A CIÊNCIA ESTÁ EM CRISE?

 

Máximo Alessandro Mendes Ottoni
Mestre em Desenvolvimento Social pela Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes. Professor da Faculdade Prisma de Montes Claros-MG. E-mail: maximo.ottoni@yahoo.com.br.

Elton Dias Xavier
Doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Doutorando em Ciências Sociais na Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ. Professor titular da Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes. Professor do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Social da Unimontes. Professor convidado do Doutorado em Direito da Universidade de Buenos Aires – UBA.

Soraya Cavalcante Nunes Ottoni
Especialista em Docência do Ensino Superior pelo Instituto Superior de Educação – ISEIB. Certificação Green Belt (com ênfase em Estatística Descritiva e Inferencial - Metodologia “Seis Sigma”). Professora da Faculdade Prisma de Montes Claros-MG.


Resumo: Objetivou-se neste estudo apresentar críticas e proposições quanto à ciência, utilizando como ferramenta a pesquisa exploratória do tipo bibliográfica, uma vez que muitos descobrimentos científicos são considerados inquestionáveis quanto aos seus benefícios, principalmente nas áreas da saúde e tecnologia. Contudo, pode-se questionar que esse conhecimento não comunga com os demais tipos de conhecimento que existem. A ciência tem um pensamento dominador, visto que ela tenta ser a detentora da verdade absoluta, colocando os outros conhecimentos em um grau inferiorizado. O progresso da ciência tem forte relação com o pensamento capitalista, o que a torna globalizante. A consciência livre seria capaz de desenvolver uma ciência e tecnologia com a liberdade necessária para organizar o trabalho e as relações entre os homens, de modo que a vida humana fosse protegida e recompensada. Uma visão reconceituada da ciência contempla a construção de uma pesquisa pós-moderna, que seja de fácil acesso aos indivíduos e que fale da realidade, do vivido, exigindo uma superação dos estragos do capitalismo em nível global.
Palavras-chave: Conhecimento. Capitalismo. Métodos científicos.



_______________________

THE SCIENCE IS IN CRISIS?

Abstract: The objective of this study is present criticism and proposals to science, using the exploratory research of bibliographical, since many scientific discoveries are considered unquestionable as to its benefits, mainly in the health and technology areas. However, it is questionable that this knowledge does not share with other types of existing knowledge. Science has a dominating thought, as it tries to be the holder of absolute truth, putting other knowledge in a lower grade. The progress of science has a strong relationship with capitalist thinking, making it globalized. The free conscience would be able to develop a science and technology with the necessary freedom to organize work and relations among men, so that human life was protected and rewarded. A reconceptualized view of science includes the construction of a postmodern research, which is easily accessible to individuals and to, speak of reality, of the lived, requiring overcoming the ravages of capitalism globally.
Keywords:  Knowledge. Capitalism. Scientific methods.

 

_______________________

Introdução

Por se tratar de um conjunto de conhecimentos relativos às categorias de fatos ou fenômenos, o progresso da ciência tem forte relação com o conhecimento humano a respeito da natureza, da sociedade e do pensamento. Dessa forma, conhecimento científico passou a diferir dos demais conhecimentos contemplando uma visão globalizante.

Sabe-se que a ciência se opõe à opinião e ao senso comum. Uma consciência livre poderia levar a ciência e tecnologia a um desenvolvimento diferenciado, proporcionando uma nova forma de pensar e organizar o trabalho e as relações entre as pessoas, tendo como foco a preservação da vida humana; a reconceituação da ciência deve contemplar o surgimento de uma pesquisa pós-moderna, que facilite o acesso das pessoas e que mostre a realidade, o vivido, e que necessite superar as mazelas deixadas pelo capitalismo. Sobre o senso comum, as ciências naturais recusam esta modalidade, enquanto que as ciências sociais se apropriam dele, mantendo relação complexa e dual.  

A utilização do conhecimento científico apropriada pelo capitalismo contribuiu para o desenvolvimento tecnológico; mas esse modelo de desenvolvimento gerou, dentre outras, a violência social, devido à elevação da taxa de desemprego (SANTOS, 1989).

O conhecimento científico, atualmente considerado isolador, coloca cientistas “presos” em laboratórios e alternativas são discutidas concomitantes ao avanço da ciência, ou seja, o universalismo deveria ser tratado como impessoal, as conquistas científicas seriam oriundas da colaboração social e de propriedade de todos e a linguagem da ciência não seria mais incompreendida em relação aos outros conhecimentos da sociedade, respeitando as questões regionais, sociais e culturais, juntamente com a diversidade dos tipos de conhecimentos.

O homem moderno foi se transformando apático aos acontecimentos e, convidado a nada mais que compartilhar da experiência brutal e uniforme da modernidade. O progresso técnico e científico em vez de criar um mundo de receptividade gerou opressão, miséria e sofrimento a tal ponto que as pessoas se acostumaram a tais mazelas. Noções como verdade, justiça, razão, bem, mal, virtude e Deus foram relativizados no mundo moderno como consequência do progresso técnico e científico. É sabido que a ciência não é um conhecimento completo, podendo assim buscar novos paradigmas para a sua atuação. E esses são os valores mais almejados pelas ciências sociais: assumir o risco de pensar novos valores e abrir novos horizontes para a experiência humana na história. 

Reflexões sobre a crise científica

No Mito da Caverna de Platão, é contada uma história onde prisioneiros acorrentados numa caverna desde o nascimento só veem sombras projetadas numa parede, que são refletidas por uma fogueira. Como só enxergam sombras, pensam que aquilo seria a realidade. Um deles consegue se soltar e encontra a luz do dia e toda a realidade. Ele entra em contato com as plantas, as pedras, o céu, o sol, as estrelas e tudo de belo que existe na natureza. Quando retorna à caverna para contar o que viu, as pessoas não queriam sair da caverna. Essa história provoca um questionamento sobre a necessidade do homem na busca do conhecimento. (PLATÃO, 1956).

No dicionário Aurélio on line, o termo ciência é definido como um “conjunto organizado de conhecimentos relativos a certas categorias de fatos ou fenômenos.” Também é definido como um “conjunto de conhecimentos humanos a respeito da natureza, da sociedade e do pensamento, adquiridos através do desvendamento das leis objetivas que regem os fenômenos e sua explicação: o progresso da ciência.”

Esses conhecimentos, segundo Lakatos e Marconi (2007), seriam divididos em quatro tipos: popular, científico, filosófico e religioso, contendo cada um as suas peculiaridades. Mas, os autores diferenciam o conhecimento científico dos outros conhecimentos, principalmente quando dizem que o conhecimento popular ou vulgar é provindo de educação informal e de imitação e experiência pessoal; já o conhecimento científico seria apoiado em treinamento apropriado, sendo racional e contendo procedimentos científicos e uma visão globalizante.

Sobre os métodos científicos, Santos (2005) cita o cientista, matemático e físico Isaac Newton que dizia que o mundo da matéria seria uma máquina que poderia ser traduzida por leis da física e da matemática. Contudo, esse mecanicismo da ciência moderna, que coloca questões sociais e humanas como se fossem problemas matemáticos, não consegue quantificá-las devido à sua complexidade e subjetividade, gerando ainda hoje uma crise no campo do conhecimento.

Santos (1989), comentando sobre a ciência moderna, diz que o período atual seria uma transição, pois a ciência se distanciou do discurso do senso comum e do discurso religioso, diferentemente das ciências sociais e das ciências humanas, em que o conhecimento é construído a partir da realidade social. Buscando o exemplo da sociologia, é percebido que ela encontra grande dificuldade em ser considerada uma ciência. Com esse pensamento, é percebido que:

Este ataque maciço à diversidade epistemológica do mundo provoca um empobrecimento sem precedentes da experiência social e cultural. Os saberes não-científicos e não-ocidentais ou são suprimidos, ou são reduzidos à condição subalterna de conhecimentos alternativos, uma condição que os desarma epistemologicamente e os torna vulneráveis a serem transformados em matéria-prima, como está a suceder com o conhecimento indígena e afro-descendente da América Latina e o conhecimento camponês da África [...] (SANTOS, 2005, p. 100).

Kincheloe e MacLaren (2006) dizem que, uma forma de buscar uma “nova ciência” seria a utilização da teoria crítica reconceituada, pois ela tem a capacidade de romper e de contestar o status quo¹da ciência atual. Essa teoria, também inspirada em pensadores como Marx, Kant, Hegel e Weber, serviu para reinterpretar questões mundiais, em determinados períodos conturbados, como a Primeira Guerra Mundial e suas mazelas. Analisando o capitalismo, teóricos críticos como Horkheimer, Adorno e Marcuse perceberam como se dão as formas de dominação e ficaram perplexos com a cultura americana e com os pensadores sociais do país.

Conforme os autores, a teoria crítica Marcusiana sobre libertação emocional e sexual alcançou sucesso na década de 1960 nos Estados Unidos, proporcionando nova forma de pensar, dando força à “nova esquerda”. Dessa forma, muitos acadêmicos e estudiosos aderiram à teoria crítica e perceberam que as ciências sociais deveriam ser reconstruídas, a fim de obter uma ordem social mais democrática e igualitária.

Seguindo a teoria crítica, Giroux (1988) apud Kincheloe e MacLaren (2006, p. 282) afirmou que “as escolas podem se tornar instituições onde se ensinam formas de conhecimento, de valores e de relações sociais com o propósito de educar jovens para a capacitação crítica, e não para a subjugação.”

Comentando sobre teoria social, Kincheloe e MacLaren (2006) explanam que:

Uma teoria social crítica preocupa-se, particularmente, com as questões relacionadas ao poder e à justiça e com os modos pelos quais a economia, os assuntos que envolvem a raça, a classe e o gênero, as ideologias, os discursos, a educação, a religião e outras instituições sociais e dinâmicas culturais interagem para construir um sistema social. (KINCHELOE, MACLAREN, 2006, p. 283)

Para se ter uma noção da crítica reconceituada, Costa (1997), referenciando Karl Marx, fala que o homem alienado só recuperaria a sua condição humana com uma crítica radical aos sistemas econômico, político e filosófico, que seriam responsáveis por o deixarem de fora da inclusão efetiva na vida social. Mas essa teoria crítica reconceituada não aceita o que é conhecido como marxismo ortodoxo, que diz que fatores econômicos conduzem a natureza humana em todos os seus aspectos, mas vê que os fatores econômicos são importantes para a humanidade.

Sobre a racionalidade instrumental/técnica, alguns críticos a enxergam como algo que oprime a sociedade atual, dizendo que a racionalidade está mais interessada no método e na eficiência, e não na finalidade. Dessa forma, o fator humano, que deveria ser o principal objetivo da pesquisa das ciências, fica relegado a segundo plano (KINCHELOE, MACLAREN, 2006).

Alguns autores comentam que Gramsci percebe as dominações psicológicas sociais do século XX, no qual há tentativas de dominação através de instituições culturais, tendo como exemplos a mídia, a família, a escola, a igreja e outras. Tais instituições serviriam para disseminar a ideologia dominante com a finalidade de dominação e manutenção do status quo. A linguagem, geralmente técnica, seria um dos fatores que distancia o indivíduo do conhecimento científico, servindo também como instrumento de dominação, já que o seu entendimento é específico e depende de certos graus de conhecimento.

Nesse contexto, Santos (1989, p. 19) pergunta: “Estamos numa crise de crescimento ou degenerescência da ciência moderna?”. Bachelard explicita que:

a ciência se opõe absolutamente à opinião. O ‘senso comum’, o ‘conhecimento vulgar’, a ‘sociologia espontânea’, a ‘experiência imediata’, tudo isto são opiniões, formas de conhecimento falso com que é preciso romper para que se torne possível o conhecimento científico, racional e válido. (BACHELARD apud SANTOS, 1989, p. 31).

A alternativa de uma ruptura epistemológica é compatível com o período de transição da ciência, pois: "o que se pretende é um novo senso comum com mais sentido, ainda que menos comum" (SANTOS, 1989, p. 150).

Sobre a superação da ciência, os autores Kincheloe e MacLaren (2006) vão dizer que em um mundo individualista, privatizado e globalizado, exige-se a construção de uma pesquisa diferenciada, que seja acessível à população e comente também sobre o cotidiano; que deixe de atender interesses dominantes, que tenha uma crítica para um mundo melhor, sem misérias e falsidades. Exige uma superação dos estragos do capitalismo em nível global. Dizem também que os grupos privilegiados têm total interesse em manter o status quo, protegendo suas vantagens. Diferente dos que buscam a emancipação para adquirirem o controle da sua vida e também da liberdade comum. 

Em relação ao individualismo, Levine et al. (1989, p. 6) explanam que o “comportamento individual era considerado pelos marxistas como uma execução das posições de classe, enquanto os economistas burgueses o consideravam como ação racional, guiada pelo interesse próprio”.

Em se tratando do senso comum, Santos (1989) descreve que as ciências naturais sempre o recusaram, mas as ciências sociais têm com ele relação complexa e ambígua. As diversas correntes veem o senso comum de diferentes formas, umas pelo lado negativo, outras pelo lado positivo. Também o modelo de racionalidade da ciência moderna é questionado, pois na análise dos processos mentais ocorrem muitos falseamentos, visto que a racionalidade e a irracionalidade são complexas.

Ainda sobre o assunto, James apud Santos (1989, p. 48) faz um paralelo, colocando o conhecimento religioso acima dos conhecimentos e dizendo que o senso comum “é melhor para uma esfera da vida, a ciência para outra e a crítica filosófica para uma terceira; mas só Deus sabe qual deles é, em termos absolutos, mais verdadeiro.”.

Horkheimer (2002, p. 142) já discute sobre a libertação pela religião, no qual “pela própria negação da vontade de autopreservação em favor da preservação da alma eterna, o Cristianismo afirmou o valor infinito de cada homem, ideia que penetrou até nos sistemas não-cristãos ou anticristãos do mundo ocidental.”. Seria imitando o sofrimento de Cristo que a pessoa adquiriria nova dimensão e ideal. Comenta também a “(...) circunstância de que o cego desenvolvimento da tecnologia reforça a opressão e exploração social ameaça a cada passo transformar o progresso em seu oposto, o barbarismo completo”. (p. 139).

Sobre a ciência no norte da América, Santos (1989) explica que os Estados Unidos, no início das décadas de 1930 e 1940, juntamente com as suas implicações, a tratou com desprezo devido a sua má utilização por parte da Alemanha, seja em guerras ou nos testes realizados em seres humanos por médicos nazistas. Contudo, houve o desenvolvimento do capitalismo americano que gerou grande desenvolvimento tecnológico, mas também gerou violência social devido ao desemprego tecnológico provocado e revoltas operárias.

O autor diz que a ciência, trabalhando junto com a máquina de guerra, que já havia dado o seu início na Primeira Guerra Mundial, produziu aparatos militares como armas, explosivos e outros. Isso foi chamado de “prostituição da ciência”, gerando um movimento anticiência. Esse processo de industrialização da ciência que a colocaria no auge, foi na realidade uma perda da produção ideológica, entrando em conflito com o sentido da intervenção da produção material. A máquina de guerra, ao invés de ser finalizada, cresceu apoiada pela ciência. A bomba atômica em Hiroshima e Nagasaki foi, talvez, o maior exemplo de a que ponto a ciência poderia chegar.

Horkheimer (2002, p. 133) explica que tanto a razão quanto o indivíduo estão em crise e, para isso, cita uma frase que se encaixa perfeitamente nesse contexto: “A máquina expeliu o maquinista; está correndo cegamente no espaço”. Dessa forma, a razão havia se tornado irracional e embrutecida.

Influências do pensamento individualista na ciência

O dicionário Aurélio on line (2010) define o termo individualismo como “tendência a não pensar senão em si. Tendência a libertar-se de toda solidariedade com seu grupo social, a desenvolver excessivamente o valor e os direitos do indivíduo.”. Tal pensamento também é percebido no conhecimento científico, uma vez que o mesmo rejeita demais tipos de conhecimentos.

Horkheimer (2002) diz que a Grécia antiga foi responsável por criar o conceito de individualidade e colocar padrões na cultura ocidental. Esse indivíduo deveria ser como um herói, audaz e autoconfiante, vencer a luta pela sobrevivência e se emancipar. Alguns historiadores comentam que esse herói seria, tão somente, aquilo que é conhecido como egoísmo.

Já o burguês Grego é visto por Aristóteles como um ser que tem coragem igual ao europeu e inteligência semelhante ao asiático. Junto com sua capacidade de autopreservação, tem o poder de dominar outros seres e manter a própria liberdade. A raça helênica “se pudesse formar um único estado, seria capaz de governar o mundo” (ARISTÓTELES apud HORKHEIMER, 2002, p. 136). A ciência também tem esse pensamento dominador, visto que ela tenta ser a detentora da verdade absoluta, tentando sobressair sobre os demais tipos de conhecimentos.

Levine et al. (1989, p. 7) vão dizer que “os funcionalistas explicavam que as pessoas se comportavam de acordo com valores partilhados porque os indivíduos aprendem regras e valores que primeiro ‘internalizam’ e posteriormente executam.”. Os valores individualistas foram internalizados, principalmente pelo pensamento capitalista que, juntamente com a ciência, encontrou uma parceria perfeita para o desenvolvimento.

Platão tentou elaborar uma filosofia da individualidade, conforme preconizava a polis. O homem e o estado deveriam possuir harmonia e independência de inteligência. Deveria haver equilíbrio entre liberdade individual e controle coletivo em favor da comunidade. Mas a sociedade vislumbrada por Platão era vinculada ao trabalho escravo. O próprio Aristóteles dizia que uns nascem livres e outros escravos (HORKHEIMER, 2002).

O conhecimento científico pode ser também considerado como isolador, quando coloca cientistas “presos” em laboratórios; restringem o acesso aos dados científicos; elaboram equipamentos e drogas para um público “seleto”; dão pouca importância às questões consideradas fundamentais para os países subdesenvolvidos, mas que poderiam ser resolvidas pelo atual conhecimento científico. Esses são alguns exemplos de segregação e primazia do conhecimento científico.

Alternativas para uma “nova” ciência

Merton apud Santos (1989, p. 126) enumera um conjunto de normas para a ciência. Tais normas, quando violadas, seriam punidas com indignação moral. São elas: “universalismo, comunismo, desinteresse e ceticismo organizado”. O universalismo seria a impessoalidade da ciência; o comunismo seria que as conquistas científicas seriam oriundas da colaboração social e propriedade de todos; o desinteresse deveria ser que as instituições científicas não estariam vinculadas a interesses particulares; o ceticismo organizado deveria discutir princípios e ideias por uma autoridade.

Na crítica ao conhecimento científico, Santos (1989) diz que esta deve-se a sua linguagem cada vez mais incompreensível em relação aos outros conhecimentos da sociedade. Dessa forma, o discurso científico se torna exclusivo da comunidade científica. Tal discurso deveria ser mais amplo, respeitando questões regionais, sociais e culturais, promovendo um debate entre os diversos tipos de conhecimento.

Levine et al. (1989, p. 58) explicando o individualismo metodológico, dizem que “(...) toda explicação que envolve conceitos sociológicos de nível macro deveria, em princípio, ser reduzida a explicações no plano micro dos indivíduos e suas propriedades.”. Esse respeito às questões sociológicas e suas particularidades deveria ser um dos fatores fundamentais da ciência moderna.

Horkheimer (2002) afirma que a sociedade atual precisa, cada vez mais, utilizar a racionalização e o planejamento. O indivíduo precisa se ajustar a esse pensamento progressista devido ao padrão de comportamento que é imposto a ele, caso contrário, ele é “expulso” do sistema.

Santos (1989) comenta que, dentre os fundadores da sociologia do conhecimento, Karl Marx é o pesquisador que mais se preocupa com a questão social do saber, para isso, ele realiza explicações a partir das relações sociais de produção dominantes em uma formação social.

Horkheimer (2002) discute que há grande número de técnicas e uma facilidade para que as pessoas mudem de emprego. Todavia essa transição não permite desvios dos padrões estabelecidos, ou seja, quanto mais o homem inventa técnicas para dominar a natureza, mais ele se submete a elas. O autor faz uma comparação em dirigir um automóvel e conduzir um cavalo com carruagem. O automóvel seria mais rápido, barato e eficiente, demandando menor cuidado e sendo mais manobrável. Mas em se tratando de liberdade, há limites para velocidade, placas de sinalização, leis de tráfego, impostos, dentre outros, algo que um cavalo com carruagem não necessita. Assim, a liberdade do homem se torna uma liberdade condicionada.

Santos (1989, p. 133) comenta que, “se a ciência falha, como é natural que aconteça nas primeiras tentativas, tal fato é atribuído à sua falta de preparo ou inépcia”. Seria necessária uma nova visão da ciência, respeitando as demais formas de pensar e assumindo que a ciência também erra, mas tal mudança é lenta. Exemplos dessas falhas são vistos com frequência no dia a dia, e são veiculados massivamente pela mídia, como: derramamentos de petróleo, erros médicos, acidentes nucleares e aéreos, dentre outros.

Um exemplo da evolução na forma de pensar da ciência está na astronomia, pois até outubro de 1995 não se tinha conhecimento de planetas fora do sistema solar que girassem em torno de estrelas semelhantes ao Sol. Acreditava-se, por muito tempo, que a Terra e os planetas vizinhos poderiam ser os únicos da galáxia. Mas nesse mesmo ano, os astrônomos Miche Mayor e Didier Queloz descobriram um planeta gigante, girando em torno de uma estrela. Após 20 anos, já estão catalogados cerca de 1.800 planetas extrassolares e algumas unidades de milhar já detectadas pelo telescópio Kepler, que serão pesquisados para que sejam confirmados e catalogados como novos planetas. (LOPES, 2014).

As alternativas para uma “nova” ciência se justificam também pela desarmonia entre os próprios cientistas. Um exemplo é a divergência que existiu entre os seguidores de Aristóteles que utilizavam o método dedutivo – argumentar do geral para o particular – e o método indutivo criado por Galileu – argumentar do particular para o geral. Galileu cria o seu método que diz que as ciências não deve se preocupar com a qualidade, mas com as relações quantitativas. Utilizando a indução experimental, chega-se a uma lei geral através da observação de determinado número de casos particulares. Francis Bacon também critica Aristóteles e coloca a experimentação dos fenômenos como a única forma para confirmar a verdade dos fatos, sendo que o conhecimento científico seria o único caminho para conhecer essa verdade. Já Descartes, em seu Discurso sobre o Método, diz que chega-se à certeza através da razão, que seria o princípio absoluto do conhecimento (LAKATOS, MARCONI, 2007).

Percebe-se que há uma crise na ciência, pois esta não é um conhecimento finalizado, portanto é passível de falhas e evoluções. Dessa forma, a ciência deverá buscar novos paradigmas para a sua atuação, e é justamente esse o “novo conhecimento” que a ciência pós-moderna, juntamente com os demais tipos de conhecimentos, deverá buscar: um conhecimento global, multidisciplinar e dialético, um conhecimento que não respeite somente as culturas e os diversos tipos de ciência, mas que vise, em comum, entender o cerne da questão.

 


NOTAS:

(1) Estado atual das coisas; situação inalterada, sem mudanças: manter o status quo. (http://www.dicionariodoaurelio.com/).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

COSTA, C. Sociologia: Introdução à ciência da sociedade. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1997.

HORKHEIMER, M. Eclipse da razão. São Paulo: Centauro, 2002.

KINCHELOE, J. L.; MACLAREN, P. Repensando a teoria crítica e a pesquisa qualitativa. In: DENZIN, N; Lincoln, Y. O planejamento da pesquisa qualitativa: teorias e abordagens. Porto Alegre: Artmed, 2006. p. 281-306. 

LOPES, R. J. Os 11 maiores mistérios do universo. São Paulo: Abril, 2014.

LAKATOS, E; MARCONI, M. Metodologia científica. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

LEVINE, A; SOBER, E; WRIGHT, E. Marxismo e individualismo metodológico. RBCS, v. 4, n. 11, out. 1989.

PLATÃO. A República. 6° ed. Ed. Atena, 1956, p. 287-291.

SANTOS, B. Introdução à uma ciência pós-moderna. Rio de Janeiro: Graal, 1989.

SANTOS, B. Um Discurso sobre as Ciências. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005.

_____________________________________________________________________________

Recebido: 18/09/2014.
Aceito: 31/03/2015
_____________________________________________________________________________

 

| ©2015 - Polêm!ca - LABORE | Contato (@) | <-- VOLTAR |