e-ISSN 2764-7161 Escritos Especiais |
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O Internacionalismo das Ciências |
The Internationalism of Sciences |
El internacionalismo de las Ciencias |
Alberto Santoro |
Universidade do Estado do Rio de Janeiro [UERJ], Rio de Janeiro, RJ, Brasil |
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E-mail de correspondência: Alberto.Santoro@cern.ch
Recebido em: 18 agosto 2025 • Aceito em: 01 set 2025 • Publicado em: 26 set 2025
DOI: 10.12957/impacto.2025.94352
Resumo |
O Internacionalismo das Ciências foi se expandindo à medida que as comunicações se desenvolviam. A diferença do desenvolvimento científico de diversos países também foi se tornando cada vez maior. O apoio governamental tornou-se fundamental para o desenvolvimento científico em cada País. Além da situação política e diferenças sociais, outros fatores importantes freiam o desenvolvimento da Ciência, contribuindo para o atraso científico e tecnológico. E, quanto à economia, torna-se um país fortemente dependente de outros mais desenvolvidos. |
Palavras-chave: Internacionalismo das Ciências. Desenvolvimento científico. |
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Abstract |
The internationalism of science expanded as communications developed. The differences in scientific development between different countries also became increasingly greater. Government support became essential for scientific development in each country. In addition to the political situation and social differences, other important factors hinder the development of science, contributing to scientific and technological backwardness. And, economically, a country becomes heavily dependent on other more developed countries. |
Keywords: Internationalism of Sciences. Scientific development. |
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Resumem |
El internacionalismo científico se expandió con el desarrollo de las comunicaciones. Las diferencias en el desarrollo científico entre países también se hicieron cada vez mayores. El apoyo gubernamental se volvió esencial para el desarrollo científico en cada país. Además de la situación política y las diferencias sociales, otros factores importantes obstaculizan el desarrollo científico, contribuyendo al atraso científico y tecnológico. Además, económicamente, un país se vuelve altamente dependiente de otros países más desarrollados. |
Palabras-clave: Internacionalismo de las ciencias. Desarrollo científico. |
INTRODUÇÃO
As Ciências são internacionais com uma linguagem universal - a matemática - e, por esta razão, são fáceis de se desenvolver em qualquer país, mesmo que tenham sido inventadas e parcialmente elaboradas em algum lugar específico. No entanto, as chamadas ciências exatas, como a Física, encontram mais dificuldades para se desenvolverem em países cujas diferenças sociais e econômicas são mais acentuadas, pois requerem uma educação e instrumentação mais sofisticada, nem sempre disponível, para tornar possível o seu desenvolvimento. Consequentemente, o desenvolvimento tecnológico também é prejudicado. Segue-se daí uma cascata de consequências negativas para o desenvolvimento econômico, industrial, humano e social. Mas as relações entre as Ciências Sociais e as Ciências “Exatas” não são muito claras. Neste contexto, e, considerando as situações políticas (que precisam ser discutidas pelos profissionais das ciências), vamos nos limitar às questões ligadas aos acordos Internacionais, que aparecem como uma via atraente de desenvolvimento interno de cada país, e a Soberania, essencial para o desenvolvimento não somente das ciências, mas da própria economia dos países.
O DESENVOLVIMENTO DESIGUAL DAS NAÇÕES
A relação entre países de diferentes graus de desenvolvimento é uma consequência direta da política de dominação dos povos. O capitalismo impõe um modus faciendi nas relações entre nações. Em toda a história, o colonialismo e o imperialismo aparecem como uma “necessidade” para o desenvolvimento dos países Europeus e as consequentes guerras de dominação em todo o mundo. Todos “nós” desejamos Acordos e não parcerias comerciais. Queremos um acordo de colaboração e não de “negócios”.
Vamos nos concentrar somente na questão do desenvolvimento científico, em princípio também heterogêneo, e como ele poderá influenciar outras relações entre os países.
O saldo da segunda guerra mundial no que diz respeito ao número de cientistas foi de fato muito ruim para a Europa. Cientistas dos países Europeus foram para os Estados Unidos para manter e salvar não somente o desenvolvimento da ciência, mas também a própria vida. Havia entre eles muitos cientistas judeus que buscavam escapar das perseguições que os nazistas faziam ao povo judeu. Assim, os Estados Unidos se beneficiaram fortemente da consequente transferência técnico-científica implícita nesse êxito, permitindo uma permanente renovação nas tecnologias e, desta forma, contribuíram para o desenvolvimento de seu poderio militar.
A reação dos Países Europeus no pós-guerra foi criar um laboratório que pudesse reunir toda a Europa em torno das Ciências Exatas, criando a Organização Europeia para a Investigação Nuclear (Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire) que mais tarde passou a se chamar CERN, o maior laboratório do mundo para pesquisas em Partículas Elementares. No Brasil, praticamente na mesma época, fundou-se o CLAF que ao contrário do CERN estagnou. O Brasil, recentemente firmou um acordo passando à posição de Membro Associado e não a de Estado Membro como informa erradamente o Google. Além de outras informações erradas que lá estão como, por exemplo, sobre o Laboratório Sirius, que é talvez o maior laboratório do Brasil não somente no tamanho, mas sobretudo pela qualidade do trabalho lá realizado. Mas é de baixa energia e não é comparável a um acelerador de Altas Energias e partículas, como o CERN. O Sirius é sem dúvida um grande laboratório moderno, com aplicação em vários setores da ciência e tecnologia. Na figura, mostramos duas partes que dão uma ideia das dimensões do CERN.
Figura 1
CERN
L
H C
Fonte: Autor
Não vamos aqui contar a história do CERN que é o maior laboratório de Pesquisas do Mundo, principalmente em Física das Partículas elementares. Apenas queremos mostrar que juntos os países Europeus souberam superar as dificuldades e diferenças e construíram uma “facility” para que todos aqueles que desejam trabalhar em colaboração nessa área da Ciência possam fazê-lo. E são inúmeros os ganhos para a sociedade como um todo. São igualmente muitas as descobertas e o avanço das ciências e tecnologias realizadas por esse grande laboratório.
O CERN foi criado também no seio de um movimento de Paz! Conhecido como “Science for Peace” (S4P). Mas, é inegável, sofre uma influência forte de outras políticas ou interesses imediatos dos Países Membros, como vimos recentemente com a expulsão dos físicos russos dos seus quadros de pesquisas, devido ao conflito da Rússia e Ucrânia, quebrando assim, um compromisso com a S4P. Até então dizíamos que o CERN era um exemplo para o mundo de que era possível encontrar interesses comuns entre países, mesmo entre aqueles que estavam em conflito.
Não somos a favor de nenhuma guerra. Defendemos a paz e temos participado do Movimento Science for Peace (S4P).
Vamos mostrar, a seguir, o número de países participantes do CERN e o número de membros de cada país. Note que, ainda em 2020, a Rússia fazia parte como Membro Observador, com 1960 participantes.
Figura 2
Participantes do CERN
From Latin-América: Brasil (114), Chile (22), Colombia (21), Cuba (3), Equador (4), Mexico (53), Peru (3), Puerto Rico (1).
Há alguns anos, uma iniciativa da UNASUR, liderada pela Profa. Dra. Monica Bruckman, tentou propor um acordo com países da América Latina, de colaboração científica, mas que, por razões que desconhecemos em profundidade, não aconteceu e talvez devêssemos discutir como voltar à iniciativa de criar condições reais para um desenvolvimento científico em nossos países da América Latina. É preciso contar ainda essa história importante de uma iniciativa da UNASUR para talvez motivar novas iniciativas que poderão ser benéficas para o desenvolvimento no continente latino-americano. Seria possivelmente a hora de pensar em um laboratório Latino-Americano para o desenvolvimento da Física de Partículas. O Presidente Lula certamente apoiaria.
No Brasil, podemos dizer, houve, basicamente, três tentativas1 de desenvolver a Física de Altas Energias, ou Física de Partículas. A primeira foi liderada por Cesar Lattes, José Leite Lopes, Jayme Tiomno, Roberto Salmeron, e muitos outros cientistas e deu origem à criação do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF). O projeto era ambicioso e colocaria o Brasil em ressonância com a ciência da época. Mas, com a morte do Presidente Getúlio Vargas e a crise política da época, essa iniciativa foi brutalmente interrompida. A segunda tentativa foi liderada por Roberto Salmeron na Universidade de Brasília, onde as ideias de Darcy Ribeiro tiveram uma expressiva aceitação e um enorme sucesso, mas também foi interrompida com a intervenção militar do golpe de 1964. E a terceira foi iniciada com a proposta do físico norte-americano Leon Lederman e o Físico Mexicano Glicério Avilez para o desenvolvimento da Física de Altas Energias na América Latina, oferecendo oportunidades no FERMILAB/USA. Esta última está em pleno desenvolvimento e havia um sonho (conversas pessoais entre o autor e Leon) de Leon em fazer do FERMILAB uma espécie de CERN das Américas, isto é, o Laboratório seria governado por uma colaboração Panamericana. Essa iniciativa se desenvolveu bastante e com o término do projeto SSC, o super colisor americano, a grande maioria dos físicos que lá colaboravam migrou para o CERN para dar continuidade ao trabalho científico em Física de Altas Energias. Na América Latina muitos outros países, como o Brasil, fazem parte de colaborações científicas no CERN. (Chile, Colômbia, Cuba, Equador, México, Peru, Puerto Rico...) “Cada um por si e Deus por todos” como diz o ditado popular. Não conseguimos um ponto comum para nos unirmos em uma colaboração Latino Americana. Somente para conferências e relações pessoais entre colegas e não como mencionei acima. Existe ainda o CLAF (Centro Latino-Americano de Física) que embora tenha sido importante no passado, (criado antes do CERN) é hoje extremamente ineficaz.
Existe uma forte oposição permanente no meio científico, de vários setores da Física para o desenvolvimento da Física Experimental de Altas Energias. Atualmente menos significativa, mas ainda com muitas críticas infundadas. Podemos citar por exemplo a inexistência de um Comitê Assessor específico, principalmente nos Órgãos Oficiais como o CNPq, CAPES onde o comitê assessor existente responde pela Física como um todo. Isto gera incompreensões muito grandes e até mesmo freio para o desenvolvimento. Até hoje não foi compreendida a forma pela qual um físico da área de Altas Energias trabalha e as especificidades dos trabalhos que publica juntamente com todos os seus colegas. O modus faciendi e operandi é muito diferente de muitas outras áreas. Não se pode fazer um experimento de Altas Energias com meia dúzia de físicos. São sempre necessários milhares de físicos, estudantes, engenheiros, técnicos etc. Não é uma opção a forma pela qual a Física de Altas Energias é feita. A opção é fazer ou não esse tipo de Física de Altas Energias. Há outras diferenças, mas o tema aqui não é este.
A importância de citar estes fatos está na necessidade de o CERN e grandes experimentos procurarem criar atrações cada vez maiores para que um número maior de físicos venha a trabalhar nos projetos atuais e futuros. Então, mão de obra disponível é sempre necessário para desenvolver os inúmeros projetos e experimentos realizados no CERN. Mas não só de pessoal, mas também de matéria prima como o nióbio e de fabricação de partes dos detectores, que só podem ser fabricadas em indústrias especializadas ou em Países que possuem laboratórios adequados para realizar trabalhos de alto nível para os experimentos. Toda a instrumentação é feita em partes por indústrias de alto nível técnico e cujo design é realizado por físicos e engenheiros no CERN. Todo esse complexo de atividades exige financiamentos de alto nível e são garantidos pelos países membros e por países colaboradores como o Brasil. Daí as propostas de Acordos Científicos de Colaboração que se celebram entre países. Em particular, o Acordo que o Brasil assinou com o CERN é um acordo que não permite o voto do Brasil em nenhum comitê, mesmo os científicos, e obriga o Brasil a contribuir com alguns milhões de dólares anuais e não garante internamente no Brasil o financiamento para condições de trabalho na colaboração. Os gastos decorrentes do direito de nomear ou indicar brasileiros para passar temporadas longas trabalhando nos experimentos não podem ultrapassar, de forma alguma, o montante anual de contribuição do Brasil! Então, por que o envio de recursos para o CERN, se esses mesmos recursos em milhões de dólares, poderiam ficar no Brasil e serem usados pelos brasileiros e como decidissem os Físicos Brasileiros?
ACORDOS DE COLABORAÇÃO CIENTÍFICA INTERNACIONAL2
Não resta a menor dúvida que Laboratórios como o CERN são importantes para o desenvolvimento em todos os países que lá colaboram, não somente na área da Ciência, mas em todas as áreas do desenvolvimento de um país. Principalmente nas tecnologias que servem para o desenvolvimento industrial e permitem usar os recursos naturais sem violar a natureza e as riquezas que cada país possui em minérios estratégicos. Mas é preciso ficar alerta para “colaborações” e negócios comerciais e coloniais.
Os acordos precisam ser claros no que se refere à participação de cada um dos assinantes, com o cuidado para que não seja violada a soberania de cada país. É uma colaboração ou um “negócio comercial”? Entre empresas, no qual, o lucro é o objeto principal? Não podemos desprezar que no presente e no futuro o CERN precisa aumentar a disponibilidade de mão de obra e isto o motiva e o impele também a assinar acordos internacionais.
Os países Latino-Americanos têm muitos pontos comuns que permitem pensar em um desenvolvimento que beneficie todos e não um só país. Essa colaboração pode envolver Universidades, Escolas Técnicas, e outras instituições. Sim, pode também envolver outras áreas da sociedade.
O tema me lembra uma história corrente em Manaus, cidade onde nasci: uma missão científica inglesa, a título de colaboração com o governo local do Amazonas, desembarcou no Amazonas e encheu dois navios de mudas de seringueiras, a árvore da borracha, e levou para uma de suas colônias para lá plantar e assim competir com a produção do látex, com o qual se produzia a borracha na época. O ciclo da borracha na Amazônia foi fundamental para a economia local, permitindo construir a cidade de Manaus e contribuir de forma dominante para o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, de acordo com o discurso do Governador do Amazonas na Abertura da reunião da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) em Manaus. Ainda nessa reunião falei sobre o LHC/CERN e Sergio Bertolucci (Diretor do CERN) sobre Colaboração Internacional Cientifica3.
O ensino e a absorção do ensino, principalmente das ciências exatas, podem ser realizados de várias maneiras e desde o início da vida escolar de uma pessoa, embora os resultados variem de pessoa para pessoa. Isto é, por razões diversas alguns entram para a Universidade e outros não. E isto se deve principalmente às diferenças sociais que se tornam mais evidentes ao passar dos anos, e a complexidade social na qual estamos imersos.
Temos que pensar em uma estratégia de aquisição de conhecimentos que contemple as necessidades de desenvolvimento de nossas sociedades como um todo pensando nas consequências para a economia de cada País.
Nossos países (América-Latina) são extremamente ricos em minérios e outras matérias primas que são fundamentais para o desenvolvimento de tecnologias estratégicas industriais. Mas nos perguntamos se sabemos como usá-las, como explorar suas potencialidades. Um exemplo simples é o café, que existe em abundância em nossos países, mas quem mais ganha com o café são países que detêm a tecnologia para o tratamento e beneficiamento do seu grão. As matérias primas mais sofisticadas existem também em nossos países, mas quem detém as tecnologias de uso das mesmas não são os países latino-americanos. Continuamos assim dependentes de uma economia extrativista. Foi o caso da Borracha (na Amazonia), da castanha e de muitos produtos de nossa terra. Com a crise do tarifaço ficou clara nossa dependência tecnológica. Não tendo como transformar em produtos industrializados, há uma preferência para enviar principalmente a matéria primária.
É nesse contexto que acho que devemos desenvolver colaborações com países ou com instituições internacionais como o CERN para desenvolvermos o savoir faire da exploração e do uso de nossas riquezas, além de proporcionarmos um maior desenvolvimento técnico e científico em nossos países. Não estou defendendo o lado das aplicações unicamente. Também não estou defendendo que devemos Física de Altas Energias, e para deixar claro que os Físicos devem se dedicar principalmente ao desenvolvimento da Física. Como trabalham também engenheiros e técnicos, naturalmente surgem ideias de usar os conhecimentos e as tecnologias em aplicações. Um exemplo que considero foi o de um físico brilhante que inventou muitas aplicações para Medicina: George Charpak. Mas por incrível que pareça os maiores empecilhos estão com as classes dominantes que, por intermédio de políticos que os representam, impedem de certa maneira esse desenvolvimento. O pensamento político e as ações são voltadas para “comprar” principalmente no exterior.
É fundamental que saibamos como negociar acordos soberanos que deixem cada um dos assinantes das colaborações tirar proveito da colaboração sem que se submeta a acordos que podem ser considerados coloniais. É uma colaboração e não um negócio comercial.
Essa nossa preocupação tem muitos anos e tenho publicado alguns artigos que falam sobre essa questão da soberania e dos acordos científicos de colaboração internacionais. E aparecem sempre os “vendilhões do templo”, para fazer acordos incompatíveis com nossos interesses, na ilusão reformista de melhorar no futuro!
Em uma instituição de pesquisas como o CERN, a prática e o quotidiano dos cientistas é a ciência, a descoberta das leis fundamentais da natureza. Mas existe também uma preocupação com a sociedade e como a ciência poderá ajudar o desenvolvimento não só tecnológico, mas também humano e social principalmente dos países colaboradores, mas que se estende a todos os países do mundo. É claro que é preciso haver uma vontade dos países colaboradores de trazer todo material, por exemplo, a construção de um detector, ou de um acelerador, pode gerar inúmeras aplicações sociais com benefícios para todos. Foi assim que se criaram muitas instrumentações para a saúde, para exames que são extremamente eficientes na descoberta e no tratamento de doenças. Ressonâncias magnéticas, automação de exames médicos etc. são instrumentos consequentes de estudos e pesquisas na área da Física de Partículas. A fiscalização nos aeroportos, para evitar instrumentos indesejáveis a bordo das aeronaves, também em lugares de grande aglomeração humana, são tecnologias oriundas das pesquisas desenvolvidas em laboratórios de Física de Partículas e muitas outras aplicações. Outro exemplo importante é o desenvolvimento de projetos de aceleradores de partículas para fins de tratamento do câncer. A construção de aceleradores para a produção de radiação síncrona para pesquisas em biologia, eletrônica e outras áreas são cada vez mais abundantes e são uma consequência dos estudos e observação em grandes aceleradores de partículas4. Estou sempre mencionando a Física de Altas Energias porque é minha área de trabalho, mas é verdade também que toda a Física contribui enormemente para muitas invenções extremante importantes.
Os acordos internacionais de colaboração científica possibilitam os colaboradores a terem acesso a essas tecnologias e descobertas científicas. Mas é preciso lembrar que os acordos não são mágicos. É fundamental que haja uma ação interna em cada país colaborador, criando as condições básicas para que se possa trabalhar no país trazendo desenvolvimento científico e tecnológico, com benefícios para vários setores da sociedade. Por exemplo, assinar um acordo sem fazer um investimento interno para dar condições para que o cientista possa trabalhar e contribuir para o desenvolvimento científico e tecnológico, é beneficiar somente um dos lados. E isto é exatamente o que foi estabelecido no recente acordo assinado pelo Brasil e o CERN. Em todo acordo é fundamental que haja benefícios para ambos os lados. Ter condições de trabalhar com decisão do que fazer é, de uma certa forma, garantir a soberania do cientista. Se o País não providenciar os meios para a criação de laboratórios de trabalho no País, certamente estará somente formando mão de obra para o trabalho no exterior.
INTERFERÊNCIA POLÍTICA INDESEJÁVEL
A interferência política nos laboratórios científicos como o CERN pode ser prejudicial à própria instituição e ao desenvolvimento científico. Recentemente, a já mencionada tomada de posição do CERN na guerra da Ucrânia x Rússia trouxe para a instituição uma série de problemas. Uma interferência gratuita sem que houvesse uma justificativa de mau funcionamento da Instituição quanto a sua finalidade. Em primeiro lugar permitiu que milhares de cientistas colaboradores passassem a discutir o problema dentro das atividades científicas de uma guerra que só tem servido para aumentar as tensões mundiais. Um país tem todo direito de tomar partido por um dos lados ou até mesmo se declarar puramente contra a guerra. Um indivíduo também tem o direito de se pronunciar. Mas a Instituição CERN, onde todos os países lá colaboram fazendo Ciência, e representa a Instituição que propagou a Paz desde sua fundação, não poderia tomar decisões a favor ou contra um dos países em Guerra. Os Russos, desde a fundação do CERN, foram grandes colaboradores na construção de detectores para os experimentos e trouxeram muitos recursos para os experimentos. Mas para compreendermos como esta decisão apareceu basta entender que o CERN é dirigido por um órgão máximo que é o conselho que determina e aprova toda a política “científica” do CERN. E este conselho é formado por pessoal indicado pelos países membros. Como nada impede que um não cientista possa representar um país em instituições representantes atuais, originários de países europeus, que estão envolvidos nesse conflito de alguma forma, levaram essa posição dos seus países para o conselho e aprovaram a resolução que termina unilateralmente com a colaboração da Rússia e de seus institutos científicos e, consequentemente, com os cientistas russos.
Este episódio é lamentável, criando uma exceção nos procedimentos internos da Instituição Científica mais internacional do mundo.
Particularmente nós temos exemplos no Brasil de interferência política diretamente nas Instituições Científicas e Universidades como aconteceu na ditadura militar instalada em 1964, causando a ida para a Europa de muitos cientistas brasileiros e um atraso em nosso desenvolvimento. E membros das Universidades e instituições de pesquisas são os primeiros que sentem a falta de liberdade no exercício de suas funções.
Uma reação por parte da comunidade internacional sobre a nova guerra fria de ameaças dos colonialistas e imperialismo, tentando se colocar acima de tudo e de todos, foi o relançamento de declarações sobre a Paz via S4P (Science for Peace). Sobre o problema da intervenção política sobre as atividades de pesquisa no CERN e em relação ao nosso tema do Internacionalismo das Ciências o leitor poderá consultar um pequeno número de artigos5 recentes sobre a questão.
É fundamental para todos e para o bem da Ciência lutar pela Paz como foi até bem recentemente. Não podemos concordar com a posição do CERN quebrando o compromisso com a Ciência pela Paz. Agora, pelo tipo de composição do Conselho máximo do CERN, ficamos na dependência da política geral dos países Europeus. É uma situação perigosa para a sobrevivência das atividades no CERN.
Com o acordo assinado pelo Brasil com o CERN, o Brasil, quer queira ou não, se obriga a seguir essa política da instituição. É interessante lembrar que, anteriormente quem assinava acordos de colaboração científica era o CNPq, órgão criado para organizar e financiar a pesquisa científica no Brasil. Mas agora foi o Governo Brasileiro, diretamente pelo Presidente da República, que assinou o acordo. Portanto, seguirá também as determinações do Governo Central. Mas, como já disse acima, o Brasil não pode votar. É parecido com a época do Brasil Colônia, quando vinha um interventor nomeado pelo Rei de Portugal e determinava como deveriam fazer tudo no país inclusive a extração do ouro e madeira.
CIÊNCIA, TECNOLOGIA, INOVAÇÃO E INDUSTRIALIZAÇÃO
Estes três tópicos estão intrinsecamente ligados à industrialização. Se não houver ciência, a tecnologia necessária para o desenvolvimento industrial tem que ser importada e é mais um problema para a indústria, pois impacta diretamente nos preços dos produtos industriais. Tomemos um exemplo bem claro: A ciência produzida no CERN por intermédio das pesquisas e invenções de George Charpak, prêmio Nobel de Física, utilizando técnicas de detectores de partículas e da radiação, mostrou que era possível fazer instrumentos para a medicina em larga escala. Exemplificando, a indústria passou a fabricar por exemplo a instrumentação para exames com radiação e com ultrassonografias.
Percebendo que o aparelho não era fabricado no Brasil, perguntei ao médico que usava um instrumento de exames de imagem comigo, se aquele aparelho não funcionasse, por alguma razão, se havia técnicos para consertá-lo no Brasil. A resposta foi interessante: mandamos a passagem para o técnico do país de origem, conforme contrato, pagamos hotel e diárias para o técnico e os serviços são prestados. Não preciso mais dar explicações sobre os custos do hospital que são evidentemente repassados para os clientes. Pensem nas consequências deste fato e dessa lógica. O que nos interessa aqui é que não temos ciência, não temos técnicos e não dominamos a tecnologia ligeiramente sofisticada. Este é um pequeno exemplo do que se poderia denunciar em muitas outras situações. Acho que não preciso explicar que a Física de Altas Energias, tem um caráter estratégico além de cultural e científico. Investir nas Ciências não é gasto, é investimento. E deve ser proporcional ao tipo de Ciência para poder se desenvolver realmente.
A ausência de pesquisa científica e a ausência de invenções nacionais nos levam a uma dependência muito grande da importação e tem como consequência uma indústria de segunda categoria e um déficit grande na balança comercial.
Quero aproveitar a ocasião para mencionar o fato de que uma desindustrialização pode se dar de várias maneiras. Mas observemos que muitas das fabricas que fecharam no passado recente no Brasil eram indústrias estrangeiras. A indústria estrangeira não tem compromisso com o desenvolvimento do país e sim unicamente com o lucro. Algumas venderam tudo para outras indústrias estrangeiras, outras doaram tudo para uso em Universidades que nem sempre sabiam o que fazer com o material doado. (A Nokia no Amazonas, a Ford na Bahia etc.). Estes fatos têm relação direta com o desenvolvimento da pesquisa científica e tecnológica. Um outro exemplo de uma indústria nacional bem-sucedida é a Embraer cujo pessoal é formado por institutos de alta qualidade na região. Podemos dizer que parte do seu sucesso está implícito na sua concepção a qual previa pesquisas básicas ligadas às suas finalidades e não precisou copiar modelos e projetos de outros países.
Mais uma vez chamamos a atenção para o fato de que se usarmos a Colaboração Científica Internacional para o nosso desenvolvimento científico e tecnológico, podemos alcançar boa parte das atividades de fronteira e sair do isolamento científico-tecnológico no qual nos encontramos. Para que isto aconteça é necessário contar com um laboratório com instrumentação adequada.
CONCLUSÃO
Em minha breve conclusão, gostaria, ainda, de chamar a atenção para a formação de pessoal nas ciências exatas. Seria importante que houvesse disciplinas eletivas (não obrigatórias) sobre filosofia e política enfrentando, é claro, todas as dificuldades que esta questão implica. Em nossa concepção, seria dar uma formação mais humanística aos nossos profissionais e futuros cientistas. Reconheço que este poderia ser um debate para uma reunião futura no contexto do CLACSO. É necessário formar profissionais nas diversas áreas de ciências exatas mais engajados com a realidade do desenvolvimento de cada país. Por fim, não é demais lembrar que esses tópicos, aqui mencionados, precisam ser discutidos sempre.
AGRADECIMENTOS
Agradeço. E claro, de meu ponto de vista, a discussão continua.
NOTAS COMPLEMENTARES
1. A Science4Peace initiative Alleviating the consequences of sanctions in international scientific cooperation - A. Ali et all https://arxiv.org/abs/2403.07833
1 “CBPF: da Descoberta do Méson Pi aos dez primeiros anos”, Alfredo Marques, pag.159 “Cesar Lattes, A descoberta do Méson Pi e outras Histórias” Editora Livraria da Física; Roberto A. Salmeron, “A Universidade interrompida: Brasília 1964-1965”.
2 La colaboración científica internacional como parte de la estrategia de desarrollo 59, Alberto Santoro - Ciencia, Tecnologia, Innovacion E Industrializacion en América del Sur: Hacia una Estrategia Regional – UNASUR - Foro de la Unión de Naciones Suramericanas sobre Ciencia, Tecnología, Innovación e Industrialización en América del Sur, Río de Janeiro, 2 al 4 de Diciembre de 2013.
3 “A COLABORAÇÃO INTERNACIONAL A PARTIR DO CERN” – Auditório Rio Jatapú Conferencista: Sérgio Bertolucci (CERN) Apresentador: Alberto Santoro (CERN)14/07/2009; “O PROJETO E A FÍSICA DO LHC SBF” – Sala de Especialização 02 Conferencista: Alberto Santoro (CERN) Apresentador: Ronald C. Shellard (CBPF))15/07/2009
4 “Próximas Descobertas na Física de Altas Energias”, (LISHEP-2018-https://indico.cern.ch/event/675300/), Editores: L. Abreu, V. Oguri, A. Santoro, Livraria da Física,2018. Ver pag.37 “As aplicações de aceleradores e detectores de Partículas” por A. Santoro.
5 A - A Science4Peace initiative: Alleviating the consequences of sanctions in international scientific cooperation-A. Ali et all https://arxiv.org/abs/2403.07833
B - Beyond a Year of Sanctions in Science M. Albrecht et all - https://arxiv.org/abs/2311.02141
C - Science needs cooperation, not exclusion-5 March 2024 https://cerncourier.com/a/science-needs-cooperation-not-
exclusion/By accepting sanctions in science, writes Hannes Jung, we allow the dominance of politics over scientific cooperation
D - Removing Russia from CERN ‘helps Putin’, scientists fear https://www.swissinfo.ch/eng/science/removing-russia-from-cern-just-helps-putin-scientists-fear/77080889
E - The Inside Story of How CERN Sanctioned Russia “CERN was built as a force for peace. That has been thrown away. Peaceful scientific collaboration can now be terminated for political reasons.”
Philippe Mottaz - https://www.thegenevaobserver.com/author/phm/
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