Sexualidade, Saúde e Sociedade

REVISTA LATINO-AMERICANA

ISSN 1984-6487 / n.1 - 2009 - pp.05-07/ www.sexualidadsaludysociedad.org


Apresentação

Sérgio Carrara, Ivonne Szasz, Silvina Ramos e Carlos Cáceres



É com enorme satisfação que publicamos o primeiro número de Sexualidade, Saúde e Sociedade – Revista Latino-Americana. Conforme concebido por seus editores, conselheiros e colaboradores, seu principal objetivo é ser um fórum acadêmico virtual, de acesso gratuito, destinado à elaboração teórica e à discussão e disseminação de resultados de pesquisas inovadoras. Oferece-se como espécie de ponto de encontro para todos os interessados em refletir sobre esse territorialmente vasto, socialmente heterogêneo e culturalmente complexo espaço a que chamamos América Latina, interpelando-o a partir da sexualidade. E, ressalte-se, não se trata aqui de uma relação contingente entre dois termos – “sexualidade” e “América Latina” – pois as próprias fronteiras simbólicas do que seja uma América Latina foram e continuam sendo estabelecidas com especial referência à sexualidade.

Como em outros contextos coloniais e pós-coloniais, a lenta configuração (geo)política desse nosso estranho Ocidente foi acompanhada de uma ampla operação simbólica que tratou de projetá-lo como espaço de uma sexualidade paradoxal: ora lugar do machismo, das rígidas e ultrapassadas hierarquias de gênero e da tradicionalista moral sexual católica; ora como lugar da sensualidade à flor da pele, do erotismo avassalador, dos prazeres exóticos e das transgressões a todas as barreiras de raça, classe e sexo. Assim, se a América Latina é espaço estratégico para a análise dos intrincados processos sociais que contemporaneamente “atravessam” a sexualidade, o inverso não é menos verdadeiro, sendo a sexualidade uma das perspectivas centrais para a compreensão da modernidade latino-americana.

O aparecimento da Revista vincula-se à combinação de uma série de processos, alguns dos quais gostaríamos de lembrar nesta breve apresentação. Em primeiro lugar, a sexualidade, ou sexualidades, vem assumindo importância crescente como objeto de reflexão das ciências humanas e sociais na região. Para isso tem contribuído, nos últimos anos, a incidência da reflexão sobre os direitos humanos na área dos estudos sobre saúde reprodutiva e sexualidade, com o consequente deslocamento dos parâmetros biomédicos que tradicionalmente orientavam a reflexão sobre o tema. Nesse sentido, retomando questões já colocadas pelo feminismo latino-americano nos anos 1980, têm se multiplicado estudos que articulam discussões relativas à sexualidade e à saúde reprodutiva, à justiça e aos direitos sexuais. Entendemos que esse campo intelectual está bastante maduro para que tenha um veículo próprio que o expresse e contribua para sua consolidação.

Além disso, constatamos que, embora madura e vibrante, a produção latino-americana sobre sexualidade encontra-se relativamente dispersa e seus produtores ou permanecem isolados, ou vinculados a redes que giram em torno de temas específicos – contracepção, aborto, AIDS, violência de gênero, trabalho sexual, diversidade sexual – comunicando-se pouco entre si. Para isso, contribuem não apenas barreiras linguísticas, mas principalmente a realidade de um mercado editorial que tem grande dificuldade em romper as fronteiras nacionais, além do relativo isolamento das comunidades acadêmicas locais. Sexualidade, Saúde e Sociedade busca contribuir para o desenvolvimento de relações “horizontais”, unindo as diferentes comunidades acadêmicas latino-americanas e disseminando o que de melhor se tem produzido intelectualmente nos e sobre os diferentes contextos nacionais.

Sexualidade, Saúde e Sociedade - Revista Latino-Americana orienta-se por parâmetros acadêmicos, acolhendo artigos que tenham passado pela avaliação por pares “duplo cego” (double blind peer review), e tem um interesse particular na divulgação de conhecimento que seja socialmente significativo, ou seja, que contribua, direta ou indiretamente, para o enfrentamento dos inúmeros desafios relativos às enormes e persistentes desigualdades sociais que continuam a singularizar a América Latina. Acreditamos que, em suas conexões com a reprodução de diferenças de classe, gênero, geração ou raça/etnia, a sexualidade é dimensão fundamental dessa desigualdade social. Nesse sentido, a Revista tem como interlocutores privilegiados também ativistas, formuladores e executores de políticas públicas, procurando oferecer-lhes subsídios para a ação e a intervenção.

Quanto a outras características deste novo espaço de interlocução, este primeiro número de Sexualidade, Saúde e Sociedade traz um conjunto exemplar de artigos. Incluindo discussões sobre transexualidade, AIDS, adoção, contracepção, masculinidade, violência, trabalho sexual, eles refletem a multiplicidade temática que será uma das marcas distintivas da Revista. Tal multiplicidade estende-se também aos contextos nacionais trabalhados, representados neste número por Argentina, Brasil, Colômbia, México e Espanha, para onde mulheres latino-americanas migram para se tornarem trabalhadoras sexuais.

Além de temas e contextos diversos, a Revista procura valorizar igualmente a multiplicidade de abordagens, incorporando perspectivas da saúde coletiva, da antropologia social, da sociologia, da ciência política, da história, da psicologia social e do direito. Mais empíricas ou mais teóricas, as contribuições podem ser fruto do trabalho de pesquisadores experientes ou dos que estão iniciando sua trajetória acadêmica. Enfim, o objetivo de Sexualidade, Saúde e Sociedade é exatamente este: tomando a sexualidade como “posto de observação” estratégico, apostar na diversidade ou na multiplicidade – teórica, temática, metodológica e disciplinar – como via privilegiada para a compreensão de valores, práticas, moralidades, saberes e políticas que se desenvolvem em diferentes países latino-americanos.

Ao aceitarem participar do conselho editorial, enviar artigos ou emitir pareceres, muitos colegas compartilham esta aposta. Comemorando o aparecimento do primeiro número, gostaríamos finalmente de agradecer a enorme generosidade com que colocaram sua competência a serviço deste projeto. Esperamos que a Revista atenda às suas expectativas e possa efetivamente contribuir para facilitar e intensificar um diálogo já em curso e que é o fundamento mesmo de qualquer produção acadêmica ou científica vigorosa.