Sexualidad, Salud y Sociedad

REVISTA LATINOAMERICANA

ISSN 1984-6487 / n.6 - dec. 2010 - pp.63-82 / Silva, A. M. C. / www.sexualidadsaludysociedad.org


O prazer de Sísifo está no leito de Procusto:

a emoção do prazer nos relatos dos consumidores de fast sex


Anderson Moraes de Castro e Silva

Doutorando em Ciências Sociais

Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais

Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPCIS/UERJ)

Rio de Janeiro, Brasil


> amcs5@ig.com.br


Resumo: As casas de fast sex, anglicismo contemporâneo que pretende atualizar os termos tradicionais pelos quais são conhecidos os estabelecimentos destinados à prostituição feminina, tais como “termas”, “zonas de meretrício” e “puteiros”, são espaços de construção e afirmação do ethos masculino. Foi junto aos clientes contumazes desses serviços que tentei estudar a temática das emoções, em especial, no que se refere ao prazer. Na elaboração deste texto, utilizei a análise qualitativa de dados, tendo como fonte primária as narrativas postadas pelos clientes de casas de fast sex numa comunidade virtual, o www.gpguia.net. Nesta comunidade, os associados dão notas avaliando a qualidade do atendimento prestado pela garota de programa em alguma das inúmeras termas da cidade do Rio de Janeiro. Com base nessas avaliações, denominadas de Test Drives (TDs) no grupo estudado, busco refletir sobre os contextos nos quais a emoção do prazer é descrita como sentida durante o programa, assim como, por contraste, analiso os momentos em que tal emoção não pode ser vivenciada. Em ambos os casos, tento perceber de que forma a interação emotiva na relação cliente-prostituta pode interferir na obtenção do prazer como resultado do programa.

Palavras-chave: sexualidade, prostituição, prazer, antropologia das emoções


El placer de Sísifo está en el lecho de Procusto: la emoción del placer en relatos de consumidores de fast sex

Las casas de fast sex, anglicismo contemporáneo que pretende actualizar términos tradicionales por los que se conocen los establecimientos destinados a la prostitución femenina (termas, zonas de meretrício, puteiros), son espacios de construcción y afirmación del ethos masculino. Se procuró estudiar la temática de las emociones en clientes habituales de estos servicios, en especial, en lo que se refiere al placer. Para el presente artículo se ha empleado un análisis cualitativo de datos, teniendo como fuente primaria las narraciones posteadas por clientes de casas de fast sex en una comunidad virtual, www.gpguia.net. En esta comunidad, los asociados otorgan una puntuación que evalúa la calidad de atención brindada por la acompañante en alguna de las innumerables termas de la ciudad de Río de Janeiro. A partir de esas evaluaciones, denominadas Test Drives (TDs) en el grupo estudiado, se quiere reflexionar sobre los contextos en los que la emoción del placer fue experimentada durante el programa. Asimismo, por contraste, se analizan los momentos en que tal emoción no pudo vivenciarse. En ambos casos, se intenta percibir de qué forma la interacción emotiva en la relación cliente-prostituta puede interferir en la obtención de placer como resultado del programa.

Palabras-clave: sexualidad; prostitución; placer; antropología de las emociones


Sisyphus pleasure lies in the bed Procrustes bed: the thrill of pleasure among “fast sex” consumers

Abstract: “Fast sex” venues, namely sites for prostitution, are places where a masculine ethos is constructed. I studied emotions, especially those related to pleasure, among contumacious clients. This paper is based on qualitative analysis of narratives posted at a virtual community of fast sex consumers, where members score the service provided by girls at several male spas in Rio de Janeiro. By looking at those reports, called “test drives” by the group under observation, I seek to reflect on the context in which the emotion of pleasure is felt during a “programa” (sex service session), and those when it is described as absent. In both cases, I aim to understand how emotions shaped by prostitute-client interaction can interfere with the achievement of pleasure as the result of a programa.

Keywords: sexuality; prostitution; pleasure; masculinity; anthropology of emotions








O prazer de Sísifo está no leito de Procusto: a emoção do prazer nos relatos dos consumidores de fast sex1

Introdução



Faz algum tempo que trabalho em uma instituição situada no centro da cidade do Rio de Janeiro. Cotidianamente, quando chego ou saio do edifício em que trabalho, sou abordado, assim como os demais passantes, por jovens mulheres – às vezes, nem tão jovens assim – que distribuem fôlderes convidando o público masculino para conhecer os bordéis em que trabalham. É possível que essa exposição rotineira e diuturna aos convites das promotoras dos serviços de fast sex aconteça em função de minhas andanças privilegiarem os arredores da Praça Mauá, tradicional reduto de prostituição da Cidade Maravilhosa.2 Mas tenho a impressão, e é apenas isso, que também esteja ocorrendo um crescimento quantitativo do número de prostíbulos naquela região moral3 que abriga uma tradicional zona portuária contígua ao centro administrativo da cidade, o que aumentaria a possibilidade de incidência de contatos desta natureza.

Nos panfletos que me são entregues, fotografias de mulheres belíssimas, nuas ou seminuas, louras ou morenas, estão impressas ao lado de slogans do tipo: “Acredite, você pode ter!!!”, “Aluga-se uma namorada”, “As melhores gatas do Rio transformam seu stress em prazer”, “Boquinha de brilhante: o seu prazer sem limites” e, ainda, o internacional “You can relax with confort and security. Beautiful girls for your pleasure”. O material de divulgação, além de propagar o ramo de atuação desses estabelecimentos, também promete momentos prazerosos ao lado de lindas mulheres. Segundo alguns dos meus colaboradores,4 as fotografias exibidas nos folhetos não pertencem às profissionais que trabalham nos prostíbulos propagandeados. Elas seriam obtidas na internet e, portanto, não corresponderiam aos plantéis encontrados nas termas.5 Entretanto, isto não é visto por eles como algo necessariamente ruim, pois entendem que o estimulo visual tem de ser um dos elementos constitutivos das ações de marketing no ramo dos serviços sexuais.

Desta forma, esses consumidores não esperam que as garotas de programa com as quais irão relaxar correspondam de fato ao perfil das mulheres estampadas nos folhetos publicitários. Afinal, frequentar uma terma “é como [ir] numa festa, lá vai ter mulher feia e mulher bonita, mas você não vai ficar com todas. Você é um só, então, tendo uma mulher bonita tá bom, já basta”. Em certo sentido, este comentário parece ratificar o destaque que a imagem da acompanhante ocupa na valorização do relato do acompanhado (Piscitelli, 2005:293) e também na expectativa de satisfação dos seus desejos.

Nos impressos promocionais recolhidos durante a pesquisa, apareciam com recorrência expressões como “beijamos tudo até o finalzinho...”, ou “fazendo tudo que as outras não fazem até o finalzinho...”. No início da coleta de dados, desconhecia o sentido nativo da expressão “até o finalzinho”, mas no campo, aprendi que ela indicava aos clientes que as garotas de programa desses estabelecimentos permitiam a prática do sexo oral sem preservativo – o dito “capote” – e a ejaculação na boca. O “finalzinho” dos panfletos cariocas tem então o mesmo sentido que a expressão bare back blow job ostenta no ambiente virtual estudado por Piscitelli (2005:297). Em ambos os casos, as expressões sinalizam aos clientes que a possibilidade de realização de seus devaneios “sem frescuras” é algo factível, assim como também indica a inexistência do dilema da camisinha nesses encontros: a decisão estava tomada a priori, nela a intensidade do risco se sobrepunha à segurança do prazer morno e convencional.6 Evidentemente que a propaganda não esclarecia aos consumidores que a opção pela intensidade do contato se dava em detrimento da possibilidade de longevidade, tendo em vista que o descarte do látex em face da transa “na pele” punha em risco a segurança individual dos parceiros.7

Como vimos, o apelo à intensidade da relação sexual na propaganda dos bordéis sobrepõe-se às precauções que as doenças sexuais do tempo presente suscitam, em especial a AIDS. Isto talvez ocorra porque o conceito de masculinidade vigente em nossa sociedade incorporou o risco e o prazer como elementos constitutivos da noção de “ser sujeito homem”. Isto é verdadeiro tanto no que se refere à prática dos esportes radicais como ao consumo de bebidas alcoólicas, substâncias entorpecentes ou aos serviços sexuais, sinalizando a existência do modelo ocidental de hipermasculinidade em nossa sociedade.

A hipermasculinidade é um conceito oriundo da psicologia social, que aponta alguns comportamentos violentos como próprios do ethos masculino (Nolasco, 2001).8 Ser homem nesta concepção implica muita coragem e nenhum medo. É arriscar-se, aventurar-se. Esse processo de socialização traz em si um corte essencialista de gênero que orienta a manifestação dos sentimentos cujas expressões são reconhecidas como apropriadamente masculinas ou femininas, demonstrando aspectos do processo cultural que introjeta nos indivíduos a maneira correta de se publicizarem as emoções, conforme já foi mencionado por Rosaldo (1984).

Sabemos que tantos os homens como as mulheres são socializados de maneiras distintas e hierarquizadas no que diz respeito à exposição de suas emoções, seja no espaço público ou no privado. No caso masculino, os meninos são ensinados a reprimir todos os sentimentos que denotem fragilidade ou que possam comprometer a virilidade, sendo as sensibilidades individuais alvos de idealizações que visam impingir nesses sujeitos a maneira como eles devem expressar suas emoções. De um modo geral, tais premissas são inculcadas nos meninos na medida em que eles frequentam espaços de socialização monossexuados, nos quais serão ensinados que verdadeiros homens “devem combater os aspectos que poderiam fazê-los ser associados às mulheres” (Welzer-Lang, 200:463).9

Os ensinamentos aprendidos nesses lugares, e que costumam ser reafirmados na vida social, vão desde a castração presente em sentenças como “homem não chora!” até a reificação de condutas inscritas na assertiva “é coisa de homem!”. A primeira afirmativa identifica no choro a manifestação de um sentimentalismo que demonstra ternura, meiguice ou passividade, supostos sinais de feminilidade que não seriam condizentes com a condição masculina. A segunda sentença refere-se às explosões de ira, ódio ou raiva que resultam em brigas e/ou agressões, sendo utilizada ainda para justificar a busca por prazer que legitima socialmente o consumo de mercadorias sexuais. Aliás, estudando a violência de gênero, foi constatado que a violência de homens contra mulheres está associada aos modos de socialização a que eles estão submetidos: “Uma vez que os meninos são geralmente ensinados a reprimir emoções, a raiva torna-se um dos poucos sentimentos que os homens podem expressar com aprovação da sociedade” (Acosta, 2003:05).

Em nossa sociedade, acredito que as casas de fast sex sejam lugares destinados à lapidação do modelo masculino hegemônico. Uma visita aos prostíbulos pode não apenas produzir diversão como também é considerada uma atividade vinculada à masculinidade e que a reforça (Piscitelli, 2008:297), razão pela qual decidi estudar a temática das emoções junto aos frequentadores contumazes de termas. Afinal, a frequência à “casa dos homens” não se restringe aos espaços sexuados visitados por crianças e jovens, prolongando-se pela vida adulta:

Estaríamos enganados se limitássemos a análise da casa-dos-homens à socialização infantil ou juvenil. Mesmo adulto, casado, o homem, ao mesmo tempo em que “assume” o lugar de provedor, de pai que dirige a família, de marido que sabe o que é bom e correto para a mulher e as crianças, continua a frequentar peças da casa-dos-homens: os cafés, os clubes, até mesmo, às vezes, a prisão, onde é necessário sempre se distinguir dos fracos, das femeazinhas, dos “veados”, ou seja, daqueles que podem ser considerados como “não-homens” (Welzer-Lang, 2001:465).


Neste estudo, utilizei como fonte primária de dados os relatos postados numa comunidade virtual destinada aos consumidores de serviços sexuais, que apresentarei ao leitor no item seguinte. É por meio desses relatos que pretendo pensar os contextos nos quais a emoção do prazer é descrita como vivenciada pelos clientes durante um programa, assim como, por contraste, objetivo verificar em que momentos esta emoção não foi experimentada, tendo como foco central perceber se a reciprocidade emotiva entre clientes e prostitutas pode influenciar, positiva ou negativamente, o resultado prazer desta relação. Mas antes de prosseguir, devo apresentar ao leitor o campo e a metodologia de pesquisa utilizada.


Test Drive para serviços sexuais: como assim?


O www.gpguia.net é um espaço virtual destinado ao público masculino, em especial aos homens que utilizam os serviços de garotas de programas (GPs). Os usuários devem se cadastrar previamente e ser aceitos pelos mediadores do grupo para poderem participar da comunidade virtual. Até o primeiro semestre de 2010, os fóruns de discussões e avaliações das acompanhantes contavam com espaços destinados às garotas de programa que atuam nos estados de São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Goiás, Minas Gerais, Bahia, Santa Catarina, Pernambuco, Ceará e no Distrito Federal. Havia um fórum exclusivo para avaliações das profissionais que trabalham nos prostíbulos de Portugal e ainda dois outros fóruns que cobriam as demais praças nacionais e internacionais.

A proposta deste guia de serviços sexuais é a de que seus membros sigam o lema: “TD feito, TD postado” – versão hedônica do tradicional “um por todos e todos por um”. A sigla TD significa Test Drive e, assim como no sentido original da expressão, indica a comunidade em que um estabelecimento e/ou uma GP foi testada. O test drive deve apontar os “pontos fortes” e os “pontos fracos” do serviço experimentado. Existem duas maneiras de se relatar um TD: na primeira, o usuário preenche um questionário predefinido;10 na segunda, narra livremente como foi sua experiência. Em ambos os casos, o narrador precisa obrigatoriamente sinalizar para os demais membros da comunidade o “nome de guerra” da GP que o atendeu, se ela permite o sexo anal (e em que condições), se faz sexo oral sem preservativo e se beija na boca. Em seguida, deve se manifestar sobre a relação “custo-benefício” do programa, indicando em ordem valorativa decrescente se o saldo da experiência foi positivo, neutro, negativo ou uma pisada na bola. As instruções existentes no site indicam aos provadores o modo como devem redigir os seus relatos:


Evite TDs muito resumidos. Procure descrever os acontecimentos com detalhes que ajudem aos demais foristas. Preferencialmente, relacione os pontos fortes e fracos do atendimento. Observe que TD significa “Test Drive”, portanto, não basta descrever os atributos físicos ou psicológicos da garota, o mais importante é descrever o atendimento dela.11


Vale destacar que nesses relatos as GPs são chamadas de “peças” ou “mercadorias”, o que no campo semântico complementa o processo de “coisificação” a que elas estão submetidas nos relatos dos provadores. No entanto, por outro lado, há entre os provadores uma preocupação em advertir os iniciantes para que não se envolvam emocionalmente com a acompanhante, como também apareceu em outras pesquisas (Piscitelli, 2005:290). Ora, como é possível que alguém se relacione recíproca e sentimentalmente com uma “peça”? Penso que isso seria possibilitado à medida que ocorresse uma interação entre a “peça” e o seu consumidor, o que significa dizer, no fim das contas, que os clientes não consomem as acompanhantes como meros objetos sexuais, ainda que usem termos que assim as definem. Entretanto, para que esta premissa possa ser sustentada, é necessário que nos relatos dos provadores se consiga demonstrar que as acompanhantes alugam aos clientes não apenas os seus corpos, mas também alguma interação emotiva. Afinal, suponho que a inexistência da reciprocidade emotiva possa obstaculizar o resultado prazer no consumo dos serviços sexuais.

Se as GPs são um produto, os “testes de direção” indicam aos potenciais consumidores em quais estabelecimentos se pode maximizar o prazer por um custo aceitável. Mas a acompanhante deve expressar sentimentos ao se relacionar com os clientes? A suposta interação emotiva pode vir a interferir no prazer experimentado pelos consumidores? Sim ou não? Em que medida? É este o ponto que pretendo explorar neste texto, tendo como guia a descrição dos clientes presente nos relatos dos provadores – termo pelo qual se classificam os integrantes desta comunidade virtual. Antes, porém, devo delimitar o universo de pesquisa ao qual estarei me referindo.

Em função dos limites que caracterizam a natureza desta pesquisa – inicialmente um trabalho de fim de curso – optei por focar o estudo nos TDs dos frequentadores de um único estabelecimento comercial. Este estabelecimento, que denominarei de Madalena’s Club, funciona em sistema privé,12 e cobrava R$ 90 para cada programa com uma hora de duração no momento da pesquisa. Neste valor não estava incluído o sexo anal, cujo “presentinho”13 deveria ser negociado diretamente com a GP. O Madalena’s Club está localizado em um prédio comercial no centro da cidade do Rio de Janeiro, mais precisamente na Avenida Rio Branco, e tem como público-alvo indivíduos da classe média, como profissionais liberais, servidores públicos, estudantes universitários etc. No período compreendido entre abril de 2005 e janeiro de 2007, o Madalena’s Club recebeu um total de 134 TDs, sendo 116 avaliações positivas, 11 neutras e 7 negativas.14

Como havia mencionado, será em cima dos relatos postados em forma de TDs que refletirei sobre a temática da emoção do prazer na relação cliente-prostituta. Teoricamente, compartilho da visão acadêmica que, seguindo os postulados contextualistas de Abu-Lughod e Lutz (1990), apresenta a emoção como um discurso performático capaz de criar aquilo que enuncia, para além de simplesmente descrevê-lo. De forma curiosa, em outro campo de estudos, especificamente na teoria feminista, a noção de discurso performático foi evocada por Butler (2003) para problematizar a noção de gênero sob a qual se estruturava a causa feminista. Segundo esta autora, o feminismo naturalizava gênero e desejo sem refletir criticamente sobre tais vínculos. Do meu ponto de vista, há aqui algum grau de aproximação entre os estudos feministas e a temática das emoções, haja vista que o desejo que perturba a solidez essencialista do gênero é o mesmo que problematiza a partilha naturalista das emoções. Acredito então que, ao estudar a emoção do prazer no consumo de serviços sexuais, esteja trabalhando num ponto de intercessão que aproxima a antropologia das emoções dos estudos de sexualidade, prostituição e subjetividades, posto que tais perspectivas teóricas se encontram constituídas pelo marco conceitual da performatividade.

Neste sentido, verificarei se existe alguma relação entre os relatos de prazer dos clientes e as emoções que eles atribuem às GPs durante o programa, visando perceber como o discurso emocional orienta essa prática social. Notem, porém, que estou chamando de “emoção da GP” aquilo que os provadores descrevem como tal e que está na ordem do discurso emotivo constitutivo do encontro sexual vivenciado por eles – como exemplificarei ao longo do texto. Portanto, inexiste aqui qualquer tentativa de opor emoções verdadeiras a falsas, em que o sentimento externado se contraponha à emoção interna, pois penso que esta visão essencialista não se coaduna com a abordagem que pretendo utilizar neste texto. As emoções com as quais trabalho são aquelas que foram lidas e descritas pelos provadores como esses sentimentos, sendo práticas discursivas e emocionais que simultaneamente “expressam” e “produzem” aquilo que enunciam.

Neste momento é preciso destacar que existe sempre a possibilidade de que alguns desses TDs sejam apenas meras descrições fictícias e que, portanto, não se refiram a experiências reais vivenciadas por seus autores. Aliás, o próprio guia nos adverte que os relatos dos usuários do fórum não possuem nenhuma garantia de veracidade. Todavia, penso que este aviso reflita mais uma preocupação com as possíveis implicações legais dos relatos na vida dos provadores do que uma substancial postagem de fantasias. Entretanto, por precaução metodológica, devo salientar que, como o que me interessa nesta investigação é a temática das emoções em si e a forma como elas aparecem nos TDs dos clientes, a possível existência de relatos fantasiosos não compromete a validação do presente estudo. Afinal, é de se esperar que as emoções evocadas nos discursos imaginados se apresentem como uma reprodução idealizada dos sentimentos que os seus autores aspiram vivenciar naquelas situações, ou seja, no plano discursivo emotivo, refletiriam os sentimentos que tais acontecimentos lhes suscitam por similitude.


III – Da “encenação ritualizada” à emoção do prazer


Em princípio, devo frisar que nos relatos dos provadores há uma inegável distinção entre gozar e sentir prazer que se contrapõe à semântica usual destes termos na língua portuguesa formal. Esta ressalva se faz necessária em função de nossa gramática definir o termo gozar como sentir prazer (Aurélio, 2004). Todavia, no grupo estudado, gozar possui o mesmo significado do verbete ejacular. A diferença é aparentemente sutil, mas neste campo de estudos torna-se de fundamental importância a percepção local da retórica utilizada no discurso emotivo. Gozar, em sua acepção tradicional, é sentir um prazer cujo clímax é definido pela experimentação do orgasmo, sendo um termo que por definição é constituído de uma emoção. Já ejacular é um ato físico que pode ou não ser oriundo de um evento emocional. Ele tem na polução um exemplo bem definido da autonomia orgânica desse processo corporal. Neste artigo, para fins de adequação gramatical da pesquisa ao campo semântico no qual ela se insere, defino previamente que gozo e prazer devem ser entendidos como coisas distintas. O primeiro sendo um processo predominantemente orgânico (físico), e o segundo, uma emoção. A seguir examinarei isoladamente os contextos em que cada um destes termos é utilizado nos TDs para avaliar um programa.

Gozar é descrito pelos “provadores” como um ato fisiológico automático de resposta a um estímulo recebido que pode ser desprovido de envolvimento emocional. Daí ser corriqueiro no universo pesquisado o uso da expressão descarregar a tensão para definir o motivo pelo qual alguém utiliza o serviço de uma GP. Neste mesmo sentido, o uso recorrente nos TDs das sentenças fomos pro abate, partimos para o fight ou ao final da peleja para se referir ao ato sexual sinaliza a intenção prévia de seus autores de distanciamento emocional das GPs, uma vez que se abate, se luta e se peleja com aquele outro com o qual não se busca necessariamente o envolvimento afetivo, mas sim a assimetria relacional.15

Aliás, a própria designação “programa”, utilizada para definir tais encontros sexuais, indica a existência de um acordo tácito, prévio e profissional, no qual as partes definem antecipadamente seus papéis na relação sexual. Entretanto, quando examinamos os relatos dos provadores, verificamos que na prática, ao contrário do que enunciam jargões supracitados, alguns deles necessitam de uma resposta emotiva feminina para alcançar o desempenho sexual pretendido. Esta é a razão pela qual o suposto distanciamento feminino é lido por eles como um sinal de indiferença ou desrespeito às suas expectativas:


[...] Ela voltou e veio o primeiro banho gelado, ela disse “qto tempo vai ficar?”; eu “uma hora”; e ela responde “fica meia hora”. Eu perguntei se ela estava com pressa e ela me disse “não, é que é melhor”. Não sei qto a vcs, mas para mim isso foi péssimo. Fui tomar banho, voltei e ela me deixou dez minutos sozinho, qdo apareceu, já estava nua. Aí fomos pro abate, caraca, ela parecia uma máquina programada, totalmente fria, qdo eu falei “pô pq vc tá tão fria?”. Ela deu um pulo e veio direto “quer que eu mande outra garota? O que vc tá querendo?”. Bom aí eu já tava puto, pensei em sair, mas como não queria confusão, mandei ela continuar. Foi uma merda, deu uns beijinhos... e começou a chupar mecanicamente... e o pior de toda aquela situação horrível, ela ligou o disco “me fode, ai que pica grande etc. etc. etc.”; mais maquinal e falso impossível... Resumindo, eu não volto mais lá, trepar com ela foi o mesmo que trepar com uma boneca inflável cheia de água quente, com muito Ky no buraco e um gravador tocando roteiro de filme de sacanagem [...].


Notem que no relato supracitado, ainda que a GP tenha se comportado na leitura do provador como uma mulher “fria”, “programada” – ora, isso não era um programa? – “mecânica” e “falsa”, portanto, sem demonstrar emoções positivas em relação ao que estava fazendo, ainda assim o corpo masculino respondeu fisicamente aos estímulos recebidos. A ejaculação que finalizou a “situação horrível”, conforme descrito pelo narrador, é neste contexto mais um fator desopilativo corporal do que uma manifestação de êxtase emocional, daí por que podemos afirmar que nessa transa o ato de gozar é percebido como um ato dissociado de prazer. Esta constatação aproxima-se daquela exposta alhures para se comentarem as diversas sexualidades que vivem os homens, ocasião em que o autor constatou que se torna impossível “pretender que a excitação se reduza à ereção, ou que o gozo seja sempre a ejaculação” (Welzer-Lang, 2001:474). Todavia, mesmo essa resposta física, quando buscada em uma interação na qual inexiste um mínimo de reciprocidade emotiva, pode ser obstaculizada:


A GP veio fazendo “massagem” por cima e beijou minhas costas, mas não beijou na boca. Virei-me e ela fez um oral burocrático e sem emoção. Na hora do “vamos ver” foi fria, depois não quis fazer anal e não deixou gozar na boca. Fiquei frustado e não finalizei, saí de lá congestionado e me aliviei em casa.


Ou:

Falou para pagar adiantado. Dei R$ 100. Ela voltou (sem o troco) e começamos a “intimidade”... depois deitei e ela subiu em mim e começou a cavalgar... aqueles gemidos pouco empolgados e tal... de repente, ela fala: “eu te dei o troco?”; eu disse q não. Ela levantou na hora e foi pegar o dinheiro. Porra, não podia esperar? Voltamos de onde paramos. O tesão já tava voltando quando ela mandou outra pérola: “vc quer que eu suba em vc? Eu disse pra continuar com o boquete, que tava muito bom. Aí ela mandou: “ah, que bom, aí eu não preciso me cansar à toa”. Pra fechar com chave de ouro, faltavam uns 5 minutos quando ela falou: “meu bem, se vc não for gozar, fala logo q o tempo tá acabando”. Bom, nem precisa dizer que eu não gozei, né? mas fiz a perua chupar até soar o gongo. Nem foi de tesão, mas de raiva.


Em comum, esses relatos apresentam situações em que as GPs são descritas como pessoas mecanizadas ou, como relatou um outro “provador”, “ela não se preocupou nem um instante em parecer estar gostando. Foi ‘profissional’ o tempo todo”. Percebam que o cliente sequer está se importando com o fato de a emoção da GP ser ou não verdadeira, pois esta não é uma questão que o incomode, mas o que ele reivindica é que ela expresse satisfação (“parecer estar gostando”) para que ele próprio possa se satisfazer. No primeiro caso, é a frieza da atendente que denota sua ausência emocional. Nos outros dois, é o suposto “profissionalismo” com que a prostituta exerce seus afazeres que a impede de adentrar na intimidade do cliente. Em ambos, sequer a resposta física foi alcançada, pois a expectativa emocional inicialmente positiva foi transformada no decorrer do encontro em seu oposto, ou seja, ao invés de se fazer amor, foram produzidas frustração e raiva. Tais emoções negativas sobrepuseram-se aos sentidos, obstaculizando o incitamento sensorial recebido no contato com o corpo feminino e impedindo os clientes de finalizarem. Mas qual é a conduta “profissional” que a acompanhante deveria ter tido? Afinal, o que se deseja comprar no consumo da mercadoria sexual? Segundo Bernstein, nos estudos existentes sobre a temática da prostituição constatou-se que as principais motivações dos clientes para o consumo do sexo comercial eram:


O desejo do cliente por variação sexual, o acesso sexual a parceiras com as idades, características raciais e físicas preferidas, a atração de um encontro sexual clandestino e “sem emoções”, solidão, problemas matrimoniais, a procura de poder e controle, o desejo de ser dominado ou de envolver-se em atos sexuais “exóticos” e a excitação de violar tabus (Bernstein, 2008:328).


Os relatos dos provadores, em alguns casos, descreviam as GPs como metidas e arrogantes, como se pode notar nas passagens seguintes: “para mim o que mata em qualquer mulher é a marra, a empáfia, é se sentir superior”; “ela chegou no quarto com uma arrogância ridícula”; ou “está na hora de nós clientes e foristas darmos jeito nessa situação [...] para que as meninas [...] parem de ser cheias de marra, frescas e arrogantes”. Nestas falas, podemos perceber que vigora entre os provadores a crença de que a prostituta deve se submeter incondicionalmente à dominação masculina, tendo em vista a suposição de que o pagamento do programa retiraria dela o direito àquilo que classificam de “insubordinação”.16 Neste caso, a impossibilidade do prazer talvez esteja diretamente vinculada à necessidade de submissão da acompanhante, uma vez que o exercício de poder e o controle sobre as “marrentas” são condições de satisfação que possivelmente precedam às demais formas de interação. Contudo, não se deve deixar de considerar que a insubordinação total e a submissão integral da prostituta sejam duas possibilidades extremas de interação, existindo entre elas outras formas mais neutras de relacionamento entre cliente e prostituta.

Creio ter podido demonstrar que nos contextos em que o “gozo” ocorre ou é “interditado”, no sentido nativo, inexiste uma relação de trocas emocionais positivas entre provador e GP. A seguir, utilizarei a mesma metodologia para mapear os relatos em que o prazer é descrito como sentido.

Como mencionei anteriormente, o prazer é relatado pelos provadores como uma emoção e não como uma reação física, daí porque teria como pré-requisito uma suposta interação emotiva positiva com a GP. Digo suposta porque é assim que os provadores a definem, ou seja, como uma ilusão de desejo, prazer ou tesão que pode ser simulada: “eu gosto de ver q a garota está gostando, participando. Mesmo que ela saiba fingir muito bem! Se souber me enganar, tá ótimo!!”. Inexiste qualquer intenção em verificar se tais emoções são ou não autênticas, basta que elas lhes pareçam críveis. Neste aspecto, a compreensão dos provadores do que seja emoção nas trocas sexuais está muito próxima daquela encontrada na produção acadêmica sobre as emoções, uma vez que foge das dicotomias tradicionais que opõem os sentimentos internos/sentidos/autênticos aos externos/expressados/falsos – estamos aproximando aqui, é claro, dimensões reflexivas que constituem esferas distintas do real. Segundo os clientes, durante o programa, as emoções das GPs são aquelas que elas enunciam e ponto final, sendo a performance sexual da prostituta – gemidos, falas, sussurros, enfim, práticas discursivas auxiliares – atitudes que complementam a eficácia performática do sentimento enunciado. A emoção do prazer, nos relatos dos provadores, é descrita como um sentimento que é tributário da interação emocional:


Caraca, a mulher fode muito, galera. Topa tudo sem pestanejar. Essa gosta muito da coisa. Curte contigo sem esforço... Essa mina atende muito bem, sem frescuras e se entrega sem piedade. Curte contigo e, se vc bobear, toma as rédeas e vc é que acaba atendendo às fantasias dela... não para um minuto.


As emoções preliminares que devem constituir a reciprocidade emotiva do desejo sexual são lidas pelos “provadores” como sinal de que a GP está “gostando de” transar. Neste cenário, por mais contraditório que possa parecer, agir profissionalmente “dando” ao cliente apenas aquilo que lhe é devido, ou seja, a prática do ato sexual em si, é visto por alguns clientes como uma atitude burocrática, fria, indiferente que impede ao provador a realização de seus devaneios, sendo uma atitude própria das não-profissionais. Em contraposição, a verdadeira profissional é descrita como aquela que transmite ao cliente a sensação de que gosta do que faz: “ela faz gostoso... passa um tesão muito grande... não faz por fazer”. Ressalto que fazer com gosto está intrinsecamente relacionado ao envolvimento emocional entre as partes, conforme nos adverte um dos provadores: “ela é bem esforçada para agradar. Não posso dizer que faz com gosto porque ela mantém certa distância emocional”.

Enfim, o prazer dos “provadores”, quando relatado nos tests drives postados na comunidade virtual do Madalena’s Club, aparece associado aos contextos em que as emoções das GPs foram lidas por eles como positivas em relação ao serviço sexual desempenhado. Neste sentido, o prazer é descrito como uma emoção que é dependente da subversão do distanciamento emocional entre clientes e prostitutas para ser alcançado, afinal, “o prazer é procurado por meio da estimulação emocional e não meramente sensorial” (Campbell, 2001:114). Desta forma, a emoção do prazer é apresentada como o resultado de uma transgressão fugaz aos padrões masculinos que orientam o consumo de serviços sexuais. É certo que os homens aprendem desde cedo que podem e devem consumir os serviços sexuais comerciais, mas também são advertidos de que não se envolvam emocionalmente com as prostitutas.17


Fantasias possíveis, prazeres (em) Reais


Da forma como os argumentos foram construídos poder-se-ia pensar que o consumo de serviços sexuais se encontra refém de certa dicotomia: ou produz a reciprocidade emotiva na relação cliente-prostituta e, consequentemente, a emoção do prazer no consumidor, ou a atuação “burocrática” obstaculiza o sucesso da transa. Todavia, não é bem assim que as coisas acontecem.

Lembro que apenas 5% (7 casos) dos relatos dos provadores nos TDs foram negativos, o que significa dizer que na hora do relax as acompanhantes não eram “coisas”, mas sim “amantes” ou “parceiras” e satisfizeram os desejos da maior parte dos contratantes. Notem que a maioria absoluta dos encontros resultou em avaliações positivas (86% - 116 TDs), indicando que nesses programas a fantasia pôde ser vivenciada a contento e as devidas trocas foram estabelecidas. Entre o gozo e a frustração, situam-se as avaliações que se autodefinem como neutras (9% - 11 TDs).

Analisando os relatos neutros verifica-se que a interação emotiva, embora desempenhe um papel necessário na obtenção do prazer, não é suficientemente capaz de produzir, de forma isolada, esse resultado. Outros fatores também parecem contar na produção do prazer:


[...] Foi uma foda maneira, eu gostei, foi o básico, chupações, comi de 4, ppmm, de ladinho nem pedi o cu, nem pra gozar na boca. Mas poderia ter sido melhor, talvez não tenha acontecido essa tal da química da parte dela, pois a menina fugiu do beijo, aí quebrou um pouco pra mim. Mas depois da foda, como eu não queria fuder mais, conversamos por um determinado tempo e nos demos muito bem, rimos bastante... Vou repetir. Essa mulher é linda, maravilhosa, muito gostosa e acredito que vou conseguir beijos bem molhados dela. Valeu o encontro.


Segundo o relato, o atendimento prestado pela acompanhante foi bom e divertido, mas incapaz de satisfazer as demandas do cliente e despertar o desejo de uma nova tentativa. Notem que o cliente não reclama do atendimento ou da interação com a acompanhante – ressalvando apenas a negativa do beijo – chegando a definir o serviço como uma “foda maneira” e a acompanhante como “linda e maravilhosa”. Neste atendimento, se houve o resultado prazer, ele não foi observado segundo a expectativa do cliente. A negação do beijo talvez tenha comprometido o sucesso da transa, sinalizando que cada cliente tem necessidades muito específicas e que não há uma fórmula capaz de garantir sempre a “tal da química”. Isto ocorre porque existe uma variedade de demandas constante na tipologia sentimental dos clientes de mercadorias sexuais, entre as quais Perlongher destacou os tipos piedoso, depressivo e namorado (Perlongher, 2008:150). Essa pluralidade de desejos e fantasias nem sempre encontra possibilidade de tradução a contento nos serviços oferecidos pela acompanhante, independente da interação emotiva ter sido alcançada ou não. Todavia, o fato de que em 86% dos casos a interação emotiva foi de fato acertada, indicaria que isto não seria um grande problema.

Em outros relatos “neutros”, os provadores não reclamaram da acompanhante, mas sim da qualidade das instalações ou dos serviços oferecidos no Madalena’s Club, tais como toalhas e roupas de cama sujas e a falta de sabonete no banheiro. Uma das reclamações mais raivosas referia-se ao fato de terem sinalizado o término do programa antes de decorrido o tempo contratado.


Conclusão

O peculiar das narrativas de clientes contemporâneos é a preferência, explicitamente declarada, por esse tipo de associação íntima, delimitada, sobre outras formas relacionais (Bernstein, 2008:333).


Sabe-se que o mercado de serviços sexuais possibilita a experimentação de fantasias sexuais que de outro modo talvez estivessem inacessíveis ou fossem de difícil realização. Há, entre os consumidores, tantas demandas individuais por comportamentos distintos das acompanhantes quanto os grãos de areia que existem numa praia, o que acaba por erigir um mosaico de desejos nem sempre passíveis de realizações. No entanto, o alto percentual de consumidores satisfeitos com os serviços prestados pelas GPs parece nos indicar que na hora da “peleja” eles obtiveram um serviço compatível com suas demandas. Em verdade, essas interações são mais complexas e diversificadas do que podem nos sugerir conclusões apressadas. No entanto, também pode haver mais igualdade na diversidade do que tradicionalmente se supõe. De um modo geral, no que tange ao comércio de mercadorias sexuais, múltiplos são os clientes e as suas fantasias. Dominar ou ser dominado, provocar ou sentir dor. Não há certo ou errado. Manual ou fórmula. Cada programa visa atender às expectativas que apenas os clientes sabem quais são e que as acompanhantes tentam adivinhar.

Se os relatos dos provadores nos autorizam a sustentar que alguns clientes necessitam da interação emotiva para a obtenção do resultado prazer no consumo de serviços sexuais, isto não significa dizer que a reciprocidade emotiva seja sempre uma precondição de sucesso da transa. Dependendo da fantasia, isto pode não ter a menor importância. Afinal, o encontro íntimo talvez seja satisfatório sem que necessariamente tenha havido trocas emotivas. No entanto, como já foi apontado, “existem muitas sutilezas no vai e vem entre prostituta e cliente que se confundem com as manifestações afetivas entre homens e mulheres entendidos como normais” (Blachette & Silva, 2005:279).

Em alguns relatos, nota-se que a emoção do prazer, na percepção dos provadores, somente é vivenciada nos momentos em que a interação sexual está inserida num contexto discursivo de interação emocional. Nestes casos específicos, o prazer dos clientes está diretamente vinculado às emoções das GPs, e percebe-se então certo antagonismo entre os relatos que descrevem as acompanhantes como mercadorias e aqueles que, ao mesmo tempo, apontam a interação emotiva na relação cliente-prostituta como um fator que tende a contribuir para a obtenção do resultado prazer. Esta constatação contraria, em certo sentido, o discurso hegemônico masculino que apresenta as prostitutas como meros objetos sexuais, pois demonstra que, se assim o fosse, tais serviços não corresponderiam ao que deles se espera. Neste sentido, embora as acompanhantes sejam discursivamente apresentadas como mercadorias despersonalizadas, durante as “pelejas” o que se busca produzir não é a eliminação do outro e sim uma aproximação. Ou seja, se a gramática usada nos relatos dos clientes sugere algum grau de assimetria entre as partes – fight, peleja – as práticas sexuais desvelam sentidos opostos em que há uma intensa busca pela interação emotiva.

Em suma, se é verdade que na relação cliente-prostituta o que se busca é o vivenciar fantasias sexuais e afetivas nas quais os papéis icônicos do homem e da mulher não se restringem aos extremos dominador e dominado, não é menos verdadeiro que a reciprocidade emotiva possa desempenhar aí uma função maior do que se tem tradicionalmente apontado. No entanto, a comprovação desta hipótese ainda carece de estudos mais aprofundados.




Recebido: 20/maio/2009

Aceito para publicação: 4/março/2010


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1 O mito grego de Sísifo é tradicionalmente empregado para se referir a quaisquer atividades que pareçam intermináveis. Em nosso caso, tem a ver com a eterna busca masculina pela transa perfeita que se renova a cada novo programa. Por outro lado, a expressão “Leito de Procusto”, também originária da mitologia grega, diz respeito aos padrões que são aplicados a um determinado grupo sem respeitar as particularidades de cada um desses indivíduos. No artigo, refere-se ao comércio de mercadorias sexuais que, na ótica masculina, transforma as acompanhantes numa “linha de produção” de prazer.

2 Neste texto uso os termos bordel, prostíbulo, termas, casas de massagens e zona como sinônimos para casas de tolerância. Caso o leitor deseje mapear as diferenças existentes entre esses tipos de estabelecimento e os serviços sexuais que oferecem, ver Blanchette & Silva (2009).

3 Perlongher, retomando Park, define a noção de região moral como “uma concepção que divide o espaço urbano em círculos concêntricos: uma faixa residencial, outra industrial e o centro – que serve ao mesmo tempo como ponto de concentração administrativa e comercial, e como lugar de reunião das populações ambulantes que “soltam”, ali, seus impulsos reprimidos pela civilização” (Perlongher, 2008:69).

4 Esta pesquisa contou com a colaboração de alguns frequentadores contumazes de prostíbulos. São indivíduos graduados, com emprego formal e renda na faixa dos dez salários mínimos, todos com nível superior e que, como gostam de classificar, “descarregam suas tensões”, semanalmente, nos bordéis localizados no centro do Rio. Por minha proximidade com eles, não posso considerá-los informantes no sentido técnico do termo, mas sim consultores.

5 As palavras “time” e “equipe”, tradicionalmente empregadas para se referirem ao coletivo de mulheres que trabalham em termas, vêm sendo substituídas no campo pelos termos “plantel” ou “peças”. Interessante notar que estas mesmas palavras foram usadas no passado para se reportarem ao conjunto de escravos de uma determinada propriedade.

6 Conforme Campbell (2001:122), “Um devaneio pode ser definido como a elaboração imaginativa, numa direção agradável, de um evento real por vir ou antecipado e, como consequência, exige que os incidentes devam ser mantidos dentro dos limites do possível (mesmo se altamente improváveis). A esse respeito, o devaneio envolve a introdução do princípio da busca do prazer no processo normal de antecipação imaginativa do futuro ou da especulação em torno deste”.

7 Segundo Duarte (1999:28). “o hedonismo moderno opera com uma estratégia qualitativa de busca da intensidade sempre maior, por oposição ao hedonismo tradicional – ocupado no consumo quantitativo de um elenco fechado de recursos”.

8 De acordo com Zaluar (2004:317), “atitudes sexuais cruéis para com as mulheres, uso de bebidas alcoólicas, agressividade, dominação e perigo valorizados como “coisas de homem” são sinais que identificam o modelo ocidental de hipermasculinidade”.

9 A definição de “lugares monossexuados” para o autor remete ao “conjunto de lugares aos quais os homens se atribuem a exclusividade de uso e/ou presença” (Welzer-Lang, 2001:463).

10 Onde constam as seguintes questões: 0. Data do td; 1. Como foi o “pré-atendimento” da Casa?; 2. Como foi o “pré-atendimento da GP”; 3. Se a GP é iniciante?; 4. Se achou a GP bonita de corpo/rosto. Fazer uma descrição física da GP; 5. Relato do ocorrido no programa; 5.1. Se a GP fez restrição ao beijo na boca; 5.2. oral sem ou com capote; e se foi completo; 5.3. Se fez com gosto ou é burocrática; 5.4. Ponto Fraco e Ponto Forte segundo sua ótica; 5.6. Se você foi incomodado por alguém durante o Atendimento ou ao seu término; 5.7. Se houve rigor com o horário combinado; 5.8. Qual o tempo x valor do Atendimento; 5.9. Qual a qualidade das instalações, se correu tudo bem durante a sua permanência, se houve privacidade durante o Atendimento e outras impressões que julgar necessárias e cabíveis; 6. Qual a idade real informada pela GP; 7. Se atende com profissionalismo ou com liberalidade; 8. Finalizando, apresentar um resumo informando se você acha que vale a pena o Programa, se pretende repetir e algumas dicas adicionais para que possamos nos dar bem no programa com a mesma.

11 As instruções também informam o que não deve constar no relato: “Evite ser BOP (baba ovo de puta, bem como enviar recados ou declarações de amor para a GP através do TD! Lembre-se que seu relato é escrito para os foristas, não para uma garota de programa ou dono de estabelecimento. Imagine que está entre amigos contando como foi seu TD, mas contando a verdade, sem exageros”.

12 O Estabelecimento do tipo privé funciona em prédios residenciais ou em salas comercias, sem letreiros ou avisos que indiquem a atividade em que atua. De um modo geral, atendem com hora marcada e não cobram entrada. As “termas” localizam-se em lugares movimentados, em “beira de estrada”, e possuem letreiros e iluminação apropriada. Cobram entrada ou consumação mínima.

13 Sinônimo de “cachê” no grupo pesquisado.

14 Conforme constataram Blanchette & Silva (2009), no Rio de Janeiro “existem 21 qualificações de prostituição na cidade, divididas por local de encontro, tipo de programa e categorizações morais”.

15 Ressalte-se que o uso das expressões “fight” e “peleja” poderiam implicar algum tipo de interação emocional, pois como se sabe, nos eventos competitivos, os esportistas são capazes de duelar e estabelecer interações emotivas – afinal, o adversário pode ser alguém que se admira e estima, por exemplo. No entanto, não se deve negar também a existência de disputas nas quais o objetivo é, primordialmente, a submissão do oponente. Neste sentido, o emprego do termo “abate” pareceu-nos indicar uma predisposição a este segundo tipo de sentido nos relatos dos provadores.

16 Não compartilho da presunção dos provadores de que o ato sexual comercializado implique uma relação de dominação do consumidor sobre a GP. Em verdade, no que se refere à prestação de serviços sexuais, o que se espera é que tanto o consumidor como a atendente não sejam “frescos” nem “arrogantes”.

17 É possível que eu esteja equivocadamente aproximando aqui duas dimensões distintas do emprego da palavra “emoção”. Afinal, o sentido conferido ao termo “emoção” quando nos referimos ao processo de socialização que ensina o jovem a não se envolver emocionalmente com uma prostituta é distinto do uso vulgar da expressão que descreve o grau de excitação no consumo de mercadorias sexuais.