e-ISSN 2764-7161 ENTREVISTA |
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Entrevista com Fernando Gabeira |
Interview with Fernando Gabeira |
Entrevista con Fernando Gabeira |
Caio de Araujo Souza |
Instituto Oswaldo Cruz/ Fiocruz [IOC-FIOCRUZ], Rio de Janeiro, RJ, Brasil |
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Fernando Gabeira |
Rede Globo |
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E-mail de correspondência: caio.1099@gmail.com
Recebido em: 22 maio 2025 • Aceito em: 01 jun 2025 • Publicado em: 12 ago 2025
DOI: 10.12957/impacto.2025.93509
Resumo |
Fernando Gabeira é jornalista, escritor, ativista político e ambiental, cuja trajetória reflete uma busca contínua por justiça social, democracia e preservação ambiental no Brasil. Formado em Jornalismo e Antropologia, destacou-se inicialmente por sua atuação como guerrilheiro na resistência à ditadura militar, participando de ações históricas como o sequestro do embaixador americano Charles Elbrick, em 1969, que visava a libertação de presos políticos. Após passar quase uma década no exílio em países como Argélia, Chile, Suécia e Itália, onde aprofundou seus estudos em antropologia e comunicação, retornou ao Brasil com a anistia e passou a atuar de forma intensa na política institucional. Gabeira foi um dos fundadores do Partido Verde no Brasil, pioneiro na defesa de metas ambientais que ainda eram pouco discutidas no cenário político nacional. Seu ativismo ambiental inclui a proteção da Amazônia, a luta contra o desmatamento, a promoção do desenvolvimento sustentável e a conscientização sobre as mudanças climáticas. Ao longo de quatro mandatos como deputado federal pelo estado do Rio de Janeiro, Gabeira defendeu políticas públicas externas para a sustentabilidade, os direitos humanos e a democracia participativa, sempre mantendo uma postura crítica contra a corrupção e as injustiças sociais. Além da atuação política, é autor de obras que se trouxeram referências da literatura brasileira, como O Que É Isso, Companheiro? que narra sua experiência na luta armada contra a ditadura, refletindo sobre os dilemas éticos e históricos daquele período. Hoje, Gabeira atua como comentarista político e ambientalista na mídia, contribuindo com análises críticas, fundamentadas e engajadas, que estimulam o debate público sobre os desafios sociais, ambientais e políticos do país. Sua trajetória é multifacetada no jornalismo, ativismo e literatura, consolidando-o como uma voz influente na defesa da democracia e do meio ambiente no Brasil contemporâneo. |
Palavras-chave: Ativismo ambiental, aquecimento global, sustentabilidade, educação ambiental. |
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Abstract |
Fernando Gabeira is a journalist, writer, political and environmental activist whose career reflects a continuous pursuit of social justice, democracy, and environmental preservation in Brazil. Trained in Journalism and Anthropology, he initially stood out for his role as a guerrilla fighter in the resistance against the military dictatorship, participating in historic actions such as the 1969 kidnapping of the American ambassador Charles Elbrick, aimed at freeing political prisoners. After spending nearly a decade in exile in countries like Algeria, Chile, Sweden, and Italy—where he deepened his studies in anthropology and communication—he returned to Brazil following amnesty and began active participation in institutional politics. Gabeira was one of the founders of the Green Party in Brazil, pioneering environmental agendas that were little discussed in the national political scene at the time. His environmental activism includes protecting the Amazon rainforest, fighting deforestation, promoting sustainable development, and raising awareness about climate change. Throughout four consecutive terms as a federal deputy for the state of Rio de Janeiro, Gabeira advocated public policies focused on sustainability, human rights, and participatory democracy, always maintaining a critical stance against corruption and social injustices. Beyond his political career, he is the author of works that have become references in Brazilian literature, such as What Is This, Comrade? which narrates his experience in the armed struggle against the dictatorship, reflecting on the ethical and historical dilemmas of that period. Today, Gabeira works as a political and environmental commentator in the media, offering critical, well-founded, and engaged analyses that foster public debate about the social, environmental, and political challenges facing the country. His multifaceted trajectory unites journalism, activism, and literature, establishing him as an influential voice in the defense of democracy and the environment in contemporary Brazil. |
Keywords: Environmental activism, global warming, sustainability, environmental education. |
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Resumen |
Fernando Gabeira es periodista, escritor, activista político y ambiental cuya trayectoria refleja una búsqueda continua de justicia social, democracia y preservación ambiental en Brasil. Formado en periodismo y antropología, se destacó inicialmente por su actuación como guerrillero en la resistencia contra la dictadura militar, participando en acciones históricas como el secuestro del embajador estadounidense Charles Elbrick en 1969, con el objetivo de liberar a presos políticos. Después de pasar casi una década en el exilio en países como Argelia, Chile, Suecia e Italia, donde profundizó sus estudios en antropología y comunicación, regresó a Brasil tras la amnistía y comenzó a participar activamente en la política institucional. Gabeira fue uno de los fundadores del Partido Verde en Brasil, pionero en la defensa de agendas ambientales que en ese momento eran poco discutidas en la escena política nacional. Su activismo ambiental incluye la protección de la selva amazónica, la lucha contra la deforestación, la promoción del desarrollo sostenible y la concientización sobre el cambio climático. A lo largo de cuatro mandatos consecutivos como diputado federal por el estado de Río de Janeiro, Gabeira promovió políticas públicas centradas en la sostenibilidad, los derechos humanos y la democracia participativa, manteniendo siempre una postura crítica contra la corrupción y las injusticias sociales. Más allá de su carrera política, es autor de obras que se han convertido en referentes de la literatura brasileña, como ¿Qué es esto, compañero? que narra su experiencia en la lucha armada contra la dictadura, reflexionando sobre los dilemas éticos e históricos de ese período. Actualmente, Gabeira trabaja como comentarista político y ambiental en los medios de comunicación, ofreciendo análisis críticos, fundamentados y comprometidos que fomentan el debate público sobre los desafíos sociales, ambientales y políticos que enfrenta el país. Su trayectoria multifacética une el periodismo, el activismo y la literatura, consolidándolo como una voz influyente en la defensa de la democracia y el medio ambiente en el Brasil contemporáneo. |
Palabras-clave: Activismo ambiental, calentamiento global, sostenibilidad, educación ambiental. |
Figura 1
Fernando Gabeira
Fonte: O autor
A Entrevista
1- Fernando, sua experiência durante o período da ditadura militar, incluindo o exílio, é um capítulo marcante de sua vida. Como essas vivências influenciaram a sua visão sobre a política e a luta pelos direitos humanos no Brasil? Em que medida essa vivência se conecta com seu ativismo ambiental, onde a liberdade, a dignidade e a defesa dos povos indígenas e do meio ambiente se tornam questões igualmente centrais?
O período de exílio possibilitou uma abertura para além da luta puramente antiditatorial. Estamos acostumados a pensar os antagonismos apenas entre burguesia e classe operária, mas começamos a perceber que a sociedade tinha outros antagonismos que se manifestavam de formas às vezes até mais sutis, mas que precisavam ser encarados e superados. Por exemplo, as mulheres passaram a ser um tema importante, assim como os negros e os homossexuais; todos eles passaram a compor esse grupo minoritário na sociedade – embora as mulheres não sejam exatamente uma minoria, mas que sofriam tratamento discriminatório. Além disso, o meio ambiente entrou na pauta. A vivência na Europa, sobretudo depois do lançamento de um documento do Clube de Roma em 1968, me aproximou muito das ideias de que estamos produzindo e consumindo de uma forma que os recursos naturais da humanidade não seriam suficientes, e que era preciso mudar isso. Foi nesse período que surgiu a ideia da sustentabilidade, que mais tarde não foi substituída, mas, de certa forma, foi fortalecida pela ideia do aquecimento global, que precipitou muito a crise que estamos estudando e vivendo atualmente.
2 - Como o você avalia o papel do Brasil no cenário global quando o assunto é meio ambiente? O que o país tem feito bem e onde ainda podemos melhorar?
Olha, o papel do Brasil no cenário mundial, a partir da questão ambiental, é um papel com muitas possibilidades. O Brasil é considerado um grande interlocutor nos encontros internacionais; é um país que detém uma vasta extensão de florestas e recursos naturais, e passa a ser uma espécie de depositário desse tesouro da humanidade, que precisa ser mantido, buscando caminhos de sustentação não só para a floresta, mas também para as comunidades que nela habitam. Assim, o Brasil aparece no cenário mundial mesmo sendo, do ponto de vista econômico e político, não tão importante assim. Ele surge com uma possibilidade de liderança que tentará consolidar, especialmente agora na COP 30. Eu acredito que o Brasil tenha condições de ser um líder mundial em termos de defesa do meio ambiente e preservação, desde que façamos os deveres de casa. Também é muito difícil manter os biomas de pé – a Floresta Amazônica, o Cerrado, o Pantanal, a Mata Atlântica – e, simultaneamente, desenvolver soluções sustentáveis não só para as grandes cidades, mas para o país como um todo. No conjunto, acho que o Brasil é realmente um país com um grande futuro, se considerar o potencial de riqueza que existe hoje em seus recursos naturais.
3 - Você documentou o chamado do Cacique Raoni, que é um marco importante na luta pela preservação do meio ambiente e pela valorização da ancestralidade indígena. Qual a importância de dar visibilidade a essas vozes e como elas podem impactar a política ambiental no Brasil?
Olha, a importância dos povos tradicionais no Brasil é fundamental, porque eles foram, de fato, os primeiros a ocupar o país. Em segundo lugar, eles têm um papel crucial na preservação da floresta. E, em terceiro lugar, estão travando uma luta que esteve na base do chamado do Raoni: a luta pela demarcação de suas terras. Então, eu acredito que a luta pela demarcação das terras indígenas é, simultaneamente, uma luta para proteger essas comunidades tradicionais, para dar voz a elas, e, ao mesmo tempo, uma luta pela preservação do país, pois esses povos são, em grande parte, responsáveis pelo que a floresta ainda mantém de pé.
4 - Como a experiência política o ajudou a compreender melhor os desafios e as possibilidades de implementar políticas ambientais eficazes no Brasil?
Olha, sempre existiu uma grande tensão entre a ideia de que o Estado iria resolver certos problemas e a ideia de que o mercado iria resolver esses mesmos problemas. Eu sempre me coloquei no meio dessa questão, achando que, em muitos momentos, a iniciativa privada pode ter um papel importante, mas que não podemos abrir mão do papel do Estado. Acredito que um dos fatores determinantes para o papel do Estado é exatamente proteger as áreas do Brasil que precisam ser preservadas. Daí vem a criação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), um projeto do qual fui relator na Câmara, que separa uma parte do território nacional para ser preservada na forma de diferentes unidades de conservação: parques nacionais, áreas de proteção ambiental (APAs), reservas biológicas, enfim, várias categorias de preservação que estão presentes. Então, acho que o Estado tem um papel importante nesse campo. Ele também tem a função de estimular a pesquisa e a inovação, buscando caminhos ecologicamente melhores. Além disso, o Estado é capaz, junto com a iniciativa privada, de estabelecer políticas que possam, de certa forma, se antecipar ao aquecimento global, sobretudo por meio de um processo de transição energética — de uma energia suja e poluidora para uma energia sustentável e limpa. Esse será um papel muito importante, e o Estado precisa desenvolver políticas que estimulem as empresas a trabalhar dentro dessa linha. Esse papel do Estado é fundamental para que a transição aconteça de forma efetiva. Além disso, o Estado também tem a responsabilidade de preparar as grandes cidades, e até as pequenas, dentro de certos limites, para os efeitos do aquecimento global — o que chamamos de adaptação ao aquecimento global. Isso inclui preparar as cidades para grandes enchentes e outras tragédias que acompanham as mudanças climáticas, além de mitigar os danos já causados até agora. Portanto, o Estado tem um papel muito amplo nessa questão, mas, como eu disse, ele não é o único soberano. Ele pode e deve se associar à iniciativa privada para alcançar esses objetivos.
5 - Como a atual polarização política impacta a promoção da Educação Ambiental no Brasil, e como podemos superar as barreiras ideológicas para alcançar uma educação mais inclusiva e sustentável?
Olha, a polarização política, da forma como ela é colocada hoje, impacta não só a educação ambiental, mas a educação de modo geral. Isso porque, evidentemente, a educação política passa pela tolerância às ideias alheias e pela abertura para discutir e enriquecer-se no diálogo. Quando há uma polarização muito intensa, esse diálogo rico desaparece e dá lugar ao confronto e ao discurso de ódio – coisas que são muito prejudiciais para a sociedade e para o trabalho ambiental. A educação ambiental é uma educação que, de certa forma, precisa transcender essa polarização. Ela precisa ser uma educação capaz de atingir a todos e de mostrar que, realmente, é um problema que diz respeito à sociedade como um todo. Evidentemente, esses problemas de risco atingem especialmente as camadas mais vulneráveis, tanto que dizemos que vivemos hoje numa “sociedade de risco” – uma sociedade onde as classes menos favorecidas são empurradas para a periferia e para lugares onde os recursos e a defesa contra os impactos ambientais são menores. Hoje, a educação ambiental e a educação social estão bastante entrelaçadas, e a polarização atrapalha esse processo porque, na verdade, ela busca mais o confronto entre as partes e a culpabilização do outro do que ideias que possam representar uma unidade nacional em torno de alguns temas. Vou te dar um exemplo: há momentos em que precisamos de unidade nacional, independentemente da polarização, e outros em que a polarização atrapalhou. Um deles foi a epidemia de COVID-19. Se tivéssemos uma política solidária nacional envolvendo todos, acredito que teríamos um resultado muito melhor do que o que tivemos. Por outro lado, também tivemos as enchentes no Rio Grande do Sul, que exigiram uma unidade nacional de apoio, e nem sempre isso aconteceu porque continuava havendo polarização e a luta entre as partes que hoje estão presentes no Brasil.
6 - Durante sua carreira como jornalista, o senhor tem acompanhado a mudança na forma de comunicar sobre o meio ambiente. Quais são as diferenças mais marcantes em relação à abordagem de décadas atrás?
Olha, existe uma abordagem que vem de décadas atrás, também adotada por políticos, que era basicamente a denúncia da destruição ambiental. Com o tempo, esse processo de denúncia foi se enriquecendo com outras dimensões da atuação. Uma dessas dimensões é o reconhecimento da importância da ciência no enfrentamento das questões ambientais, assim como a associação entre ciência e inovação. Outra dimensão fundamental é o estímulo à inovação e à sustentabilidade. Ou seja, passamos por uma época em que, predominantemente, se denunciava a destruição do meio ambiente, para outra época em que, predominantemente, se propõem soluções.
7 - Você, enquanto jornalista, sempre foi um defensor de temas importantes para a sociedade. Como o jornalismo pode contribuir para a educação ambiental e qual a sua opinião sobre a responsabilidade dos meios de comunicação em formar cidadãos mais conscientes sobre questões ambientais?
Olha, eu acho que o jornalismo tem um papel importantíssimo. Ele pode mostrar às pessoas, como eu disse, onde estão os problemas, quem está trabalhando para solucioná-los, quais são as soluções que deram certo e que podem ser aplicadas em vários lugares. O jornalismo, portanto, tem esse potencial de orientar a sociedade nesse caminho. Ele desempenha um papel fundamental porque, se olharmos o mundo hoje e a gravidade da situação ambiental, o nível de consciência ambiental no planeta ainda é muito inferior à dimensão dos desafios que enfrentamos. Assim, o jornalismo tem condições de ampliar esse nível de consciência e fazer com que as pessoas se tornem mais conscientes nesse processo.
8 - Quais são os maiores desafios e as principais oportunidades para as novas gerações que se comprometem com a causa ambiental?
Os maiores desafios ainda são esses que estou apresentando, como o aquecimento global e a necessidade de preparar as cidades para serem mais resilientes. O aquecimento provoca, entre outros efeitos, a elevação do nível dos mares, e é preciso preparar as regiões litorâneas, que certamente serão impactadas, buscando alternativas para se adaptar a essas mudanças. Esses desafios são muito importantes e hoje se associam também ao potencial da própria internet e da inteligência artificial. Um dos grandes problemas que nós, e principalmente as novas gerações, teremos que resolver é, primeiro, como integrar cada vez mais a luta ambiental à ciência; e, segundo, como utilizar da maneira mais eficiente possível a inteligência artificial para buscar soluções para esses problemas.
9 - Fernando, ao olhar para o futuro do Brasil e do planeta, qual mensagem você gostaria de deixar para os jovens que estão começando a se engajar na luta pela preservação ambiental?
A mensagem é sempre essa: a situação hoje parece muito difícil, e isso acontece por algumas razões que o próprio mundo nos mostra. Uma delas é o fato de termos perdido a participação do país mais importante do mundo na luta contra as mudanças climáticas – os Estados Unidos praticamente passaram para o lado do negacionismo. Além disso, com o afastamento dos Estados Unidos da aliança europeia, eles forçaram os europeus a empregar mais recursos na preparação militar. Com o aumento desses gastos militares, tanto os Estados Unidos, que lavam as mãos diante do problema ecológico, quanto a Europa, por sua vez, terão muito menos recursos para atender às necessidades da transição energética e ambiental. Por isso, acredito que as pessoas começam hoje em uma conjuntura muito desfavorável. Mas a tarefa delas é essa: temos um mundo que nos é dado em um determinado momento histórico, e não podemos escolher viver em outra época. É importante reconhecer que estamos começando num momento muito difícil para a história da humanidade, em que um dos principais países se recusa a aceitar o aquecimento global, e os demais, devido à quebra de alianças militares, enfrentam dificuldades para fazer os investimentos necessários.
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