ESTUDOS E PESQUISAS EM PSICOLOGIA, UERJ, RJ, ANO 4, N. 2, 2 SEMESTRE DE 2004

Resenha

 


Sujeito e Subjetividade
Subject and Subjectivity

 

Maria da Graa Marchina Gonalves*

 

 

O livro de Gonzlez-Rey, Sujeito e Subjetividade, constitui-se em uma contribuio terica importante para a psicologia, a qual, no momento histrico atual, ganha significado especial. Contaminados que estamos todos pelo cho neoliberal e pelos ares ps-modernos, ao encontrarmos uma obra como esta, que teoriza, de maneira original, pois o faz considerando, incorporando ou criticando outras produes tericas, temos a possibilidade de rever pressupostos, conceitos, postulados, sem, entretanto, nos perdermos nas indefinies ou no relativismo que muitas vezes marcam as formulaes contemporneas.

O primeiro aspecto a destacar em relao a esta obra deve ser sobre a importncia que tem para a psicologia hoje o debruar-se sobre as noes de sujeito e subjetividade. O caldo cultural e ideolgico contemporneo traz em seu bojo, entre outras concepes, uma viso de homem que anula a noo de sujeito. Na perspectiva histrica, que a do autor e tambm a nossa, afirmar o homem como sujeito significa reconhecer a sua possibilidade de superar o imediato, o que est dado, em direo realizao de projetos assumidos. E reconhecer que se trata de uma possibilidade constituda historicamente. Para isso, necessrio afirmar a subjetividade como a experincia prpria do sujeito histrico. A definio de subjetividade que o autor nos apresenta desde o incio do livro, e que vai esclarecendo e fundamentando ao longo dos captulos, d conta de delimitar uma compreenso dos processos psquicos que reconhece o homem como sujeito.

A subjetividade neste livro um complexo e plurideterminado sistema, afetado pelo prprio curso da sociedade e das pessoas que a constituem dentro do contnuo movimento das complexas redes de relaes que caracterizam o desenvolvimento social. (GONZLEZ-REY, 2003, p. IX).

 

Dessa forma, comea a apresentao de como o autor concebe a subjetividade. Todo o livro trar os desdobramentos dessa concepo e em que ela se baseia. J nesse incio, ele d destaque noo de sentido subjetivo, que, segundo sua abordagem, ...representa a forma essencial dos processos de subjetivao (GONZLEZ-REY, 2003, p. IX). Com essa formulao, compreendendo a subjetividade como ...dimenso complexa, sistmica, dialgica e dialtica, definida como espao ontolgico (GONZLEZ-REY, 2003, p. 75), e afirmando a capacidade criadora do homem que produz sentidos subjetivos, Gonzlez-Rey prope que a psicologia se volte efetivamente para a investigao da experincia subjetiva, entendendo-a nesses moldes e superando reducionismos presentes na histria dessa cincia.

Para cumprir esse propsito, o autor revisita toda a psicologia de uma forma bastante peculiar e instigante porque no faz mera relao de posies e teorias; nem simples histria de grandes marcos; nem apresentao andina de semelhanas e diferenas entre abordagens. Seu passeio (s vezes bastante demorado e detalhado) no perde de vista o eixo central da obra: discutir subjetividade como categoria fundamental da psicologia, categoria que a psicologia nem sempre considerou, mas que essa mesma psicologia foi construindo como uma zona de sentido, de valor heurstico importante.

A discusso parte de uma compreenso sobre como se d a construo terica que compartilhamos: est sempre articulada a uma epistemologia. O autor discorre sobre as abordagens da psicologia, mostrando essa articulao e suas implicaes para a construo terica da psicologia e para o reconhecimento da subjetividade como objeto da psicologia.

No captulo 1, Gonzlez-Rey apresenta um primeiro perodo de desenvolvimento da psicologia, apontando o surgimento das principais concepes tericas e evidenciando como a concepo epistemolgica predominante no final do sculo XIX e incio do sculo XX, na Europa e Estados Unidos configura uma psicologia de base emprica e experimental, em que a teoria fica em segundo plano. As implicaes so diversas para a produo de compreenses sobre a subjetividade, a comear pelo no reconhecimento da dimenso subjetiva em seu carter complexo e processual. Aponta, como decorrncia desse desenvolvimento inicial, dicotomias (interno X externo; individual X social; afetivo X racional) e fragmentaes, que marcam a elaborao terica. Com esse enfoque, apresenta as principais correntes, destacando diferenas entre a psicologia americana e europia; indicando o surgimento e desenvolvimento do behaviorismo; detendo-se sobre as peculariedades da psicanlise, apontando sua importncia para que o tema da subjetividade comeasse a ser includo na psicologia; apresentando o desenvolvimento a partir de Freud e analisando o impacto de Lacan; trazendo, tambm, elementos da psicologia humanista.

Se o captulo 1, com uma releitura da histria da psicologia a partir do tema da subjetividade j inovador, os captulos 2 e 3 trazem elementos preciosos para que se compreenda a psicologia a partir de um outro vis, que no o tradicionalmente encontrado; e para que se enfrente a diversidade de teorias contemporneas na psicologia social contando com referncias crticas.

No captulo 2, o autor nos traz a contribuio da psicologia sovitica, cujos principais autores puseram em cena, de maneira mais direta, a subjetividade como processo complexo. Aqui tambm encontramos uma anlise detalhada sobre como o empirismo reducionista foi superado, com elaboraes tericas que se propunham a discorrer sobre a subjetividade, considerando as diversas dimenses que a constituem: orgnica, comportamental, relacional, social, histrica. A referncia bsica Vygotsky, cujas principais formulaes so apresentadas pelo autor, que defende que ...as condies epistemolgicas para o desenvolvimento do tema da subjetividade na psicologia aparecem com a ruptura que significou a apropriao da dialtica pelos psiclogos... (GONZLEZ-REY, 2003, p.73). Embora toda a discusso do captulo 1 indique os aportes de cada abordagem para a proposio da subjetividade como tema central da psicologia, a partir da psicologia sovitica, segundo o autor, que isso se torna possvel. O captulo 2 segue com a apresentao dos discpulos e seguidores de Vygotsky, apresentados de maneira bastante crtica, trazendo-nos uma parte da psicologia importante e pouco conhecida entre ns. A discusso sobre Leontiev e toda a vertente que Gonzlez-Rey identifica como reducionismo objetal permite compreender mais profundamente a concepo de subjetividade que vai sendo desenvolvida ao longo dos captulos. Este captulo traz tambm uma anlise bastante interessante de Castoriadis e Guattari, apontados como autores de cosmoviso marxista e criadores de ncleos tericos prprios e importantes para o desenvolvimento do tema.

No captulo 3, o autor discorre sobre as variaes tericas que tm em comum uma inspirao social e que abordam a relao indivduo-sociedade tentando superar a compreenso dicotmica que tradicionalmente se tem dessa relao. Aborda a teoria das representaes sociais, o construcionismo social, o enfoque scio-cultural. Tambm neste caso temos mais do que uma apresentao de teorias. Temos a discusso epistemolgica e terica sobre como essas tentativas, apesar de importantes, no do conta de abordar a produo de sentidos como sendo obra de um sujeito social e histrico. Com essa discusso, o autor vai explicitando cada vez mais a sua concepo, que o enfoque histrico-cultural.

Finalmente, o captulo 4 todo dedicado apresentao e aprofundamento da concepo histrico-cultural de subjetividade. Todos os aspectos pontuados ao longo dos outros captulos so aqui sistematizados e desenvolvidos. Vale lembrar que essa pontuao sempre uma defesa clara de suas convices tericas e epistemolgicas, o que d aos outros captulos a riqueza de anlise que permite retomar, de maneira crtica, importantes produes tericas da psicologia e, ao mesmo tempo, conhecer a perspectiva histrico-cultural.

Neste captulo final possvel, ento, uma apropriao mais direta das formulaes da teoria histrico-cultural, includas a conceituaes que instigam o debate e a investigao: subjetividade social; sujeito como detentor de um princpio gerador; concepo dialtica de sujeito; afetividade; configurao subjetiva; sentidos subjetivos. Enfim, possvel perceber neste momento que o valor heurstico da categoria subjetividade, defendido pelo autor em toda sua anlise, aqui demonstrado pela riqueza das formulaes que ele lana e que podemos ter como referncia para prosseguir na pesquisa e na construo terica da psicologia.

 

 

NOTAS

*Professora Doutora do Departamento de Psicologia Social da Faculdade de Psicologia da PUC/SP

 

 

Referncias Bibliogrficas

 

GONZLEZ-REY, Fernando. Sujeito e subjetividade. So Paulo: Thomson, 2003.

 

 

Recebido em: 05/05/2004

Aceito para publicao em: 26/05/04

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