Sexualidad, Salud y Sociedad

REVISTA LATINOAMERICANA


ISSN 1984-6487 / n.4 - 2010 - pp.28-52 / www.sexualidadsaludysociedad.org



Amigas, colegas e “falsas amigas”.

Amizade e sexualidade entre mulheres jovens de grupos populares



Mónica Franch

Doutora em Antropologia pelo PPGSA/Universidade Federal de Rio de Janeiro

Professora do PPGS / Universidade Federal de Paraiba, Brasil


> mfranch2004@yahoo.com.br




Resumo: Este artigo aborda práticas e representações relativas à amizade entre mulheres jovens de grupos populares residentes na cidade do Recife. Busca melhor compreender as conexões entre amizade e sexualidade, assunto que não tem recebido muita atenção na literatura sobre juventude. O artigo inclui uma descrição das ideias das jovens acerca da amizade e a discussão de diversas categorias de relacionamento amistoso presentes em conversas e entrevistas com as garotas. Especial atenção é dada à relação de cada padrão de amizade com a idade social das jovens e às diferenças e semelhanças entre as amizades mistas e com outras garotas. A discussão assinala a pertinência de se trabalharem conjuntamente as esferas da amizade e da sexualidade no caso específico de pesquisas junto a jovens, devido à importância que ambas detêm na construção cultural da juventude.

Palavras-chave: juventude; amizade; sociabilidade; sexualidade; gênero.


Amigas, colegas y “falsas amigas”. Amistad y sexualidad entre mujeres jóvenes de sectores pupulares


Resumen: Este artículo aborda prácticas y representaciones relativas a la amistad entre mujeres jóvenes de sectores populares residentes en la ciudad de Recife, Pernambuco (Brasil). Se procura una mayor comprensión de las conexiones entre amistad y sexualidad, que no han recibido la debida atención por parte de la literatura sobre juventud. El artículo incluye una descripción de las ideas de las jóvenes acerca de la amistad, y una discusión de las diversas categorías de relaciones amistosas presentes en las conversaciones y entrevistas con las jóvenes. Se presta especial atención a la relación entre cada patrón de amistad y la edad social de las jóvenes, así como a las diferencias y semejanzas entre las amistades mixtas y las amistades con otras jóvenes. La discusión señala la pertinencia de trabajar conjuntamente las esferas de la amistad y de la sexualidad en el caso específico de investigaciones con jóvenes, debido a la importancia que ambas portan en la construcción cultural de la juventud.

Palabras clave: juventud; amistad; sociabilidad; sexualidad; género


Friends, colleagues, and “false friends”: friendship and sexuality among young working class women


Abstract: This article focuses on practices and representations of friendship among working class young women living in the city of Recife. It aims to understand the relations between friendship and sexuality, a topic which has received little attention in the study of youth. It includes a description of young women’s ideas of friendship, and the analysis of some categories of friendship found in conversations and interviews, emphasizing the relation between friendship patterns and young women’s social age. Differences and similarities between cross-gender friendships and friendships among young women are also described. The relevance of addressing sexuality and friendship as interconnected spheres is underscored, due to their importance in the cultural construction of youth.

Keywords: youth; friendship; sociability; sexuality; gender.


Introdução


Este trabalho analisa práticas e significados relativos à amizade entre mulheres jovens de grupos populares residentes na cidade do Recife, Pernambuco, buscando melhor compreender as conexões entre este campo e o da sexualidade, entendidos aqui como esferas significativas no amadurecimento social dos sujeitos e na construção das identidades de gênero. Os dados que fornecem a base para esta discussão provêm de três pesquisas realizadas no período de 1998 a 2006 entre jovens de ambos os sexos, moradores de dois bairros populares do Recife.1 A amizade não foi o foco dessas pesquisas, tampouco a sexualidade, mas a convivência com os jovens trazia constantemente à tona tais assuntos.

A primeira pesquisa versou sobre os usos do tempo livre entre jovens de periferia e foi desenvolvida no ano de 1999, na comunidade do Vietnã, uma Zona Especial de Interesse Social (ZEIS2), situada na região Oeste do Recife, onde moram aproximadamente 2.990 pessoas. Para esta pesquisa, foram realizadas 30 entrevistas semiestruturadas, 80 questionários abertos e um trabalho intensivo de observação direta durante seis meses junto a algumas turmas juvenis (Franch, 2000). A segunda pesquisa (2001-2003) integrou o projeto Os Jovens e a Cidade: conhecimentos, habilidades e reprodução social, que buscava conhecer as condições estabelecidas em diversos centros urbanos de países “em desenvolvimento” para a transição à idade adulta3 (Hansen, 2008). A comunidade do Vietnã foi incluída nessa investigação, o que permitiu realizar o follow-up de alguns jovens entrevistados em 1999. O terceiro estudo debruçou-se sobre as temporalidades juvenis em grupos populares, tendo sido incorporada uma segunda ZEIS, a Ilha de João de Barros, com 1.182 moradores (Franch, 2008).

Para este ensaio, foram analisados os diários de campo, os grupos de discussão e as entrevistas referidos a um total de 25 mulheres jovens, seis das quais foram entrevistadas em várias ocasiões entre 1999 e 2006. Embora a escolha das jovens não respondesse a critérios de representatividade, tentou-se abranger certa diversidade de situações quanto às idades, à situação profissional, à escolaridade e à situação familiar. As duas entrevistadas mais jovens tinham 11 anos e a mais velha, 24; a maioria das entrevistas corresponde a jovens na faixa de 15 a 19 anos.

Pouco mais da metade das entrevistadas estudava, duas tinham parado de estudar após o término do ensino médio e o restante havia saído da escola antes disso. As jovens de mais idade tinham, em sua maioria, experiências de trabalho informal e, esporadicamente, formal; algumas também tinham feito estágios. Quanto à situação conjugal, a maioria das entrevistadas (19) era solteira no momento do primeiro contato, cinco moravam conjugalmente e uma era viúva. Cinco delas já eram mães quando da entrevista. Todas as situações acima – trabalho, estudo, conjugalidade e maternidade – foram se transformando ao longo do tempo que durou a pesquisa. A maioria das entrevistadas (16) mora na comunidade do Vietnã e apenas nove são da Ilha João de Barros. Todas se definiram como heterossexuais.



Amizade, sexualidade e gênero nos estudos sobre juventude

À primeira vista, pode se dizer que a sexualidade e a amizade emergem como áreas privilegiadas na construção da autonomia juvenil. Nas sociedades ocidentais, prevalece a ideia de que namorados e amigos são recrutados com base em escolhas individuais, orientadas pelo sentimento e pelo descobrimento de afinidades eletivas. Em geral, tais escolhas começam a ser realizadas na adolescência, à medida que o sujeito passa a conquistar um espaço maior de ação para si, longe do controle familiar. Deste modo, podemos entender a amizade e a sexualidade como esferas interligadas, fazendo parte do processo de busca de individualização geralmente creditado ao período da juventude (Bozon, 2004:64).4 Curiosamente, contudo, amizade e relacionamentos afetivos correspondem, nas ciências sociais, a duas áreas temáticas diferenciadas do campo de estudos da juventude: de um lado, os trabalhos sobre lazer e sociabilidade juvenil, muitos deles voltados para as chamadas culturas juvenis e, recentemente, para a violência; e, de outro lado, os trabalhos sobre sexualidade, frequentemente motivados por “problemas sociais”, como a “gravidez precoce” e a Aids. As eventuais ligações entre ambas as esferas, embora passíveis de serem rastreadas na literatura existente, ainda oferecem lacunas que demandam um olhar mais acurado sobre o assunto.

Afora essa característica, é interessante assinalar que, até recentemente, a literatura especializada operava um recorte de gênero, de forma que os estudos sobre sociabilidade centravam-se mais na experiência masculina, enquanto os trabalhos sobre sexualidade focavam prioritariamente a vivência das mulheres, redundando numa notável insuficiência de estudos sobre as lógicas de sociabilidade juvenil das mulheres e sobre a vivência da sexualidade por parte dos homens jovens. Já nos anos 1970, esse viés de gênero foi apontado por Angela McRobbie e Jenny Garber (1996:209-222) na coletânea Resistance through rituals, produzida no marco dos estudos sobre subculturas juvenis do Centro de Cultura Contemporânea de Birmingham. Segundo as referidas autoras, a invisibilidade das mulheres nos trabalhos sobre subculturas devia ser atribuída antes às estratégias de investigação dos pesquisadores, centradas nos aspectos mais violentos e visíveis desses fenômenos, do que à efetiva ausência de garotas nas mesmas. Era preciso procurar os espaços de atuação feminina, que não eram marginais às culturas juvenis e sim estruturalmente diferentes.

Mesmo com a diversificação dos estudos desde essa época, o apelo de McRobbie e Garber permanece atual, na medida em que a sociabilidade juvenil continua sendo uma temática predominantemente masculina. Mais do que isso, o campo de estudos sobre a juventude, sobretudo na tradição anglo-saxônica, tem dado sistematicamente pouca atenção às questões de gênero.5 Deste modo, a categoria aparentemente neutra de “juventude” esconde, com frequência, trabalhos sobre homens jovens, com pouca representação da juventude das mulheres, o que se verifica especialmente nos estudos sobre subculturas ou estilos juvenis (Wulff, 1995; Feixa, 2006; Weller, 2005).

No que tange à temática da sexualidade, esta parece ter tido um peso maior nas abordagens biomédicas e psicológicas sobre juventude do que na tradição de estudos sobre jovens nas ciências sociais. A própria definição desse período da vida está, para a medicina e a psicologia, intrinsecamente ligada às questões sexuais, sendo comum assimilar o início da adolescência à puberdade física, isto é, à maturação dos órgãos sexuais e à suposta “revolução hormonal” decorrente desse processo, que acarretaria o despertar do interesse sexual dos adolescentes e jovens. Os trabalhos em ciências sociais tendem a desnaturalizar esta interpretação, dando ênfase ao contexto sociocultural em que os jovens se iniciam sexualmente e no qual desenvolvem seus relacionamentos afetivo-sexuais. Nesse sentido, vários trabalhos destacam as mudanças existentes entre um padrão tradicional, em que a sexualidade se colocava a serviço do casamento, respondendo a roteiros claramente diferenciados por gênero, e a experiência das gerações atuais, com um espaço maior para a experimentação sexual autônoma em relação ao casamento e uma aproximação (embora não total equalização) das experiências masculinas e femininas.6

Desafiando esta tendência, mulheres jovens migrantes de primeira ou segunda geração, vindas de países do Sul (América Latina e, sobretudo, regiões de tradição islâmica) para a Europa, parecem colocar novos desafios ao discurso sobre a crescente autonomização e equalização da sexualidade. Alguns trabalhos têm abordado esta temática, propondo uma interessante interface entre etnicidade, gênero e sexualidade (Lundstrom, 2006; Morck, 2000; Ostberg, 2003). Tais estudos, todavia, continuam reproduzindo a dicotomia público/privado – os homens jovens migrantes são estudados a partir das gangues e da violência (tradição da sociabilidade) e as jovens migrantes são apresentadas como vítimas, com maior ou menor grau de agência, do controle familiar, que teria no uso do véu e no “casamento forçado” suas expressões mais visíveis e extremas (tradição da sexualidade7).

No Brasil, a literatura recente que articula sexualidade, juventude e gênero também problematiza a aporia tradição/modernidade, funcionando aqui as divisões socioeconômicas internas à guisa de linha divisória entre atitudes tendentes à tradição (nos grupos populares) e à modernidade (nas camadas médias) – embora tais termos possam ser relativizados em face da diversidade de práticas em ambos os meios.8 Alguns “problemas sociais” permeiam as discussões sobre estes assuntos, notadamente a questão do aborto, a gravidez “precoce” e a Aids, questionando-se amiúde o imaginário social que apresenta a sexualidade juvenil como um domínio movido pela irresponsabilidade e a imaturidade.

Especial interesse recai na investigação da iniciação sexual, considerada um catalisador de experiências e valores no terreno da sexualidade juvenil. Um dos aspectos mais recorrentes nos trabalhos é a forte marcação de gênero nas experiências dos jovens brasileiros, existindo uma divisão da esfera sexual entre a iniciativa (masculina) e o autocontrole (feminino), embora também mereçam destaque elementos de ruptura em relação a essa ordem tradicional, como a progressiva aproximação dos calendários masculino e feminino de iniciação sexual e a proliferação de modalidades de experimentação da intimidade para ambos os sexos (exemplificadas pelo “ficar”). Em geral, se trata de trabalhos com uma forte ênfase nas narrativas, muitos deles aplicando o conceito de roteiros sexuais (Gagnon, 2006) em detrimento de abordagens mais etnográficas. Talvez por isso mesmo, a dimensão da sociabilidade e, mais especificamente, da amizade, tenha uma expressão limitada nesse campo, uma vez que, nas entrevistas, é possível isolar o conteúdo da sexualidade da outra importante esfera de individualização juvenil (a sociabilidade), o que se torna difícil numa abordagem etnográfica.

Já no campo de estudos sobre sociabilidade e culturas juvenis, os trabalhos no Brasil guardam importantes semelhanças com o quadro anteriormente apresentado: as mulheres são sub-representadas (Weller, 2005) e há uma ênfase nas manifestações culturais “alternativas” (rebeldes, contestatórias mas também ameaçadoras), em detrimento das experiências da “juventude normal” (Franch, 2000). Esta última característica é especialmente evidenciada nos trabalhos sobre jovens dos grupos populares, em que se observa pouca atenção para as práticas mainstream e para aquelas protagonizadas por mulheres, como as que este trabalho aborda.9

Aparentemente, esta tendência vem sendo contrabalançada em trabalhos recentes que inserem a temática juvenil nos estudos de família, geração e sexualidade, com especial atenção às dimensões do cotidiano e às identidades de gênero.10 Este trabalho partilha esta orientação, embora aqui a ênfase seja deslocada do terreno da sexualidade para o das relações de amizade. Dois são os recortes priorizados: a relação das amizades juvenis femininas com o momento do curso de vida que as jovens atravessam; e sua interseção com a esfera da sexualidade, incluindo-se aí as representações de gênero. Algumas questões servem de eixo para a discussão. Como se dão as conexões entre amizade e sexualidade nos grupos juvenis? Que representações de gênero informam as relações de amizade? O que caracteriza uma amizade intragênero e uma amizade mista? Qual a relação que pode ser feita, enfim, entre o exercício de sociabilidade e a construção social da juventude feminina nos grupos populares?



Os significados da amizade: confiança, solidariedade e abertura

Um primeiro aspecto que chama a atenção de quem começa a trabalhar com jovens é, certamente, o lugar que a amizade ocupa em seu cotidiano. Todas as jovens que participaram da pesquisa passam boa parte de seu tempo livre em duplas ou turmas de amigas e amigos, com os quais partilham suas experiências, descobrimentos e anseios, num clima de intensa afetividade. A importância do grupo de pares na juventude é um fato incontestado e suficientemente explorado na literatura especializada.11 Ao passarmos da prática para o discurso, contudo, é digna de nota a diversidade de significados que cercam o fenômeno da amizade, apontando direções muito diferentes, ambíguas e por vezes aparentemente contraditórias. Uma jovem de 17 anos, por exemplo, começou a entrevista se orgulhando da sua facilidade em fazer amizades, mas se despediu dizendo que seus únicos amigos eram Deus e a mãe. Outra jovem afirmou veementemente que as amizades com rapazes eram superiores àquelas entre mulheres, embora estivesse sentada ao lado de sua “melhor amiga”. Tais ambiguidades, que aparentemente ameaçam as ideias dominantes sobre o grupo de pares na juventude, convidam a uma investigação mais aprofundada sobre os sentidos da amizade.

Em seu estudo sobre amizade na Inglaterra e no Rio de Janeiro, Cláudia Rezende (2002) afirma que, entre seus entrevistados cariocas, os termos “amigo” e “colega” são polissêmicos e relativos, podendo definir uma variedade de situações, que vão do contato mais próximo ao simples conhecimento. Para a autora, a utilização irrestrita do termo “amigo” faz parte da forma como, no Brasil, a vida pública é de certo modo englobada pela esfera privada, processo que Sérgio Buarque de Holanda batizou com a conhecida expressão “o homem cordial”. Quando seus informantes cariocas definem o que entendem por amizade, entretanto, restringem-se à “amizade verdadeira”, descrita como uma relação que vai além da cordialidade, repousando na confiança, na abertura e na doação mútua.

De forma semelhante, “amigo” e “colega” descrevem tipos muito diversos de relação nas entrevistas e nas conversas informais com as jovens recifenses que participaram desta pesquisa. Entre as várias situações possíveis, as jovens utilizam a palavra “amigo” para classificar pessoas próximas da família, para definir outros jovens com os quais têm uma relação de troca, ou simplesmente para referir alguém que não é totalmente desconhecido. A palavra “colega” é usada para os companheiros de sala de aula, mas também para pessoas com quem as jovens convivem cotidianamente, sendo à primeira vista intercambiável com a palavra “amigo”. Num outro nível de descrição, porém, as jovens entrevistadas apresentam uma ideia bastante restrita a respeito do que a amizade é – ou deveria ser. Para elas, como para os entrevistados cariocas de Rezende, a amizade é uma relação que exige confiança mútua, que permite a troca de segredos e de intimidades (abertura), e na qual se pratica um tipo de solidariedade que consiste em estar perto do outro nos momentos difíceis (doação). Nesse sentido, embora a sociabilidade seja um elemento importante, ela não é definidora da amizade.

A dissociação sociabilidade-amizade ajuda a compreender boa parte das aparentes contradições encontradas entre o discurso e a prática das jovens ou em momentos diferentes de uma mesma entrevista: conviver com outros jovens não equivale a ter “amigos” no sentido mais restrito. Esta lógica informa uma das oposições mais recorrentes no discurso das entrevistadas acerca da amizade, que define contrastivamente as palavras “colega” e “amigo”. Com efeito, as jovens estabelecem uma gradação entre as pessoas com que convivem, situando num dos extremos os “colegas” com quem se exerce a sociabilidade, e no outro extremo os “verdadeiros amigos”, que escutam, aconselham, estão sempre presentes e são confiáveis: “Existe a diferença de amiga e colega. Amiga é que a gente confia e colega é com a que a gente só conversa. Amiga a gente conta tudo e colega só passa assim por cima e muito mal” (Helena, 15 anos).

Entre estes dois polos situa-se uma sorte de “amigos incompletos”, com quem a relação pode ser mais ou menos próxima e afetuosa, mas que carecem de alguns dos requisitos que definem os verdadeiros amigos. Para algumas jovens, inclusive, a verdadeira amizade é um ideal inatingível, uma vez que as relações interpessoais nunca são totalmente isentas de interesse ou de maldade. Esta visão hobbesiana (Rezende, 2002:8) do mundo social vem frequentemente acompanhada da expressão “amigo só Deus”, que deve ser entendida mais como frase feita do que de acordo com seu sentido literal (à exceção das jovens evangélicas). As reclamações mais constantes das garotas dizem respeito à falta de abertura e de doação, ou seja, os amigos não saberiam escutar ou não se fariam presentes quando a jovem mais precisa:

Lu (17 anos): [falando de três amigos] Esses são meus colegas que eu posso contar pra tudo. Pra tudo não, pra quase tudo.

Entrevistadora: Que coisas você não pode contar com eles?

Lu: Não sei. Assim, às vezes na hora da tristeza procuro um e não tem com quem conversar...


O tripé confiança-abertura-doação parece funcionar, para as jovens, como um modelo ideal que permite hierarquizar a rede de relações em graus e tipos de amigos que respondem a esferas e a necessidades diversas: amigos para trocar segredos, amigos para sair e assim por diante. Os três elementos desse tripé, contudo, não são equivalentes, tendo a confiança um peso muito maior na construção das relações do que a abertura e a doação. Com efeito, se uma falta de solidariedade pode transformar um amigo em colega, a quebra da confiança transforma amigos, e sobretudo amigas, em inimigos e inimigas.


Com quem tirar dúvidas: as conselheiras e as mães

Outro elemento frequentemente citado pelas jovens como importante na relação de amizade é o aconselhamento: “Uma coisa boa das amigas que a gente tem é que “dá” conselho à gente” (Morgana, 13 anos). A necessidade de receber conselhos traduz bem o momento de vida que as jovens atravessam. Na literatura sobre juventude, sobretudo nos trabalhos de orientação funcionalista, o grupo de pares aparece como instância socializadora, que ajudaria os jovens a realizar a passagem de uma condição dependente, circunscrita à família de origem, a outra autônoma e independente, que exige a formação de redes.12 A aprendizagem da sexualidade ocupa um papel importante nesse processo, e vários estudos afirmam que os jovens encontram informações sobre esta temática junto a seus iguais com muita mais frequência do que na própria casa (Scott et al., 2002; Brandão, 2004).

Entre as jovens entrevistadas, embora a sexualidade não estivesse presente de forma explícita em algumas categorias de amizade, tornava-se o tema principal de outras, principalmente das relações que garotas novas mantinham com mulheres de mais idade, vistas como conselheiras. Em tese, todo amigo pode (e deve) aconselhar, mas algumas pessoas são procuradas pelas jovens com o objetivo específico de obter informação sobre relacionamentos afetivos e sexualidade. As conselheiras são invariavelmente mulheres, geralmente um pouco mais velhas e, não raro, casadas13 e com filhos. Em alguns casos, são parentes das garotas que as procuram, outras vezes esse papel é ocupado por uma vizinha:

Em casa também minha mãe me diz conselho, mas mais é na rua, porque eu tenho uma vizinha que ela me explica como “é” as coisas [...] E ela tem filho, ela tem uma filha pequenininha e... o mais velho tem 18 anos. Ela explica as coisas mais do que a minha mãe (Roberta, 14 anos).


Essas mulheres não são as únicas pessoas com as quais as jovens tentam tirar suas dúvidas sobre sexualidade e relacionamentos, mas elas são vistas como informantes idôneas pelas garotas e até por suas mães, uma vez que exercem sua sexualidade de forma socialmente legitimada. Outras informantes, notadamente meninas mais experientes que não casaram, são amiúde vistas como influências perniciosas pelos adultos. O aconselhamento sobre sexualidade por parte das mulheres mais velhas não deve ser entendido como um ensinamento do tipo técnico, sobre métodos contraceptivos etc. Até onde foi possível perceber, a atividade sexual é discutida de forma imbricada no contexto de vida das jovens, entrando em jogo questões como a continuidade dos estudos e, especialmente, o tipo de relacionamento em que as garotas se encontram. “Explicar as coisas” equivale a poder falar sobre assuntos que são proibidos dentro de casa porque implicam uma posição ativa das garotas em relação à sexualidade: se aquela é a pessoa certa para “se perder”, como abordar uma suspeita de gravidez com o namorado e questões do tipo.

A figura da conselheira responde a um modelo que aparentemente nega uma das bases do imaginário ocidental sobre a amizade (Cucó, 1995), pois não se trata de uma relação entre iguais e sim entre duas pessoas hierarquicamente desiguais que assumem, guardando as devidas distâncias, posições de mestre e aprendiz. Semelhante desigualdade pode ser encontrada em outra categoria de amizade que merece atenção: a relação mãe-filha. Quase todas as entrevistadas referiram-se à mãe como uma verdadeira amiga, às vezes, como a única amiga, pois seria somente com ela que poderiam contar nos momentos difíceis. O pai também é mencionado, mas seu papel costuma ser secundário: “minha mãe é minha mãe, amiga, irmã, minha heroína, ela é. Depois dela tem meu pai” (Amparo, 19 anos).

Em sua análise das representações sobre amizade no Rio de Janeiro, Rezende (2002:124-126) observa que a inclusão dos pais como amigos se verifica entre os entrevistados mais jovens, mas não entre aqueles de mais idade. A autora relaciona este fato às mudanças que vêm acontecendo nas relações familiares, no sentido de uma suavização das hierarquias, espaço maior para a negociação da autoridade e para a construção da individualidade. Tais mudanças, bastante estudadas na literatura sobre as classes médias, ainda não foram compreendidas em todo o seu alcance no que tange aos grupos populares. A menção às mães como amigas pelas jovens entrevistadas será resultado de mudanças nas relações de autoridade nessas famílias? Ou tratar-se-á, pelo contrário, de um reforço à ideologia da maternidade sem questionar a autoridade tradicional? Alguns casos etnográficos contextualizam os dilemas dessa relação.

Luca (15 anos) é uma jovem muito popular, mas diz não ter amigos de sua idade, no que se apoia na autoridade da mãe: “Eu tenho uma amiga, a primeira, que é minha mãe, e o resto é colega. Quem é amigo é o pai e a mãe. Às vezes, quando a gente fala: mainha, vou sair com meu amigo, [a mãe diz] amigo, não, mulher, colega! que tu não “tem” amigo, amigo é teu pai e tua mãe”. Ao descrever com mais detalhes a relação com a mãe, entretanto, nada indica que exista entre elas uma tranquila amizade. Luca tem uma irmã mais nova que, segundo ela, recebe todas as atenções da mãe. Há tensões constantes em casa a respeito de horários, companhias e das diferenças no tratamento entre as irmãs. Por isso, Luca passa muito tempo na rua e convive mais com os “colegas” do que com a mãe.

A aparente dissociação entre a norma que define a mãe como a melhor amiga e uma prática não isenta de tensões não é monopólio de Luca. São comuns as reclamações das jovens em relação às atitudes das mães, incluindo a incompreensão dos próprios problemas e a falta de disponibilidade para escutá-las, o que indica que os requisitos da amizade não são aplicados de forma tão rigorosa com a mãe como entre pares. Igualmente, a exigência de “contar tudo” não possui o mesmo sentido entre amigos e na relação mãe-filha. Se namoros e “ficadas” costumam constituir assunto cotidiano nas conversas entre pares, é comum filtrar e até ocultar por completo essas informações das mães, buscando preservar a autonomia na esfera afetivo-sexual.

Aparentemente, tais segredos não são contraditórios com a ideia de que existe entre mãe e filha uma amizade valiosa, que provavelmente aponta mudanças nas relações de autoridade nessas famílias. Não se pode esquecer, contudo, a desigualdade estrutural nas posições de mãe e filha. Nesse sentido, o discurso da amizade, com suas exigências de confiança, abertura e reciprocidade, pode encobrir novas formas de autoridade aparentemente mais igualitárias, nem por isso menos convencionais no terreno dos valores. É isto que sugere o caso de Lu, que aos 17 anos considerava a mãe sua melhor amiga e adiava sua iniciação sexual, em parte, para não contradizer as expectativas maternas: “Eu ainda não tive [relações sexuais], acho que não estou preparada, minha mãe confia tanto em mim...”. Quando a jovem engravidou, três anos depois, a mãe julgou o fato uma afronta pessoal e passou a tratar a filha com distanciamento e frieza.

Em suma, as relações de amizade intergeracionais e intragênero (com a mãe e com a conselheira) estão permeadas por graus diferentes de disciplinamento do comportamento sexual das garotas, permitindo níveis distintos de agência juvenil. Na relação mãe-filha, a tentativa de disciplinamento é maior e persegue, via de regra, o adiamento da iniciação sexual das garotas pois, mesmo com as mudanças em curso, a virgindade ainda possui um forte valor simbólico para o grupo estudado, dado que coincide com outras pesquisas sobre sexualidade juvenil no Brasil (Dias, 2002; Scott et al., 2002). Esse controle pode aparecer em sua forma mais hierárquica, através de interdições e punições, mas também manifesta feições aparentemente mais igualitárias, interpelando o autocontrole das jovens – “Minha mãe é liberal, mas o que fica é a consciência da gente” (Daniela, 15 anos). É nesses casos, sobretudo, que as relações com as mães se apresentam como “amizade”, sendo a salvaguarda da virgindade uma demanda implícita ou explícita para a manutenção de uma boa relação mãe-filha. Quando esse acordo é quebrado, as reações podem ser muito variadas, indo desde a desresponsabilização das mães em relação às filhas até a reconfiguração do relacionamento em novas bases.

Já no caso das conselheiras, sua condição de mulheres recentemente casadas torna-as interlocutoras ideais em matéria sexual. Nesse caso, a ênfase na salvaguarda da virgindade é deslocada para as diversas estratégias para conseguir que os homens desejados assumam compromisso. Mais do que a virgindade, a gravidez torna-se o fulcro das discussões, por ser este o momento em que a jovem “mede” sua relação com o namorado. Como vemos, ambos os tipos de amizade se relacionam com roteiros sexuais usualmente descritos como tradicionais pela literatura sobre sexualidade e juventude, em que o relacionamento sexual não é um fim em si mesmo mas está a serviço do estabelecimento de uma relação conjugal.14

A maior ou menor submissão das garotas ao controle materno em matéria de sexualidade tem seu reflexo na classificação nativa das jovens em “meninas presas” e “meninas soltas”. A orientação conjugal aparece sobretudo entre as primeiras, tendo seu reflexo na modalidade de relacionamento conhecida como “namoro em casa”, em que o jovem se compromete com a jovem perante a família desta. Já entre as “meninas soltas”, há margem para a experimentação afetivo-sexual não orientada para a conjugalidade, como o “ficar” e o “namoro na rua”.15 Cabe salientar que a relação das meninas com as mulheres mais velhas (mães e conselheiras) se modifica com o decorrer dos anos, sobretudo depois que as jovens adquirem experiência própria no terreno sexual, momento em que se amplia, frequentemente, a esfera de privacidade em relação às mães, diminuindo a necessidade de orientação por parte de mulheres mais velhas e aumentando, por vezes, o recurso a amigas da mesma idade.


Amigos e amigas de juventude: amizade e curso da vida

Quando comparadas às relações com mães e conselheiras, as amizades entre jovens respondem melhor às características geralmente atribuídas a esta modalidade de relacionamento: são elas igualitárias, voluntárias e livremente escolhidas (Cucó, 1995). Pela sua vinculação com os modos de vida juvenis, o grupo de pares tem sido objeto de atenção na literatura, embora exista, como já foi apontado, um desequilíbrio em favor da sociabilidade masculina. Este viés de gênero relaciona-se com um traço mais ou menos permanente da cultura ocidental, que põe em questão a capacidade das mulheres para a amizade. A masculinidade é ligada à sociabilidade, ao passo que a vivência das mulheres é percebida a partir do domínio doméstico e da esfera do parentesco (Uhl, 1991; Cucó, 1995).16 Seguindo este raciocínio, as amizades de juventude, no caso das mulheres, são comumente atribuídas à necessidade de encontrar um parceiro, estando fadadas à descontinuidade. Trabalhos mais recentes negam explicitamente este estereótipo, centrando-se na análise das redes de solidariedade entre mulheres. As práticas e os relatos das jovens que participaram da pesquisa revelam alguns aspectos da encruzilhada em que as garotas fazem amigos e amigas nessa fase da vida.

A maioria das jovens entrevistadas tem uma ou duas amigas mais próximas que ocupam a função de confidente. Este tipo de organização afetiva é entendido pelas pessoas que convivem com as jovens como algo próprio do mundo das garotas, resultando estranho (e às vezes até suspeito) o relacionamento muito próximo entre dois rapazes, pois se supõe que os homens jovens prefiram andar em grupo. A construção de uma esfera de intimidade nas díades femininas17 apoia-se em grande medida em elementos expressivos, que podem incluir a confidência de conflitos familiares, a conversa sobre relacionamentos com outros amigos ou colegas e, com muita frequência, a troca de segredos sobre garotos. Espera-se das amigas compreensão, escuta e, às vezes, cumplicidade na hora de estabelecer contato com os rapazes objetos do interesse afetivo-sexual (levando e trazendo mensagens, por exemplo). A troca de informações e a partilha de segredos em matéria afetiva é uma das bases mais importantes nessas relações, mas é também, como veremos posteriormente, um dos principais motivos de conflito entre as garotas.

Além das díades femininas, há turmas somente de garotas, bem como atividades específicas para elas. Conversar no portão, experimentar roupas, participar de certos jogos considerados “de menina” (como o de queimado), partilhar o cuidado de crianças são algumas dessas atividades, que também incluem práticas menos “comportadas”, como ir a pagodes e bailes brega,18 frequentar lugares onde os rapazes se concentram e, em alguns casos, consumir drogas. A sexualidade é um assunto comum nesses grupos, embora seja preciso ser muito cuidadosa na hora de fazer circular informações a respeito do próprio comportamento sexual. A gestão da própria reputação19 é um assunto delicado nesse meio, gerando um difícil equilíbrio entre a vontade de partilhar as próprias experiências e o medo da divulgação (e da deturpação) do próprio comportamento sexual. Essa preocupação torna-se especialmente evidente entre garotas mais jovens, que ainda não se iniciaram sexualmente, ou cuja iniciação se mantém em segredo.

Eventualmente, contudo, as experiências sexuais próprias ou alheias terminam circulando nos grupos, sobretudo quando ocorre alguma gravidez, servindo essas conversas como parte da socialização de gênero em matéria sexual. Como observou Acácia Batista Dias, a primeira relação sexual é um momento esperado com ansiedade pelos jovens de ambos os sexos, sendo que as conversas entre amigos “instigam a vontade e a curiosidade, categorias relacionadas com o masculino e o feminino respectivamente” (2006:2). É através das “fofocas” sobre as aquelas que já “se perderam” e das confidências das amigas que as jovens costumam antecipar sua iniciação sexual e aprendem, igualmente, como lidar com as situações que decorrerão a partir dela.

Existe uma pressão social para que as garotas virgens (“moças”) não mantenham amizade com aquelas que já tiveram relações sexuais (“mulheres”), conforme pode se observar no trecho a seguir:

Sabrina: Moça é o lugar de moça, mulher é o lugar de mulher.

Entrevistadora: Qual é o lugar de moça?

Sabrina: Ficar em casa.

Luca: E a mulher não, sai pra todo canto, a mãe ainda fala: Menina, olha com quem tu “vai” sair, com quem tu “vai” andar! Antes de sair: Vai com quem? Se a gente vai sair com alguém que ela não gosta, a gente tem que dizer que vai sair com outra pessoa, porque senão ela não deixa.


Tais interdições, embora transgredidas (sobretudo pelas “meninas soltas”), revelam uma norma social que concebe a amizade em relação aos diversos tempos sociais do curso da vida – moças com moças e mulheres com mulheres. As prescrições sobre amizade desenham assim uma paisagem em que vemos configurar-se o calendário feminino, pautado nos ritmos biológicos do tempo reprodutivo e na maior ou menor legitimidade da atividade sexual. As barreiras que os adultos tentam erguer destinam-se, deste modo, a proteger as garotas mais novas do “contágio” representado pelas jovens estigmatizadas, uma vez que as periodizações do curso da vida funcionam, sobretudo para as mulheres, como enquadramentos morais (Langevin, 1987).

Afora as relações com outras garotas, as jovens costumam ter amizades com garotos, às vezes do tipo diádico, embora o mais frequente seja a convivência de jovens de ambos os sexos em turmas de amigos. Os grupos mistos, em geral, integram esferas habitualmente separadas na literatura: há amigos e parentes, jovens sozinhos e casais de namorados, não existindo uma rígida homogeneidade etária. É muito comum que as turmas sejam compostas por pessoas que moram perto, uma vez que as redes de vizinhança e parentesco são mais duradouras que as relações estabelecidas através de instituições como a escola. Os grupos mistos reúnem-se, sobretudo, para atividades de lazer, cujo teor varia de acordo com a microcultura em questão – jovens religiosos não têm as mesmas afinidades que jovens “pagodeiros”, por exemplo.

Várias jovens disseram que os pais permitiam amizades mistas quando crianças, mas as proibiram nos primeiros anos da adolescência, numa tentativa de adiar sua iniciação sexual. Mais cedo ou mais tarde, porém, as garotas costumam fazer amizade com garotos. Amigos e amigas de juventude são diferentes das amizades de infância. Mesmo quando um núcleo original de amigos de infância se mantém, usualmente os círculos de sociabilidade se ampliam nessa fase da vida, bem como muda o leque de atividades feitas em conjunto. Assim, se a infância costuma ser lembrada como uma época de brincadeiras e jogos, a adolescência é marcada por uma mudança de interesses, que enfatiza atividades como a conversa e as saídas para o lazer, com um inegável componente de busca de experiências afetivo-sexuais.

Andar em grupo faz parte desse novo momento, pois tanto as moças como os garotos parecem sentir-se mais à vontade para realizar seus investimentos afetivo-amorosos em companhia de seus pares. Desta forma, se um determinado jovem tem interesse por uma jovem, é comum que todo o grupo de amizade dele se aproxime do grupo de amizade dela, criando-se um grupo misto. Devido à expectativa de que os homens tomem a iniciativa no terreno sexual, o movimento das aproximações afetivas costuma se dar no sentido grupo de homens grupo de mulheres, mas essa aproximação pode ter sido estimulada por olhares, mensagens ou fofocas enviadas previamente pelas garotas para o grupo de rapazes.

Entre as reorganizações presentes nos grupos de amigos na juventude, é comum a entrada de garotos de mais idade, fenômeno que reflete, na esfera da amizade, uma lógica hierárquica de gênero, segundo a qual as mulheres costumam procurar parceiros socialmente superiores – mais ricos, mais bem situados e, neste caso, mais velhos (Bozon, 2004:66; Brandão, 2004:75). A procura de homens mais velhos por parte das jovens se explica pelo fato de eles oferecerem às garotas mais chances de compromisso num relacionamento. Uma vez que o interesse afetivo está por trás da formação de muitos desses grupos mistos, a diferença etária é quase estrutural nos mesmos. Contar com garotos de mais idade no grupo de amigos, sobretudo quando estes gozam do aval dos pais das jovens, traz uma série de vantagens, como a possibilidade de sair para casas de show e fazer programas fora da comunidade, às vezes num carro emprestado, responsabilizando-se os jovens por trazer as moças de volta para casa em segurança.

A desigualdade etária nas relações de amizade e de namoro se apoia numa percepção nativa do curso da vida, que aponta para a existência de um descompasso no amadurecimento de homens e mulheres, como se pode ver a seguir:

Sei não, os meninos parece que botaram na cabeça esse negócio de que menino só brinca com menino, que antes a gente brincava tudo junto e agora não, você só vê a patota de meninos [...]. Acho que eles se acham intrusos, estar no meio das meninas porque as meninas estão crescendo, estão ficando mocinhas [...] Porque acho que as meninas, primeiro que acham eles tudo abestalhado: que brincadeira de abestalhado! Eu acho que eles pensam: se a gente ficar tudo no meio das meninas, “que” a gente for brincar, elas vão pensar logo que é brincadeira de abestalhado, que é negócio de menino abestalhado, de menino amarelo. E vão pensar logo que a gente..., vão dizer logo: que menino acriançado! um negócio assim, né? Acho que eles pensam assim. É por isso que não querem mais ficar junto da gente (Helena, 15 anos).



Em alguns relatos, são as mudanças corporais da puberdade que acarretam transformações nas relações intersexos. Para uma jovem entrevistada, o fim das turmas mistas de infância coincidiria com as primeiras regras das meninas, pois os garotos não têm paciência para lidar com os transtornos hormonais que, segundo essa garota, acompanham a menstruação. Nesses relatos, o corpo é apresentado como operador de uma diferença intransponível entre homens e mulheres, que depõe contra a possibilidade de amizades mistas, ao mesmo tempo em que valoriza um tipo de abertura própria das relações entre as garotas, baseada no falar sobre o corpo.

Se a chegada da adolescência costuma ser apresentada como um primeiro momento de mudança de interesses e, consequentemente, de expansão e mudança do círculo de amizades, a entrada num relacionamento estável – casamento e às vezes também namoro – emerge como um segundo momento importante na reconfiguração da esfera da sociabilidade, desta vez no sentido de um retraimento, que afeta principalmente as relações com rapazes. Não é visto com bons olhos que uma garota com namorado, principalmente depois de casada, continue tendo uma amizade privilegiada com algum rapaz (relação diádica com um homem), ou mesmo que frequente sozinha os grupos mistos tão comuns na juventude. Natália, uma jovem de 19 anos, casada com Lúcio, explica deste modo a mudança em suas relações sociais depois do casamento:

[...] quando eu era solteira eu tinha muitos amigos, pra falar a verdade eu tinha mais amigos rapazes do que moças, aí mudou um pouquinho, aliás, mudou e mudou muito, porque não é como antes, porque quando era antes, já como eu não podia sair, painho não deixava eu sair, os meninos tinham que vir pra casa, aí “ficava” aqui brincando, tomando uma cervejinha, fazendo pagode [...]. Mas agora não posso mais porque eu estou casada, isso não é certo, pelo menos eu não acho certo uma mulher casada estar no meio de um bocado de homem bebendo e dançando, aí eu mudei, falei com os meninos que não dava mais que eu era uma menina casada, eu tinha que pôr a minha cabeça no lugar, aí pronto.



A interdição das relações de amizade intersexos após o casamento, às vezes em forma de proibição explícita por parte dos maridos, sugere o caráter transitório desse tipo de composição, que se adapta principalmente ao momento prévio à formação de família pelas jovens.



Amizades entre mulheres x amizades mistas:

a ideologia de gênero na significação da amizade

Se a amizade entre mulheres pode por vezes se sustentar numa corporização da identidade de gênero, nem por isso é irrestritamente celebrada. Nas entrevistas, abundam as referências a situações de reciprocidade negativa, indo da simples hostilidade entre desconhecidas até as “intrigas” e a dolorosa traição da “melhor amiga”. Comum a todos os casos é o fato de se tratar de narrativas sobre as relações intragênero, não existindo relatos semelhantes nas amizades com garotos. O tema da “falsa amiga”, sobretudo, suscita um forte impacto emocional, pois diz respeito à quebra de confiança, principal elemento no modelo ideal da amizade das jovens:

Eu confiava numa pessoa, confiava nela, e ela falando de mim por trás! (Benedita, 17 anos).


Eu tive uma decepção com uma amiga. Ela dizia ser minha melhor amiga. Eu estava apaixonada por um rapaz, aí ela disse que era minha amiga: não, sou sua amiga. Minha melhor amiga. [...] Ela pegou, ficou com ele. Aí, daí, fui percebendo que a gente não tem amigos (Lu, 17 anos).

Junto com o “roubo” do namorado, espalhar boatos sobre o comportamento sexual costuma ser a “traição” mais referida pelas garotas. Essa violência entre mulheres, “que poderíamos classificar como indireta, sutil e simbólica” (Berga, 2003:133), visa atingir diretamente a reputação alheia, um dos capitais mais valorizados no mercado matrimonial e importante meio de reconhecimento local (Scott et al., 2002). Deste modo, o autocontrole esperado das garotas em relação à sua sexualidade desdobra-se no controle de seu meio, principalmente dos comentários que outras mulheres, suas “falsas amigas”, possam fazer a seu respeito.

Segundo Rezende (2002:103-107), a ideia de que as amizades podem ser traiçoeiras ou motivadas por interesse está relacionada com uma concepção “geológica” da pessoa, expressa nos relatos de seus informantes cariocas. De acordo com esta concepção, cada pessoa tem diversas “camadas de profundidade” capazes de estarem em contiguidade ou em oposição. Quando uma pessoa é “falsa”, sua camada profunda (maldosa, interesseira) não coincide com a superfície (boa, sincera). O que interessa destacar aqui é que, embora as jovens também reclamem dos garotos, a temática da “falsa amiga” tem um forte teor de gênero, inserindo-se numa representação mais ampla a respeito de uma suposta natureza feminina invejosa e traiçoeira:

Sabrina (16 anos): Na realidade, ninguém tem amigo, principalmente nesse tempo que a gente está agora. [...] Sempre existe uma, mas nem todas, porque essas meninas de agora... são tudo falsa, tudo quer ver o mal da pessoa, cheias de inveja, olho grande...

Entrevistadora: Como vocês percebem que uma pessoa é falsa?

Sabrina: A gente vai, compra uma roupa, compra uns negócios, ela vai: vou comprar um negocinho igual ao seu; aí começa a comprar as coisas, tudo que você tem ela quer ter. Aí começa a fazer a amizade desmoronar. Às vezes se torna uma falsidade, aí depois as duas estão sem se falar.


A extraordinária semelhança entre as falas das jovens e os estereótipos a respeito da incapacidade feminina para a amizade não podem deixar de ser notados, ainda mais quando a maioria das garotas que se refere de forma tão negativa às suas iguais convive cotidianamente com outras jovens em relações de aparente cumplicidade. Num trabalho realizado no sul da Espanha, Sarah Uhl (1991) observou uma disparidade semelhante entre um discurso antiamizade das mulheres adultas e uma prática de intensa cooperação e sociabilidade na esfera privada. Para a autora, esse aparente descompasso decorre da exigência social das mulheres de garantirem publicamente sua domesticidade, ao mesmo tempo em que satisfazem sua necessidade de ter relações extradomésticas.

No caso das jovens ora em questão, podemos indagar até que ponto a repetição do tema da “falsa amiga” não se encaixa numa expectativa social sobre a juventude feminina, que enfatiza a concorrência pela atenção dos homens nesta fase da vida. Sem negar que tais conflitos possam acontecer,20 é possível situá-los como parte de uma mensagem pública que não fala apenas da possibilidade ou não da amizade intragênero, mas trata sobretudo de uma definição social de si a partir da disponibilidade para estabelecer parcerias afetivo-sexuais.

Concomitante às representações negativas sobre a natureza feminina, é possível encontrar manifestações bastante entusiastas sobre a possibilidade de amizades intersexos nos relatos de algumas jovens:

É melhor [ter amigos], porque menino não é daquelas conversas que as colegas “fica” conversando. Aí uma pessoa assim, maior, que digo mais velha, escuta aí, vai, diz à nossa mãe. E menino não, menino só quer conversar, não gosta de fofoca, o que a gente falar ali, ali fica, e a menina não, a menina vai de uma pra outra, e vai se espalhando (Luca, 15 anos).


Se a amizade com garotos pode ser, para algumas entrevistadas, superior àquela que acontece entre mulheres, também possui seus custos e obstáculos. As amizades mistas situam-se entre as “relações perigosas”, alvo de pressões sociais contrárias, sobretudo quando um dos amigos tem um relacionamento socialmente reconhecido, como noivado ou casamento. Além disso, há temas que as garotas preferem não comentar com os rapazes, com destaque para tudo o que é referente ao corpo feminino. Igualmente, as amizades intragênero costumam ter um teor de intimidade maior no que tange à troca de experiências afetivo-sexuais.

Em compensação, acontece nas amizades mistas um tipo de intimidade que não ocorre nas relações entre mulheres: o contato corporal. Com efeito, as amizades mistas incluem demonstrações corporais de afeto como abraços, beijos no rosto, carícias, sentar-se no colo do amigo etc. Essas cenas de certa intimidade corporal (que não chegam, porém, a ultrapassar as fronteiras reservadas aos parceiros amorosos) acontecem frequentemente nos encontros grupais, às vezes na presença de adultos, pois se trata de um comportamento socialmente aceito.

O toque corporal chama a atenção para um aspecto comumente mencionado em relação às amizades intersexos, e diz respeito ao tabu existente entre amizade e sexualidade. Amigos e namorados formam categorias distintas de relacionamento e as jovens não costumam confundir o sentimento que devotam a um amigo daquele que reservam para seu namorado. A princípio, o toque corporal entre amigos corresponde à primeira categoria, não sendo uma prática abertamente erótica, embora possa resultar sensorialmente agradável. Na prática, porém, nem sempre as coisas ocorrem dessa maneira. Às vezes, garotos e as garotas utilizam-se desse expediente para se aproximarem de alguém por quem têm interesse, ou até mesmo praticam o toque amistoso como forma de compensar uma paixão ou um desejo não retribuído. Um exemplo deste comportamento foi protagonizado por Paulo, de 19 anos, num dos encontros informais de domingo com sua turma de amigos. Luana, uma jovem muito bonita, ficou visivelmente embriagada, circunstância que o jovem aproveitou para se aproximar dela e fazer-lhe carícias. Os amigos, percebendo suas intenções, afastaram Paulo do local em meio a comentários jocosos.

Como sugere o relato, o interesse afetivo e sexual é um elemento importante na coesão das turmas mistas. É comum que amigos virem namorados, mas também que estes se tornem ex-namorados, sendo o grupo o lócus de cruzamento de trajetórias afetivas individuais.


O fim das amizades de juventude?

Neste trabalho, tentei mostrar de que maneira uma abordagem cruzada entre as temáticas de amizade e sexualidade, quando aplicada ao estudo de um caso específico, pode oferecer novas aproximações para dinâmicas sociais comumente analisadas em separado. O fato de se tratar de amizades juvenis torna essa aproximação relevante, uma vez que fazer amigos e ter experiências afetivo-sexuais são conteúdos significativos na construção social da juventude, presentes também nos bairros populares estudados. Nesse sentido, proponho entender amizade e sexualidade como dois eixos de classificação social que se entrecruzam, dependendo de processos de socialização de gênero.

Assim, é com base num código moral que valoriza o autocontrole feminino, simbolizado na salvaguarda da virgindade, que se torna possível compreender melhor o tipo de relação estabelecido entre as jovens e as mulheres de gerações anteriores, desdobradas em duas posições nos relatos juvenis – as conselheiras e as mães.21 O padrão de amizade existente entre mulheres adultas e garotas faz parte de uma socialização de gênero que diz respeito às experiências afetivo-sexuais. Esta relação supre, de algum modo, as limitações da amizade mãe-filha, em que as exigências de controle da atividade sexual por parte das mães funcionam como barreira a uma efetiva equalização das relações e, consequentemente, a uma amizade em seu sentido pleno.

As relações entre pares também refletem, por sua vez, a idade social das garotas e a ideologia de gênero. Desta forma, as amizades com mulheres, apesar de muito frequentes e prazerosas, reproduzem rígidos roteiros de gênero, que colocam as jovens como concorrentes na busca de uma parceria conjugal, o que ajuda a compreender as ambiguidades em seus discursos. Por outro lado, as turmas mistas, pelo seu caráter semierótico, pela convivência de amigos, namorados e ex-namorados e pelo fato de se tratar de grupos relativamente abertos, tornam-se associações juvenis por excelência, uma vez que servem tanto à vontade de explorar novos espaços e acumular experiências como à possibilidade de encontro de um par conjugal. A troca de experiências nos grupos de garotas é um importante processo de socialização de gênero no que diz respeito à iniciação e à prática sexual. Já o toque corporal nos relacionamentos mistos põe à prova as fronteiras entre amizade e sexualidade, permitindo ao mesmo tempo experimentar sensações de agradabilidade física e encenando roteiros de iniciativa x autocontrole.

A maternidade e, sobretudo, o casamento, ao produzirem transformações no status social das jovens, criam novas demandas para a esfera de amizade que levam frequentemente a uma mudança nas categorias, nos sentidos e nas práticas de amizade das mulheres. Qual a relação dessas novas formas de amizade com as novas facetas dos roteiros sexuais femininos é uma indagação que fica em aberto para futuras investigações.




Recebido: 08/outubro/2009

Aceito para publicação: 12/fevereiro/2010

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1 Agradecimentos a Katherin Gough, do Departamento de Geografia da Universidade de Copenhague, com quem realizei várias das entrevistas utilizadas neste trabalho, e a Anne Line Dalsgaard, coordenadora da equipe dinamarquesa da pesquisa Os jovens e a cidade.

2 As ZEIS foram instituídas em 1983 pela Lei de Uso e Ocupação do Solo Urbano do Recife, que reconheceu formalmente a existência de favelas.

3 Nessa ocasião, vários pesquisadores da UFPE e da Universidade de Copenhague realizaram trabalho de campo em duas localidades de baixa renda e em espaços juvenis como igrejas, escolas, universidades, cursos de informática, organizações não-governamentais e agências de estágio.

4 Para amizades na adolescência, ver Josepa Cucó, 1995. Para iniciação sexual e autonomia juvenil, ver Brandão, 2004; Brandão & Heilborn, 2006.

5 É de se destacar trabalhos recentemente produzidos que problematizam a condição de gênero dos homens jovens. Para uma revisão sobre este assunto, ver Sorensen (2000).

6 Ver, por exemplo, o trabalho de Janita Ravesloot et al. (1999) comparando as experiências sexuais da geração dos 50 e dos 90 na Holanda. Ver também Lhomond (1999) para um estudo atual sobre juventude e sexualidade no contexto francês.

7 Essa polarização dos estudos foi observada a partir da análise de Mette Andersson (2003) sobre os estudos sociológicos sobre juventude e migração contemporâneos, com foco na Noruega.

8 Ver, por exemplo, Leal e Fachel (1999), Monteiro (1999), Scott et al. (2002) e todas as pesquisas geradas pelo projeto Gravidez na Adolescência (GRAVAD), por exemplo, Brandão & Heilborn (2006) e Heilborn et al. (2005).

9 Vários trabalhos sobre classes médias fogem desta tendência, abordando a sociabilidade corriqueira às vezes numa perspectiva de gênero. Para citar apenas os pioneiros, ver Heilborn (1984) e o dossiê organizado por Gilberto Velho, Individualismo e Juventude (Velho, 1990).

10 Especial destaque para a pesquisa GRAVAD (Brandão & Heilborn, 2006; e Heilborn et al., 2005). Ver também: Heilborn, 1997; Franch, 2000 e 2002; Russel Parry Scott et al., 2002, e Alvim, 2002.

11 Apenas para mencionar algumas abordagens pioneiras, ver: William Foote Whyte (2005), Margaret Mead (1995), Shmel N. Eisenstadt (1976) e Talcott Parsons (1968).

12 Ver, por exemplo, Parsons (1968) e Einsenstadt (1976). Margaret Mead (1995) também considerou o grupo de pares como um elemento importante na socialização das adolescentes samoanas, mostrando como as jovens que crescem na companhia de amigas são mais autoconfiantes, sociáveis e felizes.

13 Não necessariamente casadas “no papel”, mas vivendo uma relação conjugal socialmente legitimada.

14 Ver, por exemplo, Heiborn (1999).

15 Modalidades semelhantes foram observadas por Acácia Batista Dias (2002) na cidade de Salvador. Embora não entre em detalhes aqui, é importante esclarecer que o “ficar” não está em contradição, para essas garotas, com os outros tipos de relacionamentos possíveis, sendo visto como um complemento – uma forma de conhecimento que pode, dependendo do resultado, conduzir a outro tipo de envolvimento. O ficar também não implica uma ausência de autocontrole – que existe tanto em termos do número de parceiros possíveis como das práticas permitidas nesse momento.

16 Cabe salientar que este estereótipo está presente também nas artes e na filosofia, entre outras esferas.

17 Também referido por Ana Berga (2003). O sociólogo Anthony Giddens (1996) credita historicamente às mulheres a construção da esfera da intimidade.

18 Estilos musicais mais populares entre os jovens nas periferias do Recife.

19 Também mostrado por Scott et al. (2002).

20 Remeto, mais uma vez, ao trabalho de Ana Berga (2003), que considera a circulação de boatos e as estratégias para produzir isolamento formas de violência praticadas pelas mulheres, contestando a ideia de que apenas os homens expressam violência.

21 Uma terceira categoria que não explorarei aqui é a das fofoqueiras, que aparecem como as agentes mais mencionadas do controle à sexualidade das garotas.

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