DESAFIANDO NOÇÕES HEGEMÔNICAS SOBRE RESILIÊNCIA E INDISCIPLINA NO CONTEXTO ESCOLAR

 

Alex Sandro Gomes Pessoa
Psicólogo, Mestre e Doutor em Educação pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Docente da Faculdade de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Oeste Paulista (UNOESTE). E-mail: alexpessoa2@gmail.com.

Renata Maria Coimbra
Psicóloga, Mestre e Doutora pela Universidade de São Paulo (USP). Docente do Departamento de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação na Universidade Estadual Paulista (UNESP).


Resumo: Esse artigo analisa o conceito de resiliência associado a estratégias adotadas por adolescentes que apresentam problemas relacionados à indisciplina escolar, situando a realidade desses grupos nas dinâmicas do funcionamento de um sistema educativo demarcado por condições de precariedade. Para tanto, os padrões normativos de resiliência são problematizados, bem como visões hegemônicas sobre esse conceito que, historicamente, fundamentaram-se em modelos explicativos centrados no indivíduo. No decorrer deste ensaio, são apresentadas provocativas com relação à função social da escola e dos sentidos que essa instituição pode adquirir na vida de adolescentes. Argumenta-se que o modelo de educação precário oferecido a estudantes em situação de vulnerabilidade social pode colaborar na produção da indisciplina na escola. A falta de reciprocidade entre a instituição escolar e os interesses subjetivos de adolescentes indica a necessidade do redirecionamento do problema e das questões a serem investigadas.
Palavras-chave: Resiliência. Indisciplina. Adolescente. Escola.

CHALLENGING HEGEMONIC NOTIONS ON RESILIENCE AND INDISCIPLINE AT SCHOOL CONTEXT

 

Abstract: This paper analyses the concept of resilience associated to strategies adopted by adolescents who presents problems regarding indiscipline at school environment, relating their contexts to the dynamics of schooling system demarcated by precarious conditions. Thereby, the normative patterns of resilience are problematized, as well as the hegemonic points of view of this concept, which have been historically grounded in explicative models focused on the individual characteristics. It also presents a provocative approach regarding the social function of the school and the meanings that this institution may acquire in the adolescents' lives. It is argued that the education model offered to the students exposed to social exclusion can collaborate in the production of indiscipline in the schools. The lack of reciprocity between schools and the subjective interests of adolescents indicate the need to redirect the problem and the issues to be investigated.
Keywords: Resilience. Indiscipline. Adolescence. School.

 

Introdução

Os modelos teóricos que colaboraram na consolidação da psicologia enquanto campo de estudos enfatizam, majoritariamente, elementos do desenvolvimento humano por um viés patológico, deficitário ou que colocam sujeitos em desvantagens (MOHAUPT, 2008). A centralidade desses estudos reside na busca da compreensão do impacto que determinados eventos adversos ou estruturas sociais precárias provocam nos indivíduos, tornando-os vulneráveis e carecedores de intervenções psicossociais, seja no campo da saúde ou educação.

Entretanto, os estudos sobre resiliência direcionam a atenção para os fatores que são favorecedores do desenvolvimento saudável, mesmo quando são encontradas no contexto do sujeito condições extremamente adversas. Assim, torna-se relevante refletir sobre os indicadores sociais que conduzem pessoas a encontrarem formas de lidar tão distintas com os infortúnios da vida. Em alguns casos, as pessoas simplesmente sucumbem mediante situações problemáticas. Em outros, nota-se o aparecimento de estratégias, objetivas e subjetivas, que diluem a intensidade do impacto das adversidades.

O conceito de resiliência, circuncidado de discursos polissêmicos, vem ganhando espaço no cenário acadêmico nacional, variando intensamente de acordo com a área de estudo e com a visão de seus proponentes (YUNES, MENDES, ALBUQUERQUE, 2005). Ao se analisar o movimento histórico da construção desse conceito, constata-se a existência de abordagens investigativas reveladoras de movimentos teóricos que abrangem posicionamentos mais estáticos, por meio dos quais resiliência é concebida como traço de personalidade, e, portanto, atribuído hereditariamente como uma marca do indivíduo, até discursos que salientam as questões sociais como produtoras de resiliência (BOLZAN, GALE, 2011).

Embora não haja consensos na definição do conceito de resiliência aplicado às Ciências Humanas, sinteticamente, esse construto tem sido associado com o desenvolvimento positivo de crianças, adolescentes e pessoas quando se deparam com adversidade. Contudo, essa definição não demarca claramente referenciais epistemológicos, configurando-se como abstrata e insuficiente para abarcar dinâmicas sociais mais complexas que influenciam o desenvolvimento humano.  

Neste ensaio resiliência é entendida com dinamicidade, levando em consideração aspectos comunitários e culturais (UNGAR et al., 2007), num processo situado ontologicamente e atrelado à história do indivíduo. Enfatiza-se, desse modo, que os processos de resiliência são uma construção social que mobilizam recursos internos, mediados pela disponibilidade de recursos sociais que trazem sentidos pessoais positivos (BOTTRELL, 2009). Não se trata, portanto, apenas de respostas adaptativas ou criativas frente às adversidades, mas sim de recursos extraídos do contexto que criam oportunidades de desenvolvimento e formam identidades fortalecidas.

Reforça-se a necessidade de elaboração de uma perspectiva crítica sobre esse domínio conceitual, pois quando resiliência é abordada sem problematizações conjunturais da realidade, corre-se o risco de superficializar o debate e elaborar modelos explicativos meramente descritivos (MARTINEAU, 1999). A condução de pesquisas com esse viés aproxima o conceito ao modelo positivista de ciência e retoma questões aparentemente já superadas, como fundamentações que focalizam exclusivamente recursos internos. Novos paradigmas para essa área de estudo exigem um comprometimento dos pesquisadores em termos da compreensão da totalidade da realidade social, que só serão viabilizados na medida em que os recortes metodológicos e aportes teóricos sejam capazes de desnudar a complexidade das relações humanas em sua totalidade.

Com base nessas interlocuções, o objetivo deste trabalho é analisar o conceito de resiliência associado a estratégias adotadas por adolescentes que apresentam problemas relacionados à indisciplina escolar, situando a realidade desses grupos nas dinâmicas do funcionamento de um sistema educativo demarcado por condições de precariedade. Embora não sejam discutidos resultados de estudos empíricos, salienta-se que as reflexões empreendidas no decorrer do texto são provenientes do trabalho de campo realizado nos últimos anos pelos proponentes deste ensaio, incluindo pesquisas e intervenções realizadas com adolescentes que apresentam envolvimento em atividades consideradas anti-sociais e ou ilícitas.

Individualização de problemas sociais

Após essa contextualização dos elementos constituintes do construto da resiliência, torna-se relevante situá-lo criticamente, objetivando uma ruptura com a lógica dos discursos dominantes fomentados por grupos hegemônicos. “Competência” e “sucesso”, termos corriqueiramente utilizados nesse corpo teórico, são expressões ilustrativas de como esse campo conceitual pode colaborar num processo de responsabilização exclusiva do sujeito para o enfrentamento de adversidades, tornando individuais questões que devem ser consideradas de ordem social.

Giroux (2002), por exemplo, ao analisar novas dinâmicas das políticas sociais direcionadas à adolescência, mediante a uma nova representação social da cultura juvenil, sugere que se tornou frequente na ciência remover os problemas do contexto social para o campo privativo. O autor discorre sobre o papel demonizador que a mídia assume e dos sistemas de segurança adotados pelas escolas, que transformam os jovens em suspeitos que necessitam de regimes especiais de observação e controle. Como desdobramento da individualização de questões sociais, emerge a criminalização do adolescente e a priorização de métodos punitivos em detrimento de investimentos sociais que focalizam a minimização dos mecanismos excludentes e exploratórios. 

Na mesma direção, o trabalho de Kelly (2001) chama a atenção para as formas de regulação das práticas discursivas de especialistas e estudiosos no que se refere à responsabilização do jovem em situação de risco. Acrescenta que tais produções fornecem dispositivos para a delimitação de quais comportamentos devem ser compreendidos como indesejáveis. Ao definir as condutas de risco no âmbito da pesquisa, somado a identificação de seus protagonistas, surgem, concomitantemente, os contextos de risco. Ao demarcar esses grupos, criam-se representações sociais sobre segmentos que carregam, em si, “riscos para a sociedade”. Portanto, os debates acadêmicos, quando individualizam as questões sociais de jovens em situação de vulnerabilidade social, corroboram para a perpetuação da exclusão e para uma visão simplista do contexto histórico desse público.

Quando não individualizado o problema, também é possível encontrar, não raramente, debates conservadores, seja na ciência ou no campo político, que buscam problematizar a relação desses jovens com suas famílias. A culpabilização da família pelo suposto “insucesso” de adolescentes e jovens, bem como a rotulação de lares como “ambientes desestruturados”, é compreendida como mais uma estratégia ideológica para desresponsabilizar o Estado e a sociedade como um todo no processo da construção social da exclusão.

A proposta não é fazer apologia à ideia de família enquanto instituição sagrada. Ao contrário, reconhece-se que muitas delas precisam de uma intervenção mais próxima, que pode variar em termos de tipo e intensidade (GORDANA, 2012). Contudo, as investigações sobre resiliência que buscam problematizar os chamados “comportamentos inadequados” e suas famílias, não podem negligenciar as questões objetivas que operaram no mal funcionamento da dinâmica relacional, uma vez que abarcam diversas questões, como alta jornada de trabalho dos progenitores, privação material de recursos, inacessibilidade a instrumentalização de cuidados parentais adequados, políticas públicas inoperantes, entre tantas outras.

A individualização dessas questões, direcionando “resultados indesejados” ao sujeito ou à família, também tem outra função. Ao incorporar o sentimento de culpa e a auto-percepção de fracasso, os indivíduos deixam de se organizar coletivamente, em termos de classe social, pertencimento étnico e gênero. Esse quadro inviabiliza a mobilização em prol da coletividade e silencia, mais uma vez, as maiores vítimas de um sistema de organização social que tem como núcleo estruturante as injustiças e a desigualdade.

Assim, argumenta-se que resiliência não pode ser situada no plano individualizante. Ao contrário, deve-se assumir que os recursos sociais disponíveis para adolescentes e jovens em situação de risco são indispensáveis para a construção de trajetórias de superação de condições adversas. Além disso, faz-se emergencial reconhecer que a exclusão social produzida cotidianamente, bem como a realidade abismal de desigualdade de oportunidades, favorece o surgimento de comportamentos taxados como inapropriados ou desviantes.

Nessa direção, sabe-se que caminhos alternativos para a expressão de resiliência, conceito predominantemente assentado sobre ideais dominantes de ajustamento, podem não ser reconhecidos, sobretudo pela comunidade acadêmica; ao contrário, serão aprioristicamente relacionados com problemas individuais, naturalizando questões que, sem sombra de dúvidas, são de natureza social.

Subvertendo modelos explicativos hegemônicos

A ênfase dada neste ensaio é voltada para o contexto de adolescentes e jovens inseridos em realidades que expressam as injustiças sociais, tipificados pela lógica de organização social vigente, que tem em seu bojo os processos de exclusão como centrais na perpetuação de seu modelo. Assim, as reflexões aqui empreendidas estão articuladas com as classes populares e alunos de escolas públicas (ou delas já excluídos). Esse recorte se deu em função da literatura apresentar que a instituição escolar é um dos espaços privilegiados para a promoção de resiliência, seja pela quantidade de tempo que os alunos permanecem nela ou pela potencialidade existente nas relações interpessoais estabelecidas. 

Entretanto, é de suma importância esclarecer ao leitor que a definição arbitrária de comportamentos de “risco”, incluindo a questão da indisciplina, pode obscurecer o entendimento sobre as trajetórias de resiliência que alguns indivíduos encontram como estratégias de lidar com adversidades e formas de privação. Compreende-se que a indisciplina no contexto escolar pode fornecer elementos fortalecedores, de ordem subjetiva, como formas alternativas encontradas por adolescentes em situação de exclusão. Antes de apresentar os argumentos que respaldam essa concepção, faz-se necessário analisar alguns aspectos relativos ao contexto escolar, inserindo o atual modelo de funcionamento institucional dentro da lógica social vigente.

Parte-se da ideia que discutir a função social da escola é fundamental (MÉSZÁROS, 2005), especialmente quando se busca compreender os elementos subjetivos que conduzem crianças e adolescentes a aderirem a propostas pedagógicas ou apresentarem problemas de indisciplina, expressando rejeição ao modelo educativo vigente (ASBAHR, 2011). Entende-se que ao analisar a função social da escola, ou seja, os motivos que justificam sua existência na contemporaneidade, necessariamente se devem discutir os sentidos que esta instituição pode adquirir na vida dos sujeitos que a frequentam, colaborando ou não para a construção dos processos de resiliência.

Durante muito tempo justificava-se que ao frequentar regularmente a escola, as pessoas poderiam assegurar os melhores postos de trabalho. A relação entre processo educativo formal e obtenção de status profissional era algo bastante motivador. Não seria precipitado afirmar que o suposto processo de democratização escolar destitui essa lógica (ver o trabalho de SPOSITO e GALVÃO, 2004). Se antes frequentar uma escola era o critério mais importante para a seleção dos “mais bem preparados”, o que fazer quando todas as pessoas (ao menos no plano teórico) tiveram acesso à escolarização? Além disso, se a escola já não mais pode garantir o sucesso na inserção no mercado de trabalho, quais outros elementos tornam-se motivadores?

Outra questão que poderia ser feita é sobre a importância de aprender os conteúdos científicos. A inadequação dos currículos escolares à realidade das culturas juvenis, certamente é uma das questões centrais na produção da indisciplina escolar. As metodologias propostas em formas excessivamente descompassadas da realidade do jovem, não provocam no aluno interesse por conteúdos pedagógicos. Como resultados, constantemente aparecem questionamentos que sugerem uma inutilidade dos conteúdos escolares (ASBAHR, 2011).

O trabalho desenvolvido por Patto (2000) merece ser destacado, pois trouxe problematizações assertivas sobre o cenário educacional brasileiro. A autora revelou como o cotidiano escolar, bem como as práticas educativas, a falta de clareza dos referenciais teóricos adotados, a manutenção do preconceito, entre outros aspectos, produzem, cotidianamente, o fracasso escolar. Esses achados são de extrema relevância, pois são pioneiros em discutir uma conjuntura de processos que inviabilizam a aprendizagem, extrapolando modelos analíticos pautados exclusivamente na responsabilização do indivíduo.

Nessa mesma direção, Freire (2006) pontua que a estrutura da escola se mantém intacta nas últimas décadas, sendo que a única diferença contatada é que, agora, os castigos físicos não são mais tolerados. Diante dessas constatações, ocorre um sofrimento generalizado: do aluno, porque não aprende, e do professor, que por sua vez, não sabe o que fazer com os alunos que não aprendem, mas permanecem trancafiados em salas de aula. Assim, o autor chega à conclusão de que, se os castigos já não funcionam mais, porque a escola não foi pensada para existir com ideais mais progressistas, “será preciso inventar uma escola com liberdade para que os métodos democráticos funcionem” (FREIRE, 2006, p. 132).

Após diversas ações empíricas na escola, Paro (2011) também apresenta colocações contundentes em seu trabalho. Para o autor, o mesmo modelo de ensino empregado na pós-graduação, é utilizado nas séries iniciais do Ensino Fundamental. Assim, uma instituição que não considera as especificidades de seu público e é alheia às expectativas sociais, não poderá redefinir sua função social em termos significativos para aqueles que usufruem dos serviços prestados.

Desse modo, se a escola não revela sua importância, tampouco comprova a relevância social de seus conteúdos, e, ao mesmo tempo, obriga crianças e adolescentes a permanecerem em salas fechadas com estruturas precárias, é compreensível que alguns desses sujeitos busquem outras formas e espaços de desenvolvimento. Para muitos, por meio da indisciplina pode haver uma forma de revelar autenticidade. Ao chamar atenção de toda comunidade escolar por uma conduta que é considerada não convencional ou inapropriada, alguns adolescentes e jovens adquirem status, respeito e um tratamento diferenciado.

A pesquisa conduzida por Macedo (2009) reitera esse posicionamento. A autora, ao pesquisar os motivos que geram a indisciplina de acordo com a perspectiva dos alunos do ensino fundamental, revela que diversos argumentos são apresentados, destacando-se especialmente variáveis de natureza pedagógica, como por exemplo, professores descompromissados, ausência de planejamento das aulas e um currículo desestimulante.

Já no estudo conduzido por Lochan (2010), outros elementos são trazidos à tona. Por meio de um estudo de abordagem qualitativa, foi revelado que os estudantes indicam que diversos fatores possibilitam a perpetuação de comportamentos inapropriados no contexto escolar, a saber: influência das relações entre pares, influências de modelos comportamentais encontrados nos próprios lares, o papel desempenhado pela comunidade e pelas mídias (em especial a televisiva) e atitudes dos professores que geram comportamentos inapropriados no contexto escolar. Os achados desse estudo revelam a complexidade do tema e a similaridade da problemática em âmbito internacional.

Portanto, considera-se que a falta de sentidos e significados em atividades educativas, bem como a percepção da inutilidade dos conteúdos escolares, é, muitas vezes, suprida por um senso de pertencimento que só foi encontrado por meio da indisciplina. Além disso, o encontro com pessoas que têm a mesma percepção negativa sobre a escola pode favorecer a criação de relações significativas entre pares, contribuindo para a formação de grupos taxados como indisciplinados, mesmo que para isso seja necessário assumir o estigma de “desajustados”.

A indisciplina na escola não é uma exclusividade de segmentos expostos a indicadores de vulnerabilidade social. No entanto, afirma-se que quanto mais precário o sistema de educação formal ofertado, bem como a falta de sentidos para o conteúdo pedagógico sistematizado, mais acentuado será o não engajamento de adolescentes e jovens no processo de escolarização. Assim, como pode ser visualizada na Figura 1, da falta de sentidos na relação entre escola e aluno podem sugerir a necessidade da busca por trajetórias alternativas de expressão da resiliência.

Um dos estudos mais relevante sobre a expressão de resiliência por meio de atitudes e valores considerados antissociais pode ser encontrado no trabalho de Ungar (2004). Em seus escritos, o autor desafia conceituações largamente validadas pela comunidade acadêmica no que se refere aos padrões de resiliência. Assegura que, em casos onde o adolescente não encontra cuidadores ou instituições que ofereçam suporte adequado e alinhado com suas necessidades, incluindo as práticas educativas formais, estratégias não convencionais são usadas como forma de assegurar a própria identidade e o reconhecimento social.

Em consonância com essa perspectiva, Bottrell (2009) aponta que os estudos que definem a escola como promotora de resiliência, sem analisar a perspectiva dos próprios estudantes, devem revisar esses parâmetros normativos. Em estudo conduzido com adolescentes do sexo feminino que evadiram a escola ficou evidente que a instituição não supria a necessidade do grupo investigado, favorecendo o envolvimento em outras atividades sociais, incluindo a adesão a grupos estigmatizados que realizam atividades tidas como antissociais, mas que ao mesmo tempo, sustentavam o sentimento de pertencimento que não foi encontrado na escola.    

Faz-se necessário, portanto, criar mudanças efetivas e estratégias interventivas que desloquem os processos de resiliência que estão associados à indisciplina escolar para parâmetros que sejam potencializadores das habilidades, interesses e necessidades dos alunos. Sinaliza-se, então, que um dos pontos centrais nessa empreitada é refletir com a comunidade acadêmica as razões pelas quais a indisciplina no contexto escolar se tornou uma das questões centrais no que se referem aos problemas do sistema educacional.

Uma reversão paradigmática, além de provocativa, poderia trazer elementos essenciais para o entendimento dessas questões. Em outras palavras, a falta de reciprocidade entre a instituição escolar e os interesses subjetivos de adolescentes poderia estar indicando que a escola não tem assumido com êxito sua função social e, portanto, caberia ao menos uma reflexão sobre a necessidade de redirecionamento do problema, uma vez que, nesse caso, a indisciplinada seria a própria escola.

Considerações Finais

As instituições escolares que recebem adolescentes e jovens em situação de exclusão social, quando deixam de reconhecer o caráter político de seu trabalho, bem como quando se posicionam alheiamente ao processo histórico de marginalização e ocultamento das aspirações individuais, estão a serviço de uma prática que intensifica os efeitos advindos das adversidades que estão presentes no cotidiano desses sujeitos e, portanto, não viabilizam os processos de resiliência para esse segmento.

Além disso, é necessário avançar na produção do conhecimento sobre os motivos que geram a indisciplina, que se limita a estabelecer descrições dos comportamentos e atribuir relações causais para explicar a sua origem. Sugere-se que novos recortes investigativos sejam traçados, visando compreender a percepção dos alunos sobre a função social da escola em suas vidas, pois na medida em que essa instituição não fomenta sentidos pessoais, o engajamento no processo de escolarização pode ser prejudicado, propiciando, em alguns casos, o surgimento de atitudes não convencionais para o sistema educacional.  

Acredita-se que os referenciais teóricos em resiliência se configuram como paradigmas apropriados para elucidar questões relevantes sobre essa temática, desde que os posicionamentos não estejam atrelados a concepções biologizantes ou naturalistas do desenvolvimento humano em situação de risco. Caberia, desse modo, reconhecer que o modelo de educação precário oferecido a estudantes em situação de vulnerabilidade social pode produzir a indisciplina escolar. Essas condutas denunciam a não aceitação de modelos educativos arcaicos e representam uma forma de resistência desse grupo, sustentando identidades fortalecidas e permeadas por elementos que subsidiam formas alternativas de expressão da resiliência.

 

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Recebido: 25/11/2015.
Aceito: 05/04/2016.

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