Sexualidad, Salud y Sociedad

REVISTA LATINOAMERICANA

ISSN 1984-6487 / www.sexualidadsaludysociedad.org


No 6 (2010)


Editorial

Sergio Carrara & María G. Lugones


Em que pese a presença de um instigante artigo relativo às relações entre clientes e prostitutas no Rio de Janeiro e a referência a outros países (Chile e México) presente em duas das resenhas publicadas, todos os outros artigos e resenhas deste número concentram-se no contexto argentino. Mesmo que esta concentração se deva à aleatoriedade do fluxo de trabalhos que a Revista recebe, ela é mais que oportuna. Com a aprovação do chamado matrimônio igualitário, a Argentina passou, nos últimos meses, por importantes transformações no que diz respeito ao processo de ampliação do reconhecimento de direitos civis. A nova lei argentina e a ruptura simbólica que ela cristaliza impactam toda a região e têm especial significado quanto às movimentações sociais que lutam pelos direitos sexuais ou, mais propriamente, “derechos lésbico-gays”, como quer Libson, em seu artigo.

Em diferentes trabalhos publicados neste número, emergem a problemática dos direitos LGBT e as práticas culturais e ativistas que a contextualizam. Além dos textos sobre a “nación marica” no Chile e sobre as manifestações artísticas de “dragas” mexicanas, a resenha de Renata Hiller sobre o recém-publicado livro de Rafael de la Dehesa, comparando o movimento LGBT no Brasil e no México, abre diálogo fecundo sobre o modo como a luta pelos direitos LGBT se desenvolve em diferentes países latino-americanos. Focando o contexto argentino e justamente a conjugalidade e a coparentalidade entre pessoas do mesmo sexo, os dois institutos consagrados pela nova lei, o artigo de Micaela Libson estuda o modo como gays e lésbicas com filhos, ou que planejavam tê-los, lidavam com isso em um momento em que tais direitos lhes eram negados.

Os quatro artigos sobre a Argentina e a resenha do recém-publicado livro do sociólogo Daniel Jones refletem sobre a situação imediatamente anterior à aprovação do chamado matrimônio igualitário. Se a aprovação da lei faz com que pareçam datados, sua força reside justamente no fato de continuarem a contribuir para a compreensão da complexidade dos processos e das forças sociais, cuja presença na sociedade argentina pode ser obturada ou obscurecida em face danonimamente s banheiros p, percorrem es aparecem diferentes sujeitos e mundo sociais: jovens de Chubut; onhecimento da conjuga euforia em torno da nova lei. Além do fato de as forças e as opiniões contrárias aos direitos LGBT continuarem presentes, alguns problemas também permanecem, entre eles, o da prevenção da AIDS, em situações em que as identidades parecem diluir-se como nos lugares de levante, ou o silêncio que a moral sexual continua impondo ao diálogo entre ginecologistas e suas pacientes.

Em conjunto, os textos publicados neste número oferecem perspectivas fundamentais para a compreensão dos dilemas e dos conflitos (alguns de caráter agonístico) que se tecem hoje em torno do gênero, da sexualidade e da reprodução na Argentina. Neles aparecem diferentes sujeitos e mundos sociais: garotas das classes populares de Córdoba, adolescentes de Chubut, mulheres portenhas de classe média, homens que, em Buenos Aires, “yiran” anonimamente em diferentes espaços de encontros sexuais (hotéis, cinemas pornôs, discotecas, banheiros públicos).

Quando se compara a imagem que se projeta da Argentina no contexto de aprovação do matrimônio igualitário e a que emerge do texto do antropólogo Gustavo Blázquez, pode-se pensar que se trata de universos inteiramente desconexos e incompatíveis. Blázquez oferece uma reveladora exposição sobre a violência física que, com certa recorrência, tem envolvido, como vítimas e algozes, garotas de classes populares. Nas diferentes camadas de significação que o autor desdobra sob o gesto de “cortar a cara”, vemos emergir novos processos exclusão social, em que o investimento sobre o corpo e a beleza, característico da sociedade do espetáculo, não pode deixar de ser analisado contra o pano de fundo mais geral da pauperização social, também marcante da modernidade argentina.

Através dos artigos contidos neste número, Sexualidade, Saúde e Sociedade – Revista Latino-americana busca mais uma vez cumprir seu objetivo de levar ao(às) leitores(as) abordagens originais que, questionando muitas vezes o senso comum (inclusive acadêmico), permitam complexificar nossa reflexão.