ARTIGOS
A Nusea
e a Psicologia Clnica: interaes entre Literatura e Filosofia em Sartre Nausea
and the Clinical Psychology: interactions between Literature and Philosophy
in Sartre Daniela Ribeiro
Schneider* Universidade Federal
de Santa Catarina RESUMO O artigo aborda
a relação entre as obras literárias e as obras filosóficas
ou técnicas de Sartre. Um dos aspectos essenciais no conjunto da produção
intelectual do existencialista foi a proposição de uma nova psicologia,
concebida em outra ótica, que não os tradicionais modelo psicanalítico
e empírico. “Psicanálise existencial” é a designação
dada por Sartre ao método dessa psicologia, aplicado por ele em biografias
de escritores famosos. Alguns de seus romances também foram concebidos
no horizonte de sua psicanálise existencial, na medida em que realizam
uma “radiografia psicológica” de seus personagens. As realizações
nesse campo trazem contribuições consistentes para novas perspectivas
para a psicologia clínica. È o caso do romance La Nausée,
objeto principal de nossa análise, no qual realiza uma espécie
de processo psicoterapêutico com seu principal personagem, Roquentin,
trazendo importantes indicações de como deve ser uma clínica
sartriana. Palavras-chave:
Jean-Paul Sartre, literatura existencialista, filosofia existencialista, psicologia
clínica. ABSTRACT This article is
about the relationship between Sartre’s literature works and his philosophy
or technique works. The core project in Sartre’s work was the proposal
of the new psychology, conceived in a totally new way, different of the traditional
psychoanalyze and empirical perspectives. “Existential Psychoanalysis”
it’s de name of this psychology method, applied in biographies of well-known
writers. Some of his novels were write on the horizon of this existential psychoanalysis,
because they make a psychological X-ray of his characters. Sartre’s contributions
acquire relevance to the field, allowing a new clinical psychology perspective.
It’ s the case of The Nausea, principal object of our analyses. His principal
character, Roquentin, carry out a kind of psychotherapy process, which involves
important directions toward Sartrean Clinical. RELAÇÃO
ENTRE A OBRA LITERÁRIA E OBRA TÉCNICA EM SARTRE Jean-Paul Sartre
(1905-1980) tem uma obra bastante extensa, que abarca livros, textos e ensaios,
tanto de ordem técnica, envolvendo áreas como a própria
filosofia, a psicologia, a antropologia, quanto de ordem literária, envolvendo
romances e peças teatrais, bem como obras de ordem política e
de crítica cultural. Verificam-se constantes imbricações
entre as obras de cunho literário e as de cunho técnico e político,
pois o autor busca expressar através da arte as idéias filosóficas,
psicológicas e políticas que defende, como forma de alcançar
o leitor em sua liberdade de diferentes formas. Daí a noção
de engajamento do escritor, por ele publicamente defendida (SARTRE, 1989). Seus romances e
peças teatrais são, portanto, fios condutores para a sua filosofia,
colocando à disposição do público leigo o acesso
a uma nova forma de pensar, de compreender o mundo e as relações.
Para Sartre, trata-se de alterar a racionalidade ocidental, presa a valores
pequeno-burgueses, a dogmas deterministas, através dos quais o homem
é submetido a uma moral dada “a priori”, não lhe sendo
permitido realizar sua condição de sujeito da história.
Daí sua defesa incansável da liberdade e as conseqüentes
postulações técnicas nas áreas da ontologia, antropologia
e psicologia, visando dar substratos para o homem assumir a responsabilidade
por sua própria vida e pela história social. Dessa forma, boa
parte de suas obras literárias tem contrapartida nos seus textos técnicos,
como podemos verificar em suas declarações na entrevista que concedeu
a jornalistas em 1938:
O romance citado
por Sartre, objeto de nossa análise neste ensaio, realiza, portanto,
esse fluxo entre a literatura e a filosofia. La Nausée1
é, assim, uma certa proposição filosófica que encontrou
no gênero romanesco o lugar privilegiado para sua manifestação
(PHILLIPE, 2000). Um exemplo da perfeita
adequação da linguagem literária como veículo de
idéias filosóficas é a célebre passagem em que o
personagem fala da sua descoberta da contingência (idéia filosófica),
quando se defronta com a raiz do castanheiro (imagem poética). O conceito
teórico, de extremo rigor técnico, é apresentado, assim,
de forma mais palatável ao leitor comum, grupo que almejava atingir,
dentro de seu propósito de transformar a sociedade como um todo e não
somente o meio intelectual. A “PSICANÁLISE EXISTENCIAL” DE SARTRE E O CAMINHO METODOLÓGICO
EM DIREÇÃO A UMA PSICOLOGIA CLÍNICA CIENTÍFICA Tendo clareza da
importância do saber psicológico na modernidade, Sartre começou
suas incursões teóricas formulando proposições no
campo da psicologia, conforme atestam seus primeiros livros técnicos
(La Transcendence de l’Ego; L’Imagination, L’Imaginaire, Esquisse
d’une Théorie des Émotions). Voltou-se, porém, à
filosofia e à ontologia pela necessidade de melhor fundamentar seus estudos
da psicologia (BERTOLINO, 1995). Sendo assim, esse intelectual, mais conhecido
pelo seu perfil de filósofo, foi também um pesquisador sistemático
da psicologia, sendo que sua obra técnica inscreve-se, boa parte dela,
nesse campo. Um dos projetos essenciais do trabalho técnico de Sartre foi, portanto,
reformular a psicologia, conforme já foi demonstrado pelas dissertações
de Bertolino (1979) e Moutinho (1995), bem como por artigo de Bertolino (1995).
O francês concretizou esse empreendimento, como podemos verificar se analisarmos
o conjunto de sua obra técnica, realizando-o numa “démarche”
coerente com os avanços da ciência contemporânea, totalmente
diferente daqueles do empirismo e da metafísica, perspectivas que determinaram
a constituição dessa disciplina, fundamentos por ele duramente
criticados. Sartre explicita seu método para a investigação da realidade
psíquica no capítulo de L’Être et le Neant, intitulado
“Psicanálise Existencial”, complementando-o em seu Question
de Méthode (op. cit). O objetivo da psicanálise sartriana é decifrar o nexo existente
entre os diversos comportamentos, gostos, gestos, emoções, raciocínios
do sujeito concreto, ao extrair o significado que unifica de cada um desses
aspectos em direção a um fim. É esse nexo que define o
sentido da vida de alguém. Isto quer dizer que a psicanálise existencial
deve decifrar o “projeto de ser” de cada indivíduo estudado,
pois é ele que define o que são e para onde se encaminham os diferentes
movimentos de uma pessoa no mundo. “Esta unidade que é o ser do
homem é uma livre unificação. E a unificação
não saberia vir após uma diversidade que ela unifica. (...) Esta
unificação se dá em um ‘projeto original’,
unificação que deve se mostrar a nós como um absoluto não
substancial” (SARTRE, 1943, p.648). O ponto de partida da investigação psicológica deve ser,
portanto, os aspectos concretos da vida de um sujeito, ou seja, os fenômenos
de sua vida de relações, de homem em situação. Aqui
se delineia o método sartriano: por um lado, ele é comparativo,
ou seja, estabelece ligações entre os diversos aspectos que presidem
a vida de um sujeito, mas procurando atingir o projeto original que dá
sentido ao conjunto; é, nesse sentido, um método “compreensivo”
ou “sintético”, já que pretende chegar “à
intuição do psíquico, atingida por dentro”, como
diria Jaspers (1979). Por outro, ele deve ser progressivo e regressivo, como
vemos no Question de Méthode, ou seja, deve situar os aspectos objetivos
(época, cultura, sociedade, nível social, estrutura familiar,
etc), que definem os contornos de ser de um sujeito concreto, reenviando-os
ao mesmo tempo à sua subjetividade, a fim de se compreender a apropriação
peculiar desses aspectos mais universais. A expressão da pessoa em gestos,
atos, palavras, obras, deve ter, assim, sua dimensão subjetiva e objetiva.
O sujeito é um singular/universal, pois ao mesmo tempo em que é
idiossincrático, ele é resultante de seu tempo, de sua cultura
e, portanto, uma ponte para compreendê-los. Dessa forma, a concepção de homem que subjaz na teoria sartriana
é histórica e dialética, na medida em que o sujeito só
pode ser compreendido levando-se em conta sua história individual, tanto
quanto a de sua conjuntura familiar e a de seu contexto social e cultural, tendo
como fundo de sustentação a noção que “ele
se faz e é feito” no/por esse conjunto de fatores. Toda a psicologia
existencialista pauta-se nessa antropologia, servindo de embasamento teórico
para a concretização de sua psicanálise existencial. Com base em seu método e suas concepções teóricas,
a psicanálise sartriana, ao atingir a compreensão desta unificação
irredutível – o projeto de ser -, possibilita o entendimento dos
diversos aspectos do psiquismo do sujeito, seu movimento no mundo, bem com suas
contradições de ser, seus impasses sociais, sociológicos
e psicológicos, que podem levar, conforme as circunstâncias, à
constituição de complicações psicológicas
e até mesmo da loucura. Essa compreensão psicológica é,
portanto, etapa essencial de uma intervenção clínica. Sendo assim, a psicanálise existencial coloca-se como o método
necessário para a concretização de uma psicologia clínica
científica. Esta área da psicologia, cujo objeto é a elucidação
da personalidade e, em seu bojo, das psicopatologias, para ser científica
em sua teoria, seu método e seus procedimentos, deve investigar quais
as condições de possibilidade para um sujeito chegar a ser quem
ele é, ou seja, como chegou a ter determinada personalidade, constituída
a partir de um “projeto de ser” específico, esclarecendo
o seu processo de totalização/ destotalização/ retotalização.
À luz da compreensão desse conjunto de fenômenos, torna-se
possível levantar as variáveis que contribuíram para o
surgimento das complicações psicológicas. De posse desses
dados, um clínico terá condições de elaborar uma
compreensão minuciosa da dimensão psicológica do paciente,
o que vai permitir uma intervenção realizada com rigor e segurança,
já que o terapeuta contará com os elementos necessários
para definir as variáveis envolvidas na problemática do cliente
e, desta maneira, a ordem das intervenções a serem realizadas,
para poder, igualmente, prever as suas conseqüências. Esses procedimentos
científicos possibilitam, inclusive, a avaliação do processo
interventivo, ao viabilizar uma crítica de resultados. Eis o horizonte
epistemológico de uma psicologia clínica que pretenda seguir as
acepções sartrianas (SCHNEIDER, 2002). A estratégia
por ele utilizada, a partir de seus delineamentos teórico-metodológicos,
com vistas à viabilização de sua psicanálise, foi
a da elaboração de biografias de escritores de renome, por possibilitarem
uma compreensão rigorosa do ser dos seus biografados, ou seja,
esclarecerem o processo de suas personalizações, em suas dimensões
objetiva e subjetiva, chegando ao projeto e ao desejo de ser, que são
o “combustível” dos fenômenos psicológicos e
da história de vida de cada sujeito. As principais biografias por ele
realizadas foram as de Baudelaire, de Jean Genet e a monumental obra sobre Flaubert,
com mais de 3000 páginas. Aqui neste artigo,
porém, analisaremos o seu primeiro romance, La Nausée,
editado em 1938, no qual Sartre narra o que poderíamos considerar o processo
psicoterapêutico de Roquentin, personagem central da obra, delineando
pela primeira vez uma elaboração na direção da clínica,
que aponta para o que poderia vir a se constituir em uma “psicologia clínica
sartriana”. Poderíamos considerar que La Nausée foi
seu primeiro exercício no horizonte do que propõe como psicanálise
existencial, no sentido da busca da elucidação psicológica
do personagem principal, ainda que o romance tenha sido escrito antes mesmo
dele explicitar seu método para a psicologia em seu livro L’Être
et le Neant. A NÁUSEA:
PROCESSO PSICOTERAPÊUTICO DE ROQUENTIN La Nausée
é o primeiro romance de Sartre a ser publicado. Começara a redigi-lo
em 1931, passando por diferentes manuscritos, que se chamaram, sucessivamente,
Fato sobre a contingência, Melancolia, até que, finalmente,
para fins de publicação, em 1938, por sugestão de Gaston
Gallimard (que seria, daquele momento em diante, o editor de Sartre), foi intitulado
A Náusea. O livro é escrito em forma de diário e narra
as experiências vividas por Antoine Roquentin, historiador que se fixou
em Bouville, cidade do interior da França, para realizar pesquisas sobre
o Marquês de Rollebon, um personagem da vida política francesa
do século XVIII. Nesse diário, Roquentin narra uma série de acontecimentos que
estavam ocorrendo em sua vida sem que ele os compreendesse. Havia mudanças
na sua relação com o mundo, com os objetos. Escreve: “os
objetos não deveriam tocar, já que não vivem. (...) E a
mim eles tocam – é insuportável. Tenho medo de entrar em
contato com eles exatamente como se fossem animais vivos” (SARTRE, 2000,
p.26). Essas mudanças se expressavam através de uma “metamorfose
insinuante e delicadamente horrível de todas as sensações;
era a náusea” (SARTRE, 2000, p.26). Em diferentes ocasiões,
caminhando na rua, jogando pedras ao mar, sentado em um café, subitamente,
Antoine era tomado por aquela irritante experiência, uma espécie
de enjôo adocicado, uma leve tontura, uma náusea, sem que conseguisse
facilmente dela se livrar e sem perceber o que o levava a essa emoção.
Era uma experimentação psicofísica, corpo e consciência
envolvidos no acontecimento. O personagem questionava-se acerca dessas alterações
que lhe vinham ocorrendo nas últimas semanas. Eram alterações
difusas, que não se fixavam em nada. O que mudou? Foi ele? Foi o quarto
onde se encontrava, a natureza ao seu redor? Chega à conclusão
de que foi ele mesmo que se transformou. Mas como? De que maneira? O que estava
acontecendo? Declara: “Não creio que a profissão de historiador
incite à análise psicológica. Em nosso trabalho lidamos
com sentimentos inteiros. No entanto, se tivesse um mínimo de conhecimento
de mim mesmo, seria esse o momento de utilizá-lo” (SARTRE, 2000,
p.17). Olha-se no espelho
e não se reconhece. Não consegue entender nada de seu rosto: ali
estão o mesmo nariz, boca, orelhas, mas já não têm
expressão humana. Não consegue definir se é bonito, ou
feio, nem encontrar sentido nessa face, nem em seu corpo. Não consegue
compreender seu rosto. Questiona-se se isso ocorre por que é um homem
sozinho? As pessoas que convivem em sociedade aprendem a se enxergar através
dos outros, já que estes fazem o papel de espelho. E ele, que não
tem ninguém? Como escapar a essa carne nua e crua, a essa natureza sem
homem? Antoine vive inteiramente só, nunca fala com ninguém, a
não ser em conversas formais com o autodidata (estudioso que sempre encontra
na biblioteca), ou uma relação amorosa fortuita, de tempos em
tempos, que mantém com a dona do café Rendez-vous des Cheminots,
perto de onde mora. Sua amiga tem vários amantes, sendo ele somente mais
um deles. Pela primeira vez o incomoda estar só; gostaria de poder dividir
com alguém o que está lhe acontecendo. Recorda-se de Anny, sua
ex-namorada, que faz quatro anos que não vê. Experimenta um tédio enorme de viver. Bouville e seus habitantes acomodados,
mergulhados em seus hábitos e problemas pequeno-burgueses o enojam; o
Sr. De Rollebon o enfada, suas pesquisas o desagradam. Nada mais tem muito sentido.
A náusea se apossa dele, está nele sem que consiga dela se livrar.
Sente medo sobre o que pode vir a lhe acontecer. Podemos notar que a narrativa de Antoine, desde o início de seu diário,
encaixa-se perfeitamente nas queixas que os pacientes trazem para o processo
psicoterapêutico. Descrevem as emoções, os impasses psicológicos
que os acometem, sem que consigam compreendê-los. São tomados por
eles e experimentam-se assustados frente ao seu descontrole emocional. A única
coisa que conseguia livrar Antoine da náusea era a música, uma
música específica, que sempre solicitava que fosse tocada, quando
ia ao café “Rendez-vous des Cheminots”: a canção
de jazz “Some of these days”. Absorvia-se na música,
ela o fazia viajar a outro tempo, tempo de aventuras. Quando se dava conta,
o enjôo havia passado. Pouco a pouco, na busca de compreender o que lhe ocorria, o personagem começa
a reviver o seu passado, retomando o grande sentido de sua existência
que fora “viver aventuras”. Atravessara os mares, deixara cidades,
subira rios, adentrara em florestas, tivera várias mulheres, várias
brigas. Tudo isto o havia levado para onde, questiona-se? O que lhe acrescentaram
essas aventuras? O tédio e a náusea agravam-se ainda mais! Até
há dois anos atrás, tudo corria tranqüilo: bastava fechar
os olhos para lembrar de miríades de cidades, rostos, lugares. Tudo o
alegrava; no entanto, hoje não deixam mais do que um gosto amargo na
sua boca. Suas histórias estão mortas, limitam-se a palavras,
sem sustância: “referem-se a um sujeito que fez isto ou aquilo,
mas não sou eu, não tenho nada em comum com ele” (SARTRE,
2000, p.57). Nunca havia experimentado o sentimento, como agora, de ser alguém
sem “dimensões secretas”, reduzindo-se a ser somente seu
corpo. Compelido ao presente, preso nele, não consegue fugir de estar
frente a si mesmo. O sentimento de aventura que o guiara até o momento, que definira o sentido
de sua vida, esvaíra-se. Sempre “imaginara que em determinados
momentos minha vida deveria assumir uma qualidade rara e preciosa. (...) É
isso que me tiram agora. Acabo de descobrir, sem razão aparente, que
menti a mim mesmo durante dez anos. As aventuras estão nos livros”
(SARTRE, 2000, p.57). Consegue compreender que viveu muitas histórias,
fatos, incidentes, mas não aventuras, pois estas são simplesmente
formas de contar o que lhe sucedeu, pois o que delineia o tom da aventura é
a forma de narrá-la. Buscava um momento precioso, que o tivesse marcado
para todo o sempre; descobre, no entanto, que quem conferia o caráter
aventuroso sobre o que havia vivido era ele próprio, o sentido que ele
mesmo dava à história, iluminado por suas paixões futuras.
Era o futuro, portanto, que definia o significado desse passado; o fim que a
tudo define já está presente na história. Essas reflexões
levam-no a modificar sua relação com o passado: “a importância
dessa descoberta não está apenas no fato de que um passado querido
tem um sentido alterado, mas ainda o fato de que a própria vida lhe aparecerá
com uma qualidade até então insuspeita” (MOUTINHO, 1995,
p.50). Aqui nessas passagens
subjaz a concepção de temporalidade em Sartre, conforme
a qual passado, presente, futuro estão imbricados numa dinâmica
temporal inseparável. No entanto, o que confere sentido à existência,
definindo o significado dos acontecimentos passados, é o futuro que,
segundo o existencialista, concretiza-se através do “projeto de
ser”. Sartre demonstra que a temporalidade real, antropológica,
vem do futuro para o passado, enquanto que o movimento aparente é a temporalidade
ocorrer do passado para o futuro (BERTOLINO, 2005). O que vai emergindo do romance é que, na verdade, o que está em
questão é o “projeto de ser” de Roquentin, conduzindo
o leitor a compreender as perturbações psicológicas experimentadas
pelo personagem. A náusea é só a expressão psicofísica
desse questionamento crucial de seu ser: toda sua vida está em questão,
olha para sua história e não mais se reconhece. O espontaneismo
que marcara sua história, já que vivia voltado para “o momento”,
deixando-se levar pelos acontecimentos, ou seja, por uma vida de aventuras,
tornou Roquentin “prisioneiro da passagem”, isto é, sem um
lugar seu, sem referências afetivas, sem compromissos ontológicos,
sem vislumbrar um futuro. Por isso, olhava para o espelho e não se reconhecia.
Era a expressão de seu ser que estava em questão. Quem era, afinal,
Roquentin? O que tinha feito de sua existência? Experimentava-se vazio.
Vivera aventuras, é verdade, no entanto estas, com sua transitoriedade,
têm sentido somente enquanto acontecem; não fornecem “lastro”
para o “ser” de um sujeito, pois que não o lançam
em um tecido sociológico, isto é, em uma rede de relações
de mediação. É nesse tecido que se encontram as amarras
ontológicas e psicológicas de qualquer homem. Era exatamente o
que Antoine não possuía, daí sua experimentação
de vazio de ser. Em um primeiro momento, frente a todas essas mudanças e questionamentos,
busca a resposta em seu trabalho, algo que lhe devolva o sentido de ser. Só
o Marquês o salvará. Aos poucos, no entanto, vai percebendo que
este era outro engodo. “O Sr. De Rollebon era meu sócio: precisava
de mim para ser, e eu precisava dele para não sentir meu ser. (...) Eu
era apenas um meio de fazê-lo viver, ele era minha razão de ser,
me libertava de mim mesmo. Que farei agora?”. (SARTRE, 2000, p.148). Dá-se
conta, então, que sua existência está liberada, desprendida,
que reflui sobre ele. O que fará de si mesmo? Aparece novamente a náusea.
Aos poucos constata que a náusea não fora mais do que a descoberta
da contingência, ou seja, do fato da gratuidade da existência, que
se revela absoluta, pois viver não é necessário, mas sim
um ato contínuo de escolha, assim como os objetos, que não são
necessários, mas contingentes. Daí experimentar-se tocado pelos
objetos, como a raiz do castanheiro, por exemplo, que o invadia com sua solidez,
pois era espelho para suas dúvidas, lançando-o para o âmago
de seus impasses. Os objetos do mundo, a natureza, estavam aí, existiam
simplesmente, eram gratuitos, não eram necessários; quem define
o sentido delas sempre foi o homem, a consciência que os constata. A existência
se desvela, como a Descartes, através de seu cogito. No entanto, para
Roquentin, ao contrário do que prega o filósofo, não é
somente a experiência do pensamento que a faz aparecer, mas uma experimentação
concreta, psicofísica, corpo e consciência absorvidos pela situação
nauseante. A transformação de seu corpo é uma experiência
insuprimível (MOUTINHO, 1995). Suas reflexões fazem-no apropriar-se
dessas experimentações, ou seja, conforme a linguagem técnica
de La Transcendence de L’Ego, a consciência de segundo
grau (reflexionante) apropria-se das consciências espontâneas (irrefletidas)
(SARTRE, 1965). Assim, a apropriação reflexiva que realiza das
transformações psicofísicas sofridas coloca-o frente à
sua liberdade, ou seja, possibilita que compreenda, aos poucos, que o sentido
das coisas que o cercam dependem de seu livre lançar-se para elas: em
relação aos objetos, ao seu trabalho, ao seu passado. A ele cabia
significá-los. Estava, portanto, experimentando aquilo que se define
como “vertigem da liberdade”. As coisas são inteiramente
o que são, nada há por trás delas que as definam ou justifiquem
“a priori”; é a relação do sujeito com as coisas
que constitui o mundo. Esta é a relação entre o ser (as
coisas) e o nada (a consciência), base da ontologia de Sartre. O que fazer do seu ser? Questiona-se Roquentin. Ninguém, nem coisa alguma,
irá lhe dizer ou lhe determinar a ser. A definição de si
próprio depende de seu movimento no mundo, do que ele deseja realizar.
Está, pois, livre e só. Ao debater-se com sua problemática, Antoine foi em busca do último
“porto seguro” de sua história: foi encontrar-se com Anny,
a única mulher que amou de verdade na vida, mas com quem em realidade
sempre mantivera uma relação conturbada. Anny queria viver os
“momentos perfeitos”, no que buscava transformar qualquer acontecimento
de sua vida, pois acreditava que algo se revelaria a ela. Acreditava nessa mística:
não sabia de onde viria essa força, mas acreditava que aconteceria.
Acusava Antoine de fazer os “momentos perfeitos” se esvaírem,
pois ele não sabia o que dizer no momento oportuno, que ações
realizar no momento exigido, desmontando o encantamento em que ela apostava.
As situações viravam tragédias, pois Anny irritava-se profundamente
com o namorado. No reencontro, depois de tantos anos, descobre que Anny não buscava mais
os “momentos perfeitos”, assim como ele havia desistido de viver
“aventuras”; os dois haviam perdido o sentido alienante de seu ser
anterior. Anny experimentava-se tão esvaziada quanto ele, chegando a
afirmar: “sobrevivo a mim mesma”. Descobrem, no entanto, que nada
mais há que um possa mediar para o outro. Enquanto viviam aprisionados
na espontaneidade, na vivência do “aqui e agora”, um dava
suporte para a alienação do outro, mas agora, nada podem fazer
mutuamente. Anny diz que ele lhe é indispensável, pois enquanto
ela muda, ele fica fixo, imutável, servindo-lhe de marco de referência.
Antoine constata que ela não o compreende, não o enxerga, não
consegue ver nada a não ser a si mesma. Realmente, não é
mais possível resgatar nada dessa relação. Roquentin não
ficou arrasado por deixá-la, já que ela nada mais tem a lhe oferecer;
no entanto, experimentou um grande medo de voltar à solidão. Após
seu encontro com Anny, Roquentin desfez-se de sua última amarra com o
passado. Está finalmente liberto de seus impasses com sua história, desfez-se
de uma dinâmica de ser que, na espontaneidade, sem compromisso com coisa
alguma, o impeliu para a solidão e para a falta de sentido existencial.
Essa situação tornou-se de tal modo insuportável, concretizando-se
numa espécie de psicopatologia, que o lançou a experimentar distúrbios
psicofísicos - a náusea. Seu diário narra a apropriação
de seus impasses, o enfrentamento de suas dificuldades. Roquentin teve o esvaziamento
de seu projeto de ser questionado até a raiz – nada mais lhe fazia
sentido. “Agora, quando digo ‘eu’, isso me parece oco. Já
não consigo muito bem me sentir, de tal modo que estou esquecido. Tudo
o que resta de real em mim é existência que se sente existir. Antoine
Roquentin não existe para ninguém. É algo abstrato”
(SARTRE, 2000, p.247). O que fazer de sua vida? O que fazer de seu ser? A angústia não o larga. Tem dinheiro e é jovem, pois só
tem trinta anos, o que fazer de sua existência? Decide ir embora para
Paris. Mas o que fazer por lá? Ir ao cinema? Passear nos jardins? Freqüentar
as bibliotecas? Nada disso o afastará do tédio. Precisa encontrar
um sentido para sua existência. Será novamente
a mesma música que o arrancará do impasse, do vazio de ser. Escuta-a
uma última vez, no café, antes de partir para Paris. A voz canta:
some of these days... Na música nada é demais,
ela simplesmente é; como ele também quis ser. Aliás, ele
somente quis isso, eis a chave de sua vida. Agora percebe que é um simples
sujeito, sentando no banco de um café, escutando aquela melodia. Através
dela entra na realidade, ela o faz ver a importância que tem preencher
o mundo, dar sentido à sua vida. A cantora espalha sua bela voz pelo
ar... Antoine compreende, finalmente, a função da canção,
que é a de justificar a existência da cantora. Aos poucos vai percebendo
que também precisa fazer algo de concreto no mundo que justifique sua
existência. Não seria uma canção, pois nada entende
disso, mas quem sabe um livro, pois o que sabe fazer é escrever. Não
poderá ser um livro de história, porque isso fala do que já
existiu; mas um romance de aventura, que por trás das palavras façam
surgir algo acima da existência. Reflete: “chegaria o momento em
que o livro estaria escrito, estaria atrás de mim, e creio que um pouco
de claridade iluminaria meu passado. Então, talvez através dele
eu pudesse evocar minha vida sem repugnância (...) E conseguiria –
no passado, somente no passado – me aceitar” (SARTRE, 2000, p.258).
Roquentin consegue, enfim, redefinir seu projeto. Será um escritor! Um
escritor de romances de aventura. As aventuras não são mais do
que narrativas de alguém. È isso o que fará, contará
aventuras, atingindo os leitores de diferentes maneiras, perpetuando-se através
dessas narrativas. Sua existência ganha sentido novamente. Agora pode encarar sua história,
seu passado, admitir sua temporalidade. Consegue, com isso, superar seus impasses
psicológicos, colocando-se como uma totalização em curso,
corpo/consciência em direção a um futuro. Está inteiro
para retomar sua existência, agora justificada, no sentido de estar indo
em direção a um fim, a um projeto de ser. Poderíamos dizer,
em uma linguagem clínica, que Antoine “curou-se”, no sentido
de ter esclarecido seu projeto, suas estratégias de ser, tomando sua
história em suas próprias mãos, superando seus sintomas
psicofísicos. A canção exerceu, no romance, importante função
terapêutica (MOUTINHO, 1995). Foi ela a mediadora das reflexões
críticas de Roquentin, que lhe permitiram superar as perturbações
psicofísicas, as emoções (náusea), os impasses psicológicos
– que nada mais eram do que expressões da perda de sentido de ser,
engendrada pela espontaneismo e pela solidão em que se lançara
– viabilizando a redefinição de seu projeto. Verificamos, assim,
que La Nausée é a descrição de um processo
psicoterapêutico: no início, Roquentin, enredado em experimentações
psicofísicas que o amedrontam, na medida em que não compreende
seus significados, vai aos poucos, porém, compreendendo que elas são
resultantes de seu tédio existencial, de sua solidão. Essa situação
coloca-o frente a frente com sua história, frente a frente com a existência
injustificada dos objetos e entes em geral. Ao compreender que o que havia feito
de sua vida - viver aventuras - o levara ao “vazio de ser”, pois
vivera uma existência puramente espontânea e descomprometida, sem
nenhuma amarra sociológica e, por isso mesmo, injustificada, experimentando-se
na mais completa solidão, que o levava a referir seu “eu”
como se fosse “oco”. Antoine vai, passo a passo, libertando-se de
sua alienação. Realiza um processo que lhe possibilita redefinir
seu projeto, recolocar sua existência em um novo patamar. A definição
de ser um escritor de romances o leva a lançar-se para o mundo em uma
nova perspectiva, fincando raízes em Bouville, modificando sua relação
com os outros. Ao final do livro consegue unificar sua história em um
projeto, totalizar passado/presente/futuro, ganhando consistência ontológica
e, assim, sentido em seu ser. A PSICOLOGIA
CLÍNICA EM SARTRE Vimos acima que
Sartre utiliza a via romanesca para explicitar suas elaborações
técnicas. Dessa maneira, através de seus romances, de seus empreendimentos
biográficos, Sartre viabiliza sua psicologia existencialista, no sentido
de explicitar uma forma de compreensão rigorosa do homem concreto, inserido
no mundo, com seus suores e suas dores, seus impasses psicológicos. Fornece,
com isso, uma grande contribuição no entendimento dos caminhos
de uma nova forma de realizar a psicologia clínica. Na proposição
de sua psicanálise existencial Sartre demonstra como lidar com
o fenômeno psicológico em seus diferentes componentes e níveis,
nos quais aparece o sujeito com o seu projeto de ser, com os conflitos com o
seu desejo de ser, com sua eleição original. Em seus romances
e biografias realiza o que poderíamos chamar metaforicamente de uma “radiografia
psicológica” do sujeito, na medida em que deixa translúcido
o projeto de ser, as raízes da problemática psicológica,
a localização das contradições de seu ser, a partir
da compreensão do conjunto de suas relações, ou seja, de
seu movimento no mundo. Essa compreensão
psicológica fornece a base para uma possível intervenção
psicoterapêutica. Roquentin conseguiu retomar seu projeto de ser e tornar-se
“sujeito de sua história e de sua vida”. E qual é
a tarefa da psicoterapia? Justamente a de colocar o ser da pessoa em suas próprias
mãos, o que o viabilizará como sujeito. Qualquer processo psicoterapêutico
só vai encontrar solução na medida em que possibilitar
ao paciente converter-se em sujeito de sua própria história, de
seu ser, para assim adquirir condições de se tornar um sujeito
social íntegro, ciente de também ser sujeito da história
social, de ser um cidadão. Esse deve ser o caminho da clínica:
viabilizar o homem enquanto sujeito (SCHNEIDER, 2002). É o que acontece
com Roquentin em A Náusea: na medida em que retoma todo o seu
passado, transcende o espontaneismo que o lançava para a solidão,
consegue redimensionar seu projeto de ser ao abrir um novo horizonte futuro.
Com isso, conseguiu superar seus sintomas psicofísicos, ou seja, a náusea
que o dominava, possibilitando integralizar-se em sua história, tomando
seu ser nas mãos. Dessa forma, poderíamos refletir que a “cura” em uma psicologia
clínica na perspectiva sartriana só seria possível pela
condição de o paciente superar a situação em que
está submetido e poder “fazer alguma coisa daquilo que os outros
fizeram dele” (SARTRE, 1952). “Curar” é transcender
os problemas e colocar a resolução da questão ontológica
do indivíduo dentro de novos parâmetros, em que seu projeto e desejo
de ser sejam viabilizados. A “cura”, em uma perspectiva sartriana,
nunca poderia ser, portanto, uma “conformação ao que o paciente
é”, um “assumir-se a si mesmo”, uma “aceitação
de si”, um “auto-conhecimento”, uma “adaptação
às circunstâncias sociais”, como em muitas outras psicoterapias.
A psicoterapia existencialista sartriana só faz sentido se possibilitar
ao homem o seu estatuto de sujeito, se realizá-lo enquanto liberdade,
se não contribuir para a produção de um homem alienado,
mas proporcionar-lhe o verdadeiro direito de cidadania, resgatando-o sujeito
histórico.
Sartre, através
de seus estudos biográficos, através de seu romance A Náusea,
deixou muito claro todos os elementos essenciais para a realização
de uma intervenção psicoterapêutica, apesar de ele mesmo
não a ter realizado, por não ser um clínico e não
ter ido para a prática clínica. Sua psicanálise existencial
fornece, no entanto, uma teoria e uma metodologia fundamentais para se pensar
a psicologia clínica em novos moldes. Só o que é preciso
é colocá-la em prática, como era intenção
do próprio Sartre. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BERTOLINO, P. Sartre:
Ontologia e Valores. 1979. 155 f. Dissertação (Mestrado em Antropologia
Filosófica) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, PUC-RS,
Porto Alegre. BERTOLINO, P. Psicologia:
Ciência e Paradigma. In: CFP. Psicologia no Brasil: Direções
Epistemológicas. Brasília: CFP, 1995. BERTOLINO, P. Processo
de Temporalização Antropológica. Modelos Científicos.
Florianópolis, 2005. Disponível em <http://www.nuca.org.br>.
Acesso em: 15 out. 2005. CONTAT, M.; RYBALKA,
M. Les Écrits de Sartre. Paris: Gallimard, 1970. JASPERS, K. Psicopatologia
Geral: psicologia compreensiva, explicativa e fenomenologia. 2 ed.
Rio de Janeiro: Atheneu, 1979. MOUTINHO, L. D.
Sartre: Psicologia e Fenomenologia. São Paulo: Brasiliense,
1995. PHILIPPE, G. Récits
de La Pensée; études sur le Roman et l’essai. Paris:
SEDES, 2000. SARTRE, J-P. Esquisse
d’une Théorie des Émotions. Paris: Hermann, 1938.
SARTRE, J-P. L’Imaginaire.
Psychologie Phénoménologique de L’Imagination. Paris: Gallimard,
1940. SARTRE, J-P. L’Être
et le Néant – Essai d’Ontologie Phénoménologique.
Paris: Gallimard, 1943. SARTRE, J-P. Saint
Genet: Comédien et Martyr. Paris: Gallimard, 1952. SARTRE, J-P. Critique
de la Raison Dialectique (précédé de Question de Méthode).
Paris: Gallimard, 1960. SARTRE, J-P. Les
Mots. Col. Folio.Paris: Gallimard, 1964. SARTRE, J-P. La
Transcendance de L’Ego. Esquisse d’une Description Phénoménologique.
Paris: J. Vrin, 1965. SARTRE, J-P. L’Idiot
de la Famille: Gustave Flaubert, de 1821 a 1857. Paris: Gallimard,
1971. SARTRE, J-P. O
que é Literatura? São Paulo: Ática, 1989. SARTRE, J-P. L’Existentialisme
est un humanisme. Paris: Gallimard, 1996. Col. Folio. SARTRE, J-P. A
Náusea. 10 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000. SCHNEIDER, D. Novas
perspectivas para a psicologia clínica: um estudo a partir da
obra ‘Saint Genet: comédien et martyr’ de Jean-Paul Sartre.2002.338
f. Tese (Doutorado em Psicologia Clínica) – Faculdade
de Psicologia, PUC-SP, São Paulo. Endereço
para correspondência Recebido em: 21/11/2005 NOTAS *
Professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal
de Santa Catarina. Psicóloga, Mestre em Educação (UFSC),
Doutora em Psicologia Clínica (PUC-SP). 1
Intitulado A Náusea em português, tem impressão
brasileira pela Nova Fronteira: Rio de Janeiro, 2000.
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Eu tinha o sonho de exprimir minhas idéias somente de uma forma
bela – ou seja, através das obras de arte, romance ou novela. Mas
eu compreendi que isto era impossível. Há questões mais
técnicas, que exigem um vocabulário puramente filosófico.
Dessa forma, eu me vi obrigado a duplicar, por assim dizer, cada romance em
um ensaio. Assim, ao mesmo tempo de La Nausée, eu estou escrevendo La
Psyché, obra que irá ser lançada em breve e que trata da
psicologia do ponto de vista fenomenológico. (In: CONTAT; RYBALKA, 1970,
p.65).
Ora, nenhum ser necessário pode explicar a existência: a contingência
não é uma ilusão, uma aparência que se pode dissipar;
é o absoluto, por conseguinte a gratuidade perfeita. Tudo é gratuito:
esse jardim, essa cidade e eu próprio. Quando ocorre que nos apercebemos
disso sentimos o estômago embrulhado, e tudo se põe a flutuar como
outra noite (...): é isso a Náusea; é isso que os salafrários,
os do Coteau Vert (bairro nobre de Bouville) e os outros tentam esconder de
si mesmos com sua idéia de direito (SARTRE, 2000, p.194 – nota
nossa).
A Psicanálise Existencial (...) é um método destinado
a elucidar, com uma forma rigorosamente objetiva, a escolha subjetiva pela qual
cada pessoa se faz pessoa, ou seja, faz-se anunciar a si mesma aquilo que ela
é. (...) Esta psicanálise ainda não encontrou o seu
Freud; quando muito, pode-se encontrar seus prenúncios em certas
biografias particularmente bem sucedidas. (...) Mas aqui pouco importa que tal
psicanálise exista ou não: para nós, o importante é
que seja possível (SARTRE, 1943, p.663 - grifo nosso).
E-mail: danis@cfh.ufsc.br;
danischneiderpsi@uol.com.br
Aceito para publicação em: 28/07/2006
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