family, school and the media, for example. Given the above, this article was written by literature analysis and a brief case study, and its objective is to discuss, based on theories Foucaultian, feminist and precepts of Cultural Studies, as from two cases in particular of machismo – a practiced by a woman (Spanish judge), and other case, occurred in Brazil, practiced by a police chief (man) responsible for investigation of collective rape - the formation of this practice so undesirable and violent. In addition, laws will be presented that help to combat violence against women (Law 11.340/2006 and Law 13.104/2015) and related disturbing statistics to this practice. It is inferred that male chauvinism is still a practice very present in training people, and that this discourse and way of behaving has been present in many private and social environments. It is necessary, therefore that create public mechanisms and policies to combat violence against women: more than laws, it is necessary Education for the recognition of differences; and attention to all social practices in order to terminate the male chauvinism.
Keywords: Male chauvinism. Family. School. Media. Sexual violence.
Introdução
A proposta deste artigo nasceu a partir do contato com uma notícia que expressa o machismo¹. Na matéria, veiculada pelo site UOL (2016), uma juíza espanhola - María del Carmen Molina Mansilia – perguntou repetidas vezes para uma mulher vítima de estupro (grávida de 04 meses) se ela tinha tentado fechar as pernas para evitar a violência². De acordo com a notícia, a vítima “[...] comparecia a uma audiência judicial para pedir a proibição de aproximação de seu suposto agressor, no dia 16 de fevereiro [de 2016]. Segundo ela, o homem havia ‘[...] repetidamente abusado dela sexual e psicologicamente’" (UOL, 2016, s/p).
Na ocasião, “[...] a juíza María del Carmen Molina Mansilia, de uma corte em Vitoria, no País Basco, questionou: ‘Você fechou as pernas e todos os seus órgãos femininos?’” (UOL, 2016, s/p). O que chama a atenção é o fato de a protagonista do questionamento também ser mulher. O que permite pensar que os casos de machismo não são exequíveis apenas por pessoas do gênero masculino, mas também por pessoas do gênero feminino. Logo, o que faz com que a prática machista esteja presente nas ações pessoais é a inserção em uma cultura machista e não a categoria de gênero.
Esse é um dos exemplos que foi reportado na mídia virtual e televisiva recentemente, fazendo com que seja possível pensar que milhares de outros casos possam ocorrer parecidos com esse, porém, muitas vezes, sem a devida exposição.
Salienta-se, ainda, o caso de uma adolescente de 16 anos que sofreu estupro coletivo, ocorrido em uma comunidade na zona oeste do Rio de Janeiro/RJ no fim de maio deste ano (LISBOA, 2016). Na ocasião, de acordo com noticiários que reportaram os discursos da jovem e sua advogada, o delegado (titular da Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática e responsável pelo caso – Alessandro Thiers) teria culpabilizado a vítima pela agressão que sofrera (LISBOA, 2016). Assim, este segundo caso (ocorrido no Brasil) muito se aproxima do primeiro (ocorrido na Espanha).
Neste sentido, este escrito tem por objetivo, por meio de uma análise bibliográfica, a partir desses casos em específico de machismo, discutir a formação dessa prática tão indesejável, negativa e violenta, perpassando por algumas instituições sociais: família, escola e mídia.
Para atingir os objetivos, em um primeiro momento será discutido sobre o machismo e suas características. E, em um segundo momento, a discussão versará acerca de algumas instâncias sociais que podem reproduzir o machismo: família, escola e mídia. Na sequência, serão apresentados dados relativos à violência contra a mulher no Brasil, além de uma breve explanação da Lei nº. 11.340/2006 (Maria da Penha) (BRASIL, 2006) e a Lei n.º 13.104/2015, que torna o feminicídio um crime hediondo (BRASIL, 2015).
‘O machismo nosso de cada dia’
Discorrer sobre o machismo é simples e complexo ao mesmo tempo. Simples porque existem vários exemplos práticos na sociedade (ocidental ou oriental), sendo facilmente identificados; e complexo porque demandam estudos científicos, culturais, políticos para escrever com propriedade, além de ser um tema que poucas pessoas conseguem discutir durante um período longo da vida, ou seja, pouco se fala nas escolas e pouco se discute na família (de forma emancipadora, humanista, respeitosa, conforme será analisado adiante).
Saffioti (1987, p. 24) descreve que,
[...] a presença ativa do machismo compromete negativamente o resultado das lutas pela democracia, pois se alcança, no máximo, uma democracia pela metade. Nesta democracia coxa, ainda que o saldo negativo seja maior para as mulheres, também os homens continuarão a ter sua personalidade amputada. E vale a pena atentar para este fenômeno.
Neste sentido, é preciso preocupar-se com as práticas machistas, levando em consideração que elas são prejudiciais não apenas para os homens, mas também para as mulheres, podendo causar danos, tais como violência, humilhação, discriminação, preconceito para ambos os gêneros.
Nogueira (2006, p. 57) chama a atenção para o fato de que com a entrada da mulher no mundo do trabalho e “[...] as revoltas sociais em favor da igualdade social, a discriminação sexual da mulher deveria desaparecer, já que homens e mulheres se encontravam cada vez mais unidos por um determinado modelo de sociedade”. Porém, mesmo com vários anos de lutas feministas – além da evolução nas condições de vida de muitas mulheres (embora ainda há de se melhorar muito), “[...] é evidente que o seu acesso a posições de liderança ou de poder nas inúmeras organizações de diferentes domínios ainda não é um fato e a possibilidade de mudança nesse sentido, pouco segura” (NOGUEIRA, 2006, p. 57). Assim, é preciso lutar muito mais para que a inferiorização do gênero feminino – ou o machismo – diminua consideravelmente.
No Brasil, por exemplo, a Constituição da República Federativa do Brasil (BRASIL, 1988) que homens e mulheres devem ser tratados/as de maneira igual, isso pode ser verificado por meio do seguinte texto:
Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (BRASIL, 1988, art. 3, grifos do autor e da autora).Desta forma, a nação brasileira deve se esforçar e realizar práticas voltadas ao bem de todos e todas, sem quaisquer formas de preconceito, discriminação ou violações de direitos, haja vista essas situações precisam ser extirpadas da sociedade. Além disso, existem leis na área educacional que voltam sua preocupação ao tratamento igualitário entre as pessoas, a exemplo disso, foi promulgada no ano de 2014 a lei do Plano Nacional de Educação (PNE) que institui as seguintes diretrizes:
I - erradicação do analfabetismo;
II - universalização do atendimento escolar;
III - superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação;
IV - melhoria da qualidade da educação;
V - formação para o trabalho e para a cidadania, com ênfase nos valores morais e éticos em que se fundamenta a sociedade;
VI - promoção do princípio da gestão democrática da educação pública;
VII - promoção humanística, científica, cultural e tecnológica do País;
VIII - estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do Produto Interno Bruto - PIB, que assegure atendimento às necessidades de expansão, com padrão de qualidade e equidade;
IX - valorização dos (as) profissionais da educação;
X - promoção dos princípios do respeito aos direitos humanos, à diversidade e à sustentabilidade socioambiental (BRASIL, 2014, art. 2, grifos do autor e da autora).Tais diretrizes apontam para uma prática sem preconceitos e/ou discriminação, assim como assinalam para uma Educação voltada para a pluralidade, livre de qualquer forma de violência. Assim, entende-se que esses parâmetros de equidade devem ser estendidos das instituições escolares à vida fora delas.
Weeks (2001, p. 57) afirma que até o século XVIII, “[...] o modelo hierárquico, mas de sexo único, certamente interpretava o corpo feminino como uma versão inferior e invertida do masculino”, porém, apesar disso, a sociedade daquela época “[...] enfatizava, não obstante, a importância do papel do feminino no prazer sexual, especialmente no processo da reprodução”.
Partindo dessa premissa, e interpretando os dias de hoje, é importante, em primeiro lugar, destacar que existe machismo, arrisca-se a dizer, apenas porque a sociedade segrega, reparte, separa atribuições e aspectos de homens e mulheres, inclusive atribuindo esse aspecto à genitália. Nas palavras de Saffioti (1987, p. 8, grifos do original), a identidade social da mulher, assim como a do homem, é construída por meio “[...] da atribuição de distintos papéis, que a sociedade espera ver cumprido pelas diferentes categorias de sexo”, além disso, a sociedade “[...] delimita, com bastante precisão, os campos em que pode operar a mulher, da mesma forma como escolhe os terrenos em que pode atuar o homem”.
Neste sentido, quando há tal segregação, é posta, também, a ideia de superioridade de um grupo (homens) sobre outro (mulheres). É importante lembrar que a Educação (no sentido de cultura, vivência social) faz com que as pessoas nascidas macho e as pessoas nascidas fêmea construam suas identidades, pois, conforme afirma Saffioti (1987, p. 09, grifos do original),
[...] rigorosamente, os seres humanos nascem machos ou fêmeas. E através da educação que recebem que se tornam homens e mulheres. A identidade social é, portanto, socialmente construída. Se, diferentemente das mulheres de certas tribos indígenas brasileiras, a mulher moderna tem seus filhos geralmente em hospitais, e observa determinadas proibições, é porque a sociedade brasileira de hoje construiu desta forma a maternidade. Assim, esta função natural sofreu uma elaboração social, como, aliás, ocorre com todos os fenômenos naturais. Até mesmo o metabolismo das pessoas é socialmente condicionado. Pessoas que não foram habituadas a comer determinados alimentos, não raro não conseguem fazê-lo quando se encontram em sociedades que adotaram este tipo de alimentação. Se, porventura, forem obrigadas a ingeri-los, não conseguem metabolizá-los, dado o asco por eles provocado.
Sendo assim, a identidade de mulheres e homens é construída socialmente, levando em consideração os aspectos sociais, culturais, políticos etc. Tal construção não pode ser denominada de ‘natural’, porém, é comum ouvir que é ‘natural’ da mulher realizar serviços domésticos e do homem realizar serviços em âmbito público, por exemplo. Não estão corretas tais afirmações, até porque “[...] quando se institui é natural que a mulher se ocupe do espaço doméstico, deixando livre para o homem o espaço público, está-se, rigorosamente, naturalizando um resultado da história” (Saffioti, 1987, p. 11, grifos do original), ou seja, não se leva em consideração algo que foi culturalmente construído. Isso faz pensar que de tanto encarar o doméstico como feminino, este espaço se torna ‘naturalmente’ feminino, o que descaracteriza a história, a cultura e outros aspectos. O mesmo acontece com os ambientes ditos ‘naturalmente’ masculinos. A mesma autora ressalva que os seres humanos, diferentemente de outros animais “fazem história” e isso precisa ser levado em consideração nas construções sociais (SAFFIOTI, 1987).
Acerca dessas construções, Minayo (2005, p. 23-24) salienta que,
[...] a concepção do masculino como sujeito da sexualidade e o feminino como seu objeto é um valor de longa duração da cultura ocidental. Na visão arraigada no patriarcalismo, o masculino é ritualizado como o lugar da ação, da decisão, da chefia da rede de relações familiares e da paternidade como sinônimo de provimento material: é o “impensado” e o “naturalizado” dos valores tradicionais de gênero.
Nota-se certa valorização do gênero masculino em detrimento do gênero feminino, ao passo que o primeiro é o lugar de ação, chefia, enquanto o segundo é posto em desvantagem, frágil. Essa é a ideia de machismo defendida neste artigo: masculino como algo potente e primário; feminino como algo débil, morbífico, secundário.
Percebe-se, com facilidade, que o machismo prejudica inclusive os meninos e os homens. Auad (2012, p. 33) infere que eles teriam “[...] maior facilidade em recusar autoridade porque, de vários modos, esse é um comportamento mais aceito, ou quase esperado, dos seres que possuem pênis. E pobrezinhos daqueles que desejarem ser obedientes”. Da mesma forma “[...] em relação às meninas, buscar autonomia e independência, ou mesmo se distanciar espacialmente dos adultos, podem ser atitudes percebidas como algo que não combina com o feminino” (AUAD, 2012, p. 34). Essas práticas fazem sofrer tanto os meninos/homens quanto as meninas/mulheres, que obrigatoriamente, por convicção de grande parte da sociedade, precisam se encaixar em estereótipos. A autora ainda salienta que,
[...] nessa divisão, as meninas e mulheres são as obedientes, cuidadoras, que trabalham duro e asseguram a ordem, sem jamais subvertê-la. Não é preciso pensar muito para saber que tal expectativa em relação às mulheres e meninas pode causar um tédio atroz, além de ser irreal, pois muitas mulheres não a seguem. Outras as seguem e, não raro, são infelizes por jamais saberem, por exemplo, quais são suas próprias necessidades e seus desejos (AUAD, 2012, p. 35).
Essa é a concepção que vem sendo difundida socialmente – a inferiorização feminina (que pode ser representada, inclusive, em humilhação por parte de autoridades que atendem casos de violência contra a mulher, como por exemplo, nos dois casos mencionados especificamente neste trabalho). Concepção esta que perpassa a família, a instituição escolar e a mídia, instâncias que serão analisadas a seguir.
Instâncias sociais: a (má)formação
A identidade de uma pessoa é formada a partir das várias relações sociais às quais é exposta, Hall (2015) atribui o nome de sujeito sociológico para tal formação. Dentre algumas dessas relações, é possível citar três que, arrisca-se a afirmar, a maioria dos sujeitos convivem ou conviveram: família, instituição escolar e mídia.
Para Foucault (1987), as práticas de vigiar e punir foram formas de estabelecer e fixar comportamentos adequados para a época moderna, o que hoje tais comportamentos podem ser moldados, vigiados, punidos, sugeridos, em algumas instituições, que serão discutidas a seguir.
As esferas sociais têm o potencial de auxiliar na formação da identidade humana, de modo a intervir na interação social e contribuir (positiva ou negativamente) nessa definição pessoal (OLIVEIRA; MAIO, 2014). É importante salientar que as identidades são mutáveis, pois, conforme anuncia Louro (2001, p. 12), “[...] somos sujeitos de identidades transitórias e contingentes. Portanto, as identidades sexuais e de gênero [...] têm o caráter fragmentado, instável, histórico e plural”.
Em relação à identidade, ou identidades, Hall (2015, p. 09) destaca que “[...] as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado”. O autor ainda enfatiza que essa nova maneira de pensar a identidade faz pensar a crise da identidade, que são as múltiplas identidades assumidas pelo sujeito (HALL, 2015). Utilizando uma analogia da física, pode-se afirmar que tais identidades são como vetores voltados aos vários lados do sujeito, inclusive em sentido contrário, formando e completando as características desse novo sujeito da pós-modernidade³. Tais vetores podem dizer respeito à sexualidade, à religiosidade, à etnia, ao gênero, à política etc.
Oliveira e Maio (2014), ao discutirem acerca da formação da sexualidade das crianças, mencionam que a família tem grande importância nesse aspecto. Para a discussão do machismo, é possível perpassar pelos campos da Educação para a Sexualidade, de modo a discutir gênero e suas relações, por exemplo. Contudo, é possível relacionar essa formação com o desenvolvimento das identidades sociais, pois de acordo com o autor e a autora,
[...] a família parece não ter muita consciência do quão grande e decisivo é o seu papel na educação sexual de uma criança. O carinho demonstrado entre pai e mãe, pai e pai, mãe e mãe, entre os responsáveis, bem como a relação afetiva dentro de casa são alguns exemplos de demonstração de afeto e também de demonstração sexual que a criança passa a observar (OLIVEIRA; MAIO, 2014, p. 90).
Neste sentido, se nas relações familiares existe demonstração de afeto (mesmo não sendo uma regra), é possível que a prole assuma essa característica, da mesma forma, se houver expressão de machismo, as crianças, com frequência, assumirão essa postura. Quando o pai de família – em um exemplo de família composta por um casal heterossexual – inferioriza as atitudes ou o papel da mãe, são maiores as possibilidades de os/as filhos/as reproduzirem esses preconceitos. Isso pode acontecer em qualquer arranjo familiar. Em relação à violência de gênero isso também é bastante possível.
Ao mesmo passo em que a instituição família pode contribuir (ou não) em uma formação humanizadora e igualitária, a escola pode desenvolver esse papel, dependendo dos ensinamentos e aprendizados que são praticados nesta instituição.
Auad (2012, p. 31) escreve que na escola é possível dizer que “[...] as diferenças entre meninas e meninos são organizadoras do espaço social”, isso leva a considerar que “[...] o fato de as meninas serem consideradas as quietinhas e os meninos serem vistos como os bagunceiros são dados usados na hora de decidir quem vai sentar com quem e em quais lugares na sala [de aula]”. Essa segregação, que parte do gênero, pode ser aprendida e interiorizada pelas crianças que frequentam as instituições escolares, aumentando as práticas machistas, principalmente por caracterizar meninas com um atributo passivo (quietinhas) e os meninos com uma característica ativa (bagunceiros). Há quem diga que ser quietinha é uma qualidade positiva, mas há, também, controvérsias – o que não é foco deste trabalho.
Silva e Mendes (2015, p. 92) afirmam que,
[...] as relações existentes na escola marcadas pelos seus tempos determinados, espaços e símbolos dizem quais lugares estão reservados às meninas e aos meninos. Esse fato acontece de maneira tão “natural” à comunidade escolar que não nos leva à percepção da concretização das diferenças dentro da escola.
Assim, todos esses aspectos de exclusão da mulher e empoderamento do homem – na sociedade, incluindo as instituições escolares – fazem com que as pessoas tomem como ‘natural’ o ambiente de ocupação de um gênero e outro, de modo que os espaços com menos prestígio são ocupados, em sua maioria, por pessoas do gênero feminino, enquanto que os espaços com maior prestígio são ocupados, em sua maioria, por pessoas do gênero masculino. A isso também se chama de machismo. No exemplo inicial foi apresentado o caso de uma mulher no cargo de juíza, o que não a deixa ‘escapar’ de reproduzir o machismo aprendido, muito provável, na cultura machista a qual está inserida.
Silva e Mendes (2015, p. 92) ainda ressaltam que “[...] as situações que ocorrem na escola entre meninos e meninas, homens e mulheres, revelam possíveis opressões que acontecem através de gestos, movimentos e palavras”, nesse sentido, essa dinâmica se torna “[...] tão natural que passa a constituir os jeitos de ser menina ou de ser menino, homem ou mulher, delimitando espaços e designando o comportamento ideal e esperado”. Isso acontece de modo que transitar entre um gênero e outro, ou não permanecer fixamente em um deles, é considerado ‘desviante, errado, imoral’, o que pode prejudicar o livre desenvolvimento social de toda e qualquer pessoa.
Em se tratando da mídia, ressalta-se a ideia de Takara e Teruya (2013, p. 151) que consideram que os “[...] artefatos midiáticos são proponentes de discursos com potencial para estabelecer os modos de ser, pensar e agir no mundo”. Nessa perspectiva, é possível pensar que os recursos da mídia podem influenciar as maneiras de pensar e agir socialmente, logo, quando comportamentos machistas são veiculados nestes espaços, há maior chance em reproduções desse tipo por conta de quem estão em contato com esses materiais, sobretudo em se tratando de crianças em processo de formação.
Embora a mídia possa influenciar nos modos de pensar e agir das pessoas, é necessário entender, também, que tais pessoas podem confrontar as ideias apresentadas, além de criticarem e reformularem as ideias expostas por meios de divulgação em massa, como a televisão ou internet, por exemplo. Acerca disso, Melo (1998, p. 219) salienta que todo indivíduo que usa os meios de comunicação em massa, ou as grandes mídias, ou “[...] que procura ter acesso às mensagens por eles veiculadas, dispõe de uma série de mecanismos de defesa capazes de neutralizar, aniquilar ou reforçar possíveis intenções dos comunicadores”. Com isso, é possível pensar acerca do livre arbítrio dos/as telespectadores/as, porém, não se descarta a ideia de que tais canais podem influenciar os modos de pensar e agir da pessoa que os acessa.
De acordo com o autor, os indivíduos podem filtrar as ideias emitidas pela mídia, além de refutar ou aderir aos preceitos ali mostrados. Os meios de comunicação podem servir, assim, como reforçadores da vivência já adquirida (MELO, 1998), ou seja, se na família e escola – por exemplo – o indivíduo adquiriu ideias de machismo, a mídia pode reforçar tais ideias. Assim como as ideias contrárias a essa prática também podem ser reforçadas.
Araujo (2006), ao estudar o sexismo na publicidade, destaca que a representação da mulher em vários anúncios publicitários é realizada de maneira a relacioná-la como objeto sexual, de personalidade fútil, enquanto o homem, em sua maioria, é retratado com a marca da virilidade e do poder econômico. A autora ainda considera que a publicidade reflete o sistema patriarcal da cultura social, pois essa sociedade ainda apresenta muitas características machistas, preconceituosas e violentas.
Sem ir muito longe, ao analisar comerciais de marcas de cerveja(4) é possível entender a posição social ocupada pelas mulheres e a posição social ocupada pelos homens que ali são apresentadas, e muita gente pode tomar aquilo como verdade, sem questionar ou refletir a respeito. Essa situação é bem apresentada por Ouverney (2008) quando discute que os comerciais de cerveja, dentre outros atributos, anunciam a imagem da mulher como produto, com dois objetivos: vender a cerveja e seduzir o homem.
Destaca-se a escrita de Auad (2012, p. 19) quando ressalta que as relações de gênero, “[...] de modo como estão organizadas em nossa sociedade, são uma máquina de produzir desigualdades. As visões naturalistas sobre mulheres, meninas, homens e meninos representam travas para a superação dessa situação”. A autora continua dissertando que
[...] quando começamos a considerar as relações de gênero socialmente construídas, percebemos que uma série de características consideradas “naturalmente” femininas ou masculinas corresponde às relações de poder. Essas relações vão ganhando a feição de “naturais” de tanto serem praticadas, contadas, repetidas e recontadas (AUAD, 2012, p. 19).
A família, a instituição escolar e a mídia podem contribuir, raras às vezes não fazem isso, para essa naturalização de práticas consideradas femininas ou masculinas. Ao passo que a reprodução de situações segregadas enquanto atitudes, atividades, ações de homens ou mulheres, faz com que a violência, incluindo o machismo, perpetue nas práticas sociais – de muitos homens e muitas mulheres.
Conforme sugere Auad (2012, p. 14), “[...] educar homens e mulheres para uma sociedade democrática e igualitária, requer reflexão coletiva, dinâmica e permanente”. E esta reflexão deve ser realizada nas várias instâncias sociais, incluindo família, escola e mídia.
Dados que merecem atenção: a violência diante dos olhos
Até aqui foi discutido acerca do conceito de machismo, bem como seus desdobramentos; além disso, foram realizadas reflexões sobre algumas instâncias que auxiliam na formação das pessoas. Neste momento, serão reportados alguns dados que delineiam o cenário violento contra o gênero feminino, por meio de instâncias de pesquisas brasileiras como, por exemplo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2014; 2016) e o Mapa da Violência (WALSELFISZ, 2015).
Mas, antes de apresentar os dados sobre a violência contra a mulher, serão expostas, brevemente, duas leis nacionais específicas que buscam diminuir os números alarmantes dessa prática violenta: a Lei nº. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) (BRASIL, 2006) e a Lei nº. 13.104/2015, que torna o feminicídio crime hediondo (BRASIL, 2015).
A primeira Lei foi promulgada no dia 07 de agosto de 2006 e exibe em seu primeiro artigo:
[...] esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar (BRASIL, 2006, art. 1).
A referida Lei, conhecida como Lei Maria da Penha, foi elaborada pensando nas situações de violência que sofrem as mulheres. O nome se dá por conta da principal personagem na elaboração deste marco legal Maria da Penha Maia Fernandes, que após sofrer tentativas de homicídio por parte do marido (recebeu um tiro, no ano de 1983, enquanto dormia e depois de sua recuperação, foi mantida em cárcere privado e sofreu uma tentativa de homicídio por eletrocussão), procurou a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (em 1992), ONGS e mobilizou juntamente com tais órgãos o governo federal para a aprovação da Lei que se deu no ano se 2006 (PORTAL BRASIL, 2012).
O segundo artigo da Lei nº. 11.340/2006 menciona que toda mulher “[...] independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana” além disso, o mesmo artigo expressa que serão asseguradas às mulheres, “[...] as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social” (BRASIL, 2006, art. 2). Neste sentido, a referida Lei tem a intenção de diminuir os casos de violência – de qualquer natureza – contra as mulheres, criando políticas públicas específicas para isso.
Mais recentemente, no ano de 2015, foi promulgada a Lei nº. 13.104/2015 que torna feminicídio um crime hediondo, que mostra na sua introdução que tal documento altera o art. 121 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o Art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos (BRASIL, 2015).
Ainda apresenta que o feminicídio é caracterizado:
VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino:
[...]
§ 2o-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve:
I - violência doméstica e familiar;
II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher (BRASIL, 2015, art. 1).Neste sentido, ressalta-se que ambas as Leis se destacam com um princípio comum: servir como mecanismo de inibição das várias formas de violências contra as mulheres. Violências essas que têm alcançado números bastante significativos, conforme será apresentado a seguir.
O Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA) divulgou uma Nota Técnica sobre estupros no Brasil no ano de 2014. Esse documento foi elaborado a partir de dados levantados pelo Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), gerido pelo Departamento de Análise de Situação de Saúde (DASIS), da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) do Ministério da Saúde (MS) (IPEA, 2014).
Um dado relevante apresentado por esse documento é que no ano de 2011 foram registrados 12.087 casos de estupro, dos quais 88,5% foram contra mulheres (IPEA, 2014). Esse dado revela que as questões de gênero implicam, sim, nas relações de violência.
No ano de 2015 foi divulgado o Mapa da Violência, reportando casos de feminicídios no Brasil (WALSELFISZ, 2015). Esse balanço – organizado pela Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres (ONU Mulheres), Organização Pan-Americana da Saúde – Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS), Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres e pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) – apresentou que
Pelos registros do SIM(5), entre 1980 e 2013, num ritmo crescente ao longo do tempo, tanto em número quanto em taxas, morreu um total de 106.093 mulheres, vítimas de homicídio. Efetivamente, o número de vítimas passou de 1.353 mulheres em 1980, para 4.762 em 2013, um aumento de 252%. A taxa, que em 1980 era de 2,3 vítimas por 100 mil, passa para 4,8 em 2013, um aumento de 111,1% (WALSELFISZ, 2015, p. 11).
Esses números colocam o Brasil na quinta posição de país que mais mata mulheres entre 83 países no mundo (WALSELFISZ, 2015), o que sugere que as políticas públicas ainda precisam avançar no combate a essa prática. Como exemplo, e baseado na Organização Mundial da Saúde, o Brasil tem “[...] 48 vezes mais homicídios de mulheres que o Reino Unido; 24 vezes mais homicídios de mulheres que Irlanda ou Dinamarca; 16 vezes mais homicídios de mulheres que Japão ou Escócia” (WALSELFISZ, 2015, p. 72).
O IPEA ainda lançou, em 2016, uma Nota Técnica a respeito da violência deste ano. Um dos pontos discutidos é acerca da violência de gênero, em que “[...] a taxa de homicídio [sic] entre mulheres apresentou crescimento de 11,6% entre 2004 e 2014, o que demonstra a dificuldade da política pública para mitigar o problema” (IPEA, 2016, p. 26). Ainda de acordo com o documento,
[...] no período de 2004 a 2014, 18 estados apresentaram taxa de mortalidade por homicídio [sic] de mulheres acima da média nacional (4,6), sendo eles: Amapá (4,8), Bahia (4,8), Pernambuco (4,9), Paraná (5,1), Rio de Janeiro (5,3), Acre (5,4), Paraíba (5,7), Rio Grande do Norte (6,0), Pará (6,1), Ceará (6,3), Mato Grosso do Sul (6,4), Rondônia (6,4), Sergipe (6,5), Mato Grosso (7,0), Espírito Santo (7,1), Alagoas (7,3), Goiás (8,8) e Roraima (9,5) (IPEA, 2016, p. 27).
Esse número(6) é preocupante, pois se levar em consideração que ao todo o Brasil tem 27 estados (incluindo o Distrito Federal), o montante de 66,66% dos estados está com o feminicídio acima da média nacional. Isso faz pensar que ainda há muito trabalho pela frente em relação à luta em relação à violência contra a mulher(7).
A Nota Técnica do IPEA (2016, p. 28) ainda mostra dados nacionais sobre a Central do Ligue 180, da Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres da Presidência da República, em que “[...] de um total de 52.957 denunciantes de violência, 77% afirmaram ser vítimas semanais de agressões, e em 80% dos casos o agressor tinha vínculo afetivo com a vítima (marido, namorado, ex-companheiro) ”. A partir desses fenômenos justifica-se, ainda mais, a necessidade de políticas públicas de combate à violência contra as mulheres.
Mesmo esses dados sendo assustadores, o número de denúncias de violência contra a mulher pode ser muito inferior ao número de casos que, de fato, acontecem. Recentemente Maria Gabriela Prado Manssur (especialista no enfrentamento à violência contra a mulher do Ministério Público do Estado de São Paulo) afirmou que os números de violência contra a mulher são bem maiores do que os que chegam para a polícia (AGÊNCIA BRASIL, 2016). Isso pode ser justificado, dentre outras coisas, pelo fato de a vítima não querer se submeter ao julgamento social, inclusive de autoridades (como a juíza espanhola e o delegado brasileiro apresentada/o neste trabalho).
Os números aqui apresentados podem chocar, porém, esse não é o intuito. O objetivo aqui é registrar que há a necessidade de efetivação de práticas sociais que busquem diminuir ou acabar com a violência contra mulheres. Ressalta-se que o machismo é, na maioria das vezes, o principal fundamento dos agressores às mulheres (IPEA, 2014; WALSELFISZ, 2015; IPEA, 2016).
Considerações finais
Com este artigo foi possível averiguar que o machismo vai além de uma supervalorização de um gênero em detrimento de outro, mas que esta prática inferioriza o gênero feminino em relação ao gênero masculino, causando violências das mais variadas formas.
É preciso reflexão – e mudança de prática – coletiva a fim de diminuir ou acabar com o machismo na sociedade – tanto ocidental (foco deste trabalho), quanto oriental. As famílias, as instituições escolares e a mídia, por exemplo, precisam se esforçar com o intuito de pensar práticas que atenuem a segregação entre aspectos femininos e aspectos masculinos, assim, diminuindo a separação por gênero e acabando, talvez, com a violência.
No Brasil, por exemplo, há leis que podem auxiliar nas práticas, que envolvem a Educação ou outras instâncias sociais (relações humanas, familiar, ambientes públicos etc.), para emergirem situações mais respeitosas – inclusive entre os gêneros –, equânimes e de reconhecimento das diferenças, a exemplo o Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2014) e a Constituição da República Federativa do Brasil (BRASIL, 1988). Mas, vale ressaltar que apenas a lei não faz com que as práticas aconteçam, é preciso esforço por parte da sociedade como um todo.
Existem homens machistas (por exemplo, o delegado brasileiro mencionado anteriormente), da mesma forma que existem mulheres machistas (por exemplo, a juíza espanhola mencionada anteriormente). Afinal, a sociedade preconceituosa forma homens e mulheres, muitas vezes com os mesmos exemplos violentos, infelizmente, ser mulher não exime de sua prática e atitudes machistas.
A sociedade, em resumo, deve estar em contrassenso, de modo a dialogar com aspectos voltados ao respeito, reconhecimento das diferenças e contra toda e qualquer forma de violência. E esse trabalho precisa ser realizado em conjunto, de forma que as instituições sociais se complementem nessa árdua tarefa de quebra de estereótipos e diminuição das violências.
Os dados relativos à violência contra as mulheres fazem pensar que são emergentes políticas públicas que defendam os Direitos Humanos em suas várias instâncias sociais: famílias, instituições públicas, espaços privados, entre outros. Esses números reveladores de uma flagelação feminina podem e devem mudar, porém isso poderá ser realizado apenas com uma força tarefa unindo poderes governamentais, sociedade civil organizada e todas as pessoas que fazem parte desse país.
É preciso fechar a mente, mas nunca os olhos, para o machismo, o preconceito, a discriminação, e toda forma de violência. Os exemplos narrados no início desse artigo fazem pensar algo como premissa urgente: é preciso discutir, refletir, estudar, pensar, e muito, sobre as questões voltadas ao machismo. Ainda há muito trabalho pela frente. Trabalho este que deve ser iniciado desde cedo com as crianças.
Enfim, o fato de uma juíza culpabilizar uma vítima de estupro, assim como um delegado fazer o mesmo, apenas emerge a necessidade da discussão sobre o machismo mundo afora, sobretudo em países como o Brasil, em que os dados de violência contra a mulher são bastante significativos. Embora um dos casos reportados não tenha acontecido no Brasil, por meio desta pesquisa foi possível analisar que a situação neste país é bem grave, sendo uma nação com recorrentes casos de machismo que causam, inclusive, a morte.
NOTAS:
(1) O machismo é entendido neste artigo baseado, principalmente, nas autoras Saffioti (1987), Auad (2012) e Louro (2001) como a supremacia masculina que causa a inferiorização do gênero feminino provocando várias formas de violência: verbal, psicológica, física etc.
(2) A notícia foi baseada no jornal espanhol “The Local” (UOL, 2016).
(3) Aqui entende-se a pós-modernidade, baseando-se em Hall (2015), como a segunda metade do século XX, permeado por descontinuidades, fragmentações e rupturas, além do hibridismo cultural; nesta perspectiva o sujeito não é formado por apenas uma identidade, mas várias, sendo que elas são mutáveis e não fixas.
(4) Basta entrar no site do Youtube e digitar: COMERCIAL DE CERVEJA. Os exemplos sobre o machismo são inúmeros.
(5) Sistema de Informações de Mortalidade.
(6) Ressalta-se que esse número foi obtido por meio de dados de óbitos causados por agressão (IPEA, 2016).
(7) O número de feminicídio de todos os estados pode ser encontrado em detalhe no documento do IPEA (2016), cujo endereço eletrônico encontra-se nas referências deste artigo.
Referências
AGÊNCIA BRASIL. Número de casos de estupro no Brasil pode ser 10 vezes maior. 2016. Disponível em: <http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2016-05-30/numero-de-casos-de-estupro-no-brasil-pode-ser-10-vezes-maior.html>. Acesso em: 08 jun. 2016.
ARAUJO, Daniela. As Palavras e seus Efeitos: o sexismo na publicidade. 2006. 122 p. Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica do RS, Porto Alegre, 2006.
AUAD, Daniela. Educar meninas e meninos: reações de gênero na escola. São Paulo: Contexto, 2012.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 28 mar. 2016.
BRASIL. Lei 11.340/2006. Lei Maria da Penha. 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>. Acesso em: 28 mar. 2016.
BRASIL. Plano Nacional de Educação. Lei nº. 13005/2014. 2014. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13005.htm>. Acesso em: 28 mar. 2016.
BRASIL. Lei nº. 13.104/2015. 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13104.htm>. Acesso em: 25 mar. 2016.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento das prisões. Tradução Raquel Ramalhete. 27. ed. Petrópolis/RJ: Vozes, 1987.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. 12. ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2015.
IPEA. Nota Técnica – Estupro no Brasil: uma radiografia segundo os dados da Saúde (versão preliminar). 2014. Disponível em:
<http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_tecnica/140327_notatecnicadiest11.pdf>. Acesso em: 29 mar. 2016.
IPEA. Nota Técnica – Atlas da Violência 2016. 2016. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_tecnica/160322_nt_17_atlas_da_violencia_2016_finalizado.pdf>. Acesso em: 28 mar. 2016.
LISBOA, Vinícius. Advogada de vítima de estupro quer representar contra delegado na corregedoria. 2016. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2016-05/advogada-de-vitima-de-estupro-quer-representar-contra-delegado-na-corregedoria>. Acesso em: 08 jun. 2016.
LOURO, Guacira Lopes. Pedagogias da Sexualidade. In: ______ (Org.). O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Tradução dos artigos: Tomaz Tadeu da Silva. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. p. 07-34.
MELO, José Marques de. Teoria da Comunicação: Paradigmas Latino-americanos. Petrópolis/RJ: Vozes, 1998.
MINAYO, Maria Cecília de Souza. Laços perigosos entre machismo e violência. Ciências & Saúde Coletiva, v. 1, n. 10, p. 18-34, 2005.
NOGUEIRA, Maria da Conceição de Oliveira Carvalho. Os discursos das mulheres em posição de poder. Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, v. 2, n. 9, p. 57-72, 2006.
OLIVEIRA, Márcio de; MAIO, Eliane Rose. Sexualidade: a importância da família e da escola como formadores sexuais. In: CAETANO, Luciana Maria; YAEGASHI, Solange Franci Raimundo (Org.). Relação Escola e Família: diálogos interdisciplinares para a formação da criança. São Paulo: Paulinas, 2014. p. 85-100.
OUVERNEY, Jamylle Rebouças. A mulher retratada em comerciais de cerveja: venda de mulheres ou de bebidas? In: ALMEIDA, D. B. L (Org.). Perspectivas em Análise Visual: do fotojornalismo ao blog. João Pessoa: UFPB, 2008, p. 45-61.
PORTAL BRASIL. Maria da Penha. 2012. Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/governo/2012/04/maria-da-penha-1>. Acesso em: 28 mar. 2016.
SAFFIOTI, Heleieth I. B. O poder do macho. São Paulo: Moderna, 1987.
SILVA, Maví Consuelo; MENDES, Olenir Maria. As marcas do machismo no cotidiano escolar. Caderno Espaço Feminino, Uberlândia/MG, v. 28, n. 01, p. 90-99, jan./jun 2015.
TAKARA, Samilo; TERUYA, Teresa Kazuko. Pedagogias da sexualidade feminina no blog “Amigo Macho”. Revista Ártemis, v. XVI, n. 01, p. 151-163, ago./dez 2013.
UOL. Na Espanha, juíza pergunta a vítima de estupro de ela “tentou fechar as pernas”. 2016. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2016/03/10/na-espanha-juiza-pergunta-a-vitima-de-estupro-se-ela-tentou-fechar-as-pernas.htm>. Acesso em: 10 mar. 2016.
WALSELFISZ, Julio Jacolo. Mapa da violência 2015: homicídio de mulheres no Brasil. 2015. Disponível em: <http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2015/MapaViolencia_2015_mulheres.pdf>. Acesso em: 29 mar. 2016.
WEEKS, Jeffrey. O Corpo e a Sexualidade. In: LOURO, Guacira Lopes (Org.). O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Tradução dos artigos: Tomaz Tadeu da Silva. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. p. 35-82.
.....................................................................................................
Recebido: 28/04/2016.
Aceito: 22/06/2016.
___________________________________________________