Sexualidad, Salud y Sociedad

REVISTA LATINOAMERICANA

ISSN 1984-6487 / n.1 - 2009 - pp.177-201/ www.sexualidadsaludysociedad.org



As fronteiras da transgressão: a demanda por brasileiras na indústria do sexo na Espanha



Adriana Piscitelli

Doutora em Ciências Sociais

Unicamp

> pisci@uol.com.br


Resumo: Neste texto exploro as noções de erotismo presentes na demanda por brasileiras na indústria do sexo na Espanha. Tomo como referência aspectos da organização desta indústria e critérios que permeiam o consumo de sexo entre “clientes” espanhóis, trabalhando conjuntamente com material colhido no campo e veiculado em um site para clientes. Analiso as interseções entre gênero, sexualidade, raça e nacionalidade presentes nesse universo, mostrando os matizes diferenciados que adquirem na organização empresarial, regida por uma lógica que exige a incessante produção de diferenças, e entre clientes que  traçam fronteiras delimitando os alcances da transgressão. 

Palavras-chave: sexualidade, prostituição, migração, erotismo, interseccionalidades.


Las fronteras de la transgresión: la demanda de brasileñas en la industria del sexo en España

Resumen: En este texto exploro las nociones de erotismo presentes en la demanda de brasileñas en la industria del sexo en España. Tomo como referencias aspectos de la organización de dicha industria, y criterios que permean el consumo de sexo entre "clientes" españoles; conjuntamente trabajo com material colectado en el campo y difundido en un site para clientes. Analizo las intersecciones entre género, sexualidad, raza y nacionalidad, presentes en ese universo, mostrando los matices diferenciados que adquieren en la organización empresarial –regida por una lógica que exige la incesante producción de diferencias–, y entre clientes que trazan fronteras delimitando los alcances de la transgresión.

Palabras clave: sexualidad; prostitución; migración; erotismo; interseccionalidades


The borders of transgression: the demand for Brazilian women in the sex industry in Spain

Abstract: In this paper I explore the notions of eroticism present in the demand for Brazilian women in the sex industry in Spain. I take organizational aspects of this industry and the criteria that permeate the consumption of sex among Spanish clients as reference, in conjunction with data from field work and from a site for clients. I analyze the intersections between gender, sexuality, race and nationality present in this universe, showing the differentiated shadings that they acquire in the entrepreneurial organization, governed by a logic that demands a never-ending production of diversity, and among clients who outline borders which mark the extent of transgression.

Keywords: sexuality, prostitution, migration, eroticism, intersectionalities.


As fronteiras da transgressão: a demanda por brasileiras na indústria do sexo na Espanha1



No Brasil, a partir de finais da década de 1990, as discussões sobre gênero e migração internacional estão marcadas pela preocupação que provoca a inserção das mulheres na indústria transnacional do sexo. Essa inquietação envolve principalmente os deslocamentos para os países do Norte, entre os quais a Espanha adquire um lugar de destaque.2 Neste texto considero os aspectos que permeiam a demanda por brasileiras neste setor de atividade no país, prestando atenção às articulações entre gênero, sexualidade, etnicidade/nacionalidade e “raça”.

Nos últimos anos, a Espanha tem sido um dos países europeus que atraíram maior número de migrantes estrangeiros. No que se refere à comunidade brasileira, segundo agentes consulares, está integrada majoritariamente por mulheres e cresceu de maneira significativa na segunda metade da década de 2000.3 As brasileiras, do mesmo modo que mulheres migrantes de outras nacionalidades, trabalham sobretudo no setor de serviços e cuidados. O trabalho na indústria do sexo está longe de ser a principal ocupação dessas mulheres. Contudo, no marco de uma extrema diversificação da nacionalidade das prestadoras de serviços sexuais (Agustín, 2001), elas são consideradas uma presença significativa em alguns nichos de prostituição.4 De acordo com informações da Guardia Civil, em 2005 as brasileiras integraram o principal coletivo nacional em clubes5 espanhóis sob a jurisdição deste órgão (Policia Judicial, 2005).

No Brasil, o debate sobre a integração das mulheres do país na indústria transnacional do sexo é sinalizado pela percepção, já êmica, de que certa construção da feminilidade nacional, intensamente sexualizada e marcada pela “cor”, é um aspecto central em diferentes dinâmicas de consumo de sexo permeadas pela desigualdade: no “turismo sexual internacional”, na prostituição de brasileiras no exterior e no tráfico internacional de mulheres. O suposto é que essa construção, originada nas imagens de mulatas e negras produzidas no Brasil e difundidas no exterior (Dias Filho, 1998), explica uma elevada demanda de brasileiras. Tais imagens, associadas a traços fenotípicos vinculados a mulheres de pele escura, como os que constituem a figura da mulata (Corrêa, 1996), teriam se disseminado no exterior (Cecria, 2000), onde as brasileiras se converteram em exóticos produtos de consumo.

Esta explicação, na qual predomina a sexualização da “raça”, opera com o suposto de que as convenções de erotismo produzidas historicamente no Brasil foram exportadas e assimiladas no exterior, apresentando duas ordens de problemas. Em primeiro lugar, as imagens envolvendo brasileiros/as que circulam através das fronteiras não reiteram necessariamente aquelas que, produzidas no Brasil, foram utilizadas para difundir o país no exterior, inclusive em propagandas oficiais, até poucos anos atrás (Alfonso, 2006). Um exemplo é oferecido pelas imagens que circulam em Portugal, em que as mulheres, independente da cor da pele, são tratadas como mestiças porque sua brasilidade já lhes confere esta filiação. Essas imagens tendem a ser erotizadas por meio de uma construção de nacionalidade que é sexualizada, mas não está de forma inevitável associada às “cores” de pele escura (Pontes, 2004). Nesse sentido, tais imagens apontam para a racialização/sexualização da nacionalidade, marcada por gênero, e não para a sexualização da “raça”.

Em segundo lugar, os significados atribuídos à “etnicidade brasileira” diferem em diversos contextos migratórios. Igor Machado (2003), em uma observação que compartilho, chama a atenção para a existência de processos de exotização diferenciados, de acordo com as sociedades de recepção dos migrantes. Para compreender esses processos, é importante levar em conta as relações históricas de tais contextos com o Brasil.

Neste texto enfrento esses problemas procurando entender as relações entre imagens sobre o Brasil e inserção das brasileiras no mercado transnacional do sexo, prestando atenção aos cenários nos quais as convenções eróticas se materializam. Em um trabalho anterior, tomando como referência experiências de trabalhadoras sexuais brasileiras na Espanha, mostrei como as interseções entre categorias de diferenciação que marcam imagens corporais, escolhas e práticas sexuais adquirem conotações diversificadas, assumindo traços particulares em segmentos específicos da indústria do sexo, em diferentes contextos (Piscitelli, 2007; 2007a). Neste artigo elaboro essas ideias considerando como as articulações entre diferenciações são ativadas na organização da indústria do sexo e no plano do consumo, levando em conta as convenções de erotismo que permeiam os critérios de empresários de locais voltados para a prostituição e as escolhas realizadas pelos clientes.


Erotismo e diferenças

Na segunda metade da década de 1950, Georges Bataille, em uma formulação que se tornou central nas discussões sobre erotismo, afirmou que diferença e transgressão estão no cerne da atração erótica. Nesta leitura, na qual as relações envolvidas no erotismo são assimétricas, a diferença é basicamente de gênero, entre partes femininas, passivas, e masculinas, ativas/agressoras.6 Segundo o autor, o impulso motor do erotismo é a transgressão a proibições que, variando em lugares e épocas, restringem a liberdade sexual. A figura da prostituta seria emblemática da transgressão (Bataille, 2006).

As formulações do autor têm sido alvo de diversas críticas relativas às relações que ele estabelece entre noções de passividade, atividade e gênero (Gregori, 2004) e à localização do erotismo no interior da matriz heterossexual, dificultando pensá-lo fora da heteronormatividade (Braz, no prelo). Há outros pontos questionáveis nas ideias deste autor. A análise universalista realizada por Bataille apresenta apenas o gênero como diferença vinculada à transgressão, ignorando a potencial importância de outras distinções na conformação das convenções eróticas em momentos históricos e em contextos específicos.

Os estudos contemporâneos sobre a produção da sexualidade nos “lugares do desejo” que se conformam na confluência entre culturas oferecem elementos para refletir sobre este aspecto. Essas pesquisas analisam as relações estabelecidas no âmbito do colonialismo europeu (Jolly & Manderson, 1997) e de suas atualizações no mercado global do sexo atual (Piscitelli, 2004). Nesses estudos, que refletem sobre como o erotismo “ocidental” está constituído pelos encontros com os “outros” raciais e culturais não-europeus, a diferença é vinculada à relação com essas alteridades (Stoler, 1997). As conexões entre erotismo, exotismo e transgressão são traçadas levando em conta tensões relacionadas com raça e gênero no marco das desigualdades coloniais e na recriação e na atualização dessas interseções em diferentes contextos, incluindo os imaginários que permeiam os circuitos de “turismo sexual” e a prostituição transnacional.

Esse conjunto de referências contribui para situar meus comentários. Considerar a forma como gênero, sexualidade, “cor” e nacionalidade/etnicidade se imbricam em espaços da indústria global do sexo requer pensar a “interação” entre essas diferenciações, convenções de erotismo e de transgressão.


Cenários

A migração de brasileiras para se inserirem na indústria do sexo na Espanha é produzida em cenários em que a vinculação entre prostituição e transgressão adquire matizes diferenciados. As pesquisas sobre prostituição feminina realizadas no Brasil a partir da década de 1980 possibilitam perceber as nuanças da estigmatização dessa atividade em diferentes contextos (Fonseca, 2004; Passini, 2000; Gaspar, 1985; Piscitelli, 2006). No entanto, na década de 2000, de acordo com Luiz Fernando Dias Duarte (2004), no país a prostituição faz parte de uma série de práticas sexuais que estão passando por um processo de relativa normalização.7 Alguns movimentos em curso referendam esta observação. A atividade “profissional do sexo” foi integrada, em 2002, na Classificação Brasileira de Ocupações do Ministério do Trabalho e Emprego.8 A visibilidade das prostitutas tem aumentado, o que é perceptível no interesse do mercado editorial nos livros escritos por elas9 e na notoriedade adquirida por grupos organizados de prostitutas.10 Nesse processo, o aspecto socialmente condenável associado ao sexo comercial é vinculado, sobretudo, a condutas criminalizadas, quando tem lugar com menores de 18 anos, e ao tráfico de pessoas.11

Na Espanha, o cenário é marcado por um discurso que está acentuando o caráter delitivo e transgressivo concedido à prostituição. Na primeira metade da década de 2000, no âmbito das pressões da União Europeia no que tange à repressão da migração irregular e do tráfico internacional de pessoas, foram modificadas conjuntamente as leis espanholas relativas à prostituição e às disposições legais de Extranjería (Cortes Generales, 2007).12 A confluência entre os dois conjuntos de leis faz com que a presença massiva de estrangeiras na indústria do sexo, frequentemente irregulares, seja lida de maneira quase automática como vinculada a atividades delitivas. E esta relação é recorrentemente traduzida através da noção de tráfico internacional de pessoas.

Essas ideias foram decisivas no resultado do recente debate em torno do reconhecimento da prostituição como trabalho. Respondendo às pressões de coletivos de apoio às trabalhadoras sexuais, uma Comissão conjunta do Congresso e do Senado abriu a discussão sobre o tema. No quadro da disseminação de ideias alarmantes sobre a dimensão da prostituição na Espanha, o debate dividiu feministas, partidos políticos e agrupações sindicais e concluiu, em março de 2007, com a solicitação de não regulamentar a prostituição por se tratar de “exploração sexual, uma violência contra as mulheres, vinculada ao tráfico de pessoas”.13

Ao contrário, foi proposto um plano de luta contra a exploração sexual que inclui medidas para diminuir a demanda por serviços sexuais.14 Paralelamente, governos municipais de diversas cidades intensificaram o combate à prostituição de rua mediante ordenanzas sobre atuações em lugares públicos que, associadas a controles da Polícia de Estrangeiros, aplicam multas a clientes e a prostitutas e redundam em deportações.15

O resultado desse debate e as campanhas repressivas acentuam o aspecto transgressivo outorgado à prostituição e têm consequências na organização da indústria do sexo. Um dos efeitos é a intensificação do tom moral nas campanhas contra a prostituição, que responsabilizam os clientes, considerados como materialização do Patriarcado, por sua existência. Outro desses efeitos é o incremento da vulnerabilidade das pessoas que oferecem serviços sexuais na rua, vinculada à intimidação da polícia. Assim, a prostituição de rua parece estar sendo absorvida por espaços fechados, clubes16 e, particularmente, apartamentos – locais que passaram a concentrar ainda mais migrantes irregulares porque trabalhar e morar neles proporciona uma relativa segurança para quem está “sem papéis”.17


Diversidade: a organização da indústria do sexo

Autores que estudam a relação entre produção e consumo de massa chamam a atenção para o surgimento de uma nova diversidade no mercado de consumo, a partir da década de 1960, que contrasta com a homogeneização na produção existente até esse período (Miller, 1987). A grande variedade presente em clubes e apartamentos voltados para a oferta de serviços sexuais em grandes cidades espanholas parece remeter a essas observações. Tal diversidade materializa-se na presença de trabalhadoras sexuais de diversas nacionalidades, cujos estilos corporais tendem a ser mediados pelas exigências de proprietários(as) ou responsáveis que controlam a dinâmica dos lugares e orientam as mulheres em diversos sentidos, incluindo a produção corporal, roupas, sapatos, maquiagem e também as práticas sexuais, no sentido de oferecer serviços sexuais diferenciados. Simultaneamente, como resultado, em um movimento que parece contraditório, cria-se uma relativa homogeneização que tende a neutralizar as diferenças entre as mulheres.

Como compreender esse jogo entre variedade e homogeneização, como situar nele a demanda por brasileiras e ainda a concentração dessas mulheres em regiões específicas do país?

A indústria do sexo, heterogênea, apresenta características diferenciadas em segmentos desse setor, que variam regionalmente. A Galícia, na fronteira entre Espanha e Portugal, é uma das regiões nas quais se concentram brasileiras. De acordo com estudos realizados em espaços fechados, clientes casados e solteiros que procuram sexo e companhia preferem abertamente trabalhadoras do sexo brasileiras, tidas como jovens, alegres e com melhor disposição para o sexo (uma “relação natural e sem inibições”) do que as portuguesas (Ribeiro et al., 2005).

No final de 2007, observei alguns desses clubes, do lado espanhol, mas próximos à região de Trás os Montes, considerada por alguns nativos como “o Portugal profundo”,18 e Bragança, cidade portuguesa na qual poucos anos atrás se organizou um movimento de “mães” para expulsar prostitutas brasileiras (Pontes, 2004). Trechos do diário de campo dão uma ideia desses espaços.

Depois da fronteira, no meio do nada, na estrada deserta, iluminada pela lua, começam a aparecer os clubes. Após o escândalo das mães de Bragança, fecharam vários do lado português e abriram do outro lado da fronteira. São casas simples, comuns, de um andar, quase sempre brancas. O que as distingue é um néon fininho, vermelho ou azul, e algum nome, têm um estacionamento amplo, não há seguranças na entrada. Paramos em cada um, contamos os carros e olhamos as placas: todos têm placa portuguesa.

Entramos no clube tido como o mais frequentado da região. É um espaço iluminado. Há um balcão, com bancos altos e uma pista de dança. Dos lados um par de máquinas caça-níqueis. Algumas mesinhas com sofás. Há 15 mulheres espalhadas por diversas partes do espaço e apenas quatro clientes. Elas estão sentadas em grupinhos, próximas do balcão, em um e outro canto, duas jogam em uma máquina, há música, os clientes conversam com elas. O barman nos serve cervejas e diz que a maioria é brasileira, várias são de Goiás.

Elas vestem roupas análogas às usadas no cotidiano, no verão, por mulheres de camadas populares no Brasil. Calças no joelho ou saias relativamente curtas, tops de lycra e sandálias. A principal diferença está na maquiagem, elaborada. O clima é quase familiar. Elas circulam entre os clientes, oferecendo biscoitos. Contudo, ao ingressar no local, muito agasalhados, em uma madrugada na qual a temperatura exterior beira 1 grau, o espaço resulta chocante porque parece recriar, nos estilos corporais e nas interações, espaços voltados para a prostituição com clientes locais no clima quente do nordeste do Brasil.

Uma das mulheres parece mais jovem, na casa dos 20 anos, as outras aparentam ser mais velhas, de 30 a 40. Chama a minha atenção a diferença em relação às garotas que trabalham nos clubes em Barcelona, pela idade, os estilos corporais. Aqui parecem bem mais velhas e a produção corporal é menos elaborada. As mulheres são mais volumosas, a gordura é perceptível por debaixo do top, em cima da calça, e as roupas são diversificadas.

Aqui os clientes são homens com barbas malfeitas, roupas puídas, dentes amarelados e em mal estado. São homens da região, trabalham no cultivo das uvas e na construção. Eles parecem estar a uma distância imensa dos clientes que entrevistei em Madri e Barcelona.

Diário de Campo, Trás os Montes, 10 de dezembro de 2007.


Há uma grande diferença entre os estilos corporais das mulheres que trabalham nesses clubes de fronteira e em pisos e clubes sofisticados em cidades como Madrid e Barcelona. Estes últimos são frequentados, sobretudo, por clientes espanhóis dos estratos médios urbanos e por residentes de outros países situados nas camadas médias na Europa. A distinção relaciona-se aos critérios de escolha que os empresários atribuem aos clientes em uns e outros lugares. A ideia é que os clientes dos espaços mais sofisticados e cosmopolitas estabelecem uma hierarquia entre as mulheres que oferecem serviços sexuais, organizada em torno de diversos “traços”, como juventude, beleza, educação e etnicidade.

O ranking seria encabeçado pelas espanholas, seguidas por mulheres do Leste europeu, latino-americanas e, em último lugar, africanas (Pons, Rodriguez & Vega, 2002). De acordo com Pons (2003), na Catalunha, os empresários classificam as trabalhadoras na base de noções que associam latino-americanas e africanas ao “sexo à flor da pele” e a uma predisposição natural para ele. O degrau inferior da hierarquia seria ocupado pelas africanas, “mais selvagens, sem cultura”. Ao contrário, as mulheres do Leste europeu que, tidas como mais cultas, de mais categoria e mais “profissionais”, seriam as preferidas dos europeus.

Os autores que tratam da produção do desejo em espaços de encontros entre diversas culturas chamam a atenção para a construção de fronteiras etnossexuais, na articulação de noções de etnicidade e sexualidade (Nagel, 2003). No quadro analisado, a etnicidade, marcada por gênero, é mais vinculada à região do que a nacionalidades específicas. A etnicidade é associada a atributos que remetem à posição estrutural dessas regiões e é progressivamente sexualizada em uma leitura naturalizada, até alcançar os patamares mais distantes da “cultura” nos degraus inferiores.

As brasileiras são situadas nos níveis intermediários, englobadas na ideia mais ampla de latino-americanas que, contudo, abarca apenas algumas nacionalidades, “tropicalizadas” (Aparicio et alii, 1997). Dificilmente há referências a peruanas, equatorianas ou bolivianas, mulheres que integram coletivos de migrantes mais numerosos na Espanha. Contudo, não há traços que privilegiem as brasileiras em relação a colombianas, venezuelanas ou cubanas. No quadro dessa hierarquia, os clubes realizam uma oferta diversificada, porém, ela dificilmente inclui mulheres situadas no extremo inferior, como as negras africanas.

Nesse cenário há uma permanente valorização do novo e do diferente. De acordo com autores que estudaram a problemática em clubes de Barcelona, os empresários acreditam que a inovação e a oferta de novos serviços atraem os clientes (Pons, Rodriguez & Vega, 2002). Esta percepção é referendada em diversos espaços da indústria do sexo na Espanha. As nacionalidades mencionadas nas ofertas de sexo anunciadas nos jornais ampliaram-se, apresentando uma profusão de material sobre orientais, inexistente em 2004. “Asiáticas”; “Tailandesas, japonesas y chinas nuevas” ocupam porções significativas das páginas dos classificados voltados para “Contactos”.

A opção por uma relativa diversidade é evidente em diversos lugares observados. Paralelamente, a incorporação desse critério é acompanhada por uma tendência a controlá-lo mediante a homogeneização da produção corporal, os estilos de roupas e sapatos e até a padronização de práticas sexuais. Este ponto aparece com nitidez nos trechos de diário de campo relativos a uma observação em um piso no Eixample, um dos bairros mais elegantes de Barcelona.

O piso, tido como um dos melhores da região, está em um elegante prédio comercial. Na verdade, são três apartamentos unidos. A proprietária, uma espanhola miúda, de cabelo chanel, calça jeans e pouca maquiagem, na casa dos 40 anos, é especialista em sadomasoquismo, uma dominadora que se orgulha de sua especialidade e planeja ter a sala de “sado” mais sofisticada de Barcelona. Ela ensina práticas sexuais às mulheres que trabalham em seu estabelecimento e está decepcionada com o pouco interesse das meninas no “sado”. Demonstra sua (notável) expertise mostrando como pôr uma camisinha com a boca, comparando a qualidade de duas marcas de preservativo.

Os serviços aqui são mais caros, a partir de 80 euros, por meia hora. No piso trabalham 14 mulheres, em diferentes turnos de 8 horas. Há mulheres “muito antigas”, que estão aqui há dois ou três anos.

Numa sala no fundo, as mulheres se reúnem, descansando, assistindo TV, conversando e aguardando serem chamadas para apresentar-se no show room, quando chega algum cliente.nove mulheres de diversas nacionalidades – húngara, brasileira, colombianas, venezuelanas – de tipos físicos diferentes, pele e cabelos bem cuidados. A húngara, alta, de pele muito branca e loura, tem seios enormes. Uma colombiana muito jovem é miúda, redondinha e baixinha, de cabelos castanhos. Outra, esguia e mais alta, tem cabelos claros. A maioria está na casa dos 20 e 30 anos. As venezuelanas parecem um pouco mais velhas, têm a pele clara, os cabelos tingidos de louro. Uma delas foi corretora de imóveis antes de migrar. A brasileira, de Porto Alegre, alta, grandona, morena, é gaúcha, mãos e pés grandes e cabelos pretos compridos. Nenhuma é negra. Elas contam que há outra brasileira, também uma espanhola, mas não estão ali no turno.

Há sapatos de salto alto no chão, mais ou menos organizados, e batas rosadas felpudas, penduradas na parede. Há também pantufas. As mulheres estão embrulhadas nas batas rosadas, padronizadas, e calçam as pantufas, estas sim, diferenciadas, há pantufa de oncinha, com o formato de um coelho.

A garota húngara veste um jeans e uma blusa de oncinha, preparando-se para sair, a mami avisa que foi chamada para fazer um serviço fora. Chega um cliente. Todas são chamadas de maneira autoritária por ela, uma mulher loura, vestida com calça jeans, com ar autoritário, que grita de maneira ríspida: todas a la 6!.

Caem as batas. Por baixo, todas as mulheres vestem a mesma roupa, uma espécie de túnica grega, tomara que caia, curta, de corte irregular, transparente, de pano esvoaçante, deixando ver o corpo desnudo. Só variam as cores: branco, azul-celeste, rosa. Elas trocam as pantufas pelos saltos altos, saem, já desfilando, inteiramente uniformizadas. Depois retornam. Só volta a sair a colombiana baixinha e gordinha, com uma toalha na mão, ela foi a escolhida pelo cliente.

Diário de campo, 3 de abril de 2007


Embora minha pesquisa esteja centrada no universo do trabalho sexual envolvendo mulheres brasileiras na Espanha, também entrevistei algumas “trans”, termo que, neste país, engloba pessoas consideradas no Brasil como corporificação da travestilidade (Patricio, 2008; Pelucio, 2007), e fiz observação em pisos nos quais elas trabalham. As mulheres que entrevistei, sobretudo as “trans”, afirmam o valor a elas conferido em função da nacionalidade no mercado do sexo espanhol. Entretanto, o quadro da organização da indústria do sexo que se delineou na pesquisa sugere também a existência de outros critérios. No que se refere às mulheres, a padronização dos estilos corporais remete à relativa diluição de marcas nacionais enquanto singularidades. Além disso, o suposto privilégio concedido à nacionalidade se dilui diante da estandardização das práticas sexuais. Nos termos de uma paulistana na casa dos 20 anos, esguia, de pele clara e cabelos escuros, feições harmoniosas e olhos grandes, que passou uma semana no apartamento da “sado” descrito acima:

Me aceitaram, mas não fui bem. Tive apenas dois clientes em uma semana, porque não faço qualquer coisa. Por exemplo, felação, não faço o completo, não engulo o esperma, nem outras coisas. E a mami já diz isso para o cliente. Então, outras garotas trabalham mais.19

No que se refere às “trans”, na opinião de uma integrante do Coletivo de Transexuales de Cataluña, a nacionalidade também ocupa um lugar secundário:

La mayoría de las trans es de América del Sur: brasileñas, ecuatorianas, colombianas, en mucho menor medida cubanas. No hay trans de Rumania, de Europa del Este, ni nigerianas. Habría que pensar por que. Las españolas son de Andalucía, de las Canárias. Antes iban a Paris […] después a Italia. Esos países están más duros con la inmigración [...] Pero a los clientes, lo que más les gusta es la feminidad, cuanto más estereotipadas, pero con un gran pene y que funcione bien, tienen más salida. El factor trans es mucho más importante que la nacionalidad. [Pero] tienes que pensar que hay flujos que no dependen de la demanda, no dependen de los gustos ya establecidos. Hay algo importante que es la búsqueda por novedad, y si llenas el mercado con algo nuevo, pues esto tendrá salida. Y otras se retirarán.20


Nesse cenário, permeado por uma lógica que exige diversidade e novidade, proprietários de clubes e pisos escolhem as trabalhadoras sexuais procurando nacionalidades e estilos corporais tidos como atraentes, mas evitando “extremos”. O jogo da diversidade remete mais à valorização de uma variedade controlada do que ao privilégio concedido à diferença no sentido de valorização da singularidade.

Nesses espaços, as brasileiras são incluídas no leque de nacionalidades que, entre as latino-americanas, “tem saída” no mercado. Entretanto, nos locais em que fiz observação, os critérios de escolha incluem outros aspectos relevantes. A opção por latino-americanas está permeada pela percepção de que são “ordeiras e independentes”, isto é, de acordo com os entrevistados, sem vinculação com redes mafiosas que impõem condições aos proprietários de clubes, associadas, sobretudo, aos grupos do Leste europeu.

Neste ponto é necessário observar que, no quadro do debate sobre tráfico internacional de pessoas que tem lugar na Espanha, é frequente conceder grandes dimensões a essa problemática, confundindo-a com os serviços sexuais não-forçados oferecidos por migrantes irregulares. Isto é evidente nos informes da Guardia Civil, que apresentam todas as estrangeiras presentes nos “clubes” como vítimas (Policia Judicial, 2005), e nos relatórios de pesquisa, que reproduzem tais informações. Ao mesmo tempo, levando em conta a definição de tráfico de pessoas do Protocolo de Palermo (Piscitelli, 2008), há trabalhadoras sexuais em situação de tráfico. Este fato é referendado pela existência de “denunciantes”, isto é, mulheres que obtêm residência temporária ao denunciar os traficantes, em um número infinitamente menor que o das supostas vítimas, e de um reduzido número de mulheres atendidas em abrigos destinados às vítimas de tráfico.21 A informação que circula sobre essas mulheres indica que, em alguns casos, elas foram levadas à Espanha por redes organizadas. E é a este ponto que os empresários se referem.

Entre as latino-americanas, a escolha por brasileiras está vinculada às relações com redes sociais que facilitam o contato com mulheres dispostas a viajar para trabalhar na indústria do sexo na Espanha.


O consumo de sexo

O debate espanhol sobre prostituição insere-se na crescente tendência, nos países do Norte, de alocar a responsabilidade pelo suposto aumento da prostituição aos consumidores de sexo. Assim, concede-se grande atenção aos clientes nas campanhas repressivas e também na realização de pesquisas que consideram o consumo do sexo comercial por espanhóis como um dos mais elevados, proporcionalmente, da Europa (Lopez Insausti & Banego Esquerra, 2006).

Esses estudos, que procuram apreender a dimensão do consumo, os perfis e as motivações dos clientes, estão permeados pela ideia de que mulheres de diferentes procedências, com traços faciais diversificados, em bordéis, na rua e nas estradas, conformam uma espécie de supermercado do sexo, ampliando as possibilidades de tratar o sexo como mercadoria. Neste ponto, as percepções dos pesquisadores mantêm relações com as noções que permeiam as ações dos empresários da indústria do sexo, que procuram intensificar, através da variedade, a atração exercida pelo consumo.

Tais pesquisas, embasadas na ideia de que a prostituição é uma expressão da dominação masculina, classificam os consumidores por meio da criação de tipologias baseadas em seus hábitos e em suas motivações, traçando distinções entre clientes habituais, ocasionais e esporádicos; entre homens que têm dificuldade para se relacionar com mulheres; e os que procuram algo diferente e compram o que desejam ter. Estes últimos são divididos entre os que frequentam “puticlubs” como atividade grupal masculina e os que desejam realizar fantasias não materializáveis no âmbito conjugal. Outras classificações estabelecem diferenças entre os homens que pensam as mulheres como objetos e os “personalizadores”, que tratam as prostitutas com consideração e estabelecem relações afetivas com elas (Barahona & García Vicente, 2005).

Elizabeth Bernstein (2007; 2001) realiza uma leitura crítica das análises das motivações dos clientes que se baseiam em qualidades atribuídas a uma masculinidade trans-histórica. Sem ignorar as distribuições diferenciadas de poder presentes na indústria do sexo, ela vincula as motivações dos consumidores a especificidades históricas. De acordo com a autora, no momento atual, em cidades de países do Norte, há uma tensão entre a aceitação do sexo como recriação e a pressão normativa para retornar ao sexo como romance, relacional. O sexo como imperativo cultural, livre dos laços do romance e a percepção de comportamento erótico sem vínculos emocionais como patológico são produtos do mesmo tempo e lugar.

Ela observa, porém, que no efervescente mercado livre contemporâneo o amor romântico pode ser julgado de maneira desfavorável quando comparado com os prazeres eróticos mais neutros que é possível trocar por dinheiro. Segundo Bernstein, muitos clientes privilegiam a indústria do sexo porque carece da ambiguidade e do potencial hipócrita que percebem no “sexo como dádiva”, característico dos relacionamentos românticos. No deslocamento do comportamento sexual, de um modelo relacional para outro recreativo, há uma reconfiguração da vida erótica na qual a procura de intimidade sexual é facilitada por sua localização no mercado. Os clientes buscam trabalhadoras sexuais calorosas, amigáveis e que proporcionem a impressão de uma genuína conexão erótica, de uma relação interpessoal autêntica. O ponto é que preferem esse tipo de conexão em relacionamentos delimitados pelo intercâmbio de mercado.

Essas observações contribuem para situar as narrativas dos clientes espanhóis. Na análise de Bernstein, que trabalhou com um universo predominantemente “branco”, não há atenção a outras diferenças além de gênero. Cabe perguntar como, no quadro da tensão entre sexo recreativo e relacional, os clientes percebem a “diversidade” de oferta e qual é o lugar que eles concedem à nacionalidade e, de maneira específica, aos traços vinculados à brasilidade?

A heterogeneidade dos consumidores de sexo na Espanha, em termos de traços regionais, idade, classe social, escolaridade e até nacionalidade e situação migratória, torna impossível fazer generalizações sobre eles. Contudo, depoimentos de clientes de níveis médios de prostituição em grandes cidades e usuários de clubes e pisos sugerem que o jogo entre inclusão da diversidade e relativa diluição de marcas nacionais reitera-se no plano do consumo.

Este ponto aparece de maneira clara nas narrativas que circulam no site espanhol para clientes www.hotvalencia.com, no qual predominam relatos referidos a brasileiras.22 Os depoimentos remetem a uma ideia de cliente “hard”, à procura de novas experiências, para quem a prostituição faz parte das práticas de lazer. O item nacionalidade está integrado em uma lista de questões, que inclui perguntas referidas a corpo, rosto, idade da garota, práticas sexuais, flexibilidade para ampliar o tempo destinado ao serviço e intenção de repetir ou não a experiência com a mesma garota. Noções vinculadas à nacionalidade estão ocasionalmente presentes nas narrativas: certo caráter negativo concedido às argentinas, “apesar de guapas, caras, arrogantes, frias”; uma aparente valoração positiva da corporalidade e do temperamento das brasileiras, “com culos generosos”, “tipicamente simpáticas e carinhosas”.

Os aspectos corporais valorizados são diversificados: seios maiores ou menores (com ampla rejeição ao implante de silicone); cadeiras e bundas de diferentes tamanhos; idade, com preferências por jovens, mas também por “maduritas en forma”, até os 40 anos. Os relatos, porém, chamam a atenção para outros aspectos: técnica para a realização de sexo oral; combinação entre atividade e passividade; experiência e boa disposição das garotas; profissionalismo para demonstrar ou ser convincente em fazer acreditar que gostam do trabalho; e, sobretudo, técnica e paixão nos beijos na boca.

A beleza extrema, predominantemente associada a russas e a tchecas, comparadas com atrizes, aparece como secundária em face da relevância concedida às performances sexuais. A racialização tinge de maneira aparentemente positiva as descrições de “blanquitas” do Leste europeu. As latino-americanas, incluindo as brasileiras, são associadas a traços especialmente culturais. Apenas de quando em quando a “cor” aparece nas narrativas sobre mulatas ou morenas cor de canela de algumas ex-colônias espanholas, República Dominicana, Cuba. A racialização adquire particular destaque, com conotações negativas, nos (poucos) casos tidos como “extremos”, em que se trata de negras, africanas ou caribenhas e de asiáticas. Quando envolve as negras, a “cor” não aparece em termos apenas descritivos, mas classificatórios, “explicando” os atributos associados a essas mulheres.

As negras de Nigéria, Gana, Mauritânia e Jamaica e também as “moras”, de Marrocos, são objeto dos comentários mais depreciativos em todos os sentidos: em termos de corporalidade e também de temperamento, “sujas, fedidas, ladras”. Essa racialização está inteiramente separada da ideia de expertise sexual. O lugar ocupado pela negritude parece ser o da abjeção. As asiáticas representam a última novidade. Entretanto, os escassos relatos sobre chinesas e japonesas sugerem que essas mulheres, percebidas como carentes de atrativos corporais, passivas, sem conhecimento sexual e cutres (mistura de mau gosto e sujeira), são procuradas pela extrema novidade, em experiências que jamais são retratadas como satisfatórias.

O jogo entre procura de diversidade, sem maior destaque para a nacionalidade, e rejeição às diferenças extremas aparece registrado na maneira como são apresentados os nomes “de batalha” dessas mulheres. Espanholas, latino-americanas e mulheres do Leste europeu dificilmente apresentam marcas específicas nos nomes: são Lauras, Mônicas, Patrícias. Já os nomes das africanas apresentam traços específicos. E o espaço do estranho ocupado pelas asiáticas reflete-se na ausência de nomes a elas atribuídos; são registradas apenas em função da regionalidade: asiática, rua tal.

No conjunto dos depoimentos, o prazer está associado a relações com mulheres fora desses extremos, nas quais se combina sexo tido como satisfatório e a presença de afetuosidade, cuja máxima expressão é o beijo na boca, “como novios”. A capacidade das mulheres falarem em espanhol é tida como fundamental, uma vez que os clientes consideram que esse tipo de relação exige comunicação.

Vale registrar que o sexo satisfatório tende a ser relativamente “tradicional”. O sexo anal e a utilização de brinquedos ou o sexo com duas mulheres são raros. Outras práticas, como “sado” ou “chuvas”, nem sequer são mencionadas. Mas, independentemente da valorização da afetuosidade, a tendência presente em parte significativa dessas histórias de contatos sexuais é não repetir a experiência, procurando permanentemente um novo corpo. Nesse ponto, as espanholas são consideradas particularmente perigosas, uma vez que as características positivas que lhes atribuem fazem com que elas potencialmente “os prendam”. O ideal é obter inúmeras e efêmeras experiências de sexo pago em relações “como novios”. A nacionalidade, excetuando os casos extremos, aparece apenas como um elemento dessa ideia de novo/diferente.

Como opera a relação entre etnicidade/nacionalidade, sexualidade e “cor” quando se trata de outro estilo de clientes, menos “hard” e pouco preocupados com as novidades do mercado?

As narrativas de dois clientes com perfis diferentes dos que se delineiam nesse site, e também entre eles, entrevistados em Madrid, apontam para relações com essas noções. Ambos estão na faixa dos 40 anos. O primeiro, um madrilenho tímido e contido, funcionário público, magro, discreto, de óculos redondos e cabelo bem cortado, com uma iniciação sexual tardia, aos 27 anos, sem jamais ter tido uma namorada, gasta boa parte do seu salário de 1.500 euros mensais na prostituição, frequentando pisos entre uma e três vezes por semana. Procura sexo comercial com afetividade e permanência e, seguindo a mesma garota, chegou a frequentar um mesmo piso durante três anos.

En 1986, 1987, justo cuando empiezo yo a ir a pisos, empieza a haber extranjeras […] La primera oleada de extranjeras que detecté era del Caribe. Era la transición, se empieza a instalar el estado de bien estar social y, casi de golpe y porrazo, desparecieron las españolas de los pisos y empezaron a aparecer mujeres del Caribe, dominicanas, algunas cubanas. Después hubo algún grupo del Brasil y empezaran a venir las mujeres colombianas que son las que predominaron hasta hace 5 o 6 años. Ahora está todo muy mezclado. Brasil tuvo un repunte. Después vino algo de África, parte de Marruecos, Guinea, Nigeria, Sierra Leona. Y luego el Zagreb […] Después, el Este de Europa. República Checa, Hungría, mayoritariamente Rumania y Bulgaria. Rumania […] la lengua es derivada del latín y nos entienden y aprenden a hablar español. La cuestión lingüística es importante a la hora de decidir con quien vas.

Las mujeres latinoamericanas tienen un carácter personal y una cultura sexual diferente de las africanas y de las mujeres de otros países de Europa […] las sudamericanas tienen una forma de vivir la sexualidad más cariñosa, más contacto con la piel. Se comprende también con el lenguaje, que mi amor. Claro, puede hacer parte del teatro, pero yo creo que hace parte del cotidiano. Quizás las mujeres africanas sean un poco la antítesis […] Y las mujeres del Este Europeo estarían en el medio, tipo, a veces frío, un sexo de poca caricia, poca ternura...

Yo no soy alguien que se sienta atraído por la diversidad racial o geográfica. Yo conozco una persona y si la persona me cae bien, no estoy a ver cual es el penúltimo grupo de mujeres de procedencia exótica que llega a la calle […] Al haber seguido durante este tiempo estos cambios, las primeras mujeres que conocí y de las que fui cliente fijo, eran dominicanas. Después estuve un tiempo corto con alguna española. Después una africana, en la transición. Después una rusa.


O segundo entrevistado é um empresário vasco (fabrica produtos na China e os vende na Espanha), alto, forte, cabelos desregrados, atraente e comunicativo, divorciado e pai de uma filha. Passou a frequentar intensamente clubes após uma doença causada pelo excesso de consumo de álcool e drogas, que culminou em um transplante de fígado e coincidiu com seu divórcio.


Hasta los 40 años, mis contactos con el mundo de la prostitución fueron esporádicos. Mi iniciación sexual fue normal, a los 14 años, en un viaje, con una francesa […] Después he tenido muchas novias y me casé.

Hace unos tres o cuatro años comencé a ir a un sitio que hay al lado de casa […] Es un puticlub, bien organizado […] hay una barra grande, con música, como si fuera una discoteca. Y hay muchas chicas, entre 25 e 60, y siempre hay dos o tres que te puedan gustar. Es un hotel de 3 plantas. Hay chicas de todos los lados. Hay brasileñas, que viajan 5 meses, vienen aquí, luego van a Portugal […] Hay muchas chicas del Este, de República Dominicana, marroquíes. Orientales, solo una, pero no es mi sector. Yo, mira, voy mucho a China, pero, no. Hay chicas estupendas, hay de todo.

Cuando llegas tomas una copa si quieres, yo tomo una y espero ver a las 2 o 3 que me caen bien […] A mí me gustan las maduritas […] Pero la mayoría es entre 25 y 35. Las… chicas del Este, para mí, son las que están más a disgusto. Yo veo una dominicana, tan campante […] y las del Este, no. Son de Rusia, Rumania, blanquitas.

Como las elijo? [...] me gustan hermosotas, grandotas, una mujer que tenga carne [...] Elijo morenas, con ojos oscuros, puede ser hasta marroquí. Esto de los países, yo no soy así. Me gustan ellas como personas, claro, en la cama tiene que estar bien. Pero [lo que importa] es el trato que te da. Y que a ella le guste, en un momento dado. Lo que tiene que gustarme es ella! Y me han gustado pocas. Latinoamericanas, he estado con brasileña, venezolana, dominicana. Son mucho más naturales a la hora de afrontar la relación entre hombre y mujer, son más abiertas, más simpáticas, creo que la cultura es así, el trato es más agradable. Pero, son majísimas las tres, no he notado diferencias entre ellas. Todas, muy bien.

Iba de dos a cuatro veces por semana. Yo he ido porque me ha faltado. Me enfermé, me separé de mi mujer, me he quedado sin sexo, a mí me vino bien, me dio una levantada […] No buscaba nada diferente con las prostitutas, solo recuperar mi sexualidad. Ahora tengo una novia italiana y no voy, porque me mata! no me queda espacio ya. Yo creo que eso de que a todas les estás haciendo mal… estás pagando por una cosa, pero… no siempre sales con la sensación de que has hecho mal. Esa época… fue buena. Y defiendo a las prostitutas, que merecen todo el respeto.


As características assumidas por estes segmentos da indústria do sexo, os pisos e os clubes frequentados pelos clientes, são efeito da interação entre os interesses e as lógicas de empresários e consumidores. As narrativas dos clientes, assim como as dos empresários, aludem á diversidade de nacionalidades (não extremas), traçando, sobretudo, comparações regionais “etnicizadas” em termos de estilo de sexualidade vinculada ao temperamento. Contudo, os critérios que permeiam os relatos dos entrevistados se diferenciam daqueles dos empresários. Os clientes entrevistados, em um movimento que remete à utilização de possibilidades abertas pelo mercado, que Daniel Miller (1987) denomina de recontextualização, “aproveitam” a diversidade oferecida para encontrar relacionamentos sexuais pagos, delimitados, íntimos e carinhosos. Mas transitar por essa diversidade não é um objetivo erótico. O ponto em comum nos relatos desses entrevistados e nos dos usuários do site é que a brasilidade não é privilegiada, ou nenhuma outra nacionalidade.


Diferenças

Em diversas narrativas presentes no debate público na Espanha – incluindo certos setores do feminismo – e também nas análises de alguns pesquisadores sobre a “demanda” por prostituição no país, está presente a ideia de que a profusão de estrangeiras vulneráveis possibilita a recriação de desigualdades patriarcais inerentemente embutidas no consumo de sexo comercial, com o adicional de viabilizar o acesso a um desejado exotismo.

Neste ponto, as leituras críticas sobre erotismo que traçam suas conexões com transgressão e noções de exotismo, no marco da atualização de noções ancoradas nas desigualdades coloniais, são sugestivas. Essas atualizações são nitidamente perceptíveis em alguns segmentos da indústria do sexo atual, e cito como exemplo os espaços organizados de maneira quase artesanal do turismo sexual em regiões do Nordeste do Brasil (Piscitelli, 2007a). Entretanto, em segmentos altamente organizados dos setores médios da indústria do sexo na Espanha, paralelamente à profusão de diferenças, dentro de certos limites, o exotismo se dilui e o “nacional” – aquilo que é mais próximo – em termos de etnicidade é especialmente valorizado.

Neste universo de pesquisa, tais diferenças integram-se às convenções de erotismo em um procedimento em que as fronteiras étnicas e raciais mais extremas, longe de resultarem atraentes, são progressivamente desvinculadas da atração erótica. Ao contrário, o cerne do sabor erótico aparece associado ao estilo do contato sexual, “como novios”, porém no marco do sexo comercial, e o grau máximo de atração é exercido pelas mulheres mais próximas, as espanholas, tidas como as que oferecem mais perigo.

A gradação erótica aparece traduzida em termos das marcas étnicas e raciais, alocadas aos estilos de sexualidade. Alguns autores argumentam que, na recente etnicização dos “outros” que se faz presente na Europa, uma ideia de cultura essencializada é utilizada para naturalizar a desigualdade. Nesse sentido, tal etnicização remete ao racismo. Sem contestar esta ideia, é importante observar que no universo da pesquisa a racialização negativa, associada sobretudo à negritude, reporta a uma maior distância, a uma inferiorização mais intensa do “outro” e à deserotização. As mulheres afetadas por este tipo de racialização ocupam os piores lugares na indústria do sexo. As latino-americanas “que têm saída no mercado”, incluindo as brasileiras, sobretudo “etnicizadas”, e as mulheres do Leste europeu, racializadas de maneira positiva, ocupam os setores intermediários da indústria do sexo e, paralelamente, constituem os principais contingentes de estrangeiras com os quais se casam os homens espanhóis.


Conclusão

Afirmar que entre os consumidores de sexo comercial, em um país marcado por uma crescente expansão de aspectos do ideário feminista, essas convenções eróticas também estão vinculadas a uma transgressão particular, à obtenção de sexo com afetividade mas sem compromissos, em relacionamentos cujos limites são delimitados pelo pagamento, pode parecer banal, quase a reiteração de noções êmicas presentes no debate público sobre o tema. No entanto, como assinala Bernstein (2007), é necessário considerar que ela tem lugar em contextos em que o consumo de sexo comercial é ao mesmo tempo normalizado e problematizado, em um processo no qual a força normativa vinculada à manutenção de um modelo modernista de intimidade sexual relacional não pode ser ignorada.

Finalizando, retomo a ideia da circulação de uma imagem de brasilidade marcada por gênero, na qual a “raça” é sexualizada, como explicação da demanda de brasileiras na indústria transnacional do sexo. Diferente do imaginário sobre o Brasil presente em Portugal, produzido a partir das relações coloniais e atualizado no marco das novas migrações atuais, na Espanha a brasilidade marcada por gênero adquire visibilidade no âmbito dessas migrações.

No âmbito dos setores da indústria do sexo contemplados, as mulheres brasileiras integram o leque de latino-americanas apreciadas no mercado do sexo, mas sem singularizações nem “vantagens” específicas. Elas são tidas como portadoras do leque de traços sexualizados e “etnicizados” associados a mulheres de algumas das ex-colônias espanholas. Neste sentido, as articulações entre categorias de diferenciação remetem sobretudo à sexualização, marcada por gênero, de partes de uma região, em procedimentos que utilizam basicamente atributos “culturais”. Em outras palavras, a presença de brasileiras nos setores da indústria do sexo na Espanha não pode ser explicada como resultado de uma demanda específica por atributos alocados à nacionalidade. Ela aparece como efeito da combinação entre dinâmicas migratórias e a lógica da organização e do consumo de segmentos do mercado que requerem e utilizam a diversidade, no marco de fronteiras estabelecidas pelas convenções eróticas.

Recebido: 21/11/2008

Aceito para publicação: 27/03/2009



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1 Este texto está baseado em uma pesquisa apoiada pela CAPES, o CNPq e a FAPESP. Agradeço aos funcionários dos Consulados do Brasil em Barcelona e Madrid, particularmente Gelson Fonseca, cônsul geral do Brasil na Espanha, a Dolores Juliano, Verena Stolcke, Isabel Holgado, Bea, Constancia, Carla, Justine, Cristina Garaizával, Lurdes Perramon, Beatriz Espejo, Manuela Ribeiro, Octávio Sacramento, Fernando Bessa, Estefania Acien, Maria Luisa Maqueda, Elena Lazaro Gonzalez e, especialmente, a Laura Agustin e aos integrantes da rede on-line Indústria del Sexo, o apoio, o material bibliográfico e os contatos. Agradeço também a contribuição de Durval Ferraz e as sugestões de Mariza Corrêa, Ana Fonseca e Maria Filomena Gregori, e os comentários dos/as pareceristas anônimos/as da revista Sexualidade, Saúde e Sociedade – Revista Latinoamericana.

2 A presença de brasileiras trabalhando neste setor de atividade tem sido registrada em diversos países europeus para além da Espanha: Itália, Suíça, Alemanha, Portugal. Recentemente, Inglaterra e Irlanda estão se tornando destinos privilegiados por essas mulheres.

3 Em inícios de 2007 era estimada em 70.000 pessoas pelos agentes consulares, das quais menos da metade seriam migrantes regulares.

4 A pesquisa, realizada em uma abordagem antropológica, envolveu sete meses de trabalho de campo, a partir de 2004. Fiz observação em espaços voltados para a prostituição na rua, apartamentos e clubes, em Barcelona, Madrid, Bilbao, na Galícia e em Granada. Entrevistei informalmente quatro proprietárias/os de estabelecimentos destinados à prostituição, fiz entrevistas em profundidade com 14 mulheres e cinco travestis que têm oferecido serviços sexuais, com duas brasileiras inseridas nas redes de relações das anteriores, mas que não trabalham na indústria do sexo e com cinco clientes espanhóis. O trabalho incluiu também entrevistas em profundidade com 30 agentes vinculados a entidades que apoiam trabalhadoras/es do sexo, ao Consulado do Brasil em Barcelona e em Madrid, à Asociación Nacional de Clubes de Alterne e à Comisaría de Extranjería. Além disso, a pesquisa incluiu a análise de fontes e material secundário, dados estatísticos sobre migração, pesquisas acadêmicas e relatórios sobre prostituição, material de mídia e de uma home page espanhola destinada a clientes de prostitutas.

5 Espaços fechados voltados para a prostituição.

6 Bataille afirma que o terreno do erotismo é essencialmente o da violência e o da violação, no sentido de destruição da estrutura de ser fechado dos participantes no jogo sexual. No movimento de dissolução dos seres, ao participante masculino corresponderia, em princípio, um papel ativo. A parte feminina apareceria como passiva e dissolvida como ser constituído.

7 Pelo Código Penal Brasileiro (artigos 227 a 231), a prostituição que envolve pessoas maiores de 18 anos não é considerada crime. Somente sua exploração ou lenocínio é crime. O deputado Fernando Gabeira foi autor de um projeto na Câmara dos Deputados para regulamentação da profissão no Brasil, rejeitado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, em novembro de 2007.

8 http://www.mtecbo.gov.br/busca/condicoes.asp?codigo=5198. Acessado em 12/08/2006.

9 Ao texto já clássico de Gabriela Leite (1992), no qual a autora, uma universitária da USP na década de 1960, relata sua opção pela prostituição, somaram-se escritos recentes de pessoas que trabalharam na indústria do sexo (Mariana Brasil, 2003; Bruna Surfistinha, 2005).

10 Aspectos dessa notoriedade envolvem a criação de uma grife de moda, a Daspu, integrada por prostitutas do Rio de Janeiro, e de um programa de rádio, Rádio Zona, da Associação de Prostitutas da Bahia, apoiada pelo Ministério de Cultura.

11 Essa relativa normalização tem efeitos no universo de potenciais migrantes. Em estudos que analisam a participação de brasileiras na indústria do sexo em países europeus, a ideia de normalização da prostituição – vinculada ao desejo de acessar um patamar superior de consumo – aparece como relevante para compreender as noções que permeiam as viagens de mulheres que não trabalhavam neste setor no país, e que partiram com o objetivo de fazê-lo no exterior (Secretaria Nacional de Justiça, 2006).


12 No Código Penal de 1995, o exercício da prostituição envolvendo adultos sem mediar coação não era considerado delito. O proxenetismo era penalizado, mas só era considerado como tal o lucro obtido como resultado de coação, engano ou abuso de poder (Mestre, 2004). Nas reformulações, a obtenção de lucros da prostituição, mesmo envolvendo maiores de idade que agem de maneira voluntária, passou a ser delito e, de acordo com a Ley de Extranjería (art. 318 bis), é crime favorecer a imigração ilegal, com agravantes se o fim for a exploração sexual, e mais ainda se houver coação (Cantarero, 2007).

13 “La Comisión Congreso-Senado pide que no se regule la prostitución como trabajo.”, El País, 21/02/2007.

14 “El Parlamento rechaza regular la prostitución al ligarla al tráfico de personas.”, El País, 18/04/2007. Entre as medidas tomadas se inclui a recomendação de que os meios de comunicação renunciem à publicidade e aos “contatos” para viabilizar o comércio sexual.

15 Em Madri teve lugar “la operación contra la esclavitud sexual en la calle de Montera”, acompanhada de uma campanha destinada a clientes: “Porque tu pagas, existe la prostitución”. Em Valencia e Barcelona, a prostituição de rua foi combatida mediante ordenanzas municipais sobre atuações em lugares públicos. As ordenanzas foram recriadas em Sevilha e estão sendo consideradas também em Granada. “Pisos para 15 minutos de deseo”, El País, 11/02/2006; “El plan contra la prostitución ha fracasado, según el PSOE”, El País, 13/03/2006; “EU alega contra la ordenanza que multa en Valencia a las prostitutas”, El País, 01/03/2006; “Barcelona multa por primera vez a prostitutas en aplicación de la nueva ordenanza cívica”. El País, 01/02/2006; “Barcelona impone multas de hasta 3.000 euros a las prostitutas”, El País, 11/02/2006; PLATAFORMA COMUNITÁRIA: TREBALL SEXUAL I CONVIVÊNCIA: Comunicado de prensa: las entidades que conformamos la Plataforma Trabajo Sexual y Convivência denunciamos, 2006.

16 Os clubes de alterne concentram boa parte do trabalho na indústria do sexo na Espanha. De acordo com o informe da Guardia Civil, em 2005, 80% da prostituição feminina tinham lugar em clubes localizados em rodovias, apenas 20% teriam lugar em espaços urbanos, em “pubs”, apartamentos, como acompanhantes, e na rua (Policía Judicial, 2005). A atividade de alterne (acompanhar homens que bebem e/ou estimulá-los a beber) não é proibida por lei. Assim, os clubes de alterne tendem a ser alvo de repressão quando fica comprovado que há exploração da prostituição ou quando neles se encontram pessoas em situação migratória irregular.

17 Os apartamentos clandestinos costumam estar localizados em prédios comuns, comerciais ou residenciais. Nos clubes há operações policiais com relativa regularidade. Nos apartamentos, elas têm lugar sobretudo em função de denúncias.

18 Os clubes visitados ficam nas proximidades de Verin (uma vila a cerca de 50km de Ourense e a 20km da fronteira com Chaves, cidade ao Norte de Portugal).



19 Entrevista realizada em10/02/2008.

20 Entrevista realizada em 30/03/2007.

21 Cito como exemplo, os atendimentos na casa de acolhida das irmãs Adoratrizes, em Granada, entidade visitada em março de 2009.

22 Nas trocas de mensagens sobre mulheres que trabalham em pisos de Valência, 133 dos 298 registros sobre diferentes mulheres referem-se a brasileiras. Os demais depoimentos, acessados no site em maio de 2006, referem-se a 62 mulheres de outros países da América Latina, 42 mulheres da comunidade européia – principalmente espanholas (38), – 49 provenientes da Rússia e do Leste Europeu – com especial destaque para a Romênia (28) –, 6 da África e 5 da Ásia.