O Estado Novo de Salazar como um fascismo catedrático. Fundamentação histórica de uma categoria política

Autores

  • Jorge Pais de Sousa Bolsista de Pós-Doutoramento da FCT-CEIS20 –Universidade de Coimbra

Palavras-chave:

1.ª República, Socialismo catedrático, Estado Novo, Fascismo catedrático

Resumo

O ensaio aborda o contexto em que Miguel de Unamuno usou a expressão “fascismo de cátedra” e o seu objectivo é mostrar que, entendida como categoria usada para qualificar politicamente o Estado Novo, ela é susceptível de ser fundamentada historicamente. Neste sentido, enquanto modelo teórico ou modelo ideal, esta categoria política possui um valor epistemológico e heurístico que permite elucidar vários dos acontecimentos que são anteriores à formação do Estado Novo. É neste sentido que se faz também uma referência breve ao seu posicionamento no debate historiográfico e politológico sobre o Estado Novo em Portugal.

A fundamentação histórica do fascismo catedrático é indissociável da carreira académica de Salazar e encontra as suas raízes na conjuntura da I Guerra Mundial, designadamente, no período de 1916 a 1928. Mencionaremos que Salazar sucedeu na regência das cadeiras de Economia Política e de Finanças na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, precisamente, em 1916, ano em que faleceu o socialista de cátedra Marnoco e Sousa. Sublinharemos o facto dos principais trabalhos universitários de Oliveira Salazar terem sido publicados, entre 1916 e 1918, e versarem os problemas concretos da economia de guerra suscitados, directa ou indirectamente, pela participação de mais de cem mil combatentes nos teatros de guerra de África e da Flandres. Estudos que sustentaram a afirmação da sua trajectória académica e estruturaram o seu pensamento político em matéria de economia e de finanças. Os trabalhos universitários de Salazar opõem-se ao socialismo reformista expresso na tese de doutoramento A Igreja e a Questão Social (1895) de Afonso Costa, respetivamente ministro das Finanças e presidente do Ministério nos dois governos da União Sagrada (1916-1917), o qual é afastado do poder pelo golpe de estado sidonista.

Entretanto, no final do ano de 1917, os intelectuais modernistas e nacionalistas editaram a revista Portugal Futurista. Coetânea, também, da afirmação da carreira académica de Salazar foi a emergência da ditadura dezembrista de tipo soberano, entre 1917 e 1918, do major e catedrático Sidónio Pais, organizada para afastar do poder o presidente do ministério Afonso Costa, de forma a colocar um fim à política de mobilização intervencionista desenvolvida pelo PRP/Partido Democrático e protagonizada pelo ministro da Guerra Norton de Matos. Sidónio Pais organiza o primeiro parlamento que deu representação parcial às corporações e concentrou na sua pessoa de militar os poderes de presidente da República e de presidente do Ministério, ao mesmo tempo que assumiu o comando em chefe das Forças Armadas. Foi este catedrático que fundou o primeiro organismo governamental de propaganda e entregou a sua direcção a Homem Cristo Filho, um dos primeiros fascistas e colaborador político pessoal de Mussolini. O sidonismo criou na sociedade portuguesa uma corrente de opinião e no Exército uma linha de comportamento militar golpista. Esta última vai conspirar por diversas vezes e tenta o golpe de 18 de Abril de 1925, verdadeiro ensaio político do 28 de Maio de 1926. Referiremos, ainda, a importância política do magistério universitário de Salazar, quer na sua componente civilista, quer na sua componente militar. Vários dos seus antigos alunos protagonizarão um movimento ditatorial académico-castrense que indicou o nome e suportou Salazar no seio do poder e do Exército desde 1926 até 1933. A Ditadura das Finanças só foi possível através da confluência das linhas militares, sidonista e salazarista, para o esmagamento das revoltas republicanas do Reviralho. A Constituição de 1933 marca a criação da nova ditadura soberana e nesta altura Salazar rodeia-se, preferencialmente, de vários catedráticos para exercerem cargos governamentais ou liderarem as organizações para-militares como foi o caso da Legião e da Mocidade Portuguesa. Abordaremos o reconhecimento ao nível do próprio discurso doutrinário de Salazar da qualificação do Estado Novo como uma “Ditadura de Doutores” no ano de 1951. Ou não tivesse o conceito de Stato Nuovo sido oriundo da Itália fascista e arquitectado, em termos jurídico-políticos, pelo também catedrático e ministro da Justiça de Mussolini Alfredo Rocco. Em termos institucionais, o regime virá a reconhecer a importância do arquétipo político que foi a experiência ditatorial sidonista, na ordem da política interna e externa, ao organizar a cerimónia de trasladação do corpo de Sidónio Pais para a Sala do Capítulo a 14 de Dezembro de 1953, por ocasião do 35.º aniversário do seu assassinato. Tal como promoveu uma segunda trasladação do seu corpo na inauguração do Panteão Nacional de Santa Engrácia, quando da comemoração dos 40 anos sobre a Revolução Nacional, em Dezembro de 1966.

Downloads

Publicado

2013-12-26

Como Citar

Sousa, J. P. de. (2013). O Estado Novo de Salazar como um fascismo catedrático. Fundamentação histórica de uma categoria política. Intellèctus, 12(2). Recuperado de https://www.e-publicacoes.uerj.br/intellectus/article/view/17731

Edição

Seção

Artigos Livres