Sexualidad, Salud y Sociedad

REVISTA LATINOAMERICANA

ISSN 1984-6487 / n.5 - 2010 - pp.173-178 / www.sexualidadsaludysociedad.org



HERZOG, Dagmar. 2008. Sex in Crisis. The new sexual revolution and the future of American Politics. New York: Basic Books.

Alain Giami

Institut Nationale de la Santé et de la Recherche Mèdicale /INSERM

Paris, França


> alain.giami@inserm.fr


Tradução: Daniela Barsotti Santos

Revisão: Jane Russo


Dagmar Herzog é historiadora. Leciona na City University of New York (Graduate Center), nos Estados Unidos, tendo publicado inúmeros trabalhos sobre a história da sexualidade durante o fascismo e o nazismo. Em uma obra anterior (2005), Herzog mostrou que o regime nazista propunha aos “arianos sãos” experimentarem o prazer sexual como um valor moral positivo. Seu trabalho permitiu, assim, compreender que os valores positivos ligados ao prazer sexual nem sempre se associaram a projetos de emancipação individual e social, podendo facilitar a adesão a ideologias ou a regimes autoritários... Dura lição que desafia as ideias sobre o papel da sexualidade como motor da emancipação social (Allyn, 2000; Escoffier, 2003).

A autora retorna a esta questão em sua última obra, Sex in crisis. The new sexual revolution and the future of American Politics, publicada em 2008, que se inscreve na mesma linha, e traz novos esclarecimentos sobre a ideologia, a política e os debates contemporâneos sobre a sexualidade nos Estados Unidos. Herzog analisa a direita religiosa católica e evangélica, a Direita Cristã, e a forma como suas teorias influenciaram de maneira profunda os debates sobre a sexualidade e a “saúde sexual” nos Estados Unidos. Por outro lado, mostra como o tema da sexualidade tornou-se o principal cavalo de batalha dessa Direita Cristã, permitindo-lhe aumentar sua influência junto a audiências não necessariamente conservadoras, bem além do domínio da sexualidade.

Herzog desenvolve três teses principais: em primeiro lugar, ressalta que o programa político da nova Direita Cristã é fundamentalmente um programa sexual que baseou a força de sua argumentação e garantiu o sucesso de suas teses graças a uma nova concepção positiva das questões sexuais. Estabelece, em seguida, uma ligação entre, de um lado, as ideias da revolução sexual dos anos 60 e 70 baseadas no otimismo, na valorização do prazer sexual e nas escolhas individuais a respeito da saúde sexual e reprodutiva e, de outro, a nova argumentação da Direita Cristã, que soube adaptar essa retórica ao seu programa político, restringindo a valorização do prazer sexual à esfera da sexualidade conjugal – único domínio em que a atividade sexual pode ser vista como legítima. Mostra, enfim, como o programa sexual da Direita Cristã se impõe no debate político e cultural norte-americano e se traduziu – sob a presidência Bush – em recomendações de políticas públicas nos Estados Unidos e nos países que se beneficiam da assistência humanitária norte-americana em relação à prevenção da AIDS, das DSTs, e da gravidez não-planejada. Esta política efetivou-se em programas baseados na abstinência pré-conjugal e na fidelidade conjugal, em detrimento de abordagens preventivas mais laicas.

No primeiro capítulo, a autora discute os desenvolvimentos que levaram à medicalização da sexualidade e que se referem não somente à medicina somática e à farmacologia, mas também às abordagens psicológicas e psiquiátricas concebidas para responderem aos “problemas” colocados pelo desenvolvimento do consumo da pornografia. Seu texto traz informações preciosas sobre a patologização (médica e psiquiátrica) desses “problemas” e sua conceituação em termos de compulsão sexual e “baixa autoestima”, traçando um paralelo entre as dificuldades suscitadas pela “angústia de desempenho” e a “baixa autoestima”. O consumo elevado de pornografia – principalmente através da Internet – teria assim sua fonte na “baixa autoestima” dos próprios consumidores, além de consequências negativas para a autoestima de seus/suas parceiros/as, que se sentiriam desvalorizados/as em suas capacidades sexuais. Dessa forma, a pornografia viria perturbar “a harmonia dos prazeres conjugais”, baseada numa suposta adequação entre a experiência subjetiva do aqui e agora e o imaginário. Herzog nos revela como essa psicomedicalização da sexualidade expõe as ansiedades que habitam os casais norte-americanos em face da fragilidade de seu desempenho sexual e de suas ligações afetivas e relacionais, o que constitui um terreno propício para o desenvolvimento das respostas políticas e sexuais da Direita Cristã.

É no segundo capítulo – "Soulgasm" – que se chega ao cerne do aggiornamento levado a cabo pela Direita Cristã no que diz respeito à sexualidade conjugal. Esta, adornada de todas as virtudes imagináveis, reserva os mais insuspeitos e intensos prazeres para aqueles que sabem praticá-la de maneira adequada, e que souberam esperar para desfrutar das alegrias do casamento. Herzog apresenta a renovação do discurso religioso cristão, que passa a valorizar a sexualidade conjugal através de um formato bastante inspirado nos trabalhos de Masters e Johnson. O casamento aparece aqui como o lugar natural da sexualidade, e todas as variações da vida sexual – heterossexual – são agora toleradas e até mesmo encorajadas a partir do momento em que contribuem para a edificação e o fortalecimento dos laços entre os cônjuges. Lemos páginas surpreendentes sobre os argumentos evocados pela Direita Cristã para justificar a prática do sexo oral e do sexo anal entre cônjuges, e mesmo as quickies (atos sexuais muito rápidos no canto de uma mesa de cozinha), que permitem ao homem gerir sua energia transbordante no âmbito do casamento e à mulher satisfazê-lo. Pois, para esses novos cristãos que retiram suas ideias da Bíblia, a sexualidade contida antes do casamento se torna um dos fundamentos da constituição e da manutenção do casal.

No terceiro capítulo, dedicado à questão gay, Herzog faz aparecer o deslocamento da norma. Se todas as práticas sexuais – incluindo aquela que foi atribuída aos homossexuais durante séculos, a sodomia – são agora toleradas ou mesmo encorajadas, mas unicamente no âmbito do casamento, a homossexualidade e as reivindicações igualitárias dos movimentos gays e lésbicos tornaram-se o inimigo principal. A política sexual da Direita Cristã toma a forma de uma cruzada contra as reivindicações da igualdade de direitos, especialmente no que diz respeito à adoção por gays e lésbicas. Entre os argumentos desenvolvidos contra os gays, encontra-se a ideia de que eles seriam vítimas de uma sexualidade disfuncional e acessíveis às “terapias reparadoras”, ditas também “terapias de conversão”. A homofobia institucionalizada nessas organizações teria, assim, substituído o discurso racista contra os afro-americanos, hoje em dia impossível de ser explicitado nos Estados Unidos, tendo os gays passado a ocupar o lugar de bode expiatório deixado vago pelos afro-americanos. Deste modo, Herzog revela a dissimetria dessa política sexual. Se as práticas sexuais outrora consideradas como homossexuais entraram no quarto conjugal – e Herzog fala aqui da homossexualização da sexualidade heterossexual – inversamente, a heterossexualização (ou, melhor dizendo, a entrada na heteronormatividade) das homossexualidades é violentamente combatida. Esta estratégia teria sido elaborada durante uma conferência que ocorreu na primavera de 1994 no Colorado, na qual Judith Reisman lançou uma violenta campanha contra o Instituto Kinsey baseada no argumento da equivalência entre a homossexualidade e a pedofilia – discurso ouvido ainda recentemente do secretário de Estado do Vaticano durante uma viagem ao Chile... A campanha homofóbica da Direita Cristã inscreve-se, portanto, numa estratégia planejada, que agrupa psicólogos, médicos, juristas e teólogos.

O quarto capítulo está voltado ao elogio da abstinência. Dois argumentos principais são dissecados por Herzog. O primeiro deles afirma que é preciso se preparar para o advento dessa vida sexual conjugal plena, não permitindo que a experiência do casamento seja estragada por experiências prévias que só podem ser decepcionantes, dada a imaturidade psicossexual dos jovens e o caráter impróprio da vida sexual fora do contexto do casamento. É necessário, portanto, esperar para desfrutar melhor e de modo mais intenso a vida sexual após o casamento. Ao mesmo tempo espera-se que esta preparação para o casamento, baseada na renúncia e no fato de saber dizer não, desenvolva uma forte autoestima e uma personalidade vigorosa. Cabe ao sujeito escolher entre o relaxamento de uma vida sexual pré-conjugal forçosamente insatisfatória e semeada de perigos e o esforço para levar adiante, com sucesso, seus desempenhos esportivos e profissionais. Surge assim toda uma cultura da abstinência, uma cultura rebelde emprestada ao Rock: a AIDS, as infecções sexualmente transmissíveis e as gestações não-planejadas são provas da necessidade da abstinência.

O quinto capítulo é dedicado à análise do estabelecimento de políticas internacionais de ajuda humanitária no domínio da saúde sexual, da prevenção da AIDS e da saúde reprodutiva, especialmente na África Austral e no Caribe. Herzog coloca de forma clara, apoiando-se em documentos, como a agenda da Direita Cristã se traduz nas medidas e nas recomendações ditadas pelo PEPFAR (Programa Presidencial pela Luta contra a Aids) e financiadas pela USAID – o organismo federal de ajuda humanitária. Os representantes da Direita Cristã começaram, assim, a limitar os programas de distribuição de preservativos que supostamente favorecem a promiscuidade, em benefício de programas baseados na abstinência e na fidelidade conjugal. De modo mais global, esses programas favoreceram os investimentos em tratamentos medicamentosos da AIDS, em detrimento de medidas de prevenção. Vê-se aí o fundamento das novas estratégias preventivas que se apoiam no recurso aos medicamentos e à circuncisão masculina.

Em sua parte final, a obra de Dagmar Herzog descreve como “a agenda política da sexualidade” foi reorientada no sentido de uma revalorização da sexualidade reprodutiva e da sexualidade conjugal heterossexual diante da emergência das reivindicações das mulheres quanto ao controle de sua capacidade reprodutiva, das reivindicações igualitárias dos movimentos gay e lésbico no que tange à família e ao parentesco, e ao desenvolvimento de políticas de saúde destinadas aos adolescentes. Partindo da ideia segundo a qual a revolução sexual consistiu em um processo que, de um lado, instaurou a dissociação entre o prazer sexual e a sexualidade reprodutiva e, de outro, separou a vida sexual da conjugalidade, Herzog destaca que o fato de continuar a valorizar o prazer sexual, reforçando sua ancoragem na conjugalidade, conduziu à “recuperação” da ideia de emancipação sexual. De fato, os teóricos e os ativistas da Direita Cristã souberam retomar muito bem, à sua maneira, a ideia da valorização positiva do prazer e da satisfação sexual, para melhor enquadrá-la no interior da conjugalidade, princípio que, não sendo jamais questionado, foi, ao contrário, colocado no ápice de todo o processo. Isto conduziu a uma estratégia segundo a qual é justamente a partir da valorização do prazer sexual no contexto conjugal que se desvaloriza a expressão sexual fora do casamento.

Enfim, o que aprendemos com este livro? Ele nos lembra a importância fundamental dos discursos e dos valores religiosos nos debates sobre as questões sexuais e no estabelecimento das políticas de saúde sexual e reprodutiva. Mas chama a nossa atenção, sobretudo, para o modo como os discursos da nova Direita Cristã norte-americana foram construídos sobre as ideias da revolução sexual dos anos 60 e 70, “recuperando-as”, encerrando-as dentro da conjugalidade. Mostra-nos também a pregnância e a origem ideológica dos discursos da abstinência e da fidelidade que se encontram sob forma edulcorada nas proposições da “saúde sexual”, sobretudo aquelas destinadas aos adolescentes, para os quais toda vida sexual ativa é considerada como um risco em si. Permite-nos, enfim, compreender a periodização das ideologias que tiveram por vocação contribuir para a emancipação individual e coletiva, e sua transformação em dispositivos de dominação e de manipulação políticas. Não importa o que façamos, resta o fato de que as questões sexuais são sempre questões políticas.



Referências bibliográficas


ALLYN, David. 2000. Make Love, Not War: The Sexual Revolution: An Unfettered History. Boston: Little, Brown and Company.


ESCOFFIER, Jeffrey. 2003. Sexual Revolution. New York: Thunder's Mouth Press.


HERZOG, Dagmar. 2005. Sex after Fascism, Memory & Morality in Twentieth-century Germany. Princeton: Princeton University Press.

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