O CLAMOR NARCÍSICO EM ATUAÇÕES VIOLENTAS DE ADOLESCENTES¹

 

RICARDO PINHEIRO MAIA JÚNIOR
Psicólogo clínico, mestre em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade de Fortaleza com concentração na área de Estudos Psicanalíticos. Tema de pesquisa e trabalhos recorrentes sobre a violência. Membro do LABIO - Laboratório sobre as novas formas de Inscrição de Objeto e membro-associado à CLIO - Associação de Psicanálise.


HENRIQUE FIGUEIREDO CARNEIRO
Doutor em Fundamentos y Desarrollos Psicoanalíticos - Universidad Pontificia Comillas – Madrid - Espanha (1997); Estágio Sênior (Pos-Doc) no CNRS – CERMES 3 / CESAMES - Université Paris V – Sorbonne - França (2010-2011); Professor da Universidade de Pernambuco (UPE) e colaborador do Programa de Pós-Graduação da Universidade de Fortaleza (UNIFOR).


Resumo: A violência entre os adolescentes brasileiros apresenta dados e estatísticas cada vez mais inquietantes. O adolescente brasileiro não é mera vítima dessa realidade, ele também é agente agressor. Desse recorte fenomênico, foi realizada uma pesquisa com adolescentes que cometeram homicídio objetivando um entendimento acerca de como o ato violento é significado por eles. O presente artigo apresenta a discussão entre o referencial teórico psicanalítico freud-lacaniano e aquilo que é clamado pelas atuações adolescentes.
Palavras-chave: Psicanálise. Violência. Adolescentes. Clamor Narcísico.

THE NARCISSISTIC CLAMOR IN THE VIOLENT ACTIONS OF ADOLESCENTS

Abstract: The violence among Brazilian adolescents presents data and increasingly disturbing statistics. The Brazilian adolescent is no mere victim of this reality, it is also aggressive agent. From this phenomenical cut, a research with adolescents who committed homicide aiming an understanding about how the violent act is signified by them was conducted. This article presents a discussion between Freud-Lacanian psychoanalytic theoretical reference and what is claimed by adolescents actions.
Keywords: Psychoanalysis. Violence. Adolescents. Narcissistic clamor.

INTRODUÇÃO

Uma parcela da preocupação da contemporaneidade é dedicada à violência nos laços sociais. Presentificada na vida da camada jovem da população, ela perpassa pelos adolescentes. Esta problemática se evidencia, pois “No Brasil, ao contrário de na maioria dos outros países, os homicídios superam os acidentes de trânsito como primeira causa de mortalidade na adolescência.” (UNICEF, 2011, p. 39). A causa primária de mortalidade entre adolescentes brasileiros é, então, o homicídio.

Destacamos que o adolescente não é somente vítima dessa violência, ele assume o papel de agente em alguns momentos. De acordo com o Mapa da Violência 2012 - Crianças e Adolescentes do Brasil (Waiselfisz, 2012), na faixa etária dos 10 aos 19 anos, o principal agressor do adolescente é um “amigo/conhecido” (p. 68), um conhecido de idade próxima. Isto é, o adolescente atua como agressor e agente da violência. O que ocorre na adolescência não é o mesmo observado na infância em que, entre as idades de 1 ano aos 9 anos de idade, a maior porcentagem de agressores está entre os pais e as mães das crianças violentadas.

O que acontece para que a violência esteja tão facilitada nos laços sociais dos adolescentes? Partindo da leitura psicanalítica, evidenciaremos marcas do desenvolvimento subjetivo e aquilo que caracteriza a adolescência por este viés. A psicanálise nos permite uma reflexão sobre uma vulnerabilidade no campo de enlace social.

A partir dos textos metapsicológicos de Freud, podemos inferir que uma das marcas do desenvolvimento subjetivo é a falta, a alteridade, um encontro faltoso. Em 1905, nos Três ensaios sobre a sexualidade infantil (1905/1969), evidencia-se como a falta se presentifica na descrição da primeira experiência de satisfação. Da base pulsional, com a retirada do seio materno, é possível que a criança adentre no campo da fantasia para tentar reencontrar aquele seio perdido, ausente.

Para Freud, no Introdução ao Narcisismo (1914/2010), o sujeito deve renunciar uma “perfeição narcísica” da infância em prol de uma edificação do ideal do Eu. Isto é, “O desenvolvimento do Eu consiste num distanciamento do narcisismo primário e gera um intenso esforço para reconquistá-lo. Tal distanciamento ocorre através do deslocamento da libido para um ideal do Eu imposto de fora […]” (Freud, 2010/1914, p. 48). É desse referencial de ideal que os critérios de investimentos objetais tornam-se possíveis.

Em Além do Princípio do Prazer (1920/2010), Freud reconhece uma “grande conquista cultural” (p. 173): a capacidade da criança, a partir de uma brincadeira, conseguir representar a ausência materna substituindo-a por um objeto. A representação surge aqui como uma maneira subjetiva de lidar com a alteridade. A alteridade é necessária para que o sujeito consiga dar esse passo adiante no processo de representação subjetiva e progresso cultural. É da alteridade que se instala a falta e como o sujeito se posiciona diante dela.

Lacan, Seminário de 1964 - Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, retoma a leitura de Freud sobre o encontro faltoso, o encontro com o Real, e como ele é imprescindível ao processo de subjetivação. Para esclarecermos isso, o autor coloca que o indivíduo para tornar-se sujeito deve assujeitar-se ao universo significante, o universo da linguagem. Essa primeira operação que funda o sujeito recebe o nome de alienação, o indivíduo é forçado a viver sob a égide dos significantes do Outro. Assim, tudo que o bebê (sujeito-a-vir) recebe vem desse Outro representado pela função materna. Há uma relação de quase simbiose, mas é nela que se instaura a falta. Como exemplo, temos as ausências da mãe que não pode estar o tempo todo com o bebê.

É preciso que outra operação ocorra para que o sujeito se constitua como desejante ($). Essa operação recebe o nome de separação e é marcada pela dialética entre o desejo do sujeito e o desejo do Outro, em que o sujeito não está mais totalmente submisso a esse segundo. Há uma agressividade presente aqui, no sentido em que o sujeito deve se desvencilhar da alienação e assumir sua falta e seu desejo. Essa agressividade está presente ao longo da vida do sujeito (Lacan, 1948/1998). Atenção para não haver confusão quando destacamos essa agressividade e aquilo que entende-se como violência.

A agressividade seria o ímpeto do sujeito em busca do seu desejo. É, justamente, balizada pelo referencial simbólico e, assim, possibilita ao sujeito um levantar-se após encontros faltosos e colocá-lo num novo intento desejante. Agora, vejamos o que ocorre quando não há referência simbólica ou Lei para administrar essa agressividade. Quando a agressividade não passa por um crivo simbólico, ela é posta em laço social através de manifestações violentas, isto é, a violência é a tendência agressiva subjetiva posta em prática nos laços sociais (Ferrari, 2006).

Retornando ao processo de subjetivação, o indivíduo para tornar-se sujeito deve se submeter e ser incluso no universo linguageiro a partir de uma alienação. Há um momento em que a relação alienante não é suficiente, uma completude é impossível. O indivíduo em vias de subjetivação se depara com uma alteridade, um ponto de interrogação presentifica-se nas ausências da figura materna e inicia-se a separação que o coloca em busca de respostas àquilo que lhe falta daquela relação quase simbiótica. Este se torna o movimento desejante do sujeito em que ele deve dar conta da sua falta.

Tal movimento é inerente à vida subjetiva e as alteridades estão presentes durante todo o percurso. Assim, com uma leitura psicanalítica sobre a adolescência, a entendemos como uma passagem. Isto é, não podemos localizar a adolescência somente em termos cronológicos, numa faixa etária. A passagem adolescente caracteriza-se pela saída, ou expansão, do laço familiar aos laços sociais. Tomamos a leitura de Rassial sobre o sujeito adolescente:

O duplo aspecto da adolescência, de ser ao mesmo tempo limite e período, determina a organização do que se pode chamar de crise formal da adolescência: um limite entre dois estatutos, um regendo a criança que brinca e aprende, outro o adulto que trabalha e participa da reprodução da espécie; um período de indecisão subjetiva e de incerteza social, durante o qual a família e as instituições exigem, segundo as circunstâncias, que o sujeito se reconheça como criança ou como adulto (Rassial, 1997, p. 58 - grifo em itálico nosso)

Na linha tênue entre estes dois estatutos, neste “período de indecisão subjetiva e de incerteza social”, a adolescência é caracterizada por uma fase de crises, de inconformidades, enfim, é uma fase de alteridade. Ou seja, é um momento de enfrentamento em que o sujeito adolescente procura se estabelecer entre os dois regimes, o da criança e o do adulto, e ao mesmo tempo não é nem um e nem outro. Nada mais é do que mais um encontro com a alteridade. Uma atualização (e por que não chamar de ‘expansão’?) da alteridade marcante de nosso desenvolvimento subjetivo.

Observando que as alteridades são constantes na vida e que a passagem adolescente pode ser entendida como um encontro faltoso em que o sujeito adolescente se depara com a ausência na vida adulta daquilo que estava presente num regime familiar e, assim, o sujeito adolescente é colocado num caminho de maiores exigências sociais.

A problemática contemporânea, como Lebrun (2008) aponta em sua obra Perversão Comum - Viver juntos sem  outro, é algo da ordem de uma virada antropológica. O que teríamos como uma economia neurótica ‘normal' é o trabalho da passagem do regime materno ao regime paterno, estabelecendo assim uma predominância do segundo pelo primeiro e posicionando o sujeito no campo do simbólico. A virada é que a

inversão de prevalência entre os dois ‘regimes' induz o fim da neurose tal como a conhecíamos ontem em razão da primazia da relação com o pai. Mas deve-se notar que a prevalência da relação com a mãe - a mèreversão - que disso se deduz é portanto a consequência daquilo que não acontece mais, a renúncia habitual à mãe doravante ausente. (Lebrun, 2008, p. 250 - destaque nosso em itálico)

A não renúncia à mãe não é sem consequências ao sujeito. Implica uma tentativa de demissionar o encontro com a alteridade e de não lidar com a falta. E, evidentemente, altera a economia do desejo. Os efeitos não recaem somente sobre o sujeito, mas também nos laços sociais:

Quando as estruturas sociais não põem mais em seu programa a firme resolução de se desviar, a necessidade de renunciar, então, naturalmente, vamos supor que toleram que disso possamos nos achar dispensados. […] O quadro clínico do neo-sujeito será o de um sujeito que permaneceu apenas filho da mãe. (Lebrun, op. cit., p. 251 - grifo em itálico nosso)

.

Tomando nota do percurso até aqui: o sujeito adolescente contemporâneo (o neo-sujeito de Lebrun) rende-se a uma tentativa de não encontro com a alteridade, buscando uma permanência num regime materno idealizado. O que se mostra claramente é que no movimento de negar a alteridade, o campo social apresenta-se vulnerável e os laços sociais cada vez mais esgarçados por violências.

Na pesquisa realizada, articulamos esta discussão teórica com discursos adolescentes. Ao longo do ano de 2013, trabalhamos com grupo de adolescentes que cometeram homicídios e encontravam-se cumprindo medida socioeducativa de privação de liberdade num centro educacional na região metropolitana de Fortaleza, capital do estado do Ceará.

Neste artigo, apresentamos como os adolescentes pesquisados trazem a problemática de negar a alteridade a todo custo e não lidam com suas atuações violentas pela via da culpabilidade. Pelo contrário, a violência manifestada por eles é da ordem de uma preservação, uma manutenção de suas posições.

Quando os adolescentes conseguem elaborar discursos sobre suas atuações violentas, conseguimos destacar uma fragilidade no laço social em que eles não conseguem receber aquilo que abale suas idealizações e investimentos narcísicos em si mesmos.

Manutenção de uma posição imaginária - status quo

Quando realizada a passagem adolescente do núcleo familiar à vida do crime, não alcançando o regime da vida adulta, os adolescentes pesquisados prevalecem num regime materno. Não é à toa que trazem consigo, literalmente, os nomes das mães marcados em suas peles. Em suas falas, a presença de uma figura paterna não se apresenta de forma nítida, apenas um dos adolescentes pesquisados remete-se a um “tio que aconselhou se entregar” (sic) após o homicídio. Entretanto, o adolescente acata o conselho não por alguma representação desse tio, mas pelo medo de uma represália de seus “inimigos” (sic).

E, não por acaso, os adolescentes pesquisados mantinham seus estoques de drogas nas casas de suas respectivas mães, mesmo que eles já estivessem  na “vida do crime”. Somente um deles diz que “organizou o dinheiro” (sic) para alugar “um canto lá com uma cumade e ficava vendendo de lá.” (sic), pois sua mãe não gostava que ele “guardasse as paradas em casa.” (sic).

Apesar de já estarem participando da vida do crime, sendo vítimas e algozes da violência, os adolescentes da pesquisa mantem esse vínculo com suas mães: “Sabe, a mãe do cara tá sempre ao lado dele, o cara fazendo errado ou não, a minha não apoia, mas tá lá comigo.” (sic). A prevalência do regime materno perdura diante dessa passagem adolescente à vida do crime.

Quando seguimos a noção dessa prevalência no regime materno, assumimos que o sujeito é regido por uma posição de um eu ideal. Quando Freud (1914/2010) disserta sobre como o sujeito constitui seu Eu a partir de identificações narcísicas, ele nos apresenta o conceito de eu ideal e o aproxima da noção de um narcisismo primário. Quer dizer, “a esse eu ideal dirige-se então o amor a si mesmo, que o Eu real desfrutou na infância. O narcisismo aparece deslocado para esse novo Eu ideal que, como o infantil, se acha de posse de toda preciosa perfeição.” (op. cit., p. 40). Preciosa perfeição pode ser definida por uma suposta superpotência subjetiva, quando o sujeito se acha capaz de ter tudo a seu alcance.

Entendemos a dificuldade dos adolescentes contemporâneos em abandonar essa posição em torno do Eu ideal. Como abrir mão dessa preciosa perfeição? “[…] o indivíduo se revelou incapaz de renunciar à satisfação que uma vez foi desfrutada.” (op. cit., p. 40). Não é coincidência que os adolescentes trazem em suas peles essa mãe que “está sempre ao lado” (sic), independente do “cara estar fazendo errado ou não.” (sic).

Quando o adolescente “não quer se privar da perfeição narcísica de sua infância” (op. cit., p. 40), ele procurará “readquiri-la na forma nova do ideal do Eu” (op. cit., p. 40). O sujeito busca a manutenção dessa perfeição ideal através de vários meios: em nossa pesquisa, evidenciou-se os meios violentos.

É como se os ideais levantados pelos adolescente pesquisados na vida do crime não passassem de castelos de areia ou, pela fragilidade, castelos de cartas. Tais ideais são, evidentemente, quebradiços, pois estão em ameaça constante de se desfazerem. Todavia, os adolescentes não querem largar desses ideais e fazem de tudo para mantê-los. Aí está o status quo, a manutenção do estados das coisas. O sujeito não consegue abandonar a posição do eu ideal em favor da posição de um ideal do eu.

Assumir esse ideal do eu corresponde ao sujeito lidar com referências simbólicas implicadas pela linguagem e pelas leis.

Os adolescentes pesquisados, na vida do crime, não querem deixar de lado esses castelos de areia imaginários, ainda que saibam que os alicerces dessas edificações não sejam da ordem simbólica. Na tentativa de manutenção de seu status quo imaginário, suas atuações impensadas são levadas ao limite de não considerar o semelhante no laço social.

Mesmo que por uma via imaginária de sustentação, os adolescentes exprimem um clamor no homicídio cometido nas tramas de suas construções na vida do crime.

Um clamor narcísico

Quando os adolescentes pesquisados constroem uma história em torno do homicídio cometido, S1 nos coloca que a morte que ele causou foi para se livrar de um "amigo duas-caras” (sic), pois este se fingia de amigo de S1 para descobrir seus segredos e contar aos seus inimigos. Da posição imaginária, S1 não poderia deixar que seus inimigos soubessem sobre ele. Ele não poderia deixar esse ‘amigo' escapar. Então, S1 convidou sua vítima para fumar “uns bagulhos” (sic) e o matou em seguida. Depois, fugiu e passou um tempo escondido, até que foi aconselhado a se entregar e o fez por medo de morrer para seus inimigos.

S2 apresenta que matou por uma dívida, sua vítima lhe devia dinheiro. Ele já vinha cobrando há algum tempo, mas a vítima não pagava. S2 sabia que a vítima estava com dinheiro para lhe pagar, mas não pagava. Ele não podia ter pessoas lhe devendo sem pagar. No sentido dele, ele “não podia ficar pagando de otário pra comunidade” (sic). 

Seus discursos sobre os homicídios cometidos seguem a lógica da manutenção da posição imaginária. Em nossa análise, seus atos assumem a função de acting out como resposta narcísica clamando pela manutenção da posição imaginária, agindo como “ser da ordem da evitação da angústia." (Lacan, 1962-1963/2005, p. 130).

No âmbito clínico, o acting out é “alguma coisa que se mostra na conduta do sujeito.” (op. cit., p. 137). O sujeito se amostra ao Outro pela via da atuação. É o agir fora do setting psicanalítico para mostrar algo pela via da atuação ao analista.

O acting out é, em essência, a mostração, a mostragem, velada, sem dúvida, mas não velada em si. Ela só é velada para nós, como sujeito do acting out, na medida em que isso fala, na medida em que poderia ser verdade. Ao contrário, ela é, antes, visível ao máximo, e é justamente por isso que, num certo registro, é invisível, mostrando sua causa. O essencial do que é mostrado é esse resto, é sua queda, é o que sobra nessa história. (op. cit., p. 139 - destaque em itálico nosso)

O sujeito não faz questão de velar essa mostração, mas, contraditoriamente, exibindo-a ao máximo, ele esconde algo nela. Neste sentido, o agir fora da clínica pode aproximar-se do que é sintoma, mas "o sintoma não pode ser interpretado diretamente, que é preciso haver a transferência, isto é, a introdução do Outro." (op. cit., p. 139). Entretanto, diferentemente do sintoma, o acting out “clama pela interpretação, mas a questão é saber se esta é possível." (op. cit., p. 140).

É por aqui que podemos nos aproximar da função semelhante ao acting out que portam os homicídios cometidos pelos adolescentes. O agir fora desses adolescentes parecer seguir tão à risca imperativos da vida do crime que pode-se confundir essa mostração não velada em si como somente mais uma estatística do crime. Será que as atuações estão no caráter de um agir dentro do crime, mas sabendo-se que estão agindo fora de uma lei simbólica? Torna-se complicado esse questionamento, pois os adolescentes preocupam-se mais com a conservação de suas posições na vida do crime.

Mas se tratamos suas atuações como acting out, pelo o quê os adolescentes clamam? Em tempos de laços sociais fragilizados e campo simbólico vulnerável, “tempos sem mitos do Outro ou tempos em que as montagens discursivas indicam a presença de um Amo sem rosto” (Carneiro, 2007, p. 80), as reivindicações subjetivas são da ordem de uma narcisidade. Isto é, uma busca por identificações narcísicas localizadas no universo imaginário, “exigindo que o sujeito construa suas respostas pela via narcísica.” (p. 80).

Dessa maneira, os discursos dos adolescentes sobre seus atos evidenciam que “há uma convocatória severa sobre o eu que lança o sujeito sobre o espelho, na busca de um enamoramento típico da ordem da imagem.” (op. cit., p. 80). Suas atuações, seguindo os motivos que dão ao homicídio, seguem na linha de permanência no ciclo da violência. Eles querem garantir suas posições imaginárias, sejam daquele que tem que se “livrar de todos os inimigos para ficar em paz” (sic) ou daquele que “não pode pagar de otário para a comunidade” (sic). E, nessas posições, quem é o semelhante? Será que são somente vítimas ou há algo que possa retirar os adolescentes desse status quo e colocá-los para pensar sobre seus atos de maneira diferente?

Quando prestamos uma escuta diferenciada, possibilitando ao adolescente uma fala sobre sua atuação, estamos com ele abrindo um campo para a representação da violência. E o desafio está em, através de intervenções discursivas, pontuar a posição do sujeito adolescente diante dessa violência.

 


NOTAS:

(1) O presente texto trata-se de um recorte da dissertação intitulada ”A perspectiva psicanalítica do ciclo da violência na vida de adolescentes internos”, autoria e defendida no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade de Fortaleza por Ricardo Pinheiro Maia Júnior, sob orientação do prof. Dr. Henrique Figueiredo Carneiro.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

Recebido: 22/11/2013
Aceito: 05/10/2014

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