Sexualidad, Salud y Sociedad

REVISTA LATINOAMERICANA


ISSN 1984-6487 / n.3 - 2009 - pp.4-6 / www.sexualidadsaludysociedad.org


Editorial


O número atual de Sexualidade, Saúde e Sociedade - Revista Latinoamericana traz um conjunto de artigos que, sem abandonar a análise de “problemas” sociais candentes para a Região - gravidez na adolescência, violência de gênero, AIDS, direitos sexuais da população LGBT - apresenta a qualidade de abordar tais “problemas” de modo simultaneamente criativo e competente, abrindo novas possibilidades interpretativas.

Empiricamente, todos partem de pesquisas qualitativas - sócio-antropológicas e históricas - para interpelar a sexualidade dos mais diferentes ângulos. Alguns deles, como os trabalhos de Andréa M. Alves e de Olívia von der Weid, exploram as novas “arquiteturas” (ou novas normatividades) que se desenham para as “conjugalidades heterossexuais”. Seja através da análise da prática do swing ou do significado que a traição amorosa assume para diferentes gerações de mulheres, as autoras exploram as continuidades e, sobretudo, as mudanças por que passam a moral sexual e as convenções de gênero nas sociedades latinoamericanas. Em questão aqui está a construção das cambiantes identidades sociais de homens e mulheres, que ocorre no cruzamento de gramáticas geracionais, sexuais e de gênero.

A ênfase na reflexão sobre a identidade feminina, já presente em Alves e Weid, acentua-se nos textos de Paula Aguilar e de Cecilia Garibi González, que se voltam para a análise dos discursos da mídia argentina, em um caso de “abandono” de recém-nascido por sua mãe adolescente, e o das políticas públicas mexicanas, no âmbito da luta contra a AIDS. Nesses contextos mais institucionais, as continuidades aparecem com maior destaque e, como mostram as autoras, a identidade feminina permanece em larga medida marcada por processos de naturalização e presa aos estereótipos contrastantes da “mãe” e da “puta”, bases históricas de uma subjetividade dilacerada por expectativas sociais inconciliáveis.

Figari & Gemetro e Facchini & França caminham no sentido de abordar identidades e subjetividades a partir das perspectivas construídas por “comunidades de desejo” (a expressão é utilizada por Figari & Gemetro) não-heterossexuais. Desde o contexto argentino, Figari & Gemetro se colocam, por assim dizer, aquém do grande divisor de águas que foi a década de 1960 em relação à moral sexual, sobretudo a das camadas médias. Entrevistando mulheres que viveram aquele período, os autores exploram como, sob a influência cruzada da contracultura, da psicanálise, do feminismo, as antigas “betters”, “tortilleras”, “bomberos”, “gardelitos”, “mujeres que entendían” ou que “eran del ambiente”, foram experimentando novas formas de ser mulher, forjando uma identidade comum que, depois dos anos 1960, seria conformada pela categoria “lésbica”.

As vicissitudes do processo de constituição das identidades homossexuais em sujeito político, que teve como um de seus momentos cruciais justamente a emergência da identidade lésbica, permanecem no cerne da reflexão de Facchini & França sobre o atualmente chamado movimento LGBT brasileiro. A preocupação aqui recai especialmente sobre o processo de fragmentação e essencialização que atinge as diferentes identidades que compõem o movimento. Para as autoras, tal processo deve ser compreendido, de um lado, a partir do modo como o movimento LGBT depende da mediação de espaços regulados por um mercado segmentado (bares, boates, sites, saunas etc.) para ter acesso às suas “bases”; e, de outro, a partir do modo como ele tem se envolvido com o Estado, cujas políticas públicas, especialmente as políticas de reconhecimento, supõem em larga medida a existência de identidades fixas e “naturais”.

Finalmente, o artigo de Michel Bozon fecha o número com uma reflexão sobre o próprio significado social das pesquisas sobre sexualidade. Seguindo de perto as pistas deixadas por John Gagnon, o autor aborda os grandes inquéritos sobre comportamento sexual como espécie de produção cultural e intelectual, com enorme impacto para a própria construção dos “objetos” que buscam conhecer. Como afirma Bozon “Las encuestas son al mismo tiempo un reflejo de cambios [sociales] previos y un apoyo para otras movilizaciones”. Embora o autor se debruce particularmente sobre as pesquisas quantitativas, as questões que levanta podem muito bem ser colocadas também para as de cunho qualitativo, como as que dão suporte empírico para todos os outros artigos que compõem esse número, que, ao promoverem novas perspectivas sobre os valores e significados da sexualidade, não deixam de contribuir para sua transformação.