CONSUMO ALIMENTAR APARENTE DE FERRO

IRON APPARENT FOOD INTAKE

 

 

 Haydée Serrão Lanzillotti1*

Conceição de Maria Sintz1

Regina Serrão Lanzillotti2

Eduardo Pereira Alcantara da Silva3

Rute Ramos da Silva Costa3

 

 

Resumo

Objetivo: Estimar o consumo alimentar aparente de ferro considerando seus modificadores de absorção. Método: O estudo utilizou a história alimentar descrita nos prontuários de Nutrição para avaliar o consumo habitual e verificar se as recomendações dietéticas para ferro, cálcio e vitamina C estão sendo cumpridas. A estimativa de absorção de ferro foi calculada utilizando-se os algoritmos criados por Hallberg e Hulthén. A correlação de Spearman avaliou a associação entre condição socioeconômica e ingestão de ferro e cálcio. Resultados: Somente foi possível avaliar o consumo alimentar de 15 crianças porque o desvio padrão intrapessoal para ferro, cálcio e vitamina C estão disponíveis a partir de 4 anos. O consumo declarado destas crianças apresentou inadequação (p ≥ 0,70) para ferro (100%), cálcio (80%) e vitamina C (3,33%). A média da estimativa de absorção de ferro, considerando os fatores estimuladores e inibidores, foi de 2,21± 0,94, o que representa 57,63% da ingestão de ferro total. A associação entre a condição socioeconômica e a ingestão de nutrientes apresentou-se fraca tanto para ferro quanto para cálcio. Conclusão: A dieta avaliada das crianças está inadequada em ferro, cálcio e vitamina C.

Palavras-chave: consume alimentar, criança, ferro.

 

Abstract

Objective: To estimate the iron apparent food intake by considering their modifiers of absorption. Method: The study used the food history described in the nutrition register to evaluate the usual food intake and to verify if the Recommended Dietary Allowances for iron, calcium and vitamin C are being followed. Iron absorption was calculated using the algorithm of Hallberg and Hulthén. Spearman’s correlation evaluated the association between socio-economic conditions and the iron and calcium intakes. Results: It was only possible to evaluate the food intake of 15 children because the intrapersonal standard deviation of iron, calcium and vitamin C are available from 4 years old on. The declared food intake of these children presented inadequacies (p ≥0, 70) in iron (100%), calcium (80%) and vitamin C (93,33%). The mean of the iron absorption estimate, considering the inhibitors and enhancing factors, was 2.21 ± 0.94. This represents 57.63% of the whole iron ingestion. The association between socio-economic conditions and nutrient ingestion were weak both for iron and calcium. Conclusion: The valued diet of children is inadequate for iron, calcium and vitamin C.

Key words: food intake, child, iron

 

Introdução

O Departamento de Nutrição Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro vem desenvolvendo, desde 1998, o projeto de extensão “Educação Nutricional em Puericultura: uma parceria UERJ/INU/DNS/PPC”, integrado ao Programa de Atenção Integral da Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente (PAISMCA). O projeto atende a crianças na faixa etária de 0 a 8 anos em sua maioria, das classes sociais C, D e E, segundo o critério ABA/ABIPEME (Associação Brasileira de Anunciantes/Associação Brasileira dos Institutos de Mercado). O atendimento se inicia por uma avaliação nutricional, segundo as orientações do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional -SISVAN/MS (Facundes et al., 2004), seguida de orientação dietética, além das ações educativas dirigidas às crianças e seus acompanhantes. Sua relevância social é mostrar ao aluno e à comunidade a responsabilidade da Universidade com os anseios da sociedade.

Por razões de não-acesso ao alimento ou escolha incorreta para compor uma dieta, as crianças podem deixar de incluir em sua alimentação fontes de nutrientes essenciais ao organismo e, por conseqüência, cair em situação de risco nutricional. Existe uma interação entre os alimentos que deve ser explorada e explicada para a população, se o desejo é melhorar a qualidade de vida das comunidades, sobretudo aquelas de condições educacionais menos privilegiadas.

O panorama nutricional do setor de Puericultura da Policlínica Piquet Carneiro, onde o projeto se desenvolve, apresenta três grandes preocupações: a desnutrição, a obesidade e a anemia ferropriva.

A obesidade tem no hábito alimentar, talvez o principal componente etiológico. A obesidade está em crescimento, tanto em adultos quanto em crianças. A atenção nutricional à infância tem-se deparado com casos de desnutrição e obesidade. De uma maneira geral, tanto uma quanto a outra, por via de conseqüência, desencadeia a anemia ferropriva. No Brasil, embora não se tenha prevalência global, o artigo de revisão realizado por Coutinho, Goloni-Bertollo e Bertelli (2005) mostrou que no Estado de São Paulo quase 3.000 crianças menores de dois anos apresentam deficiência de ferro. No Estado de Pernambuco, a cifra alcançou 777 crianças na idade entre seis e 59 meses. Em Porto Alegre, a prevalência de anemia foi de 65,6% entre crianças de 12 a 23 meses. Os autores ainda relatam que em outras regiões do Brasil a prevalência de anemia ferropriva varia entre 13,3 % e 60,5%.

A transição na alimentação ocorrida a partir da Terceira Revolução Industrial conduziu a uma alimentação mais rica em gorduras hidrogenadas e alimentos refinados, em detrimento dos carboidratos complexos e fibras. A obesidade tornou-se um problema de Saúde Pública, devido ao crescimento rápido de sua prevalência em muitos países em todo o mundo (Tomkins, 2006). O desmame precoce (antes dos seis meses de idade) também vem contribuindo para agravar este quadro (Armstrong & Reilly, 2002).

Neste cenário, onde coexistem desnutrição, obesidade e anemia na população infantil, elegeu-se como objetivo estimar a adequação alimentar aparente de ferro, considerando seus modificadores de absorção.

 

Metodologia

O estudo faz parte do Projeto Nutri-Fuzzy-Orixás: biodisponibilidade de nutrientes sob a ótica dos sistemas baseados em conhecimento Orixás e Sistemas Lógicos Fuzzy, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Pedro Ernesto, sob o protocolo nº 794 CEP/HUPE.

O ambulatório de Nutrição da Policlínica Piquet Carneiro atende a crianças encaminhadas pelo Serviço de Pediatria, Serviço de Enfermagem ou por livre demanda. As crianças podem vir com diagnóstico conclusivo de anemia ferropriva ou com suspeita. Em ambos os casos, o diagnóstico conclusivo é realizado através de hemograma, o qual é apresentado ou requerido. Indiferentemente de as crianças apresentarem ou não diagnóstico de anemia por deficiência de ferro, os pais são orientados a combinar os alimentos, a fim de biodisponibilizar o ferro da dieta. Em se tratando de atenção primária, a medida é de caráter preventivo. O diagnóstico nutricional é realizado através da antropometria (peso e estatura) e de inquérito alimentar, privilegiando a história alimentar.

O estudo utilizou a história alimentar (Fisberg; Martini, Slater, 2005) descrita nos prontuários de Nutrição para avaliar o consumo habitual na primeira consulta. Este é realizado por acadêmicos de Nutrição devidamente treinados, com duração de aproximadamente uma hora na primeira consulta, ou seja, quando não se fez qualquer intervenção dietética. Utilizou-se a tabela de Avaliação de Consumo Alimentar em Medidas Caseiras (Pinheiro et al., 2000), para transformar medidas caseiras registradas nos prontuários em massa (g) e volume (ml). O teor de nutrientes foi calculado com auxílio da Tabela de Composição de Alimentos (Philippi, 2002), a tabela citada anteriormente e a rotulagem nutricional.

Para o cálculo da adequação aparente, foram utilizadas as estimativas da ingestão e da variabilidade do consumo do nutriente, da necessidade média (EAR) e da variação da necessidade (coeficiente de variação - CV) deste. A estimativa do grau de confiança com que a ingestão do nutriente alcança a necessidade do indivíduo foi obtida através do cálculo do escore Z. Esta abordagem compara a diferença entre a ingestão relatada (a melhor estimativa da ingestão habitual) e a EAR, levando em conta a variabilidade da necessidade e a variação intrapessoal, relativa ao consumo do dia-adia. A EAR é calculada a partir da Ingestão Dietética Recomendada (RDA), que corresponde ao nível de ingestão diária suficiente para atender à necessidade do nutriente para 97% dos indivíduos de uma população de referência em determinado estágio de vida e gênero. A RDA corresponde a EAR + 2DPnecessidade.

As tabelas de referência que fornecem os valores da RDA e a estimativa da EAR consideram um CV teórico de 10% para a maioria dos nutrientes. Logo, a EAR é calculada pela divisão da RDA por 1,2. Alguns nutrientes não têm a RDA estabelecida, neste caso se adota a Ingestão Adequada (AI) para calcular a probabilidade de adequação do nutriente. A AI é estabelecida com base em níveis de ingestão derivados experimentalmente ou por aproximações da média de consumo do nutriente por um grupo de indivíduos aparentemente saudáveis. Este é o caso do nutriente cálcio. Calculado o escore Z, determina-se a probabilidade de a dieta estar adequada (Marchioni, Slater, Fisberg, 2004).

A estimativa do nível de absorção de ferro da dieta, levando-se consideração seus modificadores, foi realizado utilizando-se o modelo de Hallberg e Hulthén (2000), considerando-se os algoritmos descritos na Tabela 1.

 

Tabela 1: Algoritmos para a predição da absorção de ferro 

Vitamina C

[1+0,01AA+log(P-phitate+1) ]0,01(100,8875log AA+1)

r2=0,995 (3)

Sujeitos: n=240

Testado para refeições com e sem cálcio e para refeições com e sem carne

Cálcio

0,4081+ {0,6059/1 10–[2,022–log (Ca+1)] 2,919]}

r2=0,998

Sujeitos: n=7

Refeição < 50mg de Ca , nenhum efeito sobre a absorção do ferro

Intervalo de inibição máxima: [300mg, 600mg]

Carne, Aves; Peixe, Frutos do mar

1+0,00628carne(g)[1+0,006(P-fitato)]

r2=0,877

Sujeitos: n=135

Testado para refeições contendo fitato

Ovos

1-0,27 ovos

r2 = (...)

Sujeitos n=50

A equação é válida para 3 ovos na refeição

 

Fonte: Hallberg e Hulthén (2000)

Nutrientes em (mg)  

Foi calculado o ferro heme da ingestão de carnes como 40% do ferro total, considerando-se um estoque de ferro adequado de 500mg. O ferro não-eme dos outros alimentos foi calculado pela diferença entre o ferro total e o ferro heme. Embora Hallberg e Hulthén tenham construído os algoritmos em experimentos com refeições, neste estudo utilizou-se o valor de ferro da dieta.

Cook & Reddy (2001) mostraram que o efeito facilitador da vitamina C sobre a absorção do ferro de uma dieta completa é menos pronunciado do que de uma refeição, talvez devido à variabilidade das substâncias alimentares da dieta.

A avaliação das condições socioeconômicas a partir de itens de conforto foi realizada através do método ABA/ABIPEME. Este método emprega variáveis que podem garantir uma estimativa da renda doméstica, sendo selecionados oito indicadores discriminantes da renda: número de rádios, TV em cores, automóveis, aspirador de pó, máquina de lavar roupa, geladeira, empregada mensalista, banheiros e nível educacional do chefe de família. Em seguida, atribuíram-se pontos à posse desses itens. Conforme a pontuação de corte das classes, o indivíduo é classificado nas classes: A – alta (35 ou mais pontos), B - média (21-34), C – média baixa (10-20), D – pobre (5-9), E - muito pobre (0-4) (Metodologia...., 2007).

Sabendo-se que os alimentos mais ricos nos nutrientes ferro e cálcio são os de maior custo, calculou-se o coeficiente de correlação, utilizando-se os pontos atribuídos a cada sujeito para a classificação dos estratos sociais, a fim de avaliar a associação entre os pontos obtidos pelos responsáveis da criança na classificação socioeconômica segundo o critério ABA/ABIPEME e o valor nutricional de consumo. 

Análise estatística

Para a análise dos dados coletados foram usados a planilha Excel e o Graph Pad PRISM versão 4.0. As variáveis contínuas foram expressas através da média e intervalo de confiança com 95% de confiabilidade. Prova de Kolmogorov-Smirnov (p =0,10) testou a normalidade da matriz de valores do consumo de ferro e cálcio e dos pontos do critério ABA/ABIPEME obtidos pelos participantes. Coeficiente de correlação de Spearman foi usado como medida de associação entre variáveis. O escore Z calculou a probabilidade de adequação aparente do consumo habitual dos nutrientes. Teste t comparou as médias de consumo da amostra com as DRIs. Adotou-se o nível de significância p<0,05.

 

Resultados e discussão

Foram selecionados 45 prontuários referentes ao período de atendimento de fevereiro a agosto de 2006, cujo registro da história alimentar apresentava consistência de informação necessária ao cálculo da probabilidade de adequação dos nutrientes eleitos. O perfil de consumo está consolidado na tabela 2.

 

Tabela 2: Perfil de consumo do nutriente ferro e de seus modificadores de absorção cálcio e vitamina C em crianças atendidas no ambulatório de Nutrição na Policlínica Piquet Carneiro 

 

Faixa Etária

 

n

Consumo

Ferro (mg)

Cálcio (mg)

Vitamina C (mg)

média

IC

EAR

AI

média

IC

AI

média

IC

EAR

AI

0-6 meses

5

4,48*

±1,47

na

0,3

627,05

±339,29

210

118,31

±64,82

na

40

7-12 meses

6

5,73

±2,40

9,16

na

830,33*

±351,29

270

112,93*

±35,06

na

50

1-3 anos

18

7,75*

±1,43

5,83

na

881,74*

±309,85

500

118,52*

±65,51

12,5

na

4 –8 anos

14

9,22

±2,15

8,3

na

738,04

±268,39

800

48,19*

±17,63

20,8

na

Valor individual

 

9 anos

1

11,3

 

 

 

117,45

 

 

54,88

 

 

 

                                 

* médias significativamente diferentes

“p” <0,05

(na) não se aplica

 (IC) intervalo de confiança p<0,05 

 Em relação ao ferro, as crianças cuja dieta mais se afasta da RDA são as que estão na faixa etária de 7 a 12 meses, possivelmente porque a alimentação complementar não está sendo introduzida de forma adequada – ou seja, não se está privilegiando os alimentos ricos em ferro, tais como as e hortaliças de cor verde escura e a carne. Para que este ferro seja mais bem aproveitado pelo organismo, duas recomendações devem ser atendidas: fornecer a papa de hortaliças acompanhada de suco ou papa de fruta rica em vitamina C e não servir alimentos que contenham quantidades de leite apreciáveis na mesma refeição, uma vez que o cálcio é um inibidor da absorção do ferro (Ybarra, Costa, Ferreira, 2001). Registra-se um consumo expressivo de vitamina C (tabela 2) em todas as faixas etárias, dado positivo para favorecer a absorção do ferro não-heme, considerando que não atingiu os níveis de UL (nível superior tolerável de ingestão).

A questão não é a quantidade dos nutrientes, mas a forma como estes interagem na combinação entre alimentos. O consumo de cálcio supera as recomendações, à exceção da faixa etária de 4 a 8 anos, que se encontra ligeiramente inferior. A criança nessa idade tem maior liberdade para escolher seus alimentos e o leite, na maioria das vezes, é o primeiro que vai ser substituído por refrigerantes, guaraná natural e mate, todos ricos em cafeína, outro competidor do ferro. É importante mostrar à criança e aos responsáveis por sua alimentação o valor do leite e seus derivados e a necessidade de consumo moderado desses alimentos.

Interessante notar a diferença significativa entre as médias de consumo de ferro nas diferentes faixas etárias identificadas através do Teste t. Este achado permite inferir, particularmente na faixa etária de 0 a 6 meses, onde os valores foram superiores a AI, que isto tenha ocorrido devido à introdução de fórmulas lácteas infantis industrializadas, que, dada sua fortificação, apresentam teores do mineral acima da composição do leite materno, o qual serve de orientação para a proposta da AI.

No caso da faixa etária de 7 a 12 meses, a diferença é significativa para o consumo de cálcio e vitamina C. Crianças nesta idade consomem leite em pó integral ou fórmula de seguimento, geralmente com concentração superior à diluição correta e ainda acrescentam ao leite farinhas de cereais enriquecidas. Esta pode ser uma das explicações para estes achados. Analogamente, o fenômeno acontece até os três anos. Na última faixa etária, apenas o consumo de vitamina C encontra-se levemente superior a EAR, o que é peculiar à dieta do brasileiro que não apresenta deficiência desta vitamina.

Castro et al. (2005), estudando a alimentação de crianças de 24 a 72 meses de idade matriculadas em creches municipais de Viçosa, encontraram consumo mediano para ferro de 4,5mg , vitamina C, 13,1mg e cálcio 285,0 mg. Outro estudo, realizado por Cavalcante et al. (2006), também realizado em Viçosa mas com crianças na faixa etária entre 12 e 35 meses, encontrou consumo de 5,47± 2,62 mg e 2,36± 14,27mg para ferro e vitamina C, respectivamente. Spinelli et al. (2003), avaliando o consumo alimentar de crianças em creches do Município de São Paulo, encontraram média de consumo de ferro de 3,84± 0,81 mg; 4,59± 1,40 mg e 5,22± 1,41mg para as faixas etárias de 6 a 9 , 9 a 12 e 12 a 18 meses, respectivamente. Analogamente, o consumo de cálcio atingiu 249,49± 35,05mg; 309,21± 94,81mg; 369,01± 66,16mg e vitamina C , 41,35± 17,05mg; 39,91± 11,51mg; 44,72± 15,84mg.

Embora não exista semelhança nos pontos de corte das faixas etárias deste estudo com os demais citados, podem-se dividir os dados para confronto em dois grupos: crianças menores e maiores de dois anos. No primeiro grupo, existe certa semelhança no consumo de ferro e cálcio e diferença em relação à vitamina C, mais alto no presente estudo. Análise análoga para o segundo grupo, este apresenta valor de consumo superior para ferro, assemelhado para cálcio e inferior para vitamina C.

Dos 45 registros da história alimentar das crianças, foi possível calcular a adequação aparente da dieta de apenas 15 crianças, uma vez que a estimativa de desvio padrão intrapessoal para os nutrientes ferro, cálcio e vitamina C, calculadas pelo Institute of Medicine (IOM, 2000) estão disponíveis para indivíduos a partir de quatro anos de idade (tabela 3).

 

Tabela 3: Classificação da ingestão habitual das crianças atendidas no ambulatório de Nutrição na Policlínica Piquet Carneiro

 

 

Faixa etária

Ferro (mg)

Cálcio (mg)

Vitamina C(mg)

Adequado

P ≥ 0,70

Inadequado

p< 0,70

Adequado

P ≥ 0,70

Inadequado

p< 0,70

Adequado P ≥ 0,70

 

Inadequado

p< 0,70

4 a 8 anos

0%

93,33%

20.00%

73.33%

6.67%

86.66%

9 anos

0%

6.67%

0%

6.67%

0%

6.67%

 n=15

 O consumo alimentar declarado das 15 crianças cuja dieta foi avaliada está inadequado para ferro (100%), cálcio (80%) e vitamina C (93,33%), quando considerado o grau de confiabilidade “p≥ 0,70” sugerido por Fisberg et al. (2005).

Em relação à adequação, Castro et al. (2005) encontraram prevalência de inadequação de 21,4% e 72,8% para ferro e vitamina C, respectivamente. Os resultados da predição da absorção de ferro estão consolidados na tabela 4.

 

 

Tabela 4. Absorção estimada de ferro através dos algoritmos (Hallberg & Hulthén)

 

Sujeito

Ferro da dieta

estimuladores

inibidores

Ferro

Total

Heme

 Não heme

Vit.. C

Carnes

Cálcio

Ovo

 Estimativa de absorção

mg

mg

mg

mg

g

mg

ud

mg

1

18,94

2,66

16,28

20,75

429,00

613,31

 

1,67

2

5,43

0,44

4,99

140,71

71,50

925,00

 

2,28

3

6,75

0,00

6,75

133,67

0,00

997,66

 

1,97

4

2,25

0,00

2,25

13,50

0,00

174,00

 

0,04

5

11,22

0,59

10,63

126,75

95,81

268,91

 

4,60

6

2,50

0,00

2,50

13,50

0,00

587,64

 

0,04

7

4,27

0,53

3,74

73,24

85,80

73,89

 

0,73

8

9,93

0,62

9,31

24,07

100,10

538,05

 

0,50

9

6,95

0,00

6,95

105,10

0,00

365,02

 

1,44

10

4,91

0,49

4,42

5,41

78,65

758,87

 

0,04

11

5,91

0,44

5,47

41,10

71,50

316,54

 

0,48

12

8,89

0,35

8,54

9,43

57,20

186,86

 

0,14

13

9,89

0,93

8,96

26,80

150,15

394,55

 

0,64

14

6,57

0,44

6,13

199,81

71,50

764,30

 

4,76

15

6,20

0,53

5,67

28,16

85,80

679,64

 

0,34

16

11,75

1,24

10,51

129,08

200,20

1115,86

 

6,58

17

5,64

0,53

5,11

50,98

85,80

919,74

 

0,62

18

4,28

1,24

3,04

35,50

200,20

1130,06

 

0,35

19

4,05

0,89

3,16

64,05

143,00

896,35

 

0,64

20

4,53

0,00

4,53

78,45

0,00

714,92

 

0,63

21

4,89

0,18

4,71

107,33

28,60

549,95

 

1,18

22

4,36

0,35

4,01

601,89

57,20

390,47

 

18,25

23

5,92

0,00

5,92

285,92

0,00

544,34

 

5,63

24

5,05

0,53

4,52

15,98

85,80

479,15

 

0,15

25

11,23

0,71

10,52

70,55

114,40

2524,92

 

2,17

26

7,90

0,27

7,63

83,39

42,90

689,16

 

1,46

27

14,40

0,00

14,40

0,00

0,00

3164,40

 

não calculado

28

4,14

0,00

4,14

115,87

0,00

589,72

1,00

0,72

29

4,29

0,00

4,29

60,81

0,00

701,08

 

0,43

30

4,57

0,00

4,57

220,12

0,00

1146,40

 

2,85

31

12,95

0,44

12,51

118,52

71,50

1900,83

 

4,44

32

12,55

1,77

10,78

144,96

286,00

911,02

 

9,92

33

7,24

0,53

6,71

17,74

85,80

675,82

 

0,24

34

8,66

0,89

7,77

28,72

143,00

1009,26

 

0,59

35

6,32

0,98

5,34

40,87

157,30

496,69

 

0,64

36

4,51

0,44

4,07

136,95

71,50

860,10

 

1,78

37

7,68

0,44

7,24

192,87

71,50

718,20

 

5,32

38

11,30

1,15

10,15

54,88

185,90

117,45

 

1,91

39

7,13

0,00

7,13

98,65

0,00

1412,46

 

1,35

40

13,13

0,89

12,24

77,37

143,00

672,79

 

3,16

41

9,18

0,31

8,87

37,05

50,05

726,81

 

0,63

42

12,50

0,53

11,97

97,00

85,80

595,80

 

3,40

43

13,23

1,06

12,17

75,11

171,60

540,89

 

3,30

44

10,51

0,18

10,33

42,58

28,60

1158,22

 

0,78

45

6,89

0,44

6,45

159,36

71,50

1021,50

 

3,54

 A média da estimativa de absorção de ferro, considerando os fatores estimuladores e inibidores, foi de 2,21± 0,94, o que representa 57,63% da ingestão de ferro total. Este resultado pode ter sido devido ao efeito vitamina C e carne. O consumo médio da carne (crua) foi de 86,18 ± 24,74 g, que representa aproximadamente 60g de carne cozida declarada consumida ao dia. Esta quantidade se aproxima da sugerida nos dez passos para uma alimentação saudável – duas porções de 30 a 50g (Vitolo, 2002).

Este cenário, onde se calculam a adequação aparente de ferro e sua absorção, traz inquietação em relação ao cumprimento das recomendações nutricionais, uma vez que não as satisfaz. Ainda deve ser destacado que os fatores estimuladores, quando considerados na dieta completa, são menos pronunciados do que nas refeições em separado (Cook & Reddy, 2001).

Os coeficientes de correlação de Spearman (r) (tabela 5) apresentaram valores discretos tanto para ferro quanto para cálcio, o que denota fraca associação. No entanto, seria necessário aumentar o tamanho da amostra, uma vez que o valor de r não foi significativo. A partir dos coeficientes de determinação, pode-se inferir que 4% e 1% da variância do ferro e do cálcio, respectivamente, são atribuídas à condição socioeconômica.

A opção pelo coeficiente de correlação de Spearman prendeu-se a que as matrizes relativas ao consumo alimentar, ferro (distância KS = 0,1396; p= 0,0278) e cálcio (distância KS= 0,1763; p= 0,0012) não apresentaram distribuição normal; diferentemente da variável ponto obtido pelo critério ABA/ABIPEME (distância KS = 0,126; p= 0,0706).  

 

Tabela 5: Associação entre pontos do ABIPEME para classificação da situação socioeconômica e consumo alimentar de ferro e cálcio das crianças atendidas no ambulatório de Nutrição na Policlínica Piquet Carneiro

 

Consumo Alimentar

Pearson

 (r)

Intervalo de confiança

(IC)

Coeficiente de determinação

 (r2)

Ferro (mg)

0,20*

-0.11 para 0.47

0,04

Cálcio (mg)

0,11*

-0.20 para 0.40

0,01

 

n=45

(*) não significativo (p <0,05)

 

Os resultados levaram a considerar duas questões. A primeira, referente à biodisponibilidade do ferro na dieta, torna imperativo, durante a consulta de Nutrição, explicar as formas de se combinar os alimentos, a fim de favorecer a absorção de ferro da dieta. A segunda leva a acreditar que outros fatores, além dos socioeconômicos –comportamentais, cognitivos, emocionais e comunicativos –, podem estar influenciando na escolha dos alimentos.

 

Conclusão

O perfil de adequação aparente da ingestão habitual da dieta das crianças é de inadequação para ferro, cálcio e vitamina C, ao nível de confiabilidade de 70%. Os achados mostram que é imperativo o monitoramento do consumo alimentar e das ações educativas na orientação nutricional. A não-existência de associação significativa entre os pontos da ABA/ABIPEME e o consumo de cálcio e ferro permite, mesmo que com reservas, reforçar a idéia de que a educação nutricional é a ferramenta de intervenção mais apropriada, independentemente da situação socioeconômica da criança.

A contribuição do estudo está em monitorar o consumo alimentar de um grupo vulnerável – crianças do desmame à entrada na adolescência –, ensinando aos responsáveis por sua alimentação a maneira mais adequada de combinar os alimentos, a fim de biodisponibilizar o ferro não-heme, ou seja, aquele que está presente principalmente em leguminosas e hortaliças verde escuras.

 

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Fonte de auxílio: Sub-Reitoria de Extensão Universitária da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Concessão de uma bolsa para o aluno participante do Projeto n. 411-2006 SR3/UERJ - Educação Nutricional em Puericultura: uma parceria INU/DNS/PPC/UERJ. Área temática: Saúde

 

1*Professoras no Departamento de Nutrição Social / Instituto de Nutrição / Universidade do Estado do Rio de Janeiro

2Professora no Instituto de Matemática e Estatística / Universidade do Estado do Rio de

3Alunos do Curso de Graduação em Nutrição / Universidade do Estado do Rio de Janeiro

 

*Correspondência para : Haydée Serrão Lanzillotti

Avenida Jambeiro n. 910 apto 101. Vila Valqueire, Rio de Janeiro. RJ

CEP 21330-300

E-mail: haydeelan@uol.com.br